Conceitos Básicos de Electrónica Capítulos 1 a 4 Versão 1.0 Isabel Maria Cacho Teixeira João Paulo Cacho Teixeira IST Novembro de 2003 Índice 1. 1.1 1.2 Conceitos Básicos de Electrónica ......................................... 4 Funções Básicas dos Sistemas Electrónicos ................................................ 4 Dispositivos Electrónicos ........................................................................... 5 2. Análise de Circuitos Electrónicos ......................................... 5 2.1 Leis Fundamentais da Análise de Circuitos ................................................ 6 2.1.1 Leis Topológicas ................................................................................ 6 2.1.2 Leis Características............................................................................. 6 2.1.2.1 Leis Características de Dispositivos Passivos.................................. 6 2.1.2.2 Fontes Ideais e Reais ...................................................................... 7 3. Modelação de Dispositivos Electrónicos................................ 8 3.1 Conceitos Básicos de Modelação................................................................ 8 3.1.1 Modelos Formais................................................................................ 9 3.1.2 Modelos de Circuito ........................................................................... 9 3.1.3 Componentes de Modelos de Circuito................................................. 9 3.1.4 Desenvolvimento de Modelos de Circuito........................................... 9 3.1.5 Efeitos Capacitivos........................................................................... 13 3.1.6 Análise de Circuitos Electrónicos com Modelos de Dispositivos....... 14 3.2 Introdução à Física de Semicondutores..................................................... 17 3.2.1 Condutores, Semicondutores e Isolantes ........................................... 18 3.2.2 Condução em Metais. Condutividade. Resistência. ........................... 19 3.2.3 Condução em Semicondutores. Electrões e Buracos ......................... 21 3.2.3.1 Condução por Deriva .................................................................... 25 3.2.3.2 Condução por Difusão .................................................................. 25 3.2.4 Semicondutores Extrínsecos (Tipo N e Tipo P)................................. 26 3.2.5 Junção P-N ....................................................................................... 29 4. Díodo de Junção................................................................. 35 4.1 Equação Característica do Díodo.............................................................. 35 4.1.1 Região de Corte................................................................................ 37 4.1.2 Região de Condução......................................................................... 37 4.1.3 Modelo Linear por Troços ................................................................ 39 4.2 Mecanismos de Disrupção. Díodo Zener .................................................. 40 4.3 Exemplos de Circuitos com Díodos .......................................................... 43 2 Lista de figuras Figura 2-1 – Dispositivos passivos............................................................................. 6 Figura 2-2 – Símbolos de fontes de corrente e de tensão ideais .................................. 7 Figura 2-3 – Símbolos de fontes de corrente e de tensão reais .................................... 7 Figura 3-1 – Circuito genérico.............................................................................. 9 Figura 3-2 – Modelo de circuito............................................................................... 10 Figura 3-3 - Símbolo de uma fonte de tensão controlada por corrente ...................... 11 Figura 3-4 - Símbolo de uma fonte de corrente controlada por corrente.................... 12 Figura 3-5 - Símbolo de uma fonte de corrente controlada por tensão ...................... 12 Figura 3-6 - Símbolo de uma fonte de tensão controlada por tensão ......................... 12 Figura 3-7– Técnica de análise de circuitos electrónicos proposta ............................ 14 Figura 3-8 – Tipos de modelos de dispositivos electrónicos ..................................... 16 Figura 3-9– Resistividade de diversos materiais condutores metálicos ..................... 20 Figura 3-10 – Resistência de um material condutor de resistividade ρ. ..................... 21 Figura 3-11 – Tabela de classificação periódica de elementos químicos, de Mendeleiev. ..................................................................................................... 22 Figura 3-12 – Modelo de bandas de energia para semicondutores e para isolantes.... 23 Figura 3-13 – Geração de pares electrão-buraco....................................................... 24 Figura 3-14 – Gradiante de concentração de portadores de carga (electrões) na direcção x......................................................................................................... 26 Figura 3-15 - Mobilidade de deriva de portadores maioritários no Si em função da concentração total de impurezas. ...................................................................... 29 Figura 3-16 - Estrutura básica de uma junção P-N.................................................... 30 Figura 3-17 – Campo eléctrico associado a duas cargas ........................................... 31 Figura 3-18 – Região de carga especial (RCE) e regiões neutras num díodo de junção. ........................................................................................................................ 32 Figura 3-19 – Distribuição de carga, campo eléctrico e função potencial numa junção P-N. ................................................................................................................. 33 Figura 3-20 – Dependência da capacidade de junção, Cj, com a tensão de polarização do díodo, vD. .................................................................................................... 34 Figura 4-1 - Característica de um díodo de junção: .................................................. 36 Figura 4-2 – Circuito equivalente do díodo quando vD < 0 e | vD| >> VT ............. 37 Figura 4-3 – Curvas características do díodo com IS = 10e-15 A e com IS = 10e-16 A. ........................................................................................................................ 38 Figura 4-4 - Aproximação linear por troços da característica iD(vD) do díodo........... 39 Figura 4-5 – Modelo do díodo para vD < 700mV e vD ≥ 700mV..................... 40 Figura 4-6 – Símbolo e característica do díodo ideal ............................................... 40 Figura 4-7 – Modelo de circuito, equivalente de um díodo (aproximação linear por troços).............................................................................................................. 40 Figura 4-8 – Símbolo de um díodo Zener................................................................. 42 Figura 4-9 – Modelo de circuito (completo) de um díodo de Zener. ......................... 43 Figura 4-10 – Circuito com um único dispositivo não linear. ................................... 43 Figura 4-11 – Circuito limitador de tensão. .............................................................. 44 3 1.Conceitos Básicos de Electrónica A Electrónica é a ciência que estuda o comportamento de dispositivos, circuitos e sistemas electrónicos e a forma de os utilizar para realizar determinadas funções. Circuitos e sistemas electrónicos podem ser olhados numa perspectiva de análise ou de síntese. A análise refere-se ao estudo do comportamento de circuitos, com vista a determinar as leis de variação das grandezas (por exemplo, correntes e tensões) que os caracterizam. A síntese de circuitos refere-se à realização de circuitos que realizem uma dada função, a partir, por exemplo, da descrição formal dessa função. A fim de realizar funções em suporte físico (hardware), dispõe-se de um conjunto de componentes básicos, designados dispositivos electrónicos. A interligação de dispositivos permite concretizar a função (ou funções) pretendidas. A descrição do comportamento dos dispositivos, incorporados nos circuitos e activados por estímulos exteriores ao circuito, torna necessário a definição de modelos. Um modelo é uma representação concisa de uma realidade, o comportamento do dispositivo, descrito por um conjunto de características valorizadas num dado domínio. 1.1 Funções Básicas dos Sistemas Electrónicos Circuitos e sistemas electrónicos realizam funções. O termo circuito aplicase normalmente, quando a função realizada é relativamente simples. Caso contrário, quando a função realizada é complexa, aplica-se o termo sistema electrónico. Não esquecendo esta distinção (de âmbito) entre circuito e sistema electrónico, utilizar-se-á neste texto, indiscriminadamente, o termo circuito. Os circuitos electrónicos processam sinais digitais e analógicos. O processamento de sinais digitais refere-se à propagação de informação, conforme é associada a determinados valores de uma grandeza eléctrica (usualmente uma tensão) (por exemplo o ‘1’ lógico pode corresponder a 5Volt e o ‘0’ lógico a 0 Volt) através de determinados caminhos, que permitam a realização de determinada função lógica. Este processamento é realizado em electrónica por associação de fontes de tensão e dispositivos, alguns dos quais devem comportar-se como interruptores. O processamento de sinais analógicos corresponde a amplificação ou alteração de forma de sinais contínuos no tempo de acordo com uma dada lei. No primeiro caso, amplificação, pretende-se amplificar a amplitude de um sinal, sem alterar a forma do mesmo. Neste caso, a lei de controlo do 4 processamento analógico é uma lei linear. No segundo caso, o processamento é realizado segundo uma lei não linear. Em qualquer dos casos, este processamento é realizado por associação de fontes de energia e de sinal e por dispositivos, alguns dos quais devem ser capazes de usar energia para transformar quer a amplitude de sinais quer a sua forma. 1.2 Dispositivos Electrónicos Dispositivos são os componentes com os quais se constróem circuitos e sistemas electrónicos. Distinguem-se dois grandes grupos de dispositivos: passivos e activos. O dispositivo diz-se (passivo) activo se (não) é capaz de converter energia estática em energia dinâmica, alterando a amplitude e a forma dos sinais eléctricos. Resistências, condensadores, bobinas e díodos são exemplos de dispositivos passivos. O dispositivo activo básico é o transistor. De entre os componentes utilizados em circuitos electrónicos, o díodo é o elemento de um acesso mais simples que realiza a função de interruptor, embora não opere como um interruptor ideal. Como se verá em capítulo seguinte, embora o díodo se comporte, numa região de funcionamento, como uma resistência praticamente infinita, na outra região de funcionamento, comporta-se como uma resistência de valor muito reduzido, mas apresenta aos seus terminais uma tensão elevada (700 mV nos díodos de silício que são os habitualmente utilizados), patamar incompatível com os níveis de tensão de alimentação com que actualmente se trabalha. Um outro dispositivo que pode realizar a função de interruptor electrónico, muito mais próximo do ideal que o díodo, é o transistor. Por outro lado, tratando-se de um dispositivo activo, o transistor permite igualmente amplificar sinais bem como modulá-los (alterar a sua forma). Assim, o transistor é o dispositivo que, pelas suas características, está na base da realização de quase todos os circuitos e sistemas electrónicos. 2. Análise de Circuitos Electrónicos A análise de circuitos é realizada com base em leis que permitem descrever formalmente o comportamento do circuito. Utilizam-se leis de dois tipos, nomeadamente, leis topológicas e leis características. As leis topológicas, designadas por leis de Kirchhoff, descrevem as restrições que os diferentes componentes, interligados num circuito, estabelecem entre si. As leis características, ou simplesmente, características, descrevem as relações entre correntes e tensões num dispositivo. A descrição formal das características de alguns dispositivos é complexa. Por exemplo, um díodo operando em regime estático é descrito aproximadamente por uma relação exponencial entre a corrente que o percorre e a tensão aos seus terminais. Assim, o sistema de equações resultante da aplicação dos dois tipos de leis a um circuito pode ser transcendente, e consequentemente de difícil resolução analítica, manual. Nessa situação procura-se substituir a descrição formal geral das características por descrições mais simples, válidas em domínios mais restritos de tensões e correntes. 5 2.1 Leis Fundamentais da Análise de Circuitos Como foi referido anteriormente, na análise de circuitos utilizam-se as leis topológicas e as leis características dos dispositivos ou componentes. 2.1.1 Leis Topológicas As leis topológicas, designadas por leis de Kirchhoff, descrevem as restrições que os diferentes componentes, interligados num circuito, estabelecem entre si. As leis de Kirchhoff são as seguintes: Lei de equilíbrio de correntes (lei dos nós): Σ ij = o Lei de equilíbrio de tensões (lei das malhas): Σ vj = o 2.1.2 Leis Características A lei característica, ou simplesmente, a característica, descreve a relação entre correntes e tensões num componente. Como se referiu, circuitos e sistemas electrónicos são construídos com base em componentes passivos e/ou activos. 2.1.2.1 Leis Características de Dispositivos Passivos i R + v - V = Ri Resistência i C i L + vL - + vc - i = C dvC/dt vL = Ldi/dt Condensador Bobina i D + vD - i = Is (e vD/ηvT - 1) Díodo i v Figura 2-1 – Dispositivos passivos Na Figura 2-1 ilustram-se diversos dispositivos passivos de um só acesso (dois terminais), que exibem relações lineares ou não lineares na sua característica tensão/corrente. Uma vez que só possuem um acesso, são descritos por uma só lei característica. Assim, a resistência, o condensador e 6 a bobina, quando descritos por parâmetros constantes R, C e L, respectivamente, são dispositivos lineares. O díodo (realizado com material semicondutor e designado usualmente por díodo de junção) é um dispositivo passivo não linear, descrito por uma relação tensão/corrente como a que se indica na Figura 2-1, na qual i=ID é a corrente no díodo, vD é a tensão aos terminais do díodo, Is é a corrente de saturação, VT é a tensão térmica e η é um parâmetro dependente da tecnologia de fabricação, e que varia entre 1 e 2. Assume-se η = 1 em circuitos integrados e η = 2 em circuitos discretos. Is, a corrente inversa, é tipicamente uma corrente muito reduzida, da ordem de grandeza de 10-10 - 10-16 A. Em díodos de junção, IS é proporcional à área da junção. A tensão térmica é dada por VT = kT/q em que k é a constante de Boltzmann, T é a temperatura absoluta e q a carga do electrão. À temperatura ambiente (27oC), a tensão térmica vale aproximadamente VT ≈ 25mV. Is e vD variam com a temperatura de acordo com as seguintes leis de variação aproximadas: Is duplica em cada 10º C ∆vD / ∆T = - 2mV / oC. 2.1.2.2 Fontes Ideais e Reais Além dos componentes passivos, são elementos fundamentais dos circuitos electrónicos as fontes de energia, de tensão ou de corrente. Idealmente, pretende-se que uma fonte de tensão (corrente) forneça a mesma tensão (corrente), qualquer que seja a carga a ela ligada. Uma fonte que satisfaça este requisito, diz-se ideal. A tensão (corrente) fornecida por uma fonte de tensão (corrente) real depende da carga a ela ligada. Os símbolos são os que se representam nas Figura 2-2 e Figura 2-3. vS IS Fonte de corrente + _ Fonte de tensão Figura 2-2 – Símbolos de fontes de corrente e de tensão ideais RS IS vS RS Fonte de corrente + _ Fonte de tensão Figura 2-3 – Símbolos de fontes de corrente e de tensão reais 7 Qualquer das representações dos componentes é um modelo do componente. Com efeito, o recurso a modelos é crucial na Electrónica. Os modelos permitem simplificar o que é complexo, retendo os aspectos que, para um dado domínio de aplicação, são os relevantes, e desconsiderando todos os outros. Analisam-se na secção seguinte os aspectos fundamentais da modelação em Electrónica. 3. Modelação de Dispositivos Electrónicos 3.1 Conceitos Básicos de Modelação Como foi referido, um conceito fundamental na análise de circuitos é o conceito de modelo. Modelo é uma representação concisa da realidade. É preciso e consequentemente válido dentro de um dado conjunto de pressupostos que definem o domínio de validade do modelo. O modelo, dentro do seu domínio de validade, considera aspectos do funcionamento do dispositivo que modela, relevantes nesse domínio, desprezando os outros aspectos. Como se conhece, exactamente, o que se está a desprezar e a considerar, pode dizer-se que, no contexto do domínio de validade, o modelo e a análise que permite são precisos, dado que se podem conhecer os resultados e os erros ou aproximações cometidos na análise. Modelo e domínio de validade do modelo são, pois, indissociáveis. No âmbito da Electrónica, os objectivos a atingir, nomeadamente, o tipo de análise que se pretende realizar, condicionam as características de um dispositivo que devem ser consideradas no desenvolvimento do modelo que o representa. Por exemplo, se a análise a realizar é para determinar o comportamento do dispositivo quando submetido a fontes de energia (tensão ou corrente) constantes no tempo, análise estática, então o modelo só deve contemplar os aspectos que reagem a este tipo de estímulo. Se se pretende conhecer o comportamento do circuito quando submetido a estímulos variáveis no tempo e/ou na frequência, são os parâmetros dos dispositivos que reagem a estes estímulos que devem ser considerados. Um aspecto adicional a considerar é a precisão que se pretende alcançar com a análise, isto é, qual a gama de erros aceitável. Este requisito reflectese a vários níveis. De facto, condiciona a precisão dos componentes que se utilizam no circuito, e os aspectos de comportamento dos dispositivos que devem ser tomados em consideração. Por exemplo, uma resistência, RL, cuja lei de variação entre a tensão aos seus terminais, vL, e a corrente que a percorre, iL, é expressa pela lei de Ohm, vL = RL iL,, pode deixar de ser correctamente descrita por aquela lei. Por exemplo, em frequências muito elevadas, determinado tipo de resistências podem passar a comportar-se como uma bobina em série com uma resistência. Este exemplo muito simples destina-se a realçar o carácter limitado do domínio de validade dos modelos, enquanto representações de uma dada realidade. Em Electrónica recorre-se fundamentalmente a dois tipos de modelos, nomeadamente, modelos formais e modelos de circuito. 8 3.1.1 Modelos Formais Os modelos formais descrevem o comportamento de um dispositivo ou de um circuito ou sistema através de um conjunto de equações matemáticas. Estas podem ser derivadas com base em considerações físicas, reflectidas nos parâmetros que caracterizam os modelos (designados por este motivo como modelos físicos), ou por exemplo, por aproximação polinomial de curvas laboratoriais, designando-se os modelos por modelos numéricos. Exemplo de um modelo formal, físico, é a equação que representa a característica estática de um díodo de junção, já referida na Figura 2-1. i = Is (e vD/ηVT - 1) Este modelo é caracterizado por três parâmetros, IS, η e VT. 3.1.2 Modelos de Circuito Os modelos de circuito representam o comportamento do dispositivo através de circuitos eléctricos, equivalentes, que descrevem esse comportamento dentro do domínio de validade do modelo. 3.1.3 Componentes de Modelos de Circuito Resistências, condensadores e bobinas são componentes físicos reais. Podem comprar-se em qualquer loja de componentes. Também as fontes de energia são componentes físicos reais. Contudo, os correspondentes elementos de circuito idealizados (R, L, C, V e I) são utilizados por vezes para representar ou modelar efeitos físicos cuja relação entre as grandezas corrente e tensão que os caracterizam seja coincidentes com as relações características de tais componentes. 3.1.4 Desenvolvimento de Modelos de Circuito A fim de compreender como é que se desenvolve um modelo de circuito, considere-se o circuito genérico da Figura 3-1. a v1 i2 i1 X1 X2 b c v2 d Figura 3-1 – Circuito genérico 9 O circuito da Figura 3-1 representa quaisquer 4 nós de um circuito, dois dos quais são comuns, e comuns ao terminal de referência do circuito, b=d. Representa, pois, uma rede eléctrica de dois acessos. Ligar dois dos terminais ao nó de referência não altera em nada a generalidade do que vai ser exposto. Simplifica somente o raciocínio, na medida em que, em vez de referir diferenças de potencial entre o nó a e o nó b e o nó c e o nó d, se consideram as tensões v1 e v2 respectivamente. Não se conhece à partida a natureza de X1 e de X2. Assim, suponhamos que V1 = X1 i1 equação 3-1 X1 tem, neste caso, a dimensão de uma resistência, em que a corrente que o percorre é proporcional à tensão aos seus terminais. Assim, X1 comporta-se como um elemento resistivo, e pode por isso ser modelado por uma resistência R1=X1. Suponhamos agora que i1 = X1 dv1/dt equação 3-2 Neste caso, X1 descreve um efeito capacitivo e pode ser modelado por uma capacidade C1=X1. Se se admitir que i1 = X’1/v1 + X’’1 dv1/dt Equação 3-3 neste caso, X1 é uma admitância que representa o paralelo entre a resistência 1/X’1 e a capacidade X’’1 . X’’1 X’1 X1 Figura 3-2 – Modelo de circuito 10 Suponhamos, contudo, que : V1 = X1 i2 Também neste caso, X1 tem a dimensão de uma resistência. Contudo, a tensão aos seus terminais não é proporcional à corrente que a percorre. Ou seja, embora tenha a dimensão física de uma resistência (Ω), não se comporta como tal, nem pode ser modelada dessa maneira. Com efeito, a tensão V1 permanece constante qualquer que seja a corrente i1. Mas o elemento que tem uma tensão constante aos seus terminais, independentemente da corrente que o percorre, é uma fonte de tensão ideal. Só que, neste caso, o valor da tensão é imposto por uma corrente noutro ramo do circuito. Diz-se que X1 se comporta como uma fonte de tensão controlada por corrente. O símbolo que a representa é indicado na Figura 3-3. + _ vS vs= v2 = Rtr i2 Figura 3-3 - Símbolo de uma fonte de tensão controlada por corrente Dado que vs= Rtr i2. Rtr diz-se uma trans-resistência, porque relaciona a forma como uma corrente actua sobre um outro ramo do circuito. Se se admitir que i2 = X2 i1 X2 é adimensional e exprime a relação que existe entre a corrente i1 e a corrente i2. Isto é, representa um ‘ganho’ de corrente, Gi. A corrente i2 é independente de v2, e x2 comporta-se como uma fonte de corrente controlada por outra corrente. O símbolo que representa a fonte de corrente controlada por corrente é que se representa na Figura 3-4. 11 iS is = i2 = Gi i1 Figura 3-4 - Símbolo de uma fonte de corrente controlada por corrente Se a relação entre as grandezas for: i2 = X2 v1 X2 tem dimensão de condutância mas não pode ser representado por uma resistência porque a corrente que a percorre é independente da tensão aos seus terminais. Ou seja, comporta-se como uma fonte de corrente controlada por tensão. X2 é designada por transcondutância, Gtr. O símbolo é o representado na Figura 3-5. iS is = i2 = Gtr v1 Figura 3-5 - Símbolo de uma fonte de corrente controlada por tensão Suponhamos que v2 = X2 v1. Neste caso, X2 é adimensional e representa a relação entre a tensão em dois nós, ou seja o ganho de tensão entre eles, Gv, neste caso, entre v2 e v1. O símbolo é representado na Figura 3-6. + _ vS vs= v2 = Gv v1 Figura 3-6 - Símbolo de uma fonte de tensão controlada por tensão 12 Os modelos de circuito são pois constituídos, genericamente, por elementos passivos, resistências, por elementos armazenadores de energia, condensadores e/ou bobinas e por fontes de tensão ou de corrente controladas por tensão ou por corrente. Genericamente, numa fonte de corrente controlada por corrente ou por tensão is é dado por: is = gm vk ou por is = β ij sendo ij uma corrente noutro ramo do circuito e vk uma tensão entre dois nós do circuito distintos dos nós de entrada e de saída da fonte de corrente. Do mesmo modo, numa fonte de tensão controlada por corrente ou por tensão vs é dado por : vs = rm ik ou por vs = α vj sendo ik uma corrente noutro ramo do circuito e vj uma tensão entre dois nós do circuito distintos dos nós de entrada e de saída da fonte de corrente. Com estas primitivas de modelação, isto é, resistências, condensadores, bobinas e fontes controladas de tensão e de corrente pode modelar-se o comportamento de qualquer dispositivo electrónico cujas relações entre tensões e correntes aos terminais são descritas por equações mais ou menos complexas. Os modelos de circuito correspondem, necessariamente, a somas de tensões ou/e de correntes, na medida em que qualquer circuito, como se viu, pode ser descrito, do ponto de vista topológico, pelas leis de Kirchhoff. 3.1.5 Efeitos Capacitivos O símbolo do condensador é utilizado para modelar efeitos capacitivos, isto é, efeitos associados a variação de carga eléctrica num dispositivo. Num condensador, a relação entre a corrente, i, e a carga, Q, é dada por: i = dQ / dt equação 3-4 Se Q puder ser descrita por Q=Cv equação 3-5 em que o termo de proporcionalidade, C, se supõe constante (capacidade linear), então i = C dv / dt equação 3-6 Nos dispositivos semicondutores, as variações de carga associadas a variações de tensão são modeladas por capacidades, usualmente não lineares. 13 3.1.6 Análise de Circuitos Electrónicos com Modelos de Dispositivos Os circuitos electrónicos reais são constituídos por uma interligação de elementos de circuito lineares e dispositivos não lineares. Os dispositivos, por imposição do circuito exterior, são conduzidos a operar em determinado regime de funcionamento. Qual? E como deve ser conduzida a análise do circuito electrónico, real? Na Figura 3-7 ilustra-se, de forma resumida, um método eficaz de conduzir tal análise, por forma a utilizar modelos de dispositivos tão simples quanto possível. Dispositivos HIP. (operação) Modelos Análise do Circ. Analíticos Analíticos Simulação Simulação Experimentação Experimentação Função (operação) N Modelos: OK? S fim . Figura 3-7– Técnica de análise de circuitos electrónicos proposta Como ponto de partida do raciocínio, há que ter em mente que um dispositivo é inserido num circuito, a fim de realizar uma função. Se essa função for conhecida à partida, é trivial a definição da sua região de operação. Em princípio, uma região de funcionamento específica permite a caracterização de um modelo regional mais simples. Designa-se por modelo regional um modelo de dispositivo cujo domínio de validade se restringe a uma região de operação específica. A região de operação pode corresponder a um sub-domínio de tensões e correntes no dispositivo (por exemplo, a região de saturação de um transistor bipolar), e/ou a um sub-domínio da variação dos estímulos a ele aplicado (por exemplo, funcionamento estático, ou de variação lenta no tempo). Modelos regionais são modelos mais simples que modelos aplicáveis a diversas regiões de operação. A título ilustrativo, o modelo exponencial para um díodo de junção é válido para a região de corte e para a região de condução, no regime estático ou no regime de variação lenta no tempo. Se, de início, se souber que o díodo (inserido no circuito em análise) está em 14 condução, e a ordem de grandeza da corrente que o percorre, pode definirse, à partida um modelo linear por troços. Modelos lineares por troços (PWL, Piecewise Linear) são modelos aproximados (isto é, com menor precisão) que descrevem, para cada região de operação, o comportamento do dispositivo através de um comportamento regional linear. Assim, para o díodo, é possível identificar um modelo linear correspondente ao troço de condução. Tal modelo, como se verá no Capítulo 4, é caracterizado por dois parâmetros, Vγ e Rγ. Tal modelo simplificado permite uma análise de um circuito não linear através de uma rede eléctrica linear. Se a função do circuito não for conhecida a priori, ainda assim torna-se recompensador fazer uma hipótese quanto à região de operação do dispositivo. O conhecimento aprofundado do comportamento do dispositivo e uma análise preliminar do efeito restritivo do circuito exterior sobre o dispositivo permitem guiar a escolha do região de operação mais provável em que o dispositivo, no circuito em análise, deve operar. Assim, a definição da hipótese de operação não é aleatória, nem equi-provável, mas antes pode ser guiada, de modo inteligente, por forma a que, tanto quanto possível, se realize uma escolha right first time – isto é, a escolha acertada na sua primeira tentativa. Uma vez feita uma escolha (baseada na hipótese de operação mais provável), o modelo mais adequado à técnica de análise pode ser seleccionado. Se a análise for manual, a fim de se identificar a função realizada e as características essenciais do circuito, o modelo deve ser tão simples quanto a precisão da análise o consinta. Se a análise for realizada por simulação em computador, usualmente os programas de simulação possuem em biblioteca modelos elaborados, que permitem uma análise de grande precisão. Naturalmente, a complexidade do circuito pode condicionar a complexidade dos modelos utilizados, e o nível de abstracção em que o circuito (e os seus elementos constituintes) é descrito. Finalmente, as representações abstractas do dispositivo e do circuito electrónico podem ser confrontadas com a realidade que modelam, através da experimentação laboratorial. Tendo realizado a análise do circuito real, através de um circuito equivalente, que utiliza os modelos dos dispositivos, há que demonstrar que a solução encontrada é consistente com a hipótese feita, no início, quanto à região de operação do dispositivo. É a fase de verificação. Por exemplo, um circuito com um transistor MOS de canal N, de reforço, e para o qual se admitiu que operava na região de saturação, há que verificar (de acordo com o modelo de primeira ordem que iremos utilizar, descrito no Capítulo 5) que vDS > vGS –Vt. Em caso afirmativo, os resultados obtidos são válidos. Em caso contrário, há que estabelecer uma hipótese diferente quanto à região de operação do dispositivo, e repetir a análise do circuito (agora um circuito equivalente diverso). Neste ponto, pode resumir-se o conjunto de modelos de dispositivos electrónicos que servem como “ferramentas” na identificação da função realizada pelo circuito real que os contém. Tal resumo é ilustrado na Figura 3-8. 15 Lineares Lineares(R, (R, PWL PWL Não Lineares (D, T, AMPOP) Não Lineares (D, T, AMPOP) equações equações Modelos Modelos Analíticos Analíticos L,C) L,C) Estáticos Estáticos(DC) (DC) Análise no tempo (dig.) ou na frequência (analog.) Dinâmicos Dinâmicos Circuitos Circuitos equivalentes equivalentes Não NãoLineares Lineares(sinais (sinaisfortes) fortes) Lineares Lineares(sinais (sinaisfracos) fracos) PWL PWL Quasi-estáticos Quasi-estáticos Variação VariaçãoRápida Rápida Figura 3-8 – Tipos de modelos de dispositivos electrónicos Assim, caracterizam-se modelos estáticos (DC) e modelos dinâmicos. Os modelos estáticos descrevem o comportamento de dispositivos quando actuados por grandezas eléctricas (tensões ou correntes) de valor constante no tempo. Quando essas grandezas variam no tempo, duas situações de interesse podem ocorrer: as variações são suficientemente lentas no tempo, para que o dispositivo se comporte aproximadamente como se fosse actuado, instante a instante, por estímulos constantes no tempo, cujo valor iguala o valor instantâneo desses estímulos. Neste caso, o comportamento dinâmico pode ser descrito como uma sucessão, no tempo, de estados estacionários. Podem assim estender-se o domínio de validade dos modelos estáticos a regimes de variação lenta no tempo, designando-se tais modelos por modelos quasi-estáticos. Naturalmente, o ritmo de variação temporal dos sinais (estímulos) consentâneo com os modelos quasi-estáticos depende das características tecnológicas dos dispositivos. As variações são rápidas no tempo, dando origem a que efeitos dinâmicos do comportamento do dispositivo se tornem relevantes, alterando de forma significativa o comportamento dos dispositivos, relativamente ao comportamento previsto pelos modelos quasi-estáticos. É necessário, neste caso, recorrer a modelos de variação rápida, para uma descrição precisa do comportamento dos dispositivos. A título ilustrativo, num modelo quasi-estatico de um transistor MOS, admite-se (ver Capítulo 5) que a corrente de porta (gate) é nula. Todavia, a presença do óxido fino da porta (SiO2) entre o terminal de porta e o canal do transistor, junto com regiões condutoras acima e abaixo do isolante, configuram uma capacidade distribuída porta-canal. Na presença de sinais de variação rápida no tempo, esse efeito pode ser descrito pela representação de duas capacidades concentradas nos extremos do canal (Cgs e Cgd), sendo que correntes capacitivas originam correntes de porta (iG) não nulas. Do ponto de vista da facilidade de análise, é um facto bem conhecido que circuitos lineares são objecto de uma análise muito mais simples que os circuitos não lineares. Assim, uma vez que os principais dispositivos 16 electrónicos são dispositivos não lineares, importa identificar sub-domínios para os quais o comportamento do dispositivo seja linearizável. Deste modo, para modelos estáticos, a forte não linearidade das suas leis características permite, usualmente, definir modelos lineares por troços (PWL). Tais modelos descrevem, para cada região de operação, o comportamento do dispositivo através de um comportamento regional linear. No caso de regimes dinâmicos de operação, que obrigam à utilização de modelos dinâmicos, duas situações podem ocorrer: Quando a amplitude dos sinais é elevada (sinais fortes), os dispositivos, ao longo do tempo, percorrem mais do que uma região de operação. Dado o carácter fortemente não linear das suas leis características, essa circunstância inviabiliza a definição de modelos lineares; quando muito, permite uma descrição aproximada em que modelos PWL percorrem mais de um troço linear. Este é o caso de circuitos digitais, em que as variáveis Booleanas são descritas por tensões eléctricas, próximas de dois valores extremos de tensão – usualmente as tensão de alimentação. Quando a amplitude dos sinais é reduzida (sinais fracos), os dispositivos operam sempre na mesma região, observando-se apenas variações limitadas das tensões e correntes em torno de valores fixados pelas tensões de alimentação estática. Nestas circunstâncias, os valores instantâneos totais das grandezas eléctricas podem ser calculados através da sobreposição linear de duas componentes, uma estática (normalmente calculada a partir de modelos estáticos não lineares) e outra dinâmica, com sinais de amplitude reduzida. Para as componentes dinâmicas das tensões e correntes no dispositivo (componentes incrementais), é de novo possível definir modelos lineares – o que facilita em muito a análise dos circuitos equivalentes incrementais. Se as variações forem lentas, a partir dos modelos quasi-estáticos podem derivar-se (ver Capítulo 6) modelos incrementais (isto é, modelos que descrevem as relações entre os incrementos das tensões e correntes). Estes são modelos lineares resistivos, descritos por sistemas de equações algébricas nas componentes dinâmicas das tensões e correntes. Se as variações forem rápidas, os modelos incrementais dos dispositivos são lineares reactivos, contendo elementos de circuitos capazes de armazenar energia (condensadores, bobinas) e são descritos por sistemas de equações diferenciais. Como se verá adiante, a análise no domínio da frequência e o recurso à variável complexa permite transformar os sistemas de equações diferenciais, no domínio do tempo, em sistemas de equações algébricas, no domínio da frequência, o que novamente simplifica muito a análise dos circuitos equivalentes. 3.2 Introdução à Física de Semicondutores Nesta secção pretende-se tão só introduzir o leitor nos conceitos básicos da física de semicondutores, que lhe permita compreender o comportamento (aos seus terminais) de dispositivos electrónicos que utilizam esta tecnologia como suporte físico. Diversas equações fundamentais são introduzidas sem demonstração. A linguagem utilizada, de carácter frequentemente qualitativa 17 e coloquial, visa explicar, a traços largos, os fenómenos de condução em semicondutores e o seu impacto sobre o comportamento terminal. Recomenda-se ao leitor que deseje aprofundar estes tópicos a consulta a uma obra de referência neste domínio. 3.2.1 Condutores, Semicondutores e Isolantes Relativamente às suas propriedades eléctricas, os materiais que constituem o suporte físico dos dispositivos electrónicos apresentam diversas capacidades de condução de corrente eléctrica. A corrente é assegurada pelo movimento de cargas eléctricas móveis (electrões). A ligação (ou não) de electrões aos átomos dos elementos químicos modifica radicalmente a capacidade do material em conduzir (ou não) corrente eléctrica. Os materiais utilizados na indústria semicondutora para a fabricação de dispositivos, circuitos e sistemas integrados incluem: condutores (predominantemente, metais, em particular alumínio (Al) e cobre (Cu)), semicondutores (silício (Si), Germânio (Ge) e Arsenieto de Gálio (GaAs), entre os mais usados) e isolantes (óxido de silício (SiO2), entre outros). O Si, sendo o segundo elemento químico mais abundante à superfície da Terra, é o material semicondutor mais utilizado. Electricamente, o que os distingue no essencial? Macroscopicamente, quando se aplica uma diferença de potencial estática aos terminais de uma porção destes materiais, de que resulta um campo eléctrico interno, os materiais isolantes não conduzem (corrente nula), os semicondutores conduzem pouco (corrente reduzida) e os metais conduzem muito (corrente elevada). A capacidade de condução varia com a temperatura do material. Contudo, para os isolantes quase não varia, para os semicondutores pode variar muito e para os condutores diminui ligeiramente com o aumento de temperatura. Uma vez que a condutividade de um material depende, entre outros factores, da população de portadores de carga disponíveis para a condução, isto significa que, nos isolantes (também designados materiais dieléctricos), praticamente não existem electrões livres (isto é, sem ligação de valência aos átomos do material); nos semicondutores existe uma população reduzida e, nos metais, uma população elevada. A densidade de cargas móveis, disponíveis para a condução, depende da quantidade de energia que tem de ser fornecida a um electrão de valência (ou electrão ligado) para quebrar a sua ligação de valência e assim tornarse um electrão livre. A energia necessária para libertar um electrão pode provir da energia cinética recebida de outra carga móvel, por colisão inelástica1, da 1 Cargas eléctricas do mesmo sinal repelem-se; assim, no seu movimento no material, quando dois electrões se aproximam a sua força de repulsão fá-los trocar energia (perder ou ganhar) e mudar de direcção. Designa-se usualmente este acidente de percurso como “colisão inelástica”. 18 temperatura (energia de agitação térmica) e do campo eléctrico aplicado ao material. Para os metais, basta uma energia reduzida para quebrar a ligação de valência dos electrões da última camada. Para os isolantes, é necessário fornecer uma energia muito elevada. É o que acontece quando, na presença de campos eléctricos muito elevados, se produz um fenómeno de disrupção do dieléctrico, originando uma corrente eléctrica. Para os semicondutores observa-se uma situação intermédia: é preciso fornecer uma energia considerável, mas não comparável à necessária para os isolantes. Este aspecto será explicado mais em detalhe na descrição da condução nos materiais semicondutores, em que se recorre-se a um modelo de bandas de energia. 3.2.2 Condução em Metais. Condutividade. Resistência. O que caracteriza a condução nos metais é que, à temperatura ambiente, os electrões da última camada (ou “órbita”) já quebraram a sua ligação aos átomos (que ficam, assim, ionizados com carga positiva, fixa). Cargas iónicas, fixas, não contribuem para a corrente eléctrica. Nestas circunstâncias, existe uma enorme população de cargas móveis (electrões livres), que se deslocam no material segundo um movimento de agitação térmica e que podem, quando solicitadas por um campo eléctrico, constituir uma corrente coerente segundo o campo, originando uma corrente eléctrica aos terminais. Tal população de electrões livres é designada por “nuvem electrónica”. O movimento de agitação térmica é um movimento aleatório de cargas móveis, que possuem uma energia cinética cujo valor é proporcional à temperatura (daí a designação “de agitação térmica”). Nesse movimento, electrões livres aproximam-se (ou afastam-se) de outros electrões. Cargas eléctricas do mesmo sinal repelem-se. Assim, quando dois electrões se aproximam, a sua força de repulsão fá-los trocar energia (perder ou ganhar) e mudar de direcção. Como se referiu, esta modificação no movimento dessas cargas é designada por “colisão inelástica”. Uma vez que, sem tensão aplicada, não há corrente, o saldo deste movimento de electrões livres é macroscopicamente nulo. Todavia, ao aplicar uma tensão estática (de que resulta um campo eléctrico, E, constante, no interior do metal), esse campo aplica ao electrão uma força f = - q.E (q, carga do electrão) que induz neste um movimento uniformemente acelerado, entre duas colisões. Deste modo, ao longo do tempo, observa-se uma sobreposição de dois efeitos, a agitação térmica e a movimentação coerente com o campo. Designa-se o movimento coerente segundo o campo eléctrico como movimento de deriva. Embora a movimentação segundo o campo eléctrico tenha uma velocidade variável entre colisões, macroscopicamente pode definir-se um valor médio dessa velocidade segundo o campo, v. Uma vez que v é proporcional ao campo eléctrico, E, define-se uma constante de proporcionalidade, µ, como 19 v=µ.E e designa-se essa constante de proporcionalidade como mobilidade de deriva2. Quanto maior for o percurso médio entre colisões, maior a velocidade de deriva imprimida à carga móvel, ou maior a sua “mobilidade”. A densidade de corrente de deriva, J, pode obter-se como o produto da carga móvel por unidade de volume pela sua velocidade de deriva, v. A carga será (q.N), se N for a densidade de portadores de carga móvel. Pode então escrever-se J = (q.N).v = (q.µ.N).E = σ . E em que se introduz o conceito de condutividade do material, σ, definido por σ=q.µ.N A natureza do material (neste caso, o metal) determina o valor da condutividade. A condutividade expressa a facilidade (ou dificuldade) de, por acção do campo E, obter uma corrente, I = J.A (em que A é a secção transversal do material ao qual se aplica o campo). No caso dos metais, N é muito elevado, o que ocasiona condutividades elevadas. Também é usual definir o inverso da condutividade, ρ, designada como resistividade, através de ρ=1/σ=1/ q.µ.N Na Figura 3-9 indicam-se os valores de resistividade de diversos condutores. Material condutor Alumínio Cobre Ferro Chumbo Prata Ouro Ω.cm) Resistividade a 300oK (Ω -6 2.9x10 1.7x10-6 9.8x10-6 2.1x10-5 1.8x10-6 2.4x10-6 Figura 3-9– Resistividade de diversos materiais condutores metálicos Tipicamente, N não varia com a temperatura, T. Todavia, a mobilidade de deriva, µ, diminui com T, dado que o aumento da agitação térmica reduz o percurso médio entre colisões. Assim, a resistividade de metais aumenta ligeiramente com a temperatura. Considerando uma porção de material condutor, de comprimento L (Length) e de secção transversal rectangular, A, tal como se ilustra na 2 Para valores elevados do campo eléctrico, a proporcionalidade entre a velocidade e o campo deixa de ser constante e observa-se um fenómeno de saturação da velocidade de deriva. Essa saturação traduzse por uma redução efectiva da mobilidade, µ, e pode ser modelada como um efeito de modulação da mobilidade. 20 Figura 3-10, o valor da corrente eléctrica que resulta da aplicação de uma tensão eléctrica V aos seus terminais pode, finalmente escrever-se I = J.A = σ.E . A = σ.A . E = σ.A . V/L Donde se obtém I=V/R em que R, a resistência do material condutor, é avaliada por ρ/t). (L/W) R = L / σ.A = ρ . L/A = (ρ Nesta última relação, discrimina-se a secção transversal A = t.W, suposta rectangular, em que t (thickness) é a espessura da camada condutora e W (Width) a sua largura. Obtém-se assim a bem conhecida lei de Ohm, que descreve a lei característica de uma resistência linear, de valor R. ρ I → L t W A A = W.t R = ρ. (L/W.t) Figura 3-10 – Resistência de um material condutor de resistividade ρ. Note-se que a expressão da resistência depende da característica eléctrica intrínseca do material (através da resistividade) e das características geométricas do condutor físico (secção transversal e comprimento). Como se verá adiante, no projecto de circuitos integrados com condutores, semicondutores e isolantes, o fabricante fixa, por construção, o primeiro factor (ρ/t) das camadas disponíveis para construir o circuito. O projectista tem a liberdade de definir as dimensões geométricas (W, L) dos seus dispositivos, de acordo com a função pretendida. Por este motivo, é comum designar o primeiro factor da resistência como resistência da camada, RS (sheet resistance), isto é, ρ/t) RS = (ρ 3.2.3 Condução em Semicondutores. Electrões e Buracos O semicondutor é um material que deve o seu nome ao facto de, à temperatura ambiente, nem conduzir como os metais, nem isolar como os dieléctricos. Como se observa na tabela de classificação periódica de elementos químicos (Figura 3-11), os materiais semicondutores 21 homogéneos3 estão alistados na coluna IV, que se caracteriza por os seus elementos terem quatros electrões na última camada, ou órbita. Num semicondutor cristalino, a estrutura regular em que se dispõem os átomos (em forma de tetraedro com um átomo adicional, no centro do tetraedro) faz com que os 4 electrões da última camada, quando ainda ligados aos átomos, partilhem cada um a sua ligação de valência com um átomo vizinho, naquilo que se designa por “ligação de co-valência”. Figura 3-11 – Tabela de classificação periódica de elementos químicos, de Mendeleiev. Nos materiais condutores (metais), à temperatura ambiente, praticamente todos os electrões da última camada já se libertaram da sua ligação de valência e, portanto, deslocam-se livremente. Contudo, num semicondutor intrínseco, por exemplo, Silício puro, apenas uma fracção muito reduzida de electrões da última camada quebraram a sua ligação de co-valência tornando-se electrões livres. De facto, existe um acréscimo considerável de energia que tem de ser fornecida ao electrão para quebrar essa ligação. Num diagrama de energia, En, tudo se passa como se os estados de energia possíveis de ser preenchidos pelos electrões possam assumir valores até um valor máximo na situação de electrões ligados (valência), EV, e de um novo valor, superior, EC > EV, na situação de electrões livres, como se ilustra na Figura 3-12. Este modelo, de bandas de energia, define assim um hiato (gap) de valores de energia que não são possíveis para os electrões nesse semicondutor. Fala3 Designa-se por material homogéneo aquele que é constituído por apenas um elemento químico. Assim, semicondutores de Si ou Ge são semicondutores homogéneos. Também existem semicondutores heterogéneos, constituídos por átomos de elementos nas colunas III e V (tal como o GaAs) ou da mesma coluna (caso recente do SiGe). 22 se assim de uma banda de valência (E < EV), uma banda de condução (E > EC) e de uma banda proibida, de “altura” EG = EC - EV. Para o Si, EG = 1.11 e.V (electrão.Volt). O Germânio exibe uma altura da banda proibida menor: EG = 0.67 e.V. Materiais isolantes apresentam valores de energia, para a banda proibida, muito mais elevados: por exemplo, para o óxido de silício (SiO2), EG = 8.5 e.V (ver Figura 3-12). Banda de Condução EC EC Banda de Condução EG EV EG Banda de Valência semicondutor EV isolante Banda de Valência Figura 3-12 – Modelo de bandas de energia para semicondutores e para isolantes A existência desta “banda proibida” torna compreensível que, à temperatura ambiente, a energia térmica seja insuficiente para libertar uma fracção significativa dos electrões da última camada. Justifica ainda a forte dependência da concentração intrínseca de portadores de carga, ni, com a temperatura, dada por ni2 (T) = A. T3 . e- EG/KT em que T é a temperatura absoluta (Kelvin), A é uma constante do material, EG é o valor da banda proibida, K a constante de Boltzmann (K = 1.62x10-5 e.V/ºK). Para o Silício, A = 5.06x1043 m-6.ºK-3. À temperatura ambiente, no silício, ni (300ºK) = 1.45x1010 cm-3. O que indica este valor? Recordando que, na rede cristalina de Si, a concentração de átomos é de 5x1022 cm-3, isto significa que a concentração de electrões livres, à temperatura ambiente, é aproximadamente 1012 vezes menor que a dos átomos. Este valor tão reduzido justifica que o Si intrínseco, à temperatura ambiente, apresente uma resistividade muito elevada. Todavia, na condução em semicondutores, existe outro fenómeno relevante. Com efeito, cada electrão que, recebendo um acréscimo de energia EG, rompe a sua ligação de co-valência e torna-se um electrão livre, deixa atrás de si uma ligação de co-valência por preencher, literalmente, – um buraco. Que importância tem isso? Significativa. Com efeito, enquanto que, à temperatura ambiente, poucos electrões recebem acréscimos de energia EG, muitos podem receber incrementos bem menores. Contudo, a energia 23 necessária para um electrão ligado passar de uma ligação de co-valência, em torno de um átomo, para outra ligação de co-valência de um átomo vizinho, é bem menor que EG. Assim, se se aplicar um campo eléctrico que forneça alguma energia, é possível produzir um movimento de deriva de electrões livres, e um movimento de deriva de electrões ligados, de ligação de covalência em ligação de co-valência, ou, dito de outro modo, de buraco em buraco. Nestas condições, diz-se que cada electrão que recebe energia para quebrar a sua ligação de co-valência gera um par electrão-buraco ( Figura 3-13). Na realidade, haverá electrões a deslocarem-se livremente na banda de condução e electrões a deslocarem-se entre ligações de co-valência na banda de valência. Assim, para um semicondutor intrínseco, a concentração de electrões livres, n, e a concentração de buracos, p, são iguais, isto é, n = p = ni(T) Banda de Condução - EC EG EV + Banda de Valência semicondutor Figura 3-13 – Geração de pares electrão-buraco. Por outro lado, o movimento de agitação térmica, com as correspondentes trocas de energia entre cargas, origina que, aleatoriamente, se produza uma geração de pares electrão-buraco e uma recombinação pares electrãoburaco, quando electrões livres perdem energia e retomam uma ligação de co-valência. Em equilíbrio, as taxas de geração e de recombinação são iguais (g = R) e proporcionais à concentração intrínseca, através de g = R = r.n. p = r. ni 2 É fácil de perceber que a velocidade dos electrões livres, na banda de condução é superior à velocidade dos buracos (entre ligações na banda de valência). Consequentemente, a mobilidade de deriva de electrões livres (µn) excede a de buracos (µp). De um ponto de vista macroscópico fala-se, por simplicidade de linguagem, em dois tipos de portadores de carga, cargas negativas, os electrões livres na banda de condução, e cargas positivas, os buracos na banda de valência. O movimento aparente de buracos é em direcção oposta ao 24 movimento de electrões ligados, de ligação de co-valência em ligação de covalência. Na realidade, os portadores de carga - quem se desloca - são sempre electrões. Todavia, as duas correntes (a de cargas móveis “positivas” e negativas) somam-se. Surge assim, no semicondutor, o conceito de condução bipolar (de cargas “positivas” e negativas). Por contraste, a condução em metais é uma condução unipolar. 3.2.3.1Condução por Deriva Na presença de dois tipos de portadores de carga – electrões e buracos -, pode derivar-se a expressão da condutividade de um material semicondutor. Dado que a corrente de deriva é composta de duas componentes – corrente de electrões e corrente de buracos – a condutividade do semicondutor pode escrever-se σ = q . (µ µn . n + µp . p) Analogamente pode definir-se a resistividade. No Si intrínseco, as mobilidades de deriva são aproximadamente µn = 1330 cm2/V.s e µp = 495 cm2/V.s. Como se referiu, no semicondutor intrínseco a condutividade, à temperatura ambiente, é muito reduzida (n = p = ni = 1.45x1010 cm-3). A sua resistividade vale, então, cerca de 2.36x105 Ω.cm, isto é, muitas ordens de grandeza superior à resistividade dos condutores (ver Figura 3-9). Importa, pois, procurar formas de fazer variar (aumentar) a condutividade, em particular por modular a população de portadores de carga, electrões e/ou buracos. Como se verá adiante, a introdução selectiva de impurezas permite variar de ordens de grandeza n e p. Adicionalmente, é possível variar electronicamente a condutividade de uma porção de material, sendo este fenómeno a base do funcionamento dos dispositivos activos que se estudam adiante no capítulo 5. Antes de analisar como a condutividade pode ser influenciada pela introdução de impurezas, observe-se que a condução num semicondutor pode ser originada por um fenómeno diverso da condução por deriva. Referimo-nos à condução por difusão. 3.2.3.2 Condução por Difusão Por razões que se tornarão evidentes mais adiante, pode suceder que a concentração de portadores de carga móveis não seja homogénea – isto é, que possa variar no volume do semicondutor. Considere-se um modelo uni-dimensional (dimensão espacial x), como se ilustra na Figura 3-14, para o caso de uma concentração de electrões livres, n, variável com x. 25 n θ x Figura 3-14 – Gradiante de concentração de portadores de carga (electrões) na direcção x. A ocorrência de um gradiente de concentração produz um movimento coerente de electrões da região onde existem em maior concentração para a região onde escasseiam. A corrente eléctrica resultante é tanto maior, quanto maior for o gradiente de concentração. Este é um fenómeno de difusão de portadores, que tende a uniformizar a sua concentração. Assim, a densidade de corrente de electrões, Jn, pode escrever-se dn Jn = q Dn dx em que se define a constante de proporcionalidade entre a densidade de corrente e o gradiente da concentração, Dn, designando-a como coeficiente de difusão de electrões, ou difusibilidade de electrões. Analogamente, se existir um gradiente de concentração de buracos, a densidade de corrente de buracos pode escrever-se como dp J p = −q D p dx em que o coeficiente de difusão de buracos, Dp, exprime essa proporcionalidade. Os coeficientes de difusão e as mobilidades de deriva estão relacionados entre si pela relação de Einstein, D n = D p = KT = VT µn µp q Este processo de condução por difusão desempenha um papel crucial em dispositivos semicondutores que contém concentrações de impurezas, que variam bruscamente no interior do dispositivo. 3.2.4 Semicondutores Extrínsecos (Tipo N e Tipo P) Quando se adicionam átomos de impureza à rede cristalina de um semicondutor intrínseco, obtém-se um semicondutor extrínseco. Designamse impurezas porque são átomos, não de silício, mas de outro elemento químico. A sua introdução numa rede cristalina de silício, adulterando a sua pureza, é usualmente designada dopagem. O processo de introdução de impurezas (por implantação iónica, ou por um processo de difusão de estado sólido, facilitada por temperaturas elevadas) traduz-se na substituição, em alguns (poucos) nós da rede cristalina, do átomo original (Si, por exemplo), por um átomo de um elemento químico 26 diverso. Como se referiu, na rede cristalina de Si, a concentração de átomos é de 5x1022 cm-3. Os valores típicos de concentrações de impureza em semicondutores extrínsecos variam entre 1015-1016 cm-3 (dopagem fraca) até 1020 cm-3 (dopagem forte). Deste modo, a substituição de átomos na rede cristalina é efectuada de tal forma que a rede seja perturbada de forma ligeira – 1 em cada 107 a 103 átomos de Si são substituídos. A estrutura da rede cristalina é mantida praticamente intacta. O silício é um material do grupo 4 da tabela de classificação periódica de elementos químicos, de Mendeleiev, como se mostra na Figura 3-11. Tem 4 electrões na última órbita. Impurezas aceitadoras são elementos do grupo 3 da tabela, que possuem 3 electrões na última órbita. O Boro (B) é a impureza aceitadora mais comum. Quanto se adaptam à estrutura cristalina do silício, fica uma ligação de covalência da última camada vazia, originando um buraco. Ou seja, a sua introdução na rede cristalina aumenta a concentração de buracos, ou ligações de co-valência não preenchidas, originando um excesso de buracos, relativamente à situação observada no semicondutor intrínseco. Este aumento da concentração de buracos desequilibra a igualdade (que se observa no semicondutor intrínseco) n=p. Com efeito, uma densidade de buracos muito elevada facilita a recombinação de pares electrão-buraco, o que reduz a concentração de electrões, n, a valores inferiores aos que exibe no semicondutor intrínseco, à mesma temperatura. Neste caso, os buracos tornam-se portadores de carga maioritários (pcM) e os electrões, portadores de carga minoritários (pcm). Se a impureza for um elemento do grupo 5, com 5 electrões na última órbita, então, quando se adapta à estrutura cristalina do silício, liberta o seu quinto electrão, sem lhe corresponder nenhum buraco na zona de valência. Uma vez que “dão” portadores de carga (electrões na banda de condução), são designadas como impurezas dadoras. Impurezas dadoras comuns são o fósforo (P) e o arsénio (As). Adicionar a um semicondutor intrínseco impurezas dadoras origina um excesso de electrões (na banda de condução), relativamente à situação observada no semicondutor intrínseco. Novamente se desequilibra a igualdade (que se observa no semicondutor intrínseco) n=p. Agora, a densidade elevada de electrões livres facilita a recombinação de pares electrão-buraco, o que reduz a concentração de buracos a valores muito limitados. Neste caso, os electrões tornam-se portadores de carga maioritários (pcM) e os electrões, portadores de carga minoritários (pcm). À temperatura ambiente, tanto impurezas dadoras como aceitadoras já adicionaram portadores de carga ao semicondutor (respectivamente, electrões e buracos), um portador por átomo de impureza. Seja NA (ND) a concentração de átomos aceitadores (dadores) que são adicionados ao semicondutor. Uma vez que NA (ND) << 5x1022 cm-3, a taxa de geração de pares electrão-buraco mantém-se aproximadamente e, assim, num semicondutor extrínseco pode estimar-se que o produto n.p se mantém constante, n.p ≈ ni2 (T) Com concentrações NA (ND) muito superiores a ni (1.45x1010 cm-3), e “gerando” cada átomo de impureza aceitadora (dadora) um portador de carga móvel (buraco (electrão)), tem-se que: 27 num semicondutor ao qual se adicionam impurezas aceitadoras, a concentração de buracos é, à temperatura ambiente, p ≈ NA n ≈ ni2(T) / NA num semicondutor ao qual se adicionam impurezas dadoras, a concentração de electrões é, à temperatura ambiente, n ≈ ND p ≈ ni2(T) / ND Num semicondutor, particularmente numa dada região desse semicondutor, podem adicionar-se impurezas dos dois tipos, aceitadoras e dadoras. Uma vez que produzem efeitos contrários sobre a concentração de electrões e de buracos, o que importa é o saldo, ND - NA, positivo ou negativo. Se o saldo é positivo, numa dada região do semicondutor, a concentração de electrões (cargas negativas) torna-se maioritária, e essa região diz-se do tipo N. Se o saldo for negativo, os buracos (cargas positivas) tornam-se maioritários, e essa região diz-se do tipo P. Pode então concluir-se que, num semicondutor extrínseco, a mobilidade de deriva é dominada pela população de portadores de carga maioritária (pcM). Para uma região de semicondutor tipo P, tem-se σ = q . µp . NA enquanto que, para uma região semicondutora do tipo N, pode escrever-se σ = q . µn . ND Até que ponto varia a condutividade de um semicondutor extrínseco, relativamente ao intrínseco? Um factor dominante é a concentração dos portadores de carga maioriários, quando comparada com a concentração intrínseca, à mesma temperatura. Sendo, para 300ºK, ni da ordem de 1010 cm-3 e de 1015-1016 cm-3 (dopagem fraca) até 1020 cm-3 (dopagem forte), pode compreender-se que, mesmo para dopagem fraca, a concentração de pcM é cerca de 105 vezes maior que ni. A variação da concentração de impurezas introduzidas numa região de semicondutor permite, assim, variar de muitas ordens de grandeza a condutividade do material, nessa região. O segundo factor que influencia a condutividade é a mobilidade de deriva dos pcM. A existência de uma população de portadores de carga muito diversa da que se observa no semicondutor intrínseco altera substancialmente a velocidade de deriva dessas portadores e, assim, a sua mobilidade. Com efeito, quanto maior a concentração de portadores de carga, menor será o percurso médio entre colisões e, deste modo, a sua mobilidade de deriva. Esse efeito pode observar-se na Figura 3-15. 28 Figura 3-15 - Mobilidade de deriva de portadores maioritários no Si em função da concentração total de impurezas. Assim, embora a redução da mobilidade de deriva contrarie o aumento da concentração de pcM. Este último efeito é muito superior, e a condutividade (ou resistividade) variam de ordens de grandeza, consoante o valor de NA ou ND. O que sucede, se introduzirmos, em regiões adjacente de semicondutor, impurezas aceitadoras e dadoras? Esse processamento do semicondutor leva à fabricação do que se designa por uma junção P-N. 3.2.5 Junção P-N Quando se introduzem impurezas aceitadoras, de concentração NA, numa região de semicondutor, e impurezas dadoras, de concentração ND, numa região adjacente, cria-se uma zona de variação muito acentuada do saldo de impurezas, NA – ND. Cria-se assim uma junção P-N. O dispositivo que contém uma junção P-N e terminais metálicos designa-se por díodo de junção. Consideremos um modelo uni-dimensional, como se ilustra na Figura 3-16. Em torno de um plano (caracterizado pela abcissa x=0 e designado por junção metalúrgica), no qual o saldo de impurezas varia bruscamente, existem duas regiões com populações de portadores de carga muito diversa, e que interagem. Com efeito, na região tipo P, os buracos são pcM e os electrões, pcm. Todavia, do outro lado da junção metalúrgica, os buracos são pcm e os electrões, pcM. 29 p + + + n _ + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + _ _ + _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ Figura 3-16 - Estrutura básica de uma junção P-N A existência de um forte gradiente de concentração de portadores de carga móvel, na vizinhança da junção metalúrgica, origina uma forte condução por difusão. Esta tende a deslocar os portadores de carga maioritários para o lado onde são minoritários – isto é, tende a deslocar buracos da região P para a região N, e electrões da região N para a região P. É o poderíamos designar como principio de Robin Hood. Tirar aos ricos para dar aos pobres! Neste contexto. deveria haver uma corrente positiva segundo x. Contudo, em equilíbrio, com uma tensão nula aos terminais do díodo, não existe corrente eléctrica. Então, outro fenómeno de condução, igualmente forte, deve existir no semicondutor. De facto, há que tomar em consideração o princípio da neutralidade eléctrica – isto é, a existência de cargas móveis (positivas e negativas) é equilibrado pela existência de cargas fixas (negativas e positivas), as cargas dos átomos de Si ou de impurezas que ficam ionizados quando “contribuem” para a população de portadores de carga móvel. Por exemplo, do lado P, um átomo aceitador, ao receber um electrão a mais (em relação aos 3 electrões que possui, na última camada, quando está electricamente neutro) fica carregado electricamente com uma carga (-q), transformando-se num ião. No volume da zona P, haverá assim uma densidade de iões NA-. De igual forma, do lado N, um átomo dador, ao libertar um electrão de condução, fica carregado electricamente com uma carga (+q). No volume da zona N, haverá assim uma densidade de iões ND+. Aonde prevalecer a neutralidade eléctrica, ter-se-á que o saldo de carga positiva igual o salde de carga negativa, isto é, (ND+) + p = (NA-) + n O movimento de buracos, do lado P para o lado N deplecciona muito a concentração de cargas móveis do lado P, na vizinhança imediata da junção metalúrgica, deixando “a descoberto” a carga iónica, fixa, NA-. A corrente de difusão de electrões, do lado N para o lado P, reduz significativamente a 30 concentração de cargas móveis do lado N, na vizinhança imediata da junção metalúrgica, deixando “a descoberto” a carga iónica, fixa, ND+. Surgem assim, na zona da junção, duas cargas iónicas fixas de sinais contrários, não compensadas electricamente pelas populações de carga móvel. E associado a essas cargas iónicas, fixas, está um campo eléctrico, conforme se representa na Figura 3-17. Este campo eléctrico, em torno da junção metalúrgica, estabelece uma estreita região de transição entre duas regiões electricamente neutras, o volume das regiões P e N. Devido à presença da carga iónica, fixa, esta região é também designada por região de carga espacial (RCE). - E + Figura 3-17 – Campo eléctrico associado a duas cargas Que efeito produz este campo eléctrico interno, na RCE? Naturalmente, deve actuar os portadores de carga móveis que se desloquem na sua zona de influência, produzindo um processo de condução por deriva. De facto, na junção, o campo eléctrico, E, tende a arrastar as cargas em sentido contrário ao da difusão, isto é, arrasta os electrões e os buracos do lado em que são minoritários para o lado em que são maioritários. Tira assim dos pobres para dar aos ricos. É a lógica do Sheriff de Nottingham! Uma vez que, sem tensão aplicada, isto é, em equilíbrio, o saldo de corrente que atravessa a junção P-N é nulo, a forte corrente de difusão é exactamente contrabalançada pela forte corrente de deriva, na RCE. Por tal motivo, qualquer portador de carga móvel, nessa região, é actuado pelo campo e retirado dessa região pelo mesmo. Desta forma, a RCE caracteriza-se também por ser uma região esvaziada de cargas móveis, razão porque esta região é também designada região de deplecção (Figura 3-18). A igualdade de correntes de difusão e de deriva fixa a intensidade do campo eléctrico, E, e desse modo a quantidade de carga a descoberto, a um e outro lado da junção. Supondo que a junção é abrupta, isto é, em x=0 saldo, ND - NA de concentração de impurezas (suposta constante em cada lado da junção), varia de - NA para +ND Com este pressuposto, a igualdade de correntes fixa a largura da região de carga espacial, já que o total da carga iónica, que contribui para o campo, será q . NA . xP = q . ND xN em que xP (xN) são a penetração da RCE no lado P(N). Nestas condições, a largura da RCE, W, será W = x P + xN 31 Em função das concentrações de impurezas, a um e outro lado da junção, a largura da RCE pode escrever-se W = [ (2 εSi / q) . (1 / NA + 1 / ND) . ψo ]1/2 em que εSi representa a constante dieléctrica do Si e ψo a barreira de potencial na junção. Isto significa que, quanto mais forte for a dopagem de impurezas a um e outro lado da junção, mais estreita é a RCE. Por outro lado, junções assimétricas (isto é, junções em que a concentração de impurezas de um e outro lado da junção diferem muito – por exemplo, NA >> ND) caracterizam-se pelo facto que a RCE invade predominantemente o lado mais fracamente dopado. E P NA - + + + + + iões negativos N ND iões positivos Figura 3-18 – Região de carga especial (RCE) e regiões neutras num díodo de junção. O campo eléctrico está ainda associado a uma diferença de potencial de contacto, característico da junção, ψo, dado por ψo = VT . ln [ (NA. ND) / ni2 ] Tipicamente, ψo é cerca de 0.7 V para díodos de Si. Ao longo de x, o campo E, é dado por 1 ρ E = ∫ dx ε em que ρ representa aqui a densidade volumétrica de carga. E campo E é ainda o gradiante da função potencial que, no modelo uni-dimensional, se escreve Ψ = − ∫ Edx Assim, a uma distribuição rectangular de carga iónica, fixa, não compensada com carga móvel, na RCE, corresponde uma distribuição triangular do campo eléctrico (máximo para x=0) e uma distribuição da função potencial, como integral da distribuição triangular (ver Figura 3-19). 32 (saldo de carga eléctrica) ρ →← - xp - - q.NA + q.ND + + xn x E Emax. x Ψ ψo x RCE (Região de Carga Espacial) Figura 3-19 – Distribuição de carga, campo eléctrico e função potencial numa junção P-N. Poder-se-ia perguntar: então, com ψo ≠ 0, como é que não existe corrente? A razão prende-se com o facto de os terminais do díodo serem de material diferente do Si. Com efeito, junções metal-semicondutor (Al/Si) também apresentam potenciais de contacto. A soma total (ψ ψo da junção de semicondutor e as duas junções metal-semicondutor) dos potenciais de contacto é zero. O que acontece quando se aplica uma tensão entre os dois terminais do díodo? Basicamente, altera-se o equilíbrio entre a difusão e a deriva. A condução por difusão pode ser assegurada por uma larga população de portadores de carga (pcM em cada lado da junção). Pelo contrário, a condução por deriva é assegurada por uma população de portadores de carga muito reduzida (pcm em cada lado da junção). Essa circunstância irá originar correntes muito diferentes em sentido directo e inverso. Com efeito, quando se aplica uma tensão eléctrica, vD, negativa, de P para N (o sentido convencional), a tensão favorece o campo eléctrico interno, positivo de N para P. Contudo, não consegue mais do que uma corrente muito reduzida, correspondente a arrastar os portadores minoritários para o lado em que estão em maioria. Os pobres fornecem a corrente. Mas os pobres têm pouco para dar. A corrente é sempre muito diminuta. Corresponde, no modelo exponencial definido anteriormente, a corrente inversa de saturação, IS. Uma tensão vD negativa corresponde ao que se convenciona chamar um regime de polarização inversa. Se se enfraquecer o campo eléctrico, aplicando agora uma tensão positiva de P para N, nesse caso favorece-se o processo de difusão dos portadores de carga, isto é, o movimento dos portadores maioritários para o lado onde são 33 minoritários. Neste caso, obtêm-se correntes elevadas e uma pequena variação de tensão provoca uma variação considerável de corrente (exponencial com a tensão aos terminais do díodo). Uma tensão vD positiva corresponde ao que se designa por um regime de polarização directa. A variação do campo eléctrico na RCE, por efeito da tensão exterior aplicada, origina uma variação da carga iónica, fixa, posta a descoberto e, desse modo, a uma variação da largura da RCE. Se a lei de variação de vD for rápida no tempo, a variação de carga, dQ/dt põe em evidência um efeito capacitivo, especialmente notório quando o díodo está operando com polarização inversa. Designa-se essa capacidade parasita como capacidade de junção, Cj. O seu valor corresponde essencialmente ao valor da capacidade electrostática de um condensador plano, cujo dieléctrico é o Si, cujas placas estão distanciadas de W (a largura da RCE) e cuja área é a área da junção: Cj = A . εSi / W Para uma junção plana, à qual se aplica uma tensão vD, a largura da sua região de carga espacial pode escrever-se ψo - vD)]1/2 W (vD) = [ (2 εSi / q) . (1 / NA + 1 / ND) (ψ Assim, se se designar por Cj0 a capacidade de junção para vD = 0, pode escrever-se Cj = Cj0 . W (vD = 0) / W (vD) = Cj0 . [(1 + vD / ψo)] -1/2 Deste modo, a capacidade de junção varia com a tensão de polarização inversa, (-vD), da forma como se ilustra qualitativamente na Figura 3-20. Num regime de polarização directa, a injecção de pcM no lado onde são minoritários causa um armazenamento de carga (pcm) nas regiões neutras, a um e outro lado da RCE. Quando vD varia rapidamente no tempo, a variação dessa carga, dq/dt, produz uma corrente que descreve um efeito capacitivo que limita a resposta dinâmica do dispositivo. Designa-se essa capacidade com capacidade de difusão, Cd. Cjo Cj (fF) VD < 0 VD (V) 0 ψo Figura 3-20 – Dependência da capacidade de junção, Cj, com a tensão de polarização do díodo, vD. 34 4. Díodo de Junção O díodo de junção é um dispositivo semicondutor. As densidades de portadores de carga aumentam com a temperatura. É possível realizar funções electrónicas num semicondutor intrínseco? Tantas como com um fio de metal. Nenhumas. Então? As funções electrónicas construem-se com dispositivos que apresentam características especiais, por exemplo comportam-se como interruptores, ou têm um comportamento linear permitindo amplificar sinais eléctricos. Consegue-se? Sim. Como? Criando no semicondutor intrínseco regiões dos diferentes tipos, P e N. Por exemplo, um díodo, ou mais correctamente, uma junção P-N. A relação entre a tensão eléctrica aplicada aos seus terminais e a corrente que o percorre é descrita pela lei característica do díodo. 4.1 Equação Característica do Díodo Um elemento de dois terminais que pode constituir um exemplo interessante de dispositivo não linear a ser modelado em termos de elementos de circuito é o díodo. Como foi referido, a relação entre a corrente e a tensão no díodo é expressa por i = Is (e vD/ηVT - 1) onde vD é a tensão aos terminais do díodo, VT é a tensão térmica, descrita por VT = KT/q, com K- constante de Boltzmann, T a temperatura absoluta (grau Kelvin) e q é a carga do electrão (q = 1.6x10-19 C). A corrente IS é designada a corrente inversa de saturação. A designação inversa decorre do facto de se tratar da corrente que percorre o díodo quando este está polarizado inversamente, isto é, quando tem aplicada aos seus terminais uma diferença de potencial positiva de n para p. A designação de saturação decorre do facto desta corrente ser praticamente constante para uma gama considerável de valores da tensão aplicada. De facto, quando se aplica uma tensão de polarização inversa, como se referiu, favorece-se a deriva de portadores de carga em comparação com a difusão dos mesmos. Nestas circunstâncias, os portadores de carga minoritários, nas regiões neutras em um e outro lado da região de carga espacial, são transportados por efeito do campo eléctrico (mecanismo de deriva) para o lado onde são maioritários. Mais ainda, a partir de valores muito reduzidos da tensão inversa, o campo eléctrico correspondente é suficiente para arrastar “todos” os portadores minoritários em cada lado da junção para o outro lado. Assim, a corrente é praticamente constante para uma gama considerável de valores da tensão inversa. Daí chamar-se corrente “de saturação”. 35 Electrões são transportados de P para N e buracos de N para P. Uma vez que as corrente de deriva dependem directamente das concentrações dos portadores de carga, portadores de carga minoritários só asseguram correntes de carga residuais (tipicamente, da ordem de 10-10 A para díodos discretos e de 10-15 A para díodos integrados). A corrente IS é obtida por: IS = q A ni2 (Dp/LpND + Dn/LnNA) em que A é a área da secção transversal da junção, q é a carga do electrão, ni é a concentração intrínseca de portadores de carga do semicondutor, Dp e Dn são os coeficientes de difusão de buracos e de electrões, Lp e Ln são os comprimentos de difusão de buracos e de electrões, e NA e ND são as densidades de impurezas aceitadoras e dadoras, respectivamente. Representa-se na Figura 4-1 a característica exponencial do díodo para as duas regiões de funcionamento, associadas à polarização directa e inversa. Destacam-se, deste modo, os valores das correntes no díodo nas duas situações. iD (mA) iD (fA) 10 1 0 0 vD(V) vD(V) (a) (b) Figura 4-1 - Característica de um díodo de junção: (a) polarização directa; (b) polarização inversa Tratando-se de uma relação exponencial, não é imediato estabelecer o modelo de circuito em termos de somas de tensões ou de correntes, que correspondem, genericamente a relações lineares entre tensões e correntes. Assim, um modelo de circuito para um díodo terá representações diferentes em diferentes domínios de validade. Uma vez que, na equação característica do díodo a que se está a recorrer, neste exemplo, a tensão no díodo aparece como a variável independente, os domínios de validade em que serão definidos as diferentes representações do modelo do díodo são definidos a partir dos valores de vD. Mais ainda, como vD aparece no expoente da exponencial, é vantajoso considerar valores negativos e positivos de vD, e para cada caso, os valores relativos entre vD e VT (admitindo-se por simplicidade (matemática, visto que de um ponto de vista semântico nada se altera) η=1, isto é, considerando-se um díodo integrado). Assim, considere-se em primeiro lugar, os dois domínios : vD < 0 e vD > 0 e que à temperatura de trabalho (temperatura ambiente de 27 0C), VT ≈ 25mV. 36 4.1.1 Região de Corte Quando vD < 0 e | vD| >> VT , e vD/VT << 1 e iD ≈ - IS. Isto é, a partir de valores muito reduzidos de tensão (por exemplo, para | vD| é = 4VT = 100mV, e vD/VT = 0,018...) a corrente no díodo é praticamente nula. Nesta situação, o díodo comporta-se como um circuito aberto, podendo ser representado, do ponto de vista estático (tensões e correntes constantes), como uma resistência infinita. Assim, para vD < 0 e | vD| >> VT o modelo de circuito do díodo é o representado na Figura 4-2 (circuito aberto). Figura 4-2 – Circuito equivalente do díodo quando vD < 0 e | vD| >> VT 4.1.2 Região de Condução Quando vD > 0 e | vD| >> VT (por exemplo, para | vD| é = 4VT = 100mV, donde resulta e vD/VT = 54,598...) ou e vD/VT >> 1 e iD ≈ I S e vD/VT Para realçar a base de raciocínio que se segue neste procedimento, é vantajoso traçar as curvas características iD (vD) atribuindo valores a vD (por exemplo, múltiplos de VT), para, por exemplo, dois valores de IS (distintos entre si de uma ordem de grandeza). Os resultados numéricos estão indicados na. Na Figura 4-3 apresentam-se as curvas características obtidas nestes dois casos (cada uma delas em duas escalas diferentes). IS=10e-15 vD (mV) 100 200 300 400 500 600 650 680 700 720 750 800 IS=10e-16 iD(mA) 5,5E-11 3,0E-09 1,6E-07 8,9E-06 4,9E-04 2,6E-02 2,0E-01 6,5E-01 1,4E+00 3,2E+00 1,1E+01 7,9E+01 vD (mV) 100 200 300 400 500 600 650 680 700 720 750 800 iD(mA) 5,5E-12 3,0E-10 1,6E-08 8,9E-07 4,9E-05 2,6E-03 2,0E-02 6,5E-02 1,4E-01 3,2E-01 1,1E+00 7,9E+00 Tabela 4-1 – Característica do díodo com IS = 10e-15 A e com IS = 10e-16 A. 37 IS=10e-15 1,2E+01 iD(mV) 1,0E+01 8,0E+00 6,0E+00 Series2 4,0E+00 2,0E+00 0,0E+00 0 200 400 600 800 vD(mV) IS=10e-16 1,0E+01 iD(mA) 8,0E+00 6,0E+00 4,0E+00 Series1 2,0E+00 0,0E+00 -2,0E+00 0 200 400 600 800 1000 vD(mV) Figura 4-3 – Curvas características do díodo com IS = 10e-15 A e com IS = 10e-16 A. Observando as características iD(vD) obtidas com os dois valores de IS, pode notar-se que, em qualquer dos casos e dum ponto de vista macroscópico, isto é, para correntes da ordem de grandeza dos mili Ampere e para correntes da ordem de grandeza dos micro Ampere existem, nitidamente, duas rectas que aproximam a exponencial. Podem então identificar-se dois domínios de tensão vD, disjuntos, vD ≤ 600mV e vD ≥ 600 mV. Para vD ≤ 600mV, a corrente ID < 2,6E-2mA para IS = 10E-15 A e ID < 2,6E-3mA para IS = 10E-16 A. Assim, dum ponto de vista macroscópico, isto é, se as correntes que interessam considerar no circuito são da ordem de grandeza de mA, a corrente no díodo torna-se desprezável. Como primeira aproximação, pode admitir-se que é nula. 38 4.1.3 Modelo Linear por Troços Considerando, a título de exemplo, a característica do díodo de junção para IS = 10E-15, (ver Figura 4-4), a característica exponencial do díodo pode então ser aproximada por duas rectas que se intersectam em vD ≈ 700mV. IS=10e-15 1,2E+01 iD(mV) 1,0E+01 8,0E+00 6,0E+00 Series2 4,0E+00 2,0E+00 0,0E+00 0 200 400 600 800 vD(mV) Figura 4-4 - Aproximação linear por troços da característica iD(vD) do díodo. Assim, de acordo com esta análise, o comportamento do díodo pode ser descrito pelas equações: vD < 0 iD = IS ≈ 0 para vD > 0 vD < 700mV vD ≥ 700mV 0 iD ≈ 0 0 iD = (VD –700 mV)/RD Ou seja, o díodo comporta-se como uma resistência de valor ∞ para vD<700mV e como uma resistência de valor muito reduzido (no gráfico da Figura 4-4 , RDON ≈ 50mV / (11-1.4)mA = 5.2 Ω) para vD ≥ 700mV. Assim, de acordo com este modelo, o díodo, comporta-se quase como um interruptor em torno da tensão de 700 mV aos seus terminais. Em termos de componentes de circuito, o modelo do díodo é pois descrito por: vD < 700mV RDOFF = ∞ 39 vD ≥ 700mV ID = [vD – 700(mV)]/ RDON O modelo de circuito que corresponde a esta descrição é o da Figura 4-5. vD < 700mV VDON vD RDON ≥ 700mV Figura 4-5 – Modelo do díodo para vD < 700mV e vD ≥ 700mV Introduzindo o conceito de díodo ideal, (símbolo na Figura 4-6) como o interruptor perfeito, isto é, o circuito que se comporta como uma resistência infinita (RDOFF = ∞) para vD < 0V e como curto circuito (RDON = 0) para vD ≥ 0V, o modelo de circuito equivalente do díodo (na aproximação linear por troços) é o que se representa na Figura 4-7. iD + vD − vD Figura 4-6 – Símbolo e característica do díodo ideal iD → + vD − iD iD → + vD − ± V γ Rγ V γ vD Figura 4-7 – Modelo de circuito, equivalente de um díodo (aproximação linear por troços) 4.2 Mecanismos de Disrupção. Díodo Zener 40 O modelo exponencial, utilizado para descrever o comportamento de um díodo de junção (isto é, a sua relação iD(vD)), em regime estático ou de variação lenta no tempo é uma excelente aproximação da realidade, enquanto o fenómeno físico do desequilíbrio entre os processos de condução por difusão e por deriva (desequilíbrio causado pelo aplicar de uma tensão vD aos terminais) é dominante. Todavia, no regime de operação com polarização inversa, outro fenómeno pode tornar-se activo, e dominar a dependência corrente-tensão. Referimo-nos ao mecanismo de disrupção na junção. Que mecanismo se trata? Bom, até aqui observou-se que a região de carga espacial (RCE), em torno da junção metalúrgica, é uma região depleccionada de portadores de carga móveis, uma vez que a presença do campo eléctrico interno obriga a movimentar tais cargas para fora da região onde o campo exerce a sua influência. Tal campo eléctrico, na RCE, é, como se viu, associado a uma diferença de potencial (ψ ψo - vD). Por efeito da tensão exterior aplicada, a carga iónica, fixa, posta a “descoberto” na RCE varia, a RCE alarga com vD < 0 e o valor máximo do campo eléctrico, Emax., aumenta. A largura da RCE de uma junção abrupta, W, varia com a diferença de potencial e com as concentrações de impurezas a um e outro lado da junção, através da equação W (vD) = [ (2 εSi / q) . (1 / NA + 1 / ND) (ψ ψo - vD)]1/2 que se repete aqui por conveniência. Desta equação se nota que, quanto mais forte for a dopagem de impurezas, NA e ND, mais estreita é a largura da RCE. Quanto mais estreita for a RCE, mais elevado é o valor do campo eléctrico interno. Na presença de uma polarização inversa, um fluxo reduzido de portadores de carga atravessa a RCE. O seu ritmo de passagem corresponde ao valor da corrente inversa de saturação. Quanto mais forte for o campo eléctrico, e mais larga a RCE, maior a energia cinética que esses portadores de carga adquirem, ao atravessar a junção. Adicionalmente, há que considerar que, na RCE, existem átomos ionizados, em cuja última camada ainda existem electrões na banda de energia de valência (electrões ligados). Deste modo, existe o potencial de formação local de pares electrão-buraco. Esse potencial é reforçado, para valores da tensão de polarização inversa, pela possibilidade de transferência de energia (para os electrões ligados) oriunda, quer do campo eléctrico, quer dos portadores de carga que atravessam a junção. Se se formarem pares electrão buraco na RCE, esses novos portadores móveis vão engrossar a corrente eléctrica que percorre o díodo. Designa-se este efeito por efeito de disrupção. Quando se utiliza a palavra “disrupção”, isto causa usualmente consternação, já que mentalmente se cria a ideia de destruição previsível e eminente do dispositivo. Contudo, esta ideia pode ser uma conclusão apressada. Com efeito, a corrente que circula num dispositivo electrónico é limitada pelo circuito exterior. Assim, o efeito de disrupção influencia a lei característica do dispositivo, mas o seu ponto de funcionamento é determinado pela verificação simultânea das leis características e das leis topológicas. A eventual destruição do dispositivo está normalmente associada ao ultrapassar dos limites de corrente, tensão e/ou potência que o mesmo pode, por construção, suportar. Se o circuito exterior impedir que tal 41 suceda, então o efeito de disrupção não tem carácter destrutivo, antes é reversível, quando a tensão aos terminais do díodo assumir outros valores. Como se altera a lei característica de variação, iD(vD), de um díodo de junção, sujeito ao efeito de disrupção? Certamente, a corrente inversa no díodo, aumentará para valores superiores (em módulo) ao valor de IS. Todavia, o andamento da característica, na zona inversa, depende dos seus perfis de impureza, que condicionam o mecanismo predominante de transferência de energia para os electrões ligados. Com efeito, se a concentração de impurezas for moderada, a um e outro lado da junção, o campo eléctrico máximo não é muito elevado, mas a largura da RCE é elevada. Nestas circunstâncias, os portadores de carga que atravessam a RCE adquirem muita energia cinética e, por colisões inelásticas, podem gerar pares electrões-buraco. Estes, por sua vez, sendo acelerados pelo campo eléctrico, podem gerar outros pares electrão-buraco. Este fenómeno de “bola-de-neve” é designado de efeito de multiplicação por avalanche. Quando este efeito domina, o aumento da corrente inversa com a tensão é gradual. A fim de aproveitar as propriedades do díodo (descritas pela lei exponencial) na realização de funções, o projectista de circuitos usualmente limita o valor da tensão inversa no díodo, a fim de que o díodo nunca opere nesta região de funcionamento. No entanto, se o díodo, por construção, tiver elevadas concentrações de impurezas, NA e ND, a RCE é muito estreita e o campo eléctrico máximo, muito elevado. Nestas condições, existe um valor do campo máximo (e, deste modo, da tensão vD) para o qual o campo pode fornecer a electrões ligados uma energia correspondente à altura da banda proibida, EG. Desse modo, para um valor da tensão de polarização (vD = - VZ), a corrente inversa na junção aumenta bruscamente com a tensão. Quando este fenómeno é dominante, o efeito é designado como efeito de Zener. Os díodos em que esse efeito predomina, designam-se abreviadamente díodos de Zener. O símbolo correspondente é representado na . Figura 4-8 – Símbolo de um díodo Zener. Que vantagem têm os díodos de Zener, relativamente aos díodos “normais”, isto é, aos díodos em que predomina a multiplicação por avalanche?. A existência de um valor específico de tensão, para o qual a característica é abrupta, permite dispor de uma tensão de referência, que pode ser muito útil em diversas aplicações, como se verá adiante. Como se pode representar, através de um modelo de circuito, um díodo Zener? Admitindo que a característica pode ser aproximada por um modelo linear por troços, a lei característica exibe agora três troços, dois correspondentes à descrição da lei exponencial, e um troço adicional (válido para vD < - VZ) correspondente ao que pode ser chamado zona de Zener. O correspondente modelo de circuito está ilustrado na Figura 4-9. 42 iD → R V Z v ± Vγ Rγ D Z Figura 4-9 – Modelo de circuito (completo) de um díodo de Zener. Este modelo é, naturalmente, mais complexo, tornando a análise de circuito mais complexa. Contudo, é possível usualmente definir sub-modelos regionais, isto é, sub-modelos cujo domínio de validade abranja não os três, mas dois troços. Por exemplo, se se pretender utilizar o díodo na região de Zener, a interligação do circuito exterior permite verificar que o díodo irá operar, ou nessa zona, ou na zona de corte. Neste caso, o modelo de circuito simplifica-se para se reduzir aos ramos correspondentes à série de RZ. VZ e o díodo ideal (ver Figura 4-9). 4.3 Exemplos de Circuitos com Díodos Nesta versão do documento, apenas se inserem duas figuras, correspondentes a um circuito com um único díodo, e a um circuito limitador de tensão. Os circuitos são considerados na Colectânea de Problemas de Electrónica I. R1 VI R + + − iD → R2 vD − → rede linear não linear Figura 4-10 – Circuito com um único dispositivo não linear. 43 R + vI − v D1 + − D1 + V1 − v D2 − + D2 − V2 + + vo − Figura 4-11 – Circuito limitador de tensão. 44 Vγ =0 Rγ = 0 (Díodo ideal)