Palestra de Abertura da 2ª Conferência Internacional Língua
Portuguesa no Sistema Mundial
Por uma Língua Portuguesa a Caminho da Afirmação
Mundial
António Correia e Silva
Não posso começar a minha intervenção neste fórum, sem antes
agradecer à Prof.ª Ana Paula Laborinho o honroso e não menos amável
convite que me dirigiu. Convite reforçado pelo Sr. Ministro dos Negócios
Estrangeiros de Portugal, tornando-o assim indeclinável, apesar da pressão
da agenda não me propender a isso. Diria – a brincar, é claro –, que me
senti intimado. Mas é a brincar, porque na verdade o que me persuadiu a
vir participar nesta conferência foi efectivamente a consciência cívica e
política de que cuidar da língua portuguesa, reflectindo sobre a sua
trajectória passada e as suas perspectivas na nova ordem linguística do
século XXI, é cuidar dos interesses duradouros dos nossos povos, daquilo
que determinará, em parte ao menos, as margens de manobra e as chances
de sucesso das novas gerações de cabo-verdianos, angolanos, brasileiros,
bissau guineenses, moçambicanos, portugueses, timorenses no fluente e
líquido tempo da globalização. Quem possui a pretensão de influenciar o
estatuto e a posição relativa de uma língua no sistema mundial tem de ter
os olhos postos no horizonte, tem de traçar as linhas de rumo, mas
igualmente, e quero sublinhar isso, tem de saber contornar os obstáculos de
percurso. Como diria um poeta da margem de lá do Atlântico “tem
[sempre] uma pedra no meio do caminho” e, não sabendo nós contornar as
pedras, a viagem é uma promessa incumprida ou, se me permitem forçar a
língua, – às vezes tem de ser –, a viagem é uma promessa incumprível.
António Correia e Silva
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Consintam-me, ainda em jeito de preâmbulo, em cerimónia, não de
adeus mas de chegada, saudar com muita morabeza esta 2ª Conferência
sobre o Futuro da Língua Portuguesa no Sistema Mundial, felicitar os seus
promotores e participantes, assim como homenagear a Conferência de
Brasília que nos trouxe até cá, louvar também os esforços empreendedores
do IILP – apesar da insuficiência de meios – do Observatório de Língua
Portuguesa e de outras entidades e por fim agradecer à organização a
oportunidade que me dá – eu que sequer sou especialista em matéria de
língua – de poder, ainda assim, partilhar convosco algumas reflexões e
posicionamentos sobre as estratégias de desenvolvimento da língua
portuguesa à luz dos desafios da globalização. A globalização – sabemo-lo
– é um movimento inexorável do nosso tempo e ignorá-la ou mesmo
minimizá-la, como às vezes pretendem alguns, é um comportamento
anacrónico, cuja eficácia é equivalente à da defesa de avestruz. Devemos
estar conscientes de que ela, a globalização, gera oportunidades, mas
também contém ameaças. Que cria centralidades, da mesma forma que gera
periferi-cidades. Que despoleta a emergência de novas lideranças, assim
como engendra subalternidades. Frequentemente divide os actores em
presença em globalizadores e globalizados. A questão a que não nos
podemos furtar é a de saber, em primeiro lugar, onde estamos nós neste
processo de globalização, e, em segundo, onde queremos estar? O
pressuposto de partida é o de que a nossa posição enquanto comunidade
linguística, enquanto comunidade multinacional constituída na base dum
activo “querer partilhar” e valorizar um património linguístico comum,
depende muito, mas muito, da nossa própria acção. Digo isso – que em
outras circunstâncias poderia parecer uma “lapalissada”, passe a banalidade
da expressão, – simplesmente porque amiúde actores se desculpam com o
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“macro-determinismo das forças mundiais”, com a “conspiração dos donos
do mundo” ou outras do género, para se remeterem à inactividade e ao
conformismo. Convocar um fórum para pensar as estratégias de afirmação
do português no sistema mundial tem já subjacente e embutida a magnitude
da nossa ambição e a negação de qualquer conformismo ou fatalismo face à
actual situação. Isso é bom, por abrir, desde logo, um fosso tenso mas
fecundo entre o presente vivido e o futuro almejado. É deste fosso, deste
gap, perdoem-me desde já o anglicismo, que nasce a energia criativa e
empreendedora suficiente para impulsionar o processo de implementação
deste projecto de afirmação mundial da língua portuguesa.
Os observadores deste processo – nós os lusófonos somos
particularmente auto-críticos e cépticos – dizem-nos que o xis da questão, o
ponto nevrálgico que decide da credibilidade ou não da ambição que
nutrimos, da sua viabilidade ou não, não se situa fundamentalmente ao
nível da sua formulação, mas sim, ao das estratégias de operacionalização.
Ao do comprometimento dos actores. Quer isto dizer que o ponto sensível
não está nas cimeiras, nem nos colóquios, mas no após e nos intervalos
entre cimeiras e colóquios. Talvez o ponto crítico da ponte entre as
intenções de inscrever o português como língua de trabalho nas grandes
organizações internacionais, como um dos principais idiomas de produção
científica e da inovação, enquanto uma das fontes mais dinâmicas da
expressão das economias criativas e o estado em que nos encontramos hoje,
em que os 200 e muitos milhões de falantes estão longe de ter peso
equivalente na ciência, na inovação, na economia criativa e no
empreendedorismo que se esperaria, seja o que se pode chamar de
inteligência executiva e cooperativa. Por outras palavras, inteligência
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executiva é aquilo que um poeta apelidaria de “saber de encurtar a distância
existente entre a intenção e o gesto”.
A dimensão da nossa ambição, expressa já em documentos de
referência, pretende também tornar a língua portuguesa, partilhada que é
por oito países e por inúmeras comunidades espalhadas pelo mundo, numa
formidável geografia de dispersão diaspórica, atractiva e atraente aos
falantes não nativos. Queremos fazer com que detentores de outras línguas
reconheçam que vale a pena, que compensa aprender o português. Ou seja,
a ambição é de ganharmos a concorrência no mercado de segundas e
terceiras línguas. Diga-se de passagem, meus senhores, que realização de
tais desiderata exige a construção de um espaço, cada vez mais claro e com
menos ambiguidade possível, de forte convergência de visão e de afinada
cooperação na acção entre as partes implicadas. A empresa a que nos
propusemos desde a conferência anterior, em Brasília, implica, pois,
cooperação, liderança e governança, assim como também negociação
permanente, sob pena de ser elevado o custo de oportunidade perdida.
A questão chave e permanente, que reclama uma gestão hábil e
constante, é de como mobilizar e criar uma interacção virtuosa entre os
diversos nós de um suposto nós lusófono. Ou seja, como concatenar os
diferentes universos ou pluri-versos, a saber: nós, os falantes, em diversos
graus e matizes da língua portuguesa, nós os Estados Lusófonos, em fases
de desenvolvimento díspares, imersos em blocos regionais diferentes, nós
os membros das inúmeras comunidades diaspóricas, vivendo nos cinco
continentes? A questão é: como articular esta diversidade para projectar o
português nos próximos tempos enquanto língua de relevância planetária?
Como fazer desta diversidade de actores uma riqueza e não uma fraqueza?
António Correia e Silva
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Trata-se de questão importante, porque creio que o peso que a língua
portuguesa poderá vir a ter no sistema mundial depende da densidade dos
programas cooperativos de que ela for objecto no interior do próprio espaço
lusófono. Uma língua portuguesa com forte presença e dinamismo no
espaço mundial requer antes, como pré-condição, a construção, no interior
das suas fronteiras, de um espaço plano e pleno, marcado por uma
governança de elevada qualidade. Trata-se de um requisito incontornável,
na ausência do qual a pretensão de afirmação mundial não passaria de uma
fuga em frente, puramente retórica. Desde logo, devemos salientar que a
viabilização de uma acção política de impacto mundial implica acção
concertada de vários governos soberanos, que devem estar na disposição de
atribuir a este desiderato – para que as coisas dêem certo e não caiam no
pantanoso terreno do laxismo e cepticismo – o grau de prioridade
equivalente às suas possibilidades, a consentir esforços também
correspondentes às disponibilidades havidas. Afinal, ao darmos passos em
direcção à projecção da língua portuguesa no espaço lusófono e mundial,
acreditamos ou não que estamos a fazer um investimento de alto retorno?
Refiro-me ao retorno político, educativo e, last but not least, ao próprio
retorno económico.
Sem esse comprometimento básico e fundante, criando coresponsabilidade entre os estados, estaremos a aprofundar o fosso entre as
declarações e os processos. Num cenário assim, os planos, os programas e
as instituições criadas para os implementar perderiam eficácia, moral e
credibilidade. Todos os adiamentos seriam justificados em nome de outras
prioridades, todos os incumprimentos explicados em nome de rotinas
burocráticas. Ficaríamos, inclusive, na impossibilidade sequer de avaliar a
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nossa própria acção. Alvin Tofler escreveu que a diferença entre
desenvolvidos e subdesenvolvidos, entre vencedores e perdedores não
deixa de ser também a desigual capacidade de agarrar, a tempo, as
oportunidades. Por outras palavras, a diferença entre uns e outros seria,
afinal, a existente entre rápidos e lentos. Todos os documentos de política
produzidos de 1996 para cá e passíveis de serem escrutinados apontam
claramente para a ambição subscrita pelos Estados de re-dignificar a língua
portuguesa. Naquela altura adoptou-se como objectivo trabalhar para
traduzir em importância literária, científica, política, diplomática,
económica o inegável peso demográfico do universo lusófono. Teremos
sido lentos no arranque. Mas agora queremos, na nova ordem linguística do
século XXI, um lugar digno, de centralidade, para a língua portuguesa.
Uma língua projectada e capaz de projectar nações e culturas que se
expressam por ela. Tal pretensão, para não ser vã e ser socialmente
credível, impõe-nos, no entanto, construir rapidamente uma nova relação
inter-estatal e com a comunidade linguística. Mas também uma nova
relação com o tempo, tanto com o passado como com o futuro.
Comecemos por aquele. A constituição plena da nossa comunidade
implica que resolvamos, ou ao menos que façamos boa gestão dos
diferendos históricos resultantes da relação entre povos que hoje formam a
comunidade lusófona. Em muitas sociedades, a língua portuguesa está
ligada à memória, é preciso dizê-lo, da escravatura, do colonialismo, do
etnocentrismo e do desprezo por expressões culturais locais. Não nos
esqueçamos: a língua portuguesa foi a língua do patrão, do roceiro, do
administrador do posto, do cobrador do imposto, do professor de uma
escola que inferiorizava os meninos que tinham outras línguas maternas e
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estavam proibidas de as usar, ela estava ligada a tudo aquilo que se pode
chamar, à falta de melhor, de “aparelhos ideológicos do Estado
imperial/colonial”. Acontece, porém, que os dominados apropriaram-se da
língua de Fernão Mendes Pinto, fazendo-a sua, aclimatando-a a novas
regiões, confrontando-a com outras línguas, moldando-a, umas vezes,
crioulizando-as, outras. Assim, a própria luta pela emancipação que se
iniciou, quer no Brasil quer em África – é verdade que em temporalidades
bem diversas –, com a afirmação das elites crioulas do império, utilizou a
língua portuguesa como via de reivindicação das diferenças e
especificidades relativamente ao centro imperial, processo que não
constituiu senão a antecâmara da reivindicação da autonomia e depois da
própria independência. A apropriação da língua portuguesa pelos povos do
Sul, mormente pelas suas elites, impediu o perigo, em certas circunstâncias
não meramente conjectural e improvável, de se deitar fora o bebé com a
água do banho. Tais elites viram nela, refiro-me à língua portuguesa, um
instrumento de protesto jornalístico e literário contra os excessos da ordem
colonial e depois um instrumento da criação de uma cadeia solidariedade
política que unia o império ao contrário ou por baixo, ou seja, do ponto de
vista dos contestatários. Não foi na e através da língua portuguesa que os
inconfidentes brasileiros conspiraram contra o império e, ao serem
deportados para as colónias africanas, espalharam nestas as sementes do
inconformismo? Não foi na e através da língua portuguesa que Amilcar
Cabral, Mário Pinto de Andrade, Agostinho Neto, Alda Espírito Santo,
Marcelino dos Santos e tantos outros criaram movimentos unitários na
própria capital do império? Foi ainda na língua portuguesa que homens
como Eugénio Tavares, patrono da cultura cabo-verdiana, Luís Loff de
Vasconcellos ou mais tarde Baltasar Lopes ou Jorge Barbosa protestaram
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contra a discriminação, contra as leis de excepção feitas para as colónias,
contra a marginalização e o abandono das mesmas. Mesmo perante o
ideário de ruptura, deixando cair em definitivo a esperança reformista para
o império, não admira que Amilcar Cabral tenha dissuadido, como fez, a
ideia espontânea de se incluir a língua portuguesa no pacote da herança
colonial a ser rejeitado. Cabral afirmou, e passo a citá-lo, que a “língua não
é prova de nada mais, senão um instrumento para os homens se
relacionarem uns com outros, é um instrumento, um meio para falar, para
exprimir as realidades da vida e do mundo.” Para concluir que a língua
portuguesa é, afinal, a melhor herança da experiência colonial.
Com as independências, os estados nascentes queriam uma língua
oficial que permitisse a unidade nacional, que potenciasse a administração
pública, que desse acesso à modernidade e facilitasse o desenvolvimento
das relações internacionais com os novos estados. Assim, adoptaram o
português. Mas mesmo em nome destes valores e conveniências
supracitados estariam por certo a trair o espírito emancipatório que os
fundou se tais estados abrissem mão da promoção das línguas nacionais,
seja o crioulo cabo-verdiano, o tétum, o quimbundo, o forro, o changana ou
outras, se sacrificassem, no altar da unidade nacional e no da busca dos
ganhos de uma língua com potencialidades universais, as línguas maternas
de uma parte importante dos seus cidadãos. Daí a lusofonia, para ser
mobilizadora a sul, ter de estabelecer um pacto de relação diria ecológica e
ética – as duas coisas são em parte sinónimas – preservadora da
diversidade, com as línguas nacionais. Isso é um adquirido político, hoje.
Ao conquistá-lo, os estados lusófonos do Sul deixam de conceber a relação
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entre a língua portuguesa e as outras línguas nacionais como uma relação
de soma nula.
Curioso é que os novos Estados das nações antes colonizadas por
Portugal, ao mesmo tempo que sentem necessidade de desenvolver
políticas de preservação e de dinamização das diferentes línguas nacionais,
avançando para elas com propostas de regras para a escrita, de utilização
das
mesmas
em
campanhas
de
alfabetização
de
adultos,
institucionalizando-as nos programas de comunicação social e no exercício
parlamentar, dinâmica tendente em extremo para a oficialização,
reconhecem igualmente que precisam alargar o ensino do português,
tornando-a uma língua de inclusão social e não um instrumento de
reprodução
das
desigualdades
sociais
internas.
Democratizar
a
aprendizagem do português, é preciso. Cada vez mais se reconhece em tais
sociedades, que são as nossas, de que o não relançamento do ensino da
língua de Camões, com nova intensidade e em novas bases didácticas e
metodológicas, beneficiam os filhos da elite urbana, burocrática e
escolarizada e penaliza os outros. Com isso, trava-se, ou ao menos diminuise, o ritmo de alargamento da classe média, condicionando as nossas
possibilidades futuras de afirmação como nações e economias competitivas
e dinâmicas no mundo global. Mas um novo ensino do português requer,
desde logo, duas atitudes. Uma, a da aceitação de que nos nossos casos
existem outras línguas em presença e que a aprendizagem do português tem
de levar isso em conta, tem de tirar disso consequências pedagógicas e
políticas efectivas. Outra, a de que a democratização da aprendizagem
bem-sucedida da língua de Camões requer o recurso à inovação
pedagógica, às metodologias mais dinâmicas, porque já não se trata, como
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no passado, de formar pequenas elites dotadas, como nos ensinou Pierre
Bourdieu, de elevado capital cultural familiar, mas sim de formar um novo
perfil de cidadania; já não se trata, dizia-vos, de uma escola que ridiculariza
e humilha os alunos que trazem para a língua de Camões e para sala de aula
acentuações de suas línguas maternas. Nem de uma escola que se preocupa
tão-somente com ensinar, porque isso de aprender seria já lá com os alunos,
de uma escola que se demite da responsabilidade pelo insucesso escolar e
culpa e pune as vítimas. Uma nova forma de ensinar e aprender o português
é uma exigência reclamada pelo ideário da escola inclusiva e da cidadania
alargada e plena, é a condição de uma democracia realizada e vivida no
quotidiano, que vá bem além dos enunciados constitucionais e do ritual das
eleições.
Aqui é preciso apelar à intervenção de um dos actores incontornáveis
da governança de uma língua portuguesa a caminho da densificação do
espaço lusófono e da sua afirmação planetária: as universidades. Estamos
todos persuadidos de que os governos são por si só insuficientes para
densificar as relações cooperativas no interior do espaço lusófono e muito
menos de sozinhos conseguirem projectar a nossa língua comum mais
além. Da mesma forma que constitui convicção cada vez mais ampla de
que uma abordagem topo/base não dá mais conta dos múltiplos desafios
que temos pela frente. São necessárias geometrias que sejam variáveis e
mais complexas de actores. As universidades perfilam-se, hoje, como
actores-chave. A começar, para protagonizarem uma cooperação panlusófona, tendo por objectivo a formação inicial e continuada de
professores, porque é reconhecido que é a este nível, mais do que qualquer
outro, que se mudam, qualificando-os, os sistemas de ensino nacionais.
António Correia e Silva
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Falo da formação de professores do pré-escolar ao ensino superior,
passando evidentemente pela educação de jovens e adultos. Isso exige
cooperação alargada. O Portal do Professor, que nos será apresentado logo
à tarde, é uma excelente iniciativa saída da Conferência de Brasília. Nos
tempos que correm, tirando partido das tecnologias de comunicação de
dados e voz, há que lançar mão de Universidades Abertas dos nossos
países, as existentes e as em vias de nascer, para criar uma entidade
federada, feita de unidades reunidas, do tipo “Universidade Aberta de
Língua Portuguesa”, que seria um espaço de cooperação inter-nacional e
inter-universitária, locus privilegiado de troca de experiências, entidade
essa com vocação para realizar cursos à distância, utilizando as melhores
práticas registadas entre nós. Mesmo para os alunos universitários urge
cada vez mais que as universidades dos nossos países, de forma concertada,
cooperativa e solidária, concebam e disponibilizem materiais didácticos
digitais de grande qualidade. Que trabalhem, com mais afinco ainda, o
conceito de REA, recursos educativos abertos, inspirando-se no que vem
fazendo a Khan Academy, assim como também nos “massive courses
online”. Tomando de empréstimo a metáfora de Friedman, diria que isso é
que dá corpo ao ideário de um espaço lusófono plano, no interior do qual a
informação e o conhecimento circulam fluente e livremente, reduzindo as
assimetrias educativas. Ponho o foco na educação, não por qualquer outra
razão, porque o desempenho económico dos países passa hoje, mais do que
nunca, decisivamente pela capacidade de os mesmos absorverem e criarem
conhecimento, evitarem o desperdício do capital humano sob a forma do
insucesso e abandono do processo formativo e elevarem o nível médio das
competências da população activa. Ora, nos nossos países, quer nos
PALOP, quer no Brasil ou mesmo em Portugal, a aprendizagem da língua
António Correia e Silva
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portuguesa é factor crítico do sucesso escolar. Trata-se de um saber
condicionador dos demais, pois, nele situam-se algumas competências
aprendentes como a do raciocínio lógico, de interpretação e de expressão
verbal e escrita, competências que condicionam ou potenciam a
aprendizagem de outros saberes.
Ninguém duvida que a formação avançada e a ciência sejam a nova
riqueza das nações, mas também que o poder científico no nosso tempo
corre sério risco de concentrar a sua expressão em poucas línguas, para não
dizer em pouquíssimas línguas, com vantagens evidentes para os falantes
delas e desvantagens, não menos evidentes, para os demais. Assim sendo,
fazendo jus à ambição de projectar a nossa língua comum no sistema
mundial e tirando partido das potencialidades das TICs, temos ir mais além
no esforço de disponibilização e partilha da produção científica elaborada
no espaço lusófono, propiciando às diferentes comunidades científicas
nacionais da CPLP o conhecimento recíproco da ciência em português.
Iniciativas como a rccap portuguesa, a oásis, brasileira e o portal de
conhecimento cabo-verdiano, para só falar das que melhor conheço, são
peças importantes de um futuro, necessário e urgente portal integrado de
pesquisa em língua portuguesa, a constituir. Todos sabemos quão
importante e potenciador é o acesso à produção científica para o take off
dos países. A AULP, cuja articulação hoje mais estreita com a CPLP
aplaudimos, por lúcida e estratégica, é a instituição vocacionada para
liderar o movimento dos repositórios de língua portuguesa.
Minhas senhoras e meus senhores,
António Correia e Silva
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Aprofundando ainda mais a nevrálgica questão do conhecimento,
esta língua, para se globalizar, precisa de facto de pôr um acento mais forte
na ciência e na tecnologia, articulando instituições nacionais provedoras de
fundos para a ciência, alavancando programas de mobilidade de cientistas,
publicando editais que incentivem projectos conjuntos de investigação,
estimulando por esta via a produção científica.
“O que quer, o que pode esta língua portuguesa?”, interpelou-nos já
há mais de duas décadas o cantor brasileiro Caetano Veloso. Pode ela
consciencializar-se do seu valor de expressão e da sua capacidade de
suscitar adesão e ousar enquanto língua de ciência, instituindo programas
de iniciação científica, de mobilidade estudantil, estabelecendo encontros
periódicos de editores de publicações, respondendo às repetidas questões:
Que ciência se faz na Lusofonia? Quem são os nossos cientistas? Como
trabalham? O que investigam? Que resultados obtêm? Que laços
colaborativos desenvolvem no âmbito da nossa Comunidade Linguística?
O discurso científico, sendo importante meio de expansão da língua,
será também base estratégica para o posicionamento dos nossos países para
lá do espaço lusófono, no nov999o quadro da globalização. Neste sentido,
torna-se mister um quadro de esforço conjugado de tradução do manancial
de obras científicas globais para a língua portuguesa e a tradução para as
línguas congéneres de trabalhos científicos de investigadores lusófonos.
Não são menos oportuna a concepção e a implementação de uma política
coordenada de leitura pública, através de referentes bibliotecários, de
centros de documentação e informação, de bases de dados e afins, política
com o propósito de promover o resgate do ideário da Enciclopédia
António Correia e Silva
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Lusófona (incorporando o que fora a Enciclopédia Portuguesa, a
Enciclopédia Brasileira e dos proto-projetos dos demais países lusófonos).
Trata-se, sem dúvida, de um instrumento crucial para a afirmação do Poder
da nossa Língua. Tal construto não poderá ser feito de forma isolada e de
maneira nacional por parte dos integrantes desta Comunidade. Antes pelo
contrário, ela só é passível de ser realizada de forma cooperativa e
integrada. É preciso ir além, tentar fronteiras nunca dantes ousadas,
acrescentando às conquistas alcançadas na comunicação digital mais e
novas vitórias. Dizem-nos que a língua portuguesa "é a quinta mais usada
na Internet e a terceira nas redes sociais, como o Facebook e o Twitter”.
Isso é bom. Mas podemos mais. Uma parte importante das indústrias
criativas tem base na cultura, na história e na língua. A aposta na
criatividade narrativa, literária e figurativa, ligada à concepção de produtos
multimédia para novos dispositivos electrónicos móveis, dispositivos cuja
chegada veio alterar em definitivo o nosso quotidiano, abre um oceano de
oportunidades valorizantes da nossa língua, isso tanto no aspecto simbólico
como económico.
Herdeiros de um legado histórico largamente comum, podemos e
temos a obrigação de dar um novo futuro ao nosso passado, instituindo uma
cooperação mais forte entre os diferentes arquivos históricos nacionais,
coordenando os seus respectivos esforços de digitalização e de
disponibilização da documentação via Web. Assim procedendo, estaremos
certamente a potenciar as nossas historiografias nacionais que se
esclarecem mutuamente devido a laços históricos existentes entre as antigas
colónias do velho império. Estaremos também a potenciar investigações
conjuntas e transnacionais acerca da experiência histórica que conformou
António Correia e Silva
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as nossas sociedades. Ao reunirmo-nos neste evento que, sendo sobre a
causa e a coisa da lusofonia, estaremos a valorizar não apenas o enorme
legado cultural e linguístico da língua portuguesa, sublinhando a sua
trajectória histórica, mas também, tendo em conta os desafios do presente,
a concretizar, densificando fluxos de cooperação no espaço lusófono, o
ideário de comunidade, de cuja concretização depende, a nosso ver, a
credibilidade da pretensão de uma afirmação mundial consequente. Ou
seja, é preciso globalizar, antes, o espaço lusófono, torná-lo uma
comunidade dinâmica e inter-actuante, com sentido de futuro, para que a
nossa afirmação no espaço mundial seja então possível, exequível,
sustentável e frutífera.
Aqui lembrar-vos-ia a provocação contida nos versos de Fernando
Pessoa, como que predizendo a criação de uma comunidade lusófona, em
como “a minha pátria é a língua portuguesa”, sendo a semântica “minha”
pluralizada numa identidade “nós”. O poeta maior, Fernando Pessoa,
estaria em vate poético a idealizar um cenário pan-lusófono, em que a
nossa língua comum, sem recusar as identidades e projetando-se numa
unidade na diversidade, seria apropriada por este colectivo dos
países/povos falantes do português enquanto primeira, segunda e/ou
terceira língua. O vate poético proto-idealizador de uma Comunidade que,
em 1996 se corporizaria na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa
(CPLP).
Sermos uma língua de 250 milhões de falantes é hoje um
dado, de que nos orgulhamos, mas que só por si não nos satisfaz.
Ambicionamos afirmar a nossa língua enquanto língua de intercâmbio e de
António Correia e Silva
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franquia para dialogarmos, em termos geoestratégicos, económicos,
científicos, tecnológicos e a todos os níveis do conhecimento com os que
estão na liderança mundial, na premissa de que hoje, em tempo de “soft
power”, desculpe, de poder suave, na expressão consagrada de Joseph Nye,
os países e as línguas valem cada vez mais pela sua atractividade. Pela
capacidade de persuadir, seduzir e mobilizar. Sem buscar parábolas nem
engendrar metáforas diria estar ainda a faltar à língua portuguesa, ou
melhor dito, à lusofonia um posicionamento estratégico de Poder dos
povos/ países/ comunidades lusófonas no contexto mundial.
Quer isto dizer que, a par de os países lusófonos terem cada vez mais
poder de barganha junto dos seus enquadramentos regionais e das
organizações internacionais, importa hoje, mais do que nunca, uma
estratégia comum e global, não só da expansão geográfica e cultural da
língua enquanto tal, mas da projecção do que se lhe subentende em termos
de valores, princípios, interesses e objectivos. “O que quer, o que pode esta
língua?”, continua a interpelar-nos Caetano Veloso. A resposta é:
“obviamente, poder”. E o que é poder para nós? Não é, entre outras coisas,
ter um país lusófono com assento permanente no Conselho de Segurança
das Nações Unidas? Não é igualmente o reforço do peso europeu desta
língua a partir da sua dimensão continental e insular? Não é lograr o
reforço da presença do português no xadrez geoatlântico das ilhas da
Macaronésia, situadas, umas na ultra-periferia europeia, outras, no
Atlântico Médio e outras ainda já em plena zona equatorial? Poder não será
um forte posicionamento geoestratégico da nossa língua na África Austral,
tanto no lado do Atlântico como no do Índico? Poder não será também
dispor de uma base incursão lusófona no continente insular do Pacífico,
junto à periferia da Oceania e na entrada do Extremo Oriente? “O que quer,
António Correia e Silva
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Portuguesa no Sistema Mundial
o que pode esta língua?” Que esteja presente como língua e como um
conjunto de valores a ela associados na União Europeia, na OCDE, no
Mercosul, nos BRICS, na União Africana, na CEDEAO, ASEAN, na
SADAC, promovendo a visão e os interesses dos seus falantes,
assegurando qualidade de vida dos povos lusófonos. Porque, no fundo, é
isso que está subjacente ao esforço de valorização da língua portuguesa no
sistema mundial: poder suave, no sentido de soft power, qualidade de vida
para os nossos povos e o aumento da capacidade de expressão da nossa
especificidade cultural no contexto do mundo globalizado. E mais não
digo!
Obrigado!
António Correia e Silva
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