Potencial Económico da Língua Portuguesa Coordenação: Luís Reto José Paulo Esperança Mohamed Azzim Gulamhussen Fernando Luís Machado António Firmino da Costa Índice ÍNDICE DE FIGURAS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ÍNDICE DE QUADROS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . LISTA DE ACRÓNIMOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . AGRADECIMENTOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . PREFÁCIO – A Língua na Rota da Economia INTRODUÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9 10 14 15 17 21 Valor agregado: Posição relativa, peso no PIB e efeitos de rede nas transações com o exterior . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35 1. O PORTUGUÊS NO CONTEXTO DAS LÍNGUAS MUNDIAIS . . . . . . . . Hierarquizações Divergentes. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . O Português no Mundo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Comparação com os Principais Idiomas – Barómetro Calvet Língua e Cultura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Língua e Cultura Portuguesas no Mundo – Ensino e Difusão . Síntese . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39 39 41 46 54 55 58 2. EFEITOS DE REDE E VALOR ECONÓMICO DA LÍNGUA . Importância Estratégica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Efeito de Rede . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . A Observação Empírica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Síntese . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59 60 62 65 67 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . PARTE I . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8 • POTENCIAL ECONÓMICO DA LÍNGUA PORTUGUESA 3. VALOR DA LÌNGUA E DAS INDÚSTRIAS CULTURAIS E CRIATIVAS EM PERCENTAGEM DO PIB . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Indústrias Culturais e Criativas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Síntese . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69 73 79 4. COMÉRCIO EXTERNO E INVESTIMENTO DIRETO ESTRANGEIRO (IDE) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81 Investimento Direto Estrangeiro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 86 Relação entre Comércio Externo e Investimento Direto Estrangeiro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 96 Síntese . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 100 5. FLUXOS MIGRATÓRIOS E TURISMO Turismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . Síntese . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 101 113 118 PARTE II Valor para o utilizador: Usos e perceção dos utilizadores da língua . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 121 6. 7. 8. 9. USOS DA LÍNGUA PORTUGUESA E DE OUTRAS LÍNGUAS . . . . . . . APRENDIZAGEM DA LÍNGUA PORTUGUESA . . . . . . . . . . . . . . . . AVALIAÇÕES E CONHECIMENTOS SOBRE A LÍNGUA PORTUGUESA PERSONALIDADES E MARCAS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . SÍNTESE E CONCLUSÕES . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . DEFINIÇÕES . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . NOTAS METODOLÓGICAS SOBRE OS DADOS RELATIVOS A IMIGRANTES EM PORTUGAL E A EMIGRANTES PORTUGUESES (18.5.2011) . . . . . . . . . . ANEXOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 125 145 157 179 187 193 199 205 209 PARTE I Valor agregado: Posição relativa, peso no PIB e efeitos de rede nas transações com o exterior Os estudos sobre o valor económico das línguas (Grin, 2003) têm sublinhado o seu valor em diferentes aspetos: enquanto elemento do capital humano dos indivíduos com fluência num idioma; na correlação positiva entre o seu valor e o número de utilizadores; no seu impacto nas relações com o exterior, sendo o comércio externo o mais estudado. Os modelos gravitacionais (Gould, 2004) sugerem que a proximidade linguística e a dimensão demográfica e económica de dois países favorecem o comércio entre eles. O Capítulo 1 começa pela medição da posição relativa da língua portuguesa, tendo em conta o número, riqueza e área ocupada pelos seus falantes. Com base nos diversos observatórios e noutras fontes, compara-se a língua portuguesa, tendo em conta o seu peso na Internet, na produção científica, na cultura e no ensino e na intercompreensão, com outros idiomas de origem latina. Após uma revisão bibliográfica sobre o valor económico e os efeitos de rede (Capítulo 3), o Capítulo 4 apresenta o valor da língua em percentagem do PIB português, seguindo a metodologia de Martin Municio (2003) para o espanhol, para além de uma análise das indústrias culturais e criativas cujo conteúdo linguístico é dos mais elevados. 38 • POTENCIAL ECONÓMICO DA LÍNGUA PORTUGUESA Os Capítulos 5 e 6 exploram as implicações da proximidade linguística para o comércio externo, o investimento direto estrangeiro (IDE) e as deslocações de pessoas – migrações e turismo, na perspetiva portuguesa. O grau de proximidade linguística foi medido através da subdivisão dos países em quatro grupos, com obstáculo crescente à compreensão – língua portuguesa, espanhola, inglesa e outros idiomas. Os resultados confirmam o enorme impacto da proximidade linguística sobre os fluxos migratórios e revelam que o efeito sobre o IDE é muito mais significativo do que sobre o comércio externo, sugerindo um enviesamento da investigação empírica a favor desta variável. CAPÍTULO 1 O Português no Contexto das Línguas Mundiais Hierarquizações Divergentes O exercício de construir uma ordenação das principais línguas do planeta parece à partida muito fácil, mas é uma tarefa bem mais complexa do que o esperado. A primeira dificuldade encontra-se desde logo na forma como se classifica a língua. Contam-se apenas as populações que a usam como primeira língua ou integram-se nos cálculos aqueles que a falam e dominam como segunda língua? Ordenam-se as línguas pela sua influência mundial e utilização nos fóruns internacionais? Se este critério for colocado em primeiro lugar, a importância do francês e do alemão é mais elevada do que se for considerado o número dos seus falantes de língua materna. Um outro fator, de natureza mais subjetiva, diz respeito à escola dos autores destas hierarquizações. As suas preferências ou omissões contaminam normalmente os critérios de ordenação que adotam. Em síntese, há ordenações para todos os gostos. No quadro seguinte são apresentadas quatro fontes distintas, salientando-se desde já que em três delas o português é colocado em sétimo lugar e numa em quarto lugar. 40 • POTENCIAL ECONÓMICO DA LÍNGUA PORTUGUESA Quadro 1.1 Número de falantes e posição relativa das 10 principais línguas mundiais Ethnologue (Lewis, 2009) Posição relativa Língua 1.º Chinês (Mandarim) 2.º Espanhol 3.º Inglês 4.º Árabe 5.º 6.º N.º de falantes como 1.ª língua (milhões) Baromètre Calvet des langues du monde (Portalingua, 2011) Observatório da Língua Portuguesa, 2010 Ostler, 2005 Língua N.º de falantes como 1.ª língua (milhões) Língua N.º de falantes como 1.ª língua (milhões) Mandarim 845 Mandarim 845 Chinês (Mandarim) 329 Espanhol 329 Espanhol 329 Inglês 508 328 Inglês 328 Inglês 328 Hindi 487 221 Árabe 222 Português 240 Espanhol 417 Hindi 182 Hindi 182 Hindi 182 Russo 277 Bengali 181 Bengali 181 Bengali 181 Bengali 211 7.º Português 178 Português 178 Russo 144 Português 191 8.º Russo 144 Russo 143 Japonês 122 Alemão 128 9.º Japonês 122 Japonês 122 Alemão 90 Francês 128 10.º Alemão 90 Alemão 90 Javanês 85 Japonês 126 1213 (845) Língua N.º de falantes como 1.ª ou 2.ª língua (milhões) 1052 Fontes: Lewis, M. Paul (ed.) (2009), Ethnologue: Languages of the World, 16.ª ed., Dallas, SIL International (http://www. ethnologue.com). Calvet, Alain e Calvet, Louis-Jean (2011), Baromètre Calvet des langues du monde, in Portalingua: Observatoire des langues dans la connaissance (http://www.portalingua.info). Observatório da Língua Portuguesa (2010) (http://www.lingua-lp.sapo.pt). Ostler, Nicholas (2005), Empires of the Word: A Language History of the World, New York, Harper. Quando se considera apenas o número de pessoas que usam uma língua como primeira língua, como é o caso de Lewis, do Portalíngua e do Observatório da Língua Portuguesa, verifica-se que até ao 10.º lugar os dois primeiros coincidem totalmente. O Observatório, por seu lado, não contempla o árabe, introduz o javanês, coloca o português em quarto lugar em vez de sétimo e sobe o alemão da décima para a nona posição. Estas diferenças devem-se, no caso do português, a uma profunda desatualização das estatísticas demográficas por parte das restantes fontes. De facto, só o Brasil atingiu a cifra de 200 milhões no último censo, pelo que é fácil constatar a O PORTUGUÊS NO CONTEXTO DAS LÍNGUAS MUNDIAIS • 41 desatualização dos números utilizados. Quanto ao árabe, o Observatório não o considera verdadeiramente uma língua unificada, tal como acontece com a classificação de Ostler. Aliás, se o português e o espanhol fossem tratados como o árabe nos dois observatórios, o que se poderia justificar dado o seu elevado grau de intercompreensão, teríamos o «portunhol» como segunda língua materna mundial. Este último autor é o mais difícil de comparar, pois utiliza na sua classificação, em simultâneo, o número de pessoas que usam um idioma como primeira ou como segunda língua. Embora aumente o número de falantes do português, este mantém a sétima posição. Análise feita, considera-se que a classificação do Observatório é a mais atualizada, a este respeito. Apesar destas divergências, é bem visível o lugar de destaque que o português ocupa no panorama linguístico internacional. Cabe a todos os beneficiários desse património potenciar essa posição relativa e tornar o português numa língua de destaque nos negócios, na cultura e na política internacional. O Português no Mundo Embora Portugal possa ser considerado o país pioneiro da globalização, a influência da sua língua manteve-se bastante aquém da de outros idiomas de origem europeia, como o inglês, o espanhol, o francês, o alemão ou o russo. Foi necessário esperar pelo crescimento populacional e pela afirmação económica do Brasil e das ex-colónias africanas, para que o português encontrasse o seu lugar entre as línguas mais influentes na esfera internacional, logo a seguir ao inglês e ao espanhol. Dado que os processos de globalização atuais ultrapassam em muito a vertente económica direta, possibilitando e acelerando as trocas a todos os níveis, a língua pode ser hoje, para Portugal, 42 • POTENCIAL ECONÓMICO DA LÍNGUA PORTUGUESA um ativo valioso no contexto internacional, a nível político, cultural e económico. A expansão marítima dos séculos XV e XVI levou a que uma língua inicialmente falada por cerca de um milhão de pessoas se estendesse por vários continentes, com particular incidência na América do Sul, África e em alguns pontos da Ásia. Além de Portugal, o português tornou-se a língua oficial de Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste. O quadro 1.2 apresenta os valores das populações desses países. Se bem que nem todos os naturais de alguns deles (nomeadamente os africanos e de Timor) tenham o português como língua materna, os valores constantes do quadro 1.2 constituem uma boa aproximação geral ao universo falante, ou potencialmente falante, do português enquanto língua principal. Quadro 1.2 Falantes nativos de português no mundo em 2010 Países de Língua Portuguesa Brasil Moçambique População (milhões) Ranking mundial de população PIB (milhões €) Ranking mundial de PIB 203,4 5 1 561 801 7 22,9 51 7391 122 Angola 13,3 70 63 741 62 Portugal 10,8 75 171 350 38 Guiné-Bissau 1,6 151 657 170 Timor-Leste 1,8 158 524 174 Cabo Verde 0,56 170 1231 160 0,18 185 147 181 São Tomé e Príncipe Total Percentagem da população mundial 254,54 3,66% 1 806 841 3,85% Fonte: População – CIA, Country Comparison – Population, julho de 2011. PIB – World Development Indicators database, Banco Mundial, julho de 2011 (valores convertidos para € usando a taxa de conversão EUR/US de 31.12.2010. 1EUR = 1,3384 US). O PIB mundial era, em 2010, de 46 980 067 milhões de euros. O PORTUGUÊS NO CONTEXTO DAS LÍNGUAS MUNDIAIS • 43 Estes dados mostram que o conjunto de habitantes dos países de língua oficial portuguesa representa 3,66% da população mundial, enquanto o PIB destes países atinge 3,85% da riqueza total gerada no planeta. Por outro lado, o conjunto dos países de língua oficial portuguesa ocupa uma superfície total de 10,8 milhões de quilómetros quadrados, dimensão muito próxima, por exemplo, dos cerca de 12 milhões dos países de expressão espanhola, segundo Garcia Delgado (2010). A superfície total dos países de língua oficial portuguesa representa 7,25% dos cerca de 148,9 milhões de quilómetros quadrados da superfície terrestre do planeta. É importante sublinhar que todos os países se localizam em zonas temperadas, tropicais ou equatoriais, ocupando assim uma percentagem ainda maior da zona habitável, de onde haveria que excluir a Antártida e partes substanciais da Gronelândia, Rússia e Canadá. Em consequência, os recursos naturais deste espaço são muito significativos, com destaque para as reservas de água doce e solo arável, ainda largamente subaproveitados, sobretudo em Angola e Moçambique. Alguns falantes nativos permanecem ainda noutros pequenos territórios, tais como Goa (Índia) e Macau (China), para além dos emigrantes portugueses que se encontram um pouco por todo o mundo, estimados aproximadamente em cinco milhões de pessoas. A estes acrescem ainda os emigrantes para fora do espaço lusófono provenientes do Brasil e dos países da África e da Ásia de língua oficial portuguesa. É também interessante medir, embora de forma aproximativa, a riqueza da diáspora portuguesa – o valor criado pelos emigrantes, assumindo que, em cada país hospedeiro, auferem um rendimento equivalente à média desses países (Quadro 1.3). Deste modo, a riqueza dos falantes de português – países de língua oficial portuguesa, mais diáspora nacional – atinge 1 862 727 milhões de euros, ou seja, 3,9% do PIB mundial. A este valor deveria acrescentar-se a riqueza das diásporas dos países de língua oficial portuguesa, à exceção da de Portugal, já considerada. 44 • POTENCIAL ECONÓMICO DA LÍNGUA PORTUGUESA Quadro 1.3 Riqueza dos emigrantes portugueses por país de destino (2010) País França Emigrantes (milhares) 567 População residente (milhares) 65 310 PIB (milhões €) Riqueza dos emigrantes portugueses (milhões €) 1 929 563 16 754 Suíça 165 7630 391 342 8447 EUA 192 313 230 10 951 733 6706 Espanha 149 46 750 1 053 456 3353 90 81 470 2 477 318 2741 Alemanha Angola 92 13 300 63 742 440 Reino Unido 87 62 700 1 679 210 2330 80 500 41 056 6569 Canadá Luxemburgo 150 34 030 1 176 069 5197 Bélgica 25 10 430 347 935 832 Venezuela 53 27 630 217 183 420 213 203 400 1 561 801 1637 África do Sul 80 49 000 266 930 435 Cabo Verde 10 560 1234 23 Brasil Total 55 886 Fonte: Observatório da Emigração. PIB – World Development Indicators database, Banco Mundial, julho de 2011 (valores convertidos para € usando a taxa de conversão EUR/US de 31.12.2010. 1EUR = 1,3384 US). Como atrás se viu, as diversas ordenações colocam o português como uma das línguas mundiais de maior peso. A língua portuguesa inspirou também uma comunidade – a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa –, que reúne todos os países de língua oficial portuguesa. Esta associação tem semelhanças com a Commonwealth (países falantes do inglês), com La Francophonie (países falantes do francês) ou com a Liga de Estados Árabes (falantes do árabe) (Karim, 1995). Outra dimensão importante à escala internacional diz respeito à utilização da Internet, espaço em que a língua portuguesa tem vindo a registar um crescimento muito acentuado, como pode constatar-se no quadro 1.4. O PORTUGUÊS NO CONTEXTO DAS LÍNGUAS MUNDIAIS • 45 Quadro 1.4 Utilizadores de Internet e total de falantes por língua (milhões) Total de utilizadores da Internet (%) Utilizadores da Internet (milhões) Acesso à Internet (%) Inglês 30,4 427 21,0 201,1 2039 Chinês 16,6 233 17,1 622,0 1365 Espanhol 8,7 122 27,1 395,7 452 Japonês 6,7 94 73,8 99,7 127 Francês 4,8 67 16,4 451,8 410 Alemão 4,5 64 66,0 129,6 96 Árabe 4,2 60 16,7 2062,2 357 Português 4,1 58 24,3 668,0 240 Coreano 2,5 34 47,9 82,9 73 10 línguas principais Crescimento Utilizadores da da Internet língua (2008) (2000-2008) (%) (milhões) Italiano 2,4 34 57,9 155,4 58 Top 10 84,8 1194 22,9 263,6 5218 Outras Total mundial 15,2 213 14,6 556,7 1458 100,0 1408 21,1 290,0 6676 Fonte: www.internetworldstats.com Nesta década, o português tornou-se uma língua proeminente nos meios de comunicação emergentes proporcionados pela Internet. Através das Estatísticas Mundiais da Internet (2008), verifica-se que o português se encontra na oitava posição e em expansão – estando a ser objeto, aliás, de uma das mais elevadas taxas de crescimento. A influência da língua portuguesa pode, por conseguinte, tender a expandir-se, não só pela via do crescimento demográfico, mas também dos dispositivos tecnológicos e dos conteúdos virtuais próprios da sociedade em rede (Castells, 2001), decisivos na era da informação e da economia baseada no conhecimento. São processos que podem proporcionar crescentes efeitos de rede, a par dos efeitos relacionados com os fluxos migratórios, comerciais e culturais, como se analisa no capítulo seguinte. 46 • POTENCIAL ECONÓMICO DA LÍNGUA PORTUGUESA Nestas circunstâncias, o português tem hoje possibilidades, como argumenta Silva (2005), de evoluir de língua internacional de um bloco linguístico para uma efetiva língua de comunicação global. Comparação com os Principais Idiomas – Barómetro Calvet De entre os observatórios de línguas existentes considera-se ser de destacar o que foi desenvolvido por Calvet, dado que não se limita a questões estritamente linguísticas, o que torna interessante ver a posição do português nos diferentes parâmetros por ele utilizados. É de assinalar, no entanto, uma certa desatualização de algumas estatísticas constantes no observatório, particularmente evidentes no caso do português. O observatório das línguas desenvolvido por Calvet é seguramente discutível ao nível dos parâmetros e das ponderações, mas constitui uma análise sistemática e integradora da posição relativa das línguas contemporâneas. O seguinte quadro apresenta a síntese dos 10 parâmetros e respetivas definições, com base no referido observatório. Definição dos dez parâmetros do barómetro Calvet 1. Número de falantes: Trata-se do número de falantes de primeira língua, tal como é enunciado no sítio Ethnologue (http://www.ethnologue.com/web.asp). 2. Entropia: É o elemento que quantifica a «desordem». A entropia não está associada ao número global de falantes de uma língua, mas antes ao modo como os mesmos se encontram repartidos na região ou regiões onde a língua em questão é falada. Maior dispersão por países conduz a maior entropia. O PORTUGUÊS NO CONTEXTO DAS LÍNGUAS MUNDIAIS • 47 3. Índice de desenvolvimento humano: Os dados afetos ao índice de desenvolvimento humano, utilizados no barómetro Calvet, encontram-se disponíveis no sítio das Nações Unidas (http://hdr.undp.org/en/reports/global/hdr2009/). Por outro lado, a fim de se atribuir um valor a cada língua, estabeleceu-se uma média ponderada do índice em cada um dos países onde a língua é falada, com a condição de que o número de falantes, no país considerado, seja pelo menos igual a 1% do número de falantes da língua no mundo. 4. Índice de fecundidade: Mede o número de filhos por mulher. De modo a atribuir um valor a cada língua, o barómetro Calvet – que utiliza dados publicados no sítio das Nações Unidas (http://hdr.undp.org/en/reports/global/hdr2009/) – estabelece uma média ponderada do índice de fecundidade em cada um dos países onde a língua é falada, desde que o número de falantes no país em questão seja pelo menos igual a 1% do número de falantes da língua no mundo. 5. Índice de penetração da Internet: Corresponde ao número de utilizadores da Internet dividido pela população total do país. Os dados utilizados provêm do sítio World Stats (www. internetworldstats.com/stats.htm). O barómetro Calvet estabelece uma média ponderada do índice em cada um dos países nos quais a língua é falada, com a condição de que o número de falantes no país considerado seja pelo menos igual a 1% do número de falantes da língua no mundo. 6. Número de artigos na Wikipédia: Os números utilizados correspondem à soma de todos os artigos publicados na Wikipédia, desde a sua origem até 23 de novembro de 2009. 7. Línguas oficiais: Foram apenas contabilizadas as línguas oficiais de jure, na lista estabelecida pelo sítio da Université Laval (www.tlfq.ulaval.ca/axl/). Contudo, o barómetro Calvet discorda da lista referida no sítio, no seguinte ponto: por vezes, o sítio em questão contabiliza a mesma língua para um país e para uma ou duas regiões do país em questão. 48 • POTENCIAL ECONÓMICO DA LÍNGUA PORTUGUESA 8. Prémio Nobel da literatura: Atribui-se o prémio à língua em que o autor escreveu a obra que foi laureada. Os dados aqui utilizados estão disponíveis no sítio http://nobelprize.org/. 9. e 10. Traduções – língua-fonte e língua-alvo: Os dados aqui utilizados encontram-se no sítio da UNESCO Index translationum (http://databases.unesco.org/xtrans/stat/ xTrans Stat.html). No caso do árabe, é preciso ter em conta que existe um árabe «padrão» e mais de 25 «árabes» dialetais. Contudo, os dados relativos ao árabe padrão são atribuídos unicamente a este idioma. Estas considerações aplicam-se tanto no caso das línguas-fonte como no das línguas-alvo. Quadro 1.5 Barómetro Calvet – comparação entre o português e o primeiro idioma de cada parâmetro Português Valor Número de falantes Primeiro Posição relativa Idioma Valor 845 456 760 177 981 576 7 Mandarim Entropia 0,4051 56 Espanhol Índice de desenvolvimento humano 0,8185 31 Sueco Taxa de fecundidade 2,52 0,9629 1,8711 91 Luba-kasai Índice de penetração da Internet 34,4509 32 Inglês 88,9944 Número de artigos na Wikipédia 429 730 8 Inglês 2 567 509 8 5 Inglês 63 Línguas oficiais Prémio Nobel da literatura 6,1 1 12 Inglês 27 Traduções: língua de origem 9752 15 Inglês 1 032 456 Traduções: língua de destino 71 287 7 Alemão 271 085 Fonte: Observatório Calvet. Consulta efetuada em março de 2011. O luba-kasai é uma língua banto falada na República Democrática do Congo (Wikipédia). É importante sublinhar que um valor elevado nos diversos parâmetros tende a reforçar a posição relativa de uma língua, com exceção do parâmetro 2, entropia. Neste caso, a dispersão dos falantes por diversos países agrava o risco de desagregação da língua, com dificuldade de intercompreensão dos seus utilizadores, à semelhança do que foi acontecendo com o latim e já é visível entre alguns tipos de inglês como língua materna. O barómetro mostra que o português ocupa uma posição relevante na dimensão demográfica, ao ser usado como língua materna por perto de 200 milhões de pessoas, no número de O PORTUGUÊS NO CONTEXTO DAS LÍNGUAS MUNDIAIS • 49 países de língua oficial portuguesa e, ao nível cultural, como destino de um volume relativamente elevado de traduções e também de contribuições para a Wikipédia. No entanto, os indicadores relativos ao índice de desenvolvimento humano, as traduções a partir de originais em português, e as páginas na Internet, revelam uma posição mais desfavorável. Calvet (2010) alerta para a possibilidade de intervenção relativamente a algumas das variáveis, numa política ativa de desenvolvimento duma língua – presença na Wikipédia e na Internet, e traduções de origem e destino. As outras variáveis são menos sensíveis a políticas públicas de promoção da língua. O português revela, nestas variáveis, um forte potencial de desenvolvimento, com destaque para as traduções a partir do português, dado o baixo nível de reconhecimento internacional da produção literária em português. A reduzida presença internacional das editoras especializadas na produção em português – literária, musical e cinematográfica – sugere um elevado potencial de difusão destes produtos no interior do espaço lusófono, onde o grau de interconhecimento, por exemplo, entre Portugal e o Brasil, ainda é reduzido, apesar da notoriedade que autores dos diversos países de língua oficial portuguesa têm vindo a obter. O quadro seguinte (1.6) apresenta a posição relativa de um conjunto selecionado de idiomas caracterizados pelo seu nível de dispersão geográfica e atração como segunda língua, em que se confirma a superioridade do inglês pelo peso cultural e económico dos seus utilizadores. No entanto, é interessante verificar que outros idiomas, de utilização dispersa por vários países, disputam a primazia ao inglês em dimensões como a tradução para o seu idioma (alemão) ou o número de utilizadores como língua materna (espanhol). A comparação do português com a língua espanhola revela ainda um menor dinamismo cultural – prémios Nobel da literatura, traduções de e para o idioma –, mas um maior volume de produção ao nível do número de artigos na Wikipédia, o que sugere uma elevada adesão a novos 50 • POTENCIAL ECONÓMICO DA LÍNGUA PORTUGUESA meios de comunicação e divulgação da informação. Este aspeto é corroborado pela elevada taxa de crescimento na utilização da Internet. Quadro 1.6 Barómetro Calvet – comparação entre vários países Número de locutores (milhões) Índice Alemão Entropia Ranking Índice Ranking Índice Índice de desenvolvimento de fecundidade humano Índice Ranking Índice Índice de penetração da Internet Ranking Índice Ranking 90 10 0,77 23 0,94 14 1,34 131 65,47 12 Árabe 222 4 2,39 2 0,64 74 3,15 27 15,64 67 Espanhol 329 2 2,52 1 0,84 23 2,24 77 37,60 29 68 15 0,88 21 0,96 3 1,86 92 70,16 11 Inglês 328 3 1,18 11 0,95 12 2,01 87 77,55 7 Português 178 5 0,41 56 0,82 31 1,87 91 34,45 32 Russo 143 8 0,87 22 0,81 32 1,44 122 30,41 38 Francês Número de artigos na Wikipédia Índice Alemão Línguas oficiais Ranking Índice Ranking Prémio Nobel da Literatura Índice Ranking Traduções: língua-fonte Índice Traduções: língua-alvo Ranking Índice Ranking 808 044 2 7 6 12 3 172 940 3 271 085 1 77 444 23 21 4 1 12 10 087 14 10 339 27 Espanhol 402 430 9 21 3 10 4 43 883 6 207 825 2 Francês 709 312 3 36 2 13 2 189 064 2 203 633 3 2 567 509 1 63 1 27 1 1 032 456 1 116 646 5 Árabe Inglês Português 429 730 8 8 5 1 15 9 752 15 71 287 7 Russo 318 850 10 4 8 5 7 94 714 4 63 009 9 Fonte: Observatório Calvet. Consulta efetuada em março de 2011. Para além da posição relativa do português nos vários parâmetros utilizados pelos diferentes observatórios, é importante realçar outro campo onde a guerra pela afirmação da língua a nível mundial é decisiva – o campo científico. O PORTUGUÊS NO CONTEXTO DAS LÍNGUAS MUNDIAIS • 51 Neste domínio, é de importância vital o desenvolvimento de bases de dados que compitam com as bases em língua inglesa e que, no limite, obriguem os grandes atores que fazem a sua gestão a integrarem de forma massiva as revistas científicas publicadas em português e espanhol. Este é um campo em que as diplomacias ibero-americanas deveriam desempenhar um papel muito mais ativo. Apenas como exemplo, e dada a sua importância crescente, destaca-se aqui uma das bases de dados de revistas científicas de origem ibero-americana – a coleção SciELO. O sítio da SciELO (Scientific Electronic Library Online) define-a como uma biblioteca eletrónica que reúne uma coleção selecionada de periódicos científicos brasileiros. A SciELO resulta da parceria entre a FAPESP – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – e a BIREME – Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde – e, a partir de 2002, o CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Brasil. O objetivo desta parceria consiste no desenvolvimento de uma metodologia comum para a preparação, armazenamento, disseminação e avaliação da produção científica em formato eletrónico. Quadro 1.7 Evolução da colecção SciELO (2005-2009) País Tipo 2005 2007 Taxa de crescimento (2005-2007) 2009 Taxa de crescimento (2005-2009) Brasil Periódicos Fascículos Artigos 164 734 10 997 193 890 13 968 18% 21% 27% 224 37% Chile Periódicos Fascículos Artigos 52 151 1592 64 195 2040 33% 29% 28% 83 60% Colômbia Periódicos Fascículos Artigos 39 95 839 52 143 1530 33% 51% 82% 68 74% Argentina Periódicos Fascículos Artigos 35 76 805 37 82 859 6% 8% 7% 56 60% 52 • POTENCIAL ECONÓMICO DA LÍNGUA PORTUGUESA País Tipo 2005 2007 Taxa de crescimento (2005-2007) 2009 Taxa de crescimento (2005-2009) Venezuela Periódicos Fascículos Artigos 38 117 955 41 126 1174 8% 8% 23% 49 29% Espanha Periódicos Fascículos Artigos 24 160 1315 29 175 1476 21% 09% 12% 41 71% Cuba Periódicos Fascículos Artigos 21 68 722 22 80 705 5% 18% -2% 27 29% Portugal Periódicos Fascículos Artigos 12 33 282 17 38 328 42% 15% 16% 27 125% México Periódicos Fascículos Artigos 13 54 550 19 61 452 46% 13% -18% 37 185% Tanto Portugal como o Brasil registam um crescimento acentuado da produção de periódicos, fascículos e artigos. Ainda que a comparação, baseada exclusivamente na quantidade, possa ser insuficiente, é notável que o Brasil tenha, por si só, uma produção de artigos superior à de todos os restantes países ibero-americanos incluídos no quadro. A integração negociada desta base de dados no ISI (International Scientific Index) ou na Scopus, uma base de dados que engloba cerca de 5000 editores, teria um impacto muito positivo na divulgação da ciência que se produz em português e em espanhol e levaria a um aumento considerável do número e da qualidade destas publicações pelo valor que acrescentariam à carreira académica dos investigadores latinos. A intercompreensão das línguas latinas Outra dimensão importante para o posicionamento do português diz respeito ao nível de intercompreensão com outros idiomas. Neste âmbito são, naturalmente, as outras línguas vivas,