DESENVOLVENDO A EXPRESSÃO ORAL E ESCRITA ATRAVÉS DE
TEMAS INTERDISCIPLINARES: UMA PROPOSTA DO PIBID DE LÍNGUA
PORTUGUESA
Alessandra Kosinski de Oliveira
Tutora do PIBID Língua Portuguesa (FURG)
Resumo: Este é um relato de uma proposta aplicada na Escola Estadual Lilia Neves, em Rio
Grande, com alunos das séries finais do Ensino Fundamental, através do PIBID de Língua
Portuguesa. Vê-se, primeiramente, a necessidade de não fragmentarmos o currículo e como
trabalhamos com Língua Portuguesa, que é uma disciplina interdisciplinar por natureza, pois
perpassa todas as outras, propomos o desenvolvimento da leitura, da expressão oral e escrita
e da interpretação, dispondo de diferentes e variados assuntos, mostrando aos alunos a
importância de conectar os conhecimentos para que possamos nos comunicar e entender o
que nos é transmitido de forma mais eficiente.
Palavras-chave: Língua Portuguesa; expressão oral e escrita; PIBID
Quando conheci a proposta do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à
Docência (PIBID), na Escola Estadual Lilia Neves, localizada na Vila da Quinta, em Rio
Grande, RS, onde atuo como professora de Língua Portuguesa nas séries finais do Ensino
Fundamental, percebi que esse seria um meio de reflexão e estudo na busca de contribuições
para a ruptura de alguns entraves que o ensino tradicional nos traz e assim um meio de
melhorar a qualidade das minhas aulas.
Vi também que os estudantes de Letras teriam a oportunidade de relacionar e
confrontar a teoria que aprendem nas aulas na universidade (FURG) com a realidade, com a
prática de uma escola pública e ver mais de perto os afazeres diários de um professor na
escola.
E, para a nossa felicidade, assim está sendo. Tive o prazer de receber nas quintas,
sexta e sétima séries do Ensino Fundamental cinco bolsistas com uma grande vontade de
aprender. Nossos alunos também os receberam muito bem, pois perceberam que esse
programa só nos faz crescer: eu, como professora há anos em sala de aula, posso rever os
meus conceitos, conhecer novos autores com suas novas teorias e melhorar a prática e os
estudantes podem aplicar as teorias que conhecem adaptando-as às situações reais.
Nós pibidianos acreditamos que os educadores que são verdadeiramente preocupados
com um ensino de qualidade não fazem da sua prática um simples ato mecânico, preocupamse com o seu saber, saber fazer e saber ser professor. Além disso, sabem que não basta
receber um certificado de conclusão para ingresso no magistério e buscam constantemente
ampliar seus conhecimentos, encontrar melhores caminhos à ação pedagógica que
desenvolvem. Procuram inovar, ousando na escolha de conteúdos e procedimentos, extraindo
lições da prática e buscando na teoria melhor orientação para essa prática. Whitehead (apud
Rubem Alves, 1991, p.43) observa que não existe coisa pior para a educação que aquilo que
ele denomina ideias inertes, ideias que são meramente recebidas sem nenhum poder que as
relacione com a vida.
O século XIX, com o advento da técnica e da industrialização, fez com que a ciência
se tornasse fragmentada com a sua especialização. A disciplinarização surgiu principalmente
com as universidades modernas e ampliou-se através do progresso da pesquisa científica no
século XX. Mas estamos percebendo hoje a necessidade de um currículo que não seja
fragmentado, onde haja um diálogo sobre e entre os saberes de cada disciplina que compõe o
currículo escolar. Morin (1992, p.1, 2) nos chama à atenção que
as crianças aprendem a história, a geografia, a química e a física dentro de
categorias isoladas, sem saber, ao mesmo tempo, que a história sempre se situa
dentro de espaços geográficos e que cada paisagem geográfica é fruto de uma
história terrestre; sem saber que a química e a microfísica têm o mesmo objeto,
porém, em escalas diferentes. As crianças aprendem a conhecer os objetos
isolando-os, quando seria preciso, também, recolocá-los em seu meio ambiente
para melhor conhecê-los, sabendo que todo ser vivo só pode ser conhecido na sua
relação com o meio que o cerca, onde vai buscar energia e organização.
O trabalho com a língua materna nos abre essa possibilidade: trabalhar através de todo
assunto de interesse e necessidade dos alunos para que eles interajam no seu dia-a-dia,
compreendendo melhor o mundo a sua volta.
Muitas vezes os professores de língua materna são mal entendidos pelos alunos, pais,
supervisão, direção e colegas que querem cadernos repletos de exercícios gramaticais
completamente dissociadas do mundo, como se as aulas devessem se resumir a decorar
regras para responder as questões de uma prova e não desenvolver a gramática que os
estudantes já possuem para, através dela, se relacionarem melhor com seus semelhantes,
entendendo melhor as mensagens que lhes são passadas e transmitindo com maior clareza,
com maior vocabulário, com domínio gramatical e com criticidade e argumentação o seu
ponto de vista.
É uma maneira também de mostrar aos alunos a importância da Língua Portuguesa para
termos maior entendimento e expressão oral e escrita nas aulas de outras disciplinas, pois a
língua é o nosso veículo de comunicação. Através dela, seja oralmente ou por escrito, os
professores explicam os seus conteúdos e pedem que os alunos expressem o que aprenderam.
Melhores resultados, então, teremos se tivermos habilidade na língua materna, que é vida,
nos acompanha da manhã até a noite, em todos os momentos aos quais precisamos nos
comunicar e até nos nossos pensamentos, porque pensamos em Língua Portuguesa. Portanto,
trabalhá-la somente a partir de regras, como se estivesse fora de nós, não há possibilidade
nas nossas aulas, pois
questiona-se aqui o tratamento dado à gramática com um fim em si mesma,
descontextualizada e não percebida como a aquisição de recursos que permitam ao
indivíduo apropriar-se da língua de forma qualitativa, para um desempenho mais
eficaz na comunicação verbal, seja ela oral ou escrita. (TARDELLI apud
CHIAPPINI, 1997, p.33)
Infelizmente, ainda há muitas escolas com dificuldade de trabalhar a língua materna ou
ainda com uma visão tradicional e compartimentada desta. Como nos diz Chiappini (1997,
p.10),
a concepção de linguagem da maior parte dos educadores é puramente
instrumental, desistoricizando-a e enrijecendo-a nos rituais que tradicionalmente a
domesticam: a cópia, o ditado, a redação como atividade isolada ou, quando muito,
produto final de um processo deslanchado pela leitura, a própria leitura como
simples verbalização oral de textos cuja compreensão deixa muito a desejar: o
trabalho do professor sendo repetição dos roteiros do livro didático, e o do aluno,
sendo execução dos exercícios que estes lhes impõem.
Além de podermos trabalhar com os diferentes gêneros textuais, podemos também
trabalhar com os mais diferentes assuntos. Claro que cada disciplina específica tem
professores formados e aptos a trabalhar determinado conteúdo e não será o professor de
Língua Portuguesa que o vai substituir, ele apenas usará alguns desses assuntos como
ferramenta para o desenvolvimento da competência linguística de seus alunos. E foi partindo
disso, que trago muitas vezes para a sala de aula, atividades baseadas em livros de outras
disciplinas e não os de Língua Portuguesa, como alguns exemplos a seguir dos muitos que
trabalhamos.
Partindo de um projeto de incentivo à leitura, começamos com a Bíblia, por ser o livro
mais lido e mais conhecido do mundo. Lemos e discutimos várias parábolas, onde trazem
muitos ensinamentos para nos relacionarmos de forma mais ética com os nossos semelhantes.
Não discutimos religião, mas religiosidade e comportamento, como devem ser as aulas da
disciplina que a escola denomina como RELIGIÃO.
Ainda como proposta de leitura, trouxemos para uma turma de quinta série do Ensino
Fundamental, o livro “O Menino Maluquinho” do autor Ziraldo, que está completando esse
ano trinta anos, na sua centésima edição. Trabalhamos, então, com a leitura do livro, com
reportagem de jornal sobre o sucesso ininterrupto do livro, com o filme “O Menino
Maluquinho”, com uma entrevista dada pelo autor Ziraldo a um jornal e com histórias em
quadrinhos com os personagens do livro.
Como uma aula de EDUCAÇÃO ARTÍSTICA, os alunos se caracterizaram como os
personagens do livro “O Menino Maluquinho” na mostra de trabalhos da escola. Outra
atividade foi a construção de pipas, pois este era um dos brinquedos citados pelo Menino
Maluquinho no livro. Os alunos trouxeram o material necessário para a aula (pedaços de
taquara, papel, cola, barbante). Aqui, os alunos foram os professores, pois vários já sabiam
como fazer e ensinaram aos colegas como construir o brinquedo.
No outro dia, como uma aula de EDUCAÇÃO FÍSICA, fomos para a rua soltar pipas.
Os alunos correram, brincaram e se divertiram muito.
Na aula seguinte, tivemos uma aula de FÍSICA, pois analisamos o que fez umas pipas
voarem bem alto e outras não subirem. Os alunos concluíram que o vento, a espessura das
varas e do papel, o formato e o tamanho das pipas influenciam no seu desempenho.
No livro “O Menino Maluquinho”, mostra o Menino desenhando mapas. Assim, também
trabalhamos, como numa aula de GEOGRAFIA com mapas, a sua importância, como,
quando e por que são usados, localizamos cidades do Rio Grande do Sul, construímos um
mapa do bairro onde a escola está inserida e mapas de terras imaginárias.
Quando estávamos trabalhando com os numerais, tivemos muitas aulas de
MATEMÁTICA, só que escrevendo os numerais sempre por extenso. Pedi, por exemplo, que
escrevessem uma história matemática para os seguintes cálculos:
Treze x cinco = sessenta e cinco
Vinte e três + doze = trinta e cinco
Sessenta e oito : trinta e seis = trinta e dois
Também aprendemos a preencher cheques, pesquisamos o valor de alguns alimentos, da
conta de luz e de água da nossa casa (a fim de aprendermos também a economizar). Vimos
que podemos representar os numerais também em palavras e que eles nos indicam
quantidade, ordem, multiplicação ou fração.
Como estamos sempre trabalhando com leitura, pedimos que pesquisassem a história da
Biblioteca Riograndense, fundada em 15 de agosto de 1846, localizada na nossa cidade e a
mais antiga e completa do estado, com mais de 400 mil volumes. Depois, fizemos uma visita
à tal biblioteca, onde pudemos conhecer de perto a sua história e a da nossa cidade, ver
livros, jornais, fotos e mapas antigos. Foi uma ótima aula de HISTÓRIA.
Em outra ocasião, pesquisamos sobre o valor, a higiene e conservação dos alimentos e
construímos um livro de receitas. Cada grupo de alunos, apresentou uma receita aos colegas e
trouxe para a turma degustar. Todas as receitas eram bem saudáveis. Foi uma gostosa aula de
NUTRIÇÃO, de CIÊNCIAS.
Como exemplo de uma aula de QUÍMICA, tenho a seguinte atividade:
Tivemos também aula de MÚSICA. Um estagiário trazia o seu violão. Nós primeiro
líamos a letra da música, trabalhávamos com a interpretação e depois cantávamos. Em uma
oficina de música, nos dizem Denise de Camargo e Vera Lúcia Bulpacov (2007, p.195)
o professor poderia desempenhar o importante papel de construção dos vínculos
com a comunicação musical, propiciando aos alunos experiências criativas,
auditivas e perceptivas com a música. Aqui se ressalta o aspecto expressivo da
música, marcando sua função de expressão e comunicação da imaginação e
sentimentos. A oficina de música pode propiciar, ainda, experiências criativas de
execução, desenvolvimento da capacidade de escutar, atenção concentrada e
compreensão auditiva.
A música, que é a arte de combinar os sons, faz parte da comunicação social e é um
momento lúdico. Ela faz parte do cotidiano da maioria de nossos alunos, é entretenimento e,
por vezes, surge com denúncias aos problemas sociais, como é o caso do rap. Além disso,
aguça o ouvido, órgão importante dos sentidos e estimula o cérebro.
As falas a seguir mostram a satisfação e a sensibilidade dos alunos nessas aulas:
Eu gosto muito de qualquer música, desde a dos pássaros a dos seres humanos.
(Cícero, 11 anos)
Tem umas músicas que fazem parte do seu coração, pois trazem muita emoção.
As músicas tristes me dão vontade de chorar, as músicas eletrônicas me dão
vontade de pular. Todas elas me emocionam, eu não vivo sem música. (Giovane,
10 anos)
A aula de música é muito legal porque cantamos todos juntos. (Thomas, 12
anos)
Quando eu escuto música, me sinto leve e descansada. Tem músicas que até me
fazem lembrar de algo que aconteceu no passado. (Gabriela, 13 anos)
A música passa o que a gente está sentindo. Você lembra de alguém, de algum
lugar ou de alguma coisa. (Brenda, 11 anos)
Quando ouvimos música, a tristeza vai embora. (Lucas, 11 anos)
Todas essas atividades citadas foram motivos para a produção textual. E, quanto à escrita,
trabalhamos sempre com a reescrita, sob a orientação dos professores, pois como nos diz
Geraldi (1997, p. 58), “é nesse movimento alternado, de escrita/leitura/reescrita e releitura,
que o aluno vai se apropriando dos mecanismos da língua, optando por este ou aquele recurso
expressivo e excluindo outros, selecionando as estratégias mais eficazes para dizer o que quer
dizer na forma que escolheu.” Em toda a produção textual feita, os alunos passam a um
colega e à professora que a lêem e emitem um comentário crítico a seu respeito, pois parto da
idéia de que escrevemos para o outro, ou seja, tenho que escrever com clareza suficiente para
que as outras pessoas entendam a minha mensagem. Os alunos, a partir dos comentários
feitos, podem reescrevê-las (contam também com o auxílio do dicionário).
Não podemos esquecer da expressão oral, que é uma das fontes mais essenciais para a
transmissão do conhecimento, da cultura. Ela representa, organiza e transmite o nosso
pensamento. É, assim, fundamental para a comunicação assegurando-nos o contato com o
outro. Em quase todas as situações vivenciadas em nosso cotidiano, precisamos convencer,
argumentar, trocar ideias usando a expressão oral. Porém, encontramos aqui uma das maiores
contradições do ensino: a forma de comunicação mais usada em qualquer área é a que menos
se leva em conta e procura desenvolver na escola. A habilidade de ouvir também é
imprescindível. Conforme Antunes (2003, p.112), “a atividade de ouvir constitui parte da
competência comunicativa dos falantes, uma vez que ela implica um exercício de ativa
interpretação, tal como acontece com o leitor em relação à escrita.” Ouvir histórias contadas
pela professora ou pelos colegas é um exercício que também proporciono nas minhas aulas.
A língua é um processo dinâmico de interação. As aulas de Língua Portuguesa não devem
ficar a nível de palavras ou frases soltas, porque necessitamos levar o aluno a dominar o
texto, o discurso. Por isso, dou ênfase à gramática de usos, aquela que amplia a gramática
internalizada do falante e à gramática reflexiva, que explora aspectos da semântica e do
discurso, para que o meu aluno possa operar a língua como um todo e não somente
categorizar, classificar e descrever.
Grande parte dos educadores de hoje receberam uma educação que os ensinou a
compartimentar, a isolar e não conectar os conhecimentos. É imprescindível, então, que os
educadores compreendam a importância dessa teia de relações, essa ligação entre todas as
coisas, que não pensem apenas nos conteúdos programáticos determinados para a sua
disciplina específica, mas que eles façam parte de um todo, uno, globalizante e
multidimensional, pois, como nos interroga Morin (2007, p. 51), “para que nos serviriam
todos os conhecimentos parcelares se não os confrontássemos uns com os outros, a fim de
formar uma configuração capaz de responder às nossas expectativas, necessidades e
interrogações cognitivas?”
Morin nos fala também da necessidade da “reforma do pensamento” do professor e
acredita na sua capacidade de superação. Ele deve estar em permanente formação, pois o
conhecimento, a vida, as necessidades e os interesses dos alunos também estão em constante
movimento e mudança, nada disso é estático.
Esperamos assim que nossos alunos desenvolvam a língua materna para que possam
interagir em todo e qualquer momento de suas vidas, entendendo as mensagens que lhe são
passadas e expressando-se oralmente e por escrito com clareza e criticidade.
Diz Luft (1985, p.10), as detestadas aulas de português, o desânimo dos professores
dessa matéria (que deveria ser a preferida, pois lida com nosso instrumento de expressão
mais pessoal); o fracasso desse ensino, comprovado em concursos, em textos falados e
escritos de nossos diplomados universitários; tudo isso demonstra as deficiências e má
orientação de nosso ensino de língua materna. Qual deve ser, então, o objetivo da aula de
português? No livro que estudamos nas nossas reuniões semanais do PIBID, Irandé Antunes
(2003, p.122) diz que “deve ser a ampliação da competência comunicativa do aluno para
falar, ouvir, ler e escrever textos fluentes, adequados e socialmente relevantes.” É isso que eu
e o meu grupo do PIBID pretendemos continuar proporcionando às séries finais do Ensino
Fundamental da Vila da Quinta através de temas interdisciplinares.
REFERÊNCIAS:
ALVES, Rubem. Conversas com quem gosta de ensinar. 26 ed. São Paulo: Cortez,
1991.
ANTUNES, Irandé. Aula de português: encontro e interação. São Paulo: Parábola, 2003.
BAGNO, Marcos. Português ou brasileiro. São Paulo. Parábola, 2002.
GERALDI, João Wanderley. Portos de passagem. 4 ed. São Paulo, Martins
Fontes,1997.
GUEDES, Paulo Coimbra (org.) Ler e escrever: compromisso de todas as áreas. 6 ed.
Porto Alegre: UFRGS, 2004.
LUFT, Celso Pedro. Língua & Liberdade. Porto Alegre: L&PM, 1985.
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