JORNAL DA associação médica Página 6 • Dezembro 2006/Janeiro 2007 PONTO E O valor da especialização x O valor da titulação OSWALDO FORTINI LEVINDO COELHO Professor Assistente de Clínica Médica da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais. Coordenador e preceptor da Residência em Clínica Médica do Ipsemg. Presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica – Regional Minas Gerais. As escolas de ensino superior deveriam anunciar com orgulho e com destaque que seu corpo docente é formado por grandes Especialistas com reconhecida Experiência, ao invés de anunciarem com toda ênfase que todos seus professores possuem Título de Mestrado e/ou Doutorado, porque para se ensinar com segurança é fundamental a vivência. Nos últimos anos, temos vivido no Brasil uma série de situações onde observamos uma inversão de valores que nos atormenta e nos confunde. Estas situações aparecem tanto no campo político como no social, cultural, educacional e científico. Até as novelas, que são peças importantes de entretenimento e diversão, nos mostram com insistência momentos onde o errado e até mesmo o absurdo prevalecem. Venho há bastante tempo analisando a educação médica e os valores atribuídos à formação dos profissionais e professores. As últimas diretrizes do Ministério da Educação (MEC) enfocam como objetivo principal a formação de médicos generalistas, para que possam, com alguma segurança e conhecimento, resolver problemas corriqueiros do dia-a-dia da população, atuando especialmente nas especialidades de clínica médica, ginecologia, obstetrícia, pediatria e cirurgia. A pós-graduação e o treinamento em serviço, realizados nos cursos de Residência Médica e Especialização, aprimoram os conhecimentos em áreas de especialidades escolhidas para a carreira. Para que possa ser ensinada a Medicina, no nível da graduação e na pós-graduação, é importante que se tenha experiência e vivência na prática da profissão, com titulação de Especialista reconhecida pela Sociedade Brasileira afim ou pelo MEC. Entretanto, o mercado de trabalho, tanto público como privado, tanto clínico como de ensino, tem valorizado sobremaneira os Títulos de Mestrado e Doutorado num nível superior ao de Especialista, mesmo aqueles com vasta experiência, adquirida em serviços absolutamente reconhecidos. Este é o enfoque especial que pretendo abordar, pois um repensar sobre esta situação tem que ser feito e já. Atualmente existem caminhos definidos que os profissionais médicos percorrem após a formatura. Todos tentarão entrar num serviço que tenha Residência Médica ou num Curso de Especialização. Aqueles que não conseguem ingressar nestes serviços, deverão tentar um contrato para atuarem no Programa Saúde da Família, enquanto se preparam para novos concursos. Quando passam, largam as equipes e se voltam para a especialização. Após a Residência, muitos se dirigem para o Mestrado, devido à abertura de mercado que eles proporcionam, e, depois de concluído, poderão tentar o Doutorado. No prazo final de seis a oito anos, temos um profissional altamente titulado, mas com pouca experiência clínica, que num concurso ou mesmo para ingressar em determinados serviços ou equipes tem pontuação superior ao especialista com mais experiência, porém com apenas a titulação de especialista. Isso tem ocorrido para profissionais que optam pela carreira clínica e também para aqueles que desejam ensinar a Medicina, numa Faculdade ou numa Universidade. Esta situação, particularmente, deve ser analisada sob dois aspectos: o curso básico, que compreende os dois primeiros anos e parte do terceiro, pode ser ministrado tanto pelo especialista como pelo mestre ou doutor, pois é mais teórico; porém, no curso profissionalizante, quando são estudadas as especialidades com enfoque em patologias visando o diagnóstico e tratamento, numa visão mais prática, a experiência é infinitamente superior à titulação. As Escolas de Ensino Superior deveriam anunciar com orgulho e com destaque que seu corpo docente é formado por grandes Especialistas com reconhecida Experiência, ao invés de anunciarem com toda ênfase que todos seus professores possuem Título de Mestrado e/ou Doutorado, porque para se ensinar com segurança é fundamental a vivência. Cabe aqui uma ressalva, pois temos vários profissionais que possuem as duas condições e, por isto, deverão ter seu reconhecimento. Não que eu seja contrário à Titulação. Acredito, porém, que os candidatos aos cursos de Mestrado ou Doutorado só poderiam se inscrever com a comprovação de uma vasta experiência adquirida no pleno exercício da profissão. Ou, quando possuíssem somente a Titulação, sua atuação deveria ser restrita aos cursos básicos. Acho, portanto, um grande equívoco, principalmente do MEC, exigir a Titulação sem a comprovação da Experiência. Se quando abordo o tema ensino considero importante esses fatos, vamos pensar em se tratando da clínica. É óbvio que a prática – claro que embasada pela teoria – é evidentemente muito superior, ou seja, novamente o Especialista com experiência é infinitamente superior ao somente Titulado que provavelmente nunca conduziu um caso clínico complexo. Aqueles que vivem uma intensa prática da Medicina são insistentemente consultados em situações difíceis e incomuns, não previsíveis, por aqueles que têm uma prática inferior e uma Titulação superior. Consulta inversa pode até ocorrer quando se quer escrever um artigo para um periódico ou desenvolver um trabalho de pesquisa. Por mencionar a pesquisa vamos realizar uma investigação: os pacientes procuram médicos devido ao que esses realizaram praticando a Medicina com sucesso ou escrevendo artigos e fazendo pesquisas solitárias? E os alunos têm melhor desempenho quando aprendem com professores titulados sem experiência ou com especialistas que têm uma vivência prática maior? Essas colocações foram feitas não para denegrir ou menosprezar a Titulação conseguida após poucos anos de dedicação, mas para chamar a atenção para a questão do prérequisito para o ingresso nestes cursos e, principalmente, para que seja dado um valor maior aos Especialistas com experiência, que a conquistam após vários anos de dedicação.