REVISTA LITTERIS ISSN: 1983 7429 Número 3, novembro 2009 A INTERAÇÃO DO LEITOR NA POESIA CONCRETA Rodrigo Santos da Hora1 (UNIPLI) Muna Omran2 (UNIPLI) “Não concebemos a obra de arte nem como „máquinas‟ nem como objetos, mas como um quase-corpus, isto é, um ser cuja realidade não se esgota nas relações exteriores de seus elementos; um ser que, decomponível em partes pela análise, só se dá plenamente à abordagem direta, fenomenológica” (Ferreira Gullar). RESUMO Tendo como título “A Interação do Leitor na Poesia Concreta” pretendemos, com este artigo, perpassar pelas contribuições no campo da interatividade, isto é, uma nova estética na comunicação que o concretismo trouxe aos novos “leitores interativos”. A poesia concreta inovou na literatura mundial, tanto no fazer, quanto no ler, transformando-a em uma verdadeira obra de arte, e, levando, assim, o leitor ou espectador a um envolvimento mais intenso em sua “supra-interpretação e realidade”. Palavras-chave: Leitor – Interação – Concretismo Diante de novas idéias e realidades vão surgindo, também, novos questionamentos sobre conceitos preestabelecidos. Novos estilos e linguagens surgem e influenciam a cultura e o comportamento dos brasileiros. O Brasil, nos anos 1950, ainda 1 Possui Especialização em Gêneros Textuais e Interação e Graduação em Letras (Português – Inglês) pelo Centro Universitário Plínio Leite (UNIPLI), Niterói-RJ. Professor de Língua Inglesa. Revisor da Revista Litteris. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/1104072390863406 E-mail: [email protected] 2 Possui Doutorado em Teoria e História Literária pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Profª do Programa de Pós-graduação em Letras do Centro Universitário Plínio Leite (UNIPLI), NiteróiRJ. Profª de Teoria Literária do Curso de Letras do UNIPLI. Editora da Revista Litteris. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/1549706346007529 E-mail: [email protected] REVISTA LITTERIS ISSN: 1983 7429 Número 3, novembro 2009 estava às voltas com a compreensão, pouco profunda, da herança das vanguardas européias. Essa década marca uma torção definitiva em nossa historia da arte, quando passamos a produzir obras sintonizadas com o verdadeiro espírito moderno. A abstração geométrica, creio que assim podemos chamá-la, originada do movimento conhecido como Construtivismo, que se expandiu no início do século XX, principalmente na Rússia, Holanda e Alemanha, foi determinante para a produção nacional, não no sentido de se atingir finalmente a tal “brasilidade” sonhada por nossos antecessores modernistas, mas, ao contrário, no sentido de alcançarmos operações de interesse universal. Nomes importantes da história da arte surgiram acoplados ao movimento, como os de Tatlin, Kandinsky, Malevitch e, sobretudo, Mondrian. Para eles, a arte deveria ajustar-se às novas sociedades, como um elemento sensível capaz de interferir na construção do próprio viver. A vanguarda de 50 no Brasil é fruto da reconstrução pós-guerra, juntamente com o explosivo desenvolvimento gerado pela criação de Brasília, estrategicamente construída em um planalto, simbolizando o poder. O plano piloto de construção da nova capital brasileira foi idealizado por Oscar Niemeyer, de acordo com o molde racionalista e urbanista europeu. Uma cidade concreta. Além de Brasília, Niemeyer projetou também o Parque do Ibirapuera, consolidando, assim, o seu nome na arquitetura mundial. Foi a época também do mobiliário moderno de Joaquim Tenreiro e do urbanismo arrojado de Lúcio Costa, assim como da fundação dos museus de arte moderna, do surgimento do Teatro de Arena e dos primórdios do Cinema Novo. O Concretismo, movimento liderado pelos irmãos Augusto e Haroldo de Campos e o Décio Pignatari em São Paulo, foi um marco na literatura mundial, surgindo, logo após a segunda grande guerra, simultaneamente, em diversas partes do mundo: Brasil, Alemanha, Estados Unidos e Inglaterra. O movimento iniciava a escritura que quebrava a métrica dos poemas tradicionais e simbolistas, e utilizava o espaço branco da pagina como elemento de arranjo visual das palavras, logo alcançando difusão internacional. Os artistas concretistas queriam chegar ao nível mais puro da pintura, ao grau zero de sua essência, quando os elementos formais pudessem se reduzir à geometria, ao plano e à cor, tratando o fundo como infinito. A estrutura da pintura passava a ser aberta, a eliminar a presença do objeto ou da figura, e a compreender a superfície como um campo planar e virtual, que flutuava no espaço real. REVISTA LITTERIS ISSN: 1983 7429 Número 3, novembro 2009 Considerada uma “literatura inovadora”, conseqüentemente uma nova abordagem e estética hão de ser novos. Mais do que isso, o concretismo trouxe interatividade à sua leitura, bem como um “arquileitor”3. O que desejamos mostrar é como se deu a mudança na produção textual e como esta influenciou, formidavelmente, o leitor da poesia concreta, levando mais interação e comunhão entre a obra e o seu admirador. A vanguarda dos anos 50 transformou, definitivamente, a realidade brasileira. Foi a forma concreta de expressão de um povo que acreditava em seu país, sendo esse impulsionado por um turbilhão de acontecimentos. O que era aconchegante deu lugar ao espaçoso, o rural foi trocado pelo urbano, o suco pela Coca-Cola, os cartazes comportados de propaganda pelos gigantescos luminosos incandescentes. As formas arquitetônicas coloniais deram espaço as formas geométricas de Costa e Niemeyer. A valorização dos sons, formas e cores do cotidiano é representada nas artes plásticas, na música, no paisagismo, no urbanismo, na publicidade, no design e, sobretudo, na literatura concreta. Resultante da fase de reconstrução e de recriação que se passava na década de 50, essa nova corrente de expressão estética, o concretismo, explode pela urgência na comunicação visual e auditiva com uma mensagem direta e concreta. Certamente, os artistas brasileiros estavam permeáveis a essa aspiração, sobretudo, diante de um momento político nacional bastante progressista, em franco processo de reconstrução urbana e social. O objetivo aqui era o mesmo que havia orientado o artista europeu: renovar as operações artísticas, e implantar o espírito da democracia das linguagens visuais, passando a atuar também na dinâmica funcional da produção. O termo “arte concreta” foi cunhado em 1930 pelo artista construtivo holandês Theo Van Doesburg, que deu este título a uma revista, considerada o marco do movimento na Europa. Ao criar essa expressão, o objetivo de Van Doesburg era exatamente o de buscar um nome específico para uma arte que tinha se afastado inteiramente da imitação da natureza, e para uma pintura que não tinha mais referência na figuração do mundo. 3 Compagnon diz que “o leitor é, então, uma função do texto, como o que Riffatterre denominava o arquileitor, leitor onisciente ao qual nenhum leitor real poderia identificar-se, em virtude de suas faculdades interpretativas limitadas” (2001:142). REVISTA LITTERIS ISSN: 1983 7429 Número 3, novembro 2009 Os artistas que mais se destacaram na pintura concretista foram: Waldemar Cordeiro (seu principal líder e pensador), Luís Sacilotto, Geraldo de Barros, Lothar Charoux, Judith Lauand, Mauricio Nogueira Lima e Hermelindo Fiaminghi. Em 1956, Waldemar Cordeiro escreveu o texto intitulado “O objeto”, em que propunha a síntese do pensamento concretista, e que permanece até hoje como uma das principais fontes de referência do movimento. Nele, Cordeiro anotou alguns dos conceitos fundamentais da obra concreta, muito deles pertinentes e extensivos a toda produção moderna. Eis alguns pontos: “ Na arte só existe um conteúdo, aquele representado de modo concreto pela linguagem artística. Não há conteúdos verbais. (...) O valor artístico é a qualidade da própria obra e não um empréstimo usuário, a curto prazo, de sujeitos refinados. (...) Não há sensibilidade artística. Artística é só a obra. (...) Aqueles que não souberam compreender a natureza sensível da geometria na arte fracassaram. (...) Agora surge uma nova dimensão: o tempo. Tempo como movimento. A representação transcede o plano, mas não é perspectiva, é movimento.” 4 A poesia concreta teve o seu marco inicial em 1956, porém, os precursores Augusto de Campos, Haroldo de Campos e o Décio Pignatari já praticavam a poesia desde 1952. Eles foram influenciados por Oswald de Andrade e João Cabral de Melo Neto, criadores da “arquitetura funcional do verso”, que era bastante similar ao concretismo. Contudo, foi só em 1953 que o primeiro poema concreto “Poetamenos” de Augusto de Campos foi publicado no segundo número da Revista Noigrandes (antídoto do tédio, em provençal). Como um dos principais ativistas do concretismo no Brasil, Augusto de Campos utiliza em suas poesias todos os elementos visuais e acústicos em um espaço espacial em movimento. No poema “Nascemorre”, por exemplo, sua disposição no espaço físico é colocada geometricamente. Este atrai a atenção do leitor para o desenvolvimento tecnológico, da criação e recriação, lembrando um design. O poema é constituído de poucos termos, mas oferece muitas significações de acordo com a leitura repetitiva dos fonemas. 4 Revista Abstração Geométrica. SESC do Rio de Janeiro, 2009:12. REVISTA LITTERIS ISSN: 1983 7429 Número 3, novembro 2009 Além desse novo “fazer poético”, o concretismo trouxe, enraizado em suas origens, uma inovadora ferramenta aos poetas; a interação. “A interação é, em primeiro lugar, esse processo de influências mútuas que os participantes (ou interactantes) exercem uns sobre os outros na troca comunicativa; mas é também o lugar em que se exerce esse jogo de ações e reações: uma interação é um “encontro”, isto é, um conjunto de acontecimentos que compõem uma troca comunicativa completa, que se decompõem em seqüências, trocas e outras unidades constitutivas de grau inferior, e tem a ver com um gênero particular (interação verbal ou não verbal...)”. (Dicionário de Análise do Discurso, 2004:281-2820) Partindo dos conceitos de interação que temos em mente, podemos afirmar que a poesia concreta veio para despertar novos leitores, dar fôlego e reanimar antigos leitores acomodados com o tradicional. A própria leitura em si já é um processo de interação com o leitor, principalmente quando as inferências, realidades e linguagens são associadas em plena harmonia e equilíbrio. Assim, o leitor tem um leque de múltiplas informações que o guiarão aos seus interesses pessoais. Esse leitor sai do patamar de passivo para ativo. Com uma nova abordagem, o concretismo inovou no campo literário. A característica estética da poesia concreta era desconstruir, e não mais reformular. Baseado no Simbolismo francês, o movimento concretista desenvolveu uma estética que buscava seu referencial dentro do próprio texto. Pode-se até dizer que com essa nova interatividade é possível fazer uma leitura hipertextual nos poemas concretos. Porém, para tanto, o leitor precisa ultrapassar as barreiras de uma leitura superficial; precisa não REVISTA LITTERIS ISSN: 1983 7429 Número 3, novembro 2009 só decodificar palavras e símbolos, como também elaborar concisas interpretações, utilizando o seu conhecimento de mundo. Características como oposição às formas tradicionais dos versos, oposição à poesia lírica, subjetiva e discursiva, uso do espaço em branco como produtor de sentidos, leitura feita em qualquer direção e diferentes percursos (relação entre o horizontal e o vertical) são essenciais na composição da “nova literatura”. De forma extraordinária, os poetas concretistas incorporaram elementos visuais e auditivos da mídia, fazendo com que o poema fosse não só lido, mas também visto. Foi uma revolução no pensamento artístico nacional. Desde então, o texto poético passou a representar a sua própria realidade, obtendo, dessa forma, vida própria. A poesia concreta permite que o leitor participe mais intensamente de sua interpretação. O leitor é mais ativo, é “dono de si”, e assim tem a oportunidade de participar efetivamente na construção de sentidos dos poemas, buscando sempre novos vieses para múltiplas interpretações, visto que esse leitor aplica o que ele lê ou vê à sua própria realidade. A cada leitura e com a aproximação lexical, o “novo leitor” (leitor da poesia concreta) leva ao poema cada vez um sentido inédito (substantivos concretos, neologismos, tecnicismos, estrangeirismos e siglas), e este tipo textual é uma leitura aleatória, sem se preocupar com a linearidade, pois as palavras fixadas no papel estão em liberdade, e não mais presas ao procedimento linear, fixadas pela sintaxe e pelas convenções gramaticais. A presença do leitor ou espectador na poesia é imprescindível, uma vez que este também faz parte do poema. A contemplação por si só já é uma arte. Ela só existe se for observada por um ser do mundo exterior. Arte; a poesia concreta é uma arte. Segundo Sartre, não existe obra de arte sem o seu admirador ou espectador, e no caso da literatura, o seu leitor. São os dois lados da mesma moeda. “O ato de criar não é senão um momento incompleto e abstrato da produção de uma arte; se o autor existisse, ele poderia escrever tanto quanto quisesse, nunca a obra como objeto seria conhecida e seria preciso que ele desistisse de escrever ou se desesperasse. Mas a operação de escrever implica a de ler como seu correlativo dialético e estes dois atos conexos necessitam de dois agentes distintos.” Os poemas “concretistas” saem de seus espaços e se projetam como objetos. São poemas tridimensionais. São poemas inesgotáveis de significações. São processos REVISTA LITTERIS ISSN: 1983 7429 Número 3, novembro 2009 que visam a atingir e a explorar as camadas materiais do significante (o som, a letra impressa, a linha, a superfície da página; eventualmente, a cor, a massa) e, por isso, levam a rejeitar toda concepção que esgote os temas, ou, na realidade psíquica do emissor, o interesse e a valia da obra. O concretismo toma a sério, e de modo radical, a definição de arte como techné, isto é, como atividade produtora. O poema concreto é uma realidade em si, não um poema sobre. A literatura, como qualquer outra arte ou disciplina, vive em constante mudança, pois esta reflete incessantemente as mutações filosóficas, políticas, culturais e históricas de um povo. E, com uma literatura que passa a ser completamente visual, teremos conseqüentemente um novo tipo de leitura, e sem dúvidas, um novo tipo de leitor; o leitor dinâmico, imperativo diante de um abstracionismo geométrico. Hoje, a poesia concreta encontra-se na propaganda, no titulo do jornal, no slogan de televisão, nas capas dos livros com seus diagramas e até mesmo na letra de “bossa nova”. REVISTA LITTERIS ISSN: 1983 7429 Número 3, novembro 2009 3 CONCLUSÃO Concluímos que o contexto histórico das décadas de 50 e 60, definitivamente, provocou uma mudança radical no comportamento em massa. A segunda guerra mundial, a ascensão capitalista norte-americana pós-guerra e o plano piloto do governo JK com o boom industrial foram as fontes inspiradoras de nossos artistas concretistas. A ruptura radical com a antiga estrutura dos versos foi o início de uma nova forma de expressão que se tornou atemporal e usada em larga escala pela computação visual. A poesia concreta dialogou diretamente com o povo através de suas mensagens nominais e visuais, de seu manuseio e de sua musicalidade. Rompeu com o passado e criou um novo jeito de “fazer literatura”, interagindo com o leitor como nunca dantes na literatura tradicional. Através desse novo conceito de leitura e escrita, haverá, também, um novo “interpretador-interator”, cuja participação, nesse movimento estético, é fundamental para a sua significação. Ainda presente em nossa sociedade em diversas formas de expressão, o concretismo pode ser encontrado desde o mais ingênuo brinquedo infantil até nos enormes outdoors eletrônicos que induzem a população ao consumo desenfreado. É por meio desse texto concreto ou visual que a leitura sempre se fará atrativa, de modo a interagir constantemente com o seu leitor contemporâneo. REVISTA LITTERIS ISSN: 1983 7429 Número 3, novembro 2009 REFERÊNCIUAS BIBLIOGRÁFICAS BOSI, Alfredo. História Concisa da Literatura Brasileira. São Paulo: Cultrix, 1994. CHARAUDEAU, Patrick, e MAINGUENEAU, Dominique. Dicionário de Análise do Discurso. Editora Contexto, 2004. COMPAGNON, Antoine. O Demônio da leitura: O leitor. Belo Horizonte: UFMG, 2001. SANT‟ANNA, Afonso Romano de. Música Popular e Moderna Poesia Brasileira. Petrópolis: Vozes, 1980. http://literal.terra.com.br/ferreira_gullar/porelemesmo/manifesto_neoconcreto.shtml?por elemesmo – acessado em 04/11/2008. http://www2.dem.inpe.br/ijar/ConceitoMidia.doc - acessado em 04/11/2008. Revista Litteris: www.revistaliteris.com.br - Artigo “Textos Cinéticos” – acessado em 04/11/2008.