Anais do XVII Encontro de Iniciação Científica– ISSN 1982-0178
Anais do II Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação – ISSN 2237-0420
25e 26 de setembro de 2012
A OBRA ESCRITA DE RAYMOND UNWIN
Eduardo Colucci Martini
Pontifícia Universidade Católica de Campinas
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
CEATEC
[email protected]
Resumo: Este trabalho analisa a obra escrita de
Raymond Unwin, através da análise de sua biografia,
das ideias dos autores que o influenciaram e de algum de seus trabalhos escritos. A partir desse estudo, faz-se uma crítica ao que ocorre atualmente na
arquitetura e no urbanismo.
Palavras-chave: cidade-jardim, Raymond Unwin,
urbanismo, planejamento urbano
Área do Conhecimento: Ciências Sociais Aplicadas
– Fundamentos da Arquitetura e Urbanismo.
1.INTRODUÇÃO
Este trabalho procede de uma pesquisa
mais ampla dedicada
a compreender as
repercussões
da
obra de Raymond
Unwin, arquiteto e
urbanista de grande
influência na História
do Urbanismo mundial, no urbanismo
paulistano da Primeira República. Sua
obra refletiu sobre a
atividade intelectual
e profissional dos
Figura 1. Sir Raymond Unwin
engenheiros Victor
da Silva Freire e
Fonte: http://www.npg.org.uk/
Prestes Maia, estando o arquiteto inglês relacionado com o debate urbanístico paulistano no período em tela. Portanto o
presente artigo tem como objetivo analisar a obra
teórica de Raymond Unwin, identificando os autores
que o influenciaram, sua biografia, e a análise de
alguns de seus trabalhos, possibilitando a apreensão
dos conceitos e ideias por ele desenvolvidos, e que
alicerçaram seus projetos.
2. BREVE BIOGRAFIA DE RAYMOND UNWIN
Sir Raymond Unwin, um dos personagens mais importantes na história do planejamento urbano inglês
Prof. Dr. Luiz Augusto Maia Costa
Grupo de pesquisa:
Cultura Urbanística na Tradição Clássica
Programa de Pós-Graduação em Urbanismo
CEATEC
[email protected]
e na criação de habitações padrão para a classe
trabalhadora, interessou-se cedo por questões sociais e foi inspirado pelos ideais de John Ruskin e
William Morris, entre outros. Teve contato com o
filósofo socialista Edward Carpenter, cujas idéias de
comunidades utópicas levaram ao desenvolvimento
de uma pequena comunidade em Millthorpe, próximo
a Sheffield. Em 1896 formou uma parceria com seu
primo Barry Parker. Unwin se convenceu de que os
princípios do Arts and Crafts, movimento estéticoético surgido na Inglaterra na segunda metade do
século XIX, deveriam ser aplicados nas casas da
classe trabalhadora, e, em 1898, eles publicaram
desenhos para habitações cooperativas.
Em 1901, publicaram o livro The Art of Building a
Home, que acabou por popularizar o movimento Arts
and Crafts, e obteve como resultado de seu sucesso
Desenho para uma proposta de habitação cooperativa em
Yorkshire
Fonte: Unwin, Parker, The Art of Building a Home
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a construção de casas de acordo com sua concepção no começo do século XX. Unwin e Parker estiveram envolvidos em exposições, como Cottages Near
a Town, que tinha o propósito de reunir entusiastas
do Arts and Crafts. Coerentes com sua obra escrita,
foram responsáveis também pelos projetos das cidades-jardim de Letchworth, em Hertfordshire e
Hampstead Garden Suburb, nos arredores de Londres, obra que influenciou a elaboração de projetos
na Inglaterra e nos Estados Unidos. Publicado por
Unwin em 1909, Town Planning in Practice teve
grande impacto sobre a urbanística mundial da época e, somado à sua defesa da legislação de planejamento urbano, a partir de 1902, o livro o tornou
uma autoridade internacional em habitação e urbanismo. Em 1911, foi nomeado delegado da Third
Town Planning Conference pelo Royal Institute of
British Architects (RIBA), que aconteceu em Filadélfia, EUA, e que proporcionou a turnê de Unwin pela
América do Norte. Quando retornou à Inglaterra,
tornou-se professor na Universidade de Birmingham.
Embora estas atividades tenham trazido muitas oportunidades de negócios à parceria, elas deixaram
Parker quase totalmente responsável por sua gestão,
e a dissolução da sociedade aconteceu em 1915,
consequência da nomeação de Unwin como Town
Planning Advisor to the Central Government Board,
em dezembro de 1914. Em 1912 outro de seus livros
mais famosos foi publicado pela Garden Cities &
Town Planning Association de Londres, com o título
de Nothing Gained by Overcrowding, que teve grande influência no desenvolvimento de habitações de
baixa densidade no mundo todo. Em 1915, Unwin foi
destacado pelo Ministry of Munitions para projetar os
vilarejos de Gretna, Eastriggs e Queensferry (Mancot
Royal, Cheshire). Em 1919 foi nomeado arquitetochefe do recém-formado Ministry of Health, cargo
que acabou tornando-o Chief Technical Officer for
Housing and Town Planning até sua aposentadoria
em 1928. Tornou-se assessor técnico do Greater
London Regional Committee em 1º de janeiro de
1929. De 1933 a 1934 foi presidente do Building
Research Board, o qual ajudou a fundar em 1920. De
1931 a 1933 Unwin foi presidente do RIBA, em 1932
foi nomeado cavaleiro e em 1937 recebeu a medalha
de ouro do RIBA. Fez uma longa turnê pela América
do Norte entre 1933 e 1934 e foi nomeado professor
visitante de urbanismo da Columbia University em
setembro de 1935. Ele lecionava nos Estados Unidos
quando a Segunda Guerra Mundial estourou, em
setembro de 1939. Impossibilitado de retornar à sua
terra natal, passou a viver com sua filha Margareth
Curtice Hitchcock, e foi em sua casa, em Old Lyme,
Connecticut, que Raymond Unwin morreu em 28/29
de junho de 1940.
3. RAYMOND UNWIN E O MOVIMENTO ARTS
AND CRAFTS A PRODUÇÃO
A obra de Raymond Unwin foi muito influenciada
pelo movimento Arts and Crafts, movimento estético
e social inglês da segunda metade do século XIX,
que defendia o artesanato criativo como alternativa à
mecanização e à produção em massa. O movimento
buscava revalorizar o trabalho manual e recuperava
a dimensão estética dos objetos produzidos industrialmente para uso cotidiano, uma busca pelo autêntico e significativo. As idéias do crítico de arte John
Ruskin (1819-1900) e do medievalista Augustus W.
Northmore Pugin (1812-1852) foram de extrema
importância para a solidificação da base teórica do
movimento.Na ampla produção escrita de Ruskin,
pode-se observar uma tentativa de combinar esteticismo e reforma social, relacionando arte à vida diária do povo. A nostalgia de Pugin, com suas idéias
sobre as glórias do passado medieval diante da “mediocridade das criações modernas”, tem impacto
sobre Ruskin, que, como Pugin, realiza um elogio
aos padrões artesanais e à organização do trabalho
das guildas medievais. Mas o passo fundamental no
deslocamento desse ideário ao plano prático é dado
por William Morris (1834-1896), o principal líder do
movimento. Quando a produção industrial tornava-se
um fato consumado, ele ficou horrorizado com a
desumanização progressiva das condições de trabalho e a poluição ambiental da época. Este repúdio
levou-o a defender a promoção qualitativa da produção artesanal contra a produção industrial. Pintor,
escritor e socialista militante, Morris tentou combinar
as teses de Ruskin às de Marx; a idéia é que o operário se torne artista e possa conferir valor estético
ao trabalho desqualificado da indústria. Com Morris,
o conceito de belas-artes é contestado em nome do
ideal das guildas medievais, onde o artesão desenhava e executava a obra, num ambiente de produção coletiva. Tendo conhecimento desses ideais,
pode-se dizer que o movimento Arts and Crafts foi
uma crítica à Revolução Industrial. Analisando a obra
escrita de Raymond Unwin, percebe-se claramente
que ele foi influenciado pelas idéias de Morris, Ruskin e pelo movimento Arts and Crafts.
4. A PRODUÇÃO TEÓRICA DE RAYMOND UNWIN
Seu livro conjunto com Barry Parker, The Art of Building a Home, deixa claro que seu objetivo era introduzir os princípios do movimento Arts and Crafts na
construção de casas para classe operária. Eles criticam o modo como as casas eram projetadas, base-
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adas em padrões pré-estabelecidos que não atendiam às necessidades reais de seus habitantes e não
expressavam a individualidade de seus ocupantes.
Repudiavam a ornamentação mecânica aplicada
nessas casas, tornando-as superficiais e sem significado. São decorações que não possuem função
alguma, sendo que, em sua visão, a essência e vida
do design residem em achar a forma para qualquer
coisa que, com o máximo de conveniência e beleza,
ajuste-se às funções particulares que o objeto deve
desempenhar, e adaptá-lo às circunstâncias especiais nas quais ele deve ser colocado. Além dos livros
mais famosos de Unwin, como Town Planning in
Practice e Nothing Gained by Overcrowding, Unwin
publicou muitos artigos em jornais e revistas da época. Um dos responsáveis por introduzir a idéia de
subúrbio jardim na Grã-Bretanha, Unwin teve inspiração nas idéias de Ebenezer Howard e no método
de planejamento urbano iniciado pelo mesmo em
1898, chamado Garden City Movement.
5.RAYMOND UNWIN E A CIDADE JARDIM
Howard era militante socialista, como muitos dos
outros que inspiraram Unwin, e escreveu sua obra
em 1898, Tomorrow: A Paceful Path to Social Reform, que foi editada em 1902 com o título Garden
Cities of Tomorrow. Neste livro, Howard propôs uma
alternativa aos problemas urbanos e rurais que ocorriam na época. Ele apresenta um breve diagnóstico
sobre a superpopulação das cidades e suas consequências sobre a vida em sociedade. Essa superlotação era causada pelo êxodo rural, muito comum na
época. Portanto, era necessário equilibrar a relação
entra a cidade e o campo. No entanto, os problemas
duradouros de baixos salários e trabalho informal
representaram barreiras consideráveis para atingir
esse objetivo. Para construir uma cidade-jardim,
Howard precisava de dinheiro para comprar terras.
Ele decidiu arrecadar fundos de “cavalheiros de cargo responsável e probidade e honra incontestáveis”[1]. Em 1899 fundou a Garden City Association
(mais tarde conhecida como Town and Country
Planning Association ou TCPA), que criou a First
Garden City, Ltd. para a criaçãoda cidade de Letchworth. Porém, esses doadores cobrariam juros
sobre seu investimento se a cidade-jardim gerasse
lucros através de rendas. Howard tentou incluir organizações cooperativas da classe trabalhadora, que
somavam mais de dois milhões de membros, mas
não conseguiu ganhar seu apoio financeiro. Tendo
de contar apenas com os ricos investidores da First
Garden City, Howard teve de fazer algumas concessões ao seu plano, como eliminar o regime de propriedade cooperativa sem proprietários de terra,
aumento dos aluguéis a curto prazo, e a contratação
de arquitetos que não concordavam plenamente com
seus rígidos planos de projeto. Em 1904, Unwin e
Parker venceram o concurso realizado pela Fisrt
Garden City, Ltd. para o planejamento de Letchworth. Letchworth não foi apenas a primeira de
uma nova geração de ambientes ideais, mas inspirou
a criação de subúrbios-jardim, como Hampstead
Garden Suburb, em Londres, também projetada por
Unwin e Parker. Mais significativamente, ela representou a origem da política do New Towns, que foi
promulgada depois da Segunda Guerra Mundial.
Hampstead Garden Suburb
Fonte: http://pedshed.net/
6. AS IDÉIAS DE RAYMOND UNWIN
Para entender o pensamento e a obra de Raymond
Unwin, é necessário ter conhecimento de algumas
de suas bases ideológicas, as quais alicerçavam
todo o seu modo de pensar no âmbito da arquitetura
e do urbanismo. Duas dessas bases mais significantes na constituição de seu pensamento são a reforma social e a questão da habitação para o trabalhador inglês na era vitoriana. Como já vimos anteriormente, Unwin foi influenciado por militantes socialistas, destacando-se Samuel Augustus Barnett, Arnold
Toynbee, John Ruskin, William Morris e Edward Carpenter. Tendo conhecimento do que todos esses
reformadores sociais representaram para a época,
nota-se que os alicerces nos quais o pensamento de
Raymond Unwin se apoiou constituem uma herança
dos ideais desses pensadores. Sua preocupação
com a questão social da classe trabalhadora e a
ênfase dada à importância absoluta da arte e da
natureza é evidente em toda sua obra.
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Sala de estar de um artesão, uma das ilustrações do livro The
Art of Building a Home
Fonte: Unwin, Parker, The Art of Building a Home
7. CONCLUSÃO
Depois de compreender as idéias de Raymond
Unwin, é possível compará-las com o que ocorre na
atualidade no âmbito da arquitetura e do urbanismo.
Fica evidente que muitos erros apontados por ele
naquela época ainda acontecem na arquitetura contemporânea. A essência do design continua inexistente na maioria das construções atuais, que são, em
sua maioria, superficiais. No âmbito do urbanismo,
Unwin afirma que “A boa construção da cidade é de
fato uma arte; uma das maiores artes; e não é fruto
de um trabalho individual, mas uma arte praticada
pelos cidadãos como um todo. Para uma boa construção da cidade, é necessário algo grandioso nos
ideais e objetivos a serem expressados, e uma vida
em comunidade forte o suficiente para dar-lhe uma
grande expressão. Indivíduos podem fornecer habilidade técnica, mas os cidadãos como um todo devem
fornecer igualmente o ideal inspirador, e o entusiasmo e o poder de execução.”[2] Atualmente, os cidadãos praticamente não possuem participação no
planejamento das cidades. Ela é fruto de trabalhos
individuais, praticados pelas autoridades, frequentemente influenciado pela especulação imobiliária, e
sem a opinião da população, contrariando completamente o que Unwin quis transmitir em sua obra.
Portanto, é necessário voltar-se ao passado e resgatar algumas idéias que foram esquecidas para obterse uma melhor prática da Arquitetura e do Urbanismo
AGRADECIMENTOS
Agradeço à Pontifícia Universidade Católica de
Campinas pela bolsa de Iniciação Científica.
REFERÊNCIAS
[1] Fainstein & Campbell (2003), Readings in planning theory
[2] Unwin, Raymond. (1904), The Improvement of
Towns, capturado online em 20/04/2012 de
<http://digicoll.library.wisc.edu/ >
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