FORMAÇÃO CONTINUADA: RELATOS DE EXPERIÊNCIAS EM MEDIAÇÃO CONTINUOUS FORMATION: AN ACCOUNT OF EXPERIENCES IN MEDIATIVE PRACTICES Fernanda Maziero Junqueira Virgínia Cândida Ribeiro Adriel Martins Visoto Cindy Luiza Machado Dória Lopes Gabriela Alvarenga Cardoso Silva Jéssica Danuza Gonçalves Cruz Leonie Elisa Gaiser Renata Reis Bernet Educativo – Museu de Arte da Pampulha [email protected] RESUMO O artigo trás uma reflexão sobre a prática de mediação do Programa Educativo do Museu de Arte da Pampulha – MAP. Apresenta suas ações educativas, com ênfase no programa de formação continuada, que tem como práxis o exercício da escrita crítica e reflexiva sobre a mediação que se realiza neste museu. O programa encontra-se em fase de experimentação, tendo iniciado em janeiro de 2012, é destinado a todos os mediadores da instituição e tem como prioridade o objetivo de contribuir para a formação dos estudantes e profissionais das áreas de artes visuais e arte educação que atuam nas áreas educativas de museus. Este programa também está preocupado em construir coletivamente, conhecimento específico, tornando público os saberes que se constroem entre os mediadores, vinculados à instituição. Palavras chaves: Mediação, formação continuada, arte contemporânea ABSTRACT This article brings to light a reflection on the practice of mediation of the Educational Program at the Pampulha Museum of Art - MAP. It presents its educational activities, with emphasis on the Continuous Education program, which has, as praxis, the exercise of critical and reflective writing about the mediation practices that takes place within museum. The program is still a work in progress and it’s being tested since January 2012. It is intended for all the mediators and its priority consists on contributing to the growth and training of these students and professionals of museological institutions, in the realm of visual arts and educational action. The educational program aims to the collective construction of meanings and publicizing the product of the debates that rise from the daily interaction and discussion between the mediators. Keywords: Mediation, continuous education, contemporary art. 1 O Projeto Pedagógico do Museu de Arte da Pampulha encontra-se, na atual conjuntura, em fase de pesquisa, criação, desenvolvimento, implantação e avaliação de um plano de diretrizes conceituais. As ações de mediação no MAP são planejadas com as exposições de arte contemporânea, de curta duração e com o patrimônio cultural, visto que, a proposta curatorial do museu articula formas de apropriação do espaço, convidando os artistas a incorporarem a arquitetura do museu às suas obras. Os mediadores do MAP trabalham no atendimento ao público agendado e espontâneo, sempre buscando estabelecer um diálogo entre a exposição e o patrimônio arquitetônico e paisagístico do Museu, antigo cassino planejado por Oscar Niemeyer e, com projeto paisagístico de Roberto BurleMarx. Tal como Luis Camnitzer e Gabriel Pérez-Barreiro (2009, p. 19), pensaram para a Fundação Bienal do Mercosul, o educativo do MAP acredita que a arte possui uma didática implícita, uma missão educativa que lhe é intrínseca e integrada, pois Arte e Educação não são coisas diferentes, são especificações diferentes de uma atividade comum. O Educativo busca, portanto, trabalhar transferindo a ênfase dada à exibição da inteligência do artista, para estímulo à inteligência do visitante. E entender que seu maior compromisso e função social estão efetivamente no entendimento de que é para o público que um museu existe e é para ele que seus colaboradores devem trabalhar. “O papel social do museu é, sem dúvida, o de formação do indivíduo. Sob a óptica educativa, o museu deve, como uma das suas principais funções, permitir a esse indivíduo tornarse sujeito de sua aprendizagem”. (MARANDINO, 2008, p. 28). Dessa forma, o papel do mediador é ímpar, visto que são eles os principais responsáveis por este diálogo entre a instituição e o público. Considerando-se que a função de um educativo de museu é construir conhecimentos com o público, precisamos antes, entender que os próprios mediadores do museu formam também parte deste público. Um público especializado que convive diariamente com exposições, conversa, cria e estabelece relações com os públicos diversificados, de forma a evocar um saber específico para atender às demandas desse público que visita a instituição. É pensando no desenvolvimento intelectual destes mediadores, dentre os quais incluímos todo o educativo, que criamos um programa de formação continuada onde discutimos a função do mediador e o papel do educativo para além de questões do dia a dia. O programa consiste em desenvolver, junto aos mediadores, planos de estudos e ações. Essa escolha parte do pressuposto que, se pensamos na formação continuada entre mediadores, estamos falando da própria mediação em si. Assim sendo, o plano de estudo e formação não é pensado de cima para baixo, mas busca uma horizontalidade, onde cada um dos integrantes deste grupo é o propositor das ações e do plano de estudo. Dessa maneira acreditamos que contribuímos para a autonomia do grupo e de cada um de seus integrantes. Dentre as ações propostas, incluímos o incentivo à pesquisa, à reflexão crítica, encontros com teóricos convidados, exibição de filmes comentados e palestras, além do incentivo à própria produção acadêmica e artística do mediador. Pois, como nos aponta Martha Marandino (2008, p. 29): “Estes momentos promovem o olhar crítico sobre a ação e auxiliam, por meio da troca de 2 experiências, avaliar a sua própria ação, a da equipe e até mesmo os objetivos propostos pela instituição”. Dentre as questões colocada e discutida entre os membros do grupo, podemos destacar aqui, a que hoje norteia as nossas ações e esclarece para todos que a mediação que desejamos para este museu é aquela que dá lugar à construção coletiva, à reflexão, às descobertas e questionamentos. E para que o mediador consiga transformar a visita em um encontro de descobertas e reflexões, definimos, por acreditar na mediação dialógica, que devemos pensar a obra de arte, objeto de interesse do museu, primariamente como uma solução a um problema e não como um objeto hedonista. De acordo com Bakhtin (1977, p. 334): “o monólogo pretende ser a última palavra [...] O diálogo inconcluso é a única forma adequada de expressão verbal de uma vida autêntica”. O programa ainda é bastante incipiente e encontra-se em fase de experimentação, mas ainda assim podemos apontar para caminhos que nos deixa entrever os resultados desta ação, construída pelos mediadores do museu. Os resultados alcançados até agora apontam para o exercício de autonomia do mediador, uma vez que é ele quem escolhe o caminho de sua formação, incluindo aí suas preferências e desejos enquanto pesquisador, acreditando no potencial de cada um e reconhecendo que este terreno diverso é positivo para a formação continuada da equipe. Apresentamos a seguir um dos frutos deste trabalho, que consiste em uma seleção de relatórios reflexivos produzidos pelos mediadores que atuaram no atendimento ao público das exposições “Lição de coisas” da artista Nydia Negromonte e “Outros Lugares”, das artistas Mônica Nador, Louise Ganz e Ines Linke. 1. EXPERIÊNCIAS, VIVÊNCIAS E PROCESSOS DE MEDIAÇÃO Adriel Martins Visoto Esse texto expõe alguns relatos de experiências, vivências, e processos de mediação que ocorreram durante a exposição “Lição de coisas” da artista Nydia Negromonte no Museu de Arte da Pampulha. Ofereço aqui, uma visão panorâmica das questões com que nós do educativo lidamos durante a exposição. Na obra “Hídrica: Episódios” foi possível levantar alguns pontos que para mim estão muito presente na obra de vários artistas que expõem no MAP - os diálogos entre obra e arquitetura. Assim visitantes acessavam alguns aspectos da instituição e de como esse espaço é pensado pelos artistas, e pela curadoria. Na obra, uma rede hidráulica exposta, se colocava a disposição do visitante, que podia ativar os circuitos, levando a água aos jardins do museu. Algumas questões que eu propunha sempre nos diálogos com o público eram a respeito da água, desenho, transparência, transformação do espaço público em espaço doméstico, gambiarra, entre outras. Alguns visitantes e principalmente os grupos escolares sempre traziam discussões que passavam por questões ambientais e ecológicas. Interessa-me esse uso da arte para levantar 3 questões que estão além das obras, e muitas vezes eu percebia esse esforço e esse interesse por parte dos professores também. Na instalação intitulada de “Barrado”, Nydia criou um barrado de azulejos feitos com argila crua, direto sobre a parede, que com o passar do tempo, começavam a secar, rachar, cair e retirar camadas da parede. Frente a essa obra, uma mesa de madeira, cheia de frutas e raízes envolvidas em argila, sofreram do mesmo processo, intitulada “Posta”. Em ambos os trabalhos, ficava evidente sua natureza efêmera, e isso era algo que servia não só para tratar de memória, fragilidade, tempo, mas eram obras que permitiam diálogos a respeito da escultura contemporânea e, no processo de mediação, eu geralmente contrapunha aspectos materiais desses trabalhos com das esculturas expostas nos jardins do museu. Penso que é muito forte nos trabalhos citados acima, a tentativa de transformar o espaço público do museu num espaço privado, na constante recorrência à objetos do cotidiano. A água também era uma questão bastante latente nas obras de um modo geral, ela criava uma relação da obra com o lugar. Essa relação podia ser percebida também nas obras “Espelho Cego” e “Ilha dos Amores”, trabalhos que retomam dados da história e da paisagem, o que permitia não só a mediação das obras, mas também do prédio, do lugar, e do contexto onde está inserida. Para melhor compreender essa exposição, no início, realizei uma pesquisa em torno de trabalhos anteriores da Nydia, e assim pude perceber uma forte relação com o desenho, a presença da linha, e sua materialização do espaço. A utilização de materiais transparentes pode ser relacionada aqui, à transparência no sentido de revelar. Revelar o desenho dos canos por detrás das paredes, ou o que há dentro de supostas esculturas de frutas em barro. Vejo nesses trabalhos certa volatilidade, seja por meio da matéria líquida, dos processos em que as obras estão submetidas, seja por meio das memórias que eles revelam. De um modo geral, penso que foram bastante produtivas as visitas, os encontros e as reuniões. A exposição permitiu que eu desenvolvesse minha pesquisa pessoal articulando algumas questões que estão presentes na minha investigação bem como nas obras expostas, principalmente de temas ligados à intimidade e ao espaço doméstico. Essa pesquisa foi apresentada em reuniões onde pudemos compartilhar nossa produção, enriquecendo o nosso repertório. Assim podemos afirmar que o educativo se constrói não só em nossa prática de mediação com o público, mas também em nossos encontros e diálogos. E cabe a nós construir sentido para as obras, pensá-las para além do que elas foram pensadas, extrapolando com todo e qualquer conteúdo, permitindo que o público mais do que tenha alguém para “falar” sobre as obras, tenha alguém para ouvir o que eles têm a dizer sobre elas. 4 Fig. 1: Foto de visita mediada (obra “Posta” e “Espelho Cego” de Nydia Negromonte ao fundo). 2. LIÇÃO DE COISAS: DA EXPERIÊNCIA À REFLEXÃO Cindy Dória Mais do que tecer um teia de conceitos bem amarrados, este texto tenta dar conta de maneira aberta, das minhas vivências durante a ação educativa da exposição Lição de Coisas da artista Nydia Negromonte. A maioria das pessoas chega ao Museu de Arte da Pampulha à passeio, pois ele integra um dos complexos turísticos mais famosos da capital mineira, o Conjunto Arquitetônico da Pampulha. Projetado por Oscar Niemeyer e inaugurado em 1943, o Cassino da Pampulha é hoje um espaço público que recebe exposições temporárias de arte contemporânea. 5 Em geral a maioria dos visitantes não está familiarizada com a produção de arte contemporânea, dessa forma a mediação revelou ser uma tarefa desafiadora. A primeira dificuldade encontrada foi na abordagem do visitante, pois a maioria das pessoas não sabe que existe o serviço de mediação e algumas pessoas procuram pela “visita guiada”. Durante o período de exposição, tentei algumas estratégias de abordagem como me apresentar e me colocar disponível para esclarecer dúvidas e compartilhar ideias, me colocar numa posição disponível, próximo aos visitantes, e até “puxar conversa como quem não quer nada”. O que pude concluir é que a mediação é um risco. Lidamos o tempo todo com a nossa intuição, à procura de qualquer gesto do visitante que sinalize uma necessidade ou uma vontade de ter alguém para conversar ou/e informar. A maioria dos visitantes busca em nós (mediadores) um sentido pronto, uma explicação para aquilo que está diante deles. Das experiências anteriores em museus e exposições de arte, entendia a mediação como um espaço de trocas de ideias, experiências e informações. (...) no se trataba de dar conocimientos al público sino de “compartir la ignorancia e ir más allá”. El convertir al público en “colega”obviamente no significa que todo el mundo será un artista (aunque me gustaría y creo que eso es potencialmente cierto), sino que pretende que la forma de relacionarse a la obra de arte cambie de un consumo totalmente pasivo a un diálogo activo. (CAMNITZER, p. 81) No MAP, buscava com os visitantes construir conhecimento a partir da experiência com as obras e com o espaço do museu, mas, paradoxalmente, estava muito preocupada com dificuldade de conceituar a arte contemporânea, de distingui-la da arte moderna e de diferenciar os termos modernidade, moderno e modernismo. A série Lição de Coisas da artista Nydia Negromonte compreende um conjunto gravuras, feitas a partir de ilustrações retiradas de um livro/manual com mesmo nome, associadas a fotografias do álbum de família da artista. Colocadas lado a lado as imagens apresentam semelhanças às vezes explícitas e às vezes discretas e silenciosas. As semelhanças estão nas ações da vida social e familiar. O termo “lição de coisas” surgiu no século XIX na França e designava um método de ensino intuitivo no qual “as coisas antes das palavras, a educação pelas coisas e não a educação pelas palavras” (Pestalozzi apud Schelbauer). Popularizado pela educadora e escritora Marie Pape-Carpantier, “leçons de choses” propunha “despertar e aguçar o sentido da observação, em todas as idades, em todos os graus de ensino, colocar a criança na presença das coisas, fazê-las ver, tocar, distinguir, medir, comparar, nomear, enfim, conhecê-las (...)”, diz Schelbauer. Para a educadora Marie Pape-Carpantier “os grandes mestres da educação são a experiência, a observação, o conhecimento da criança – seus gostos e seus instintos –; para um professor o critério deve ser o interesse que desperta naqueles aos quais ensina”. (BASTOS, 2010, p. 22). Curiosamente percebo uma forte relação entre o método Lição de Coisas e as ações no educativo do MAP. O material educativo, elaborado inicialmente para ser utilizado com grupos agendados, no formato de uma cartilha com propostas reflexivas e práticas a partir das obras da artista Nydia Negromonte, sugeria começar a visita com um passeio pelo jardim para estimular o 6 uso de todos os sentidos. A partir da experiência, da observação, da imaginação, do jogo, da reflexão construíamos sentido para as obras apresentadas. Pois, como já nos apontou Jorge Larrosa Bondía (2002, p. 21), “pensar não é somente “raciocinar” ou “calcular” ou “argumentar”, como nos tem sido ensinado algumas vezes, mas é, sobretudo, dar sentido ao que somos e ao que nos acontece”. 3. LIÇÃO DE COISAS – (RE)CONHECIMENTO E PERTENCIMENTO Gabriela Alvarenga Cardoso Silva Tal ensaio funcionará quase como um diário do que foi vivido nos três meses no MAP, com foco na mediação da exposição “Lição de coisas” da artista Nydia Negromonte e também no Instituto Undió, onde a artista também expôs uma obra intitulada “Jasmim do Cabo”. Antes de qualquer coisa, é necessário ressaltar como o educativo acontece em diferentes momentos e como a ação educativa se transforma em diversas ocasiões e públicos, inclusive comigo mesma. Pensando na transformação primeira, a individual, foi muito rico ter participado da exposição nesses dois espaços. Pude perceber que mesmo em lugares não institucionais, como a obra exposta na casa abandonada anexa ao Undió, ainda há uma distância e um receio do público com a arte contemporânea. Vivenciando então esses dois lugares distintos, percebi que meu olhar se sensibilizou ainda mais para o olhar do outro. É perceptível como a mediação nem sempre acontece em uma ação direta com a obra, mas na troca de experiências mediador/público, em um olhar de reconhecimento para um detalhe arquitetônico, uma parede descascada ou mesmo para o fluxo de pessoas na rua. Acredito nesse potencial sensibilizador da arte para o que nos cerca, e a mediação também aconteceu nesse sentido em mim. Na ação no Undió senti que isso aconteceu mais intensamente, com poucos visitantes espontâneos e sem visitas agendadas, meu olhar voltou-se para mim e em como poderia pertencer àquele lugar. Além de como a obra agia em mim, como agir? Como também trazer a minha vivência para aquela casa e aquela rua? Isso foi possível apenas na tentativa de me integrar à espontaneidade da rua, conversando com quem estava lá todos os dias ou de passagem, “enxergando” o meu entorno. A troca, na maioria das vezes, aconteceu na rua, por receio ou pela falta de tempo poucos entravam, não diminuindo a potencialidade desses acontecimentos. Quando entravam, era bonito de ver as pessoas se reconhecendo nos cantos daquela casa abandonada, nas fotos selecionadas pela Nydia, fotos que evidenciam o tempo que passou. Sem esforço algum apareciam conexões da obra com situações pessoais, questionamentos sobre a cidade e sua memória. Exatamente nesses instantes eu via se ascender no outro esse desejo de “de repente” conhecer mais, visitar outros lugares ou apenas o começo de um olhar mais atento para o que os cerca. 7 No MAP, vejo as ações educativas acontecerem todo o tempo, nas formações continuadas entre mediadores e educadores, conversas com outros funcionários e, sem redundância, as visitas. Prefiro começar expondo minhas experiências com o visitante espontâneo, pois acredito esse ser um dos aspectos mais delicados dentro do museu. Delicados pela abordagem em que o visitante ou se esquiva, ou possui a necessidade extrema de um porquê concreto ou de um propósito muito claro para cada obra exposta. A curiosidade, um olhar perdido e até mesmo esses porquês tão fechados em si mesmos podem ser portas de entrada para a mediação acontecer. Percebo sempre a tentativa do outro de também pertencer àquilo que o rodeia. Nessas ocasiões surgem questões pertinentes ligadas à ideia de memória, percepção do espaço e, também, por que não dizer que, como parte da exposição era uma grande rede hidráulica que percorria todo o museu, o questionamento sobre o uso da água e dos recursos de nosso planeta também foi muito frequente. Com as visitas agendadas acho interessante ressaltar o uso do material educativo. Mesmo sendo um material que pressupõe a ação do mediador, os estudantes recorriam a ele buscando orientação ou, através de algo evidenciado no mesmo, questionavam o seu entorno. Já no início da mediação, eu propunha que o material educativo seria um suporte para a visita, o que também possibilitava que o visitante fizesse o seu próprio percurso na exposição. Revendo toda essa vivência com os grupos, penso que a formação continuada entre os mediadores e educadoras também contribuiu em como as visitas são pensadas. O próprio material educativo foi fruto de um pensamento conjunto de toda a equipe. Pessoalmente, as leituras propostas me ajudaram a compreender melhor a ação educativa dentro de museus, o meu trabalho como mediadora e também minha pesquisa individual além-museu. 4. JASMIM DO CABO: RELAÇÕES ENTRE MEDIAÇÃO E ARTE PÚBLICA Jéssica Danuza Gonçalves Cruz O objetivo deste ensaio é apresentar o modo com que as mediações podem se inscrever na esfera da arte pública, a partir de minhas experiências com a obra “Jasmim do Cabo” de Nydia Negromonte. Tal discussão surge do desafio enfrentado ao me deparar com a realização de minhas tarefas num espaço não expositivo, no caso, a casa em estado de abandono ao lado da sede do Instituto Undió, localizada na Rua Padre Belchior, região do hipercentro de Belo Horizonte. Recorri a diversas pessoas, textos e outras fontes para poder construir um repertório que atendesse o visitante e contribuísse para sua melhor reflexão da obra. Descobri então, como Nydia apresenta sua obra a partir do seu processo de criação. Obtive rica ajuda também de Thereza e Júlia Portes, coordenadoras do Instituto Undió, juntamente de Raissa Angrisano, multiplicadora do Undió, que inclusive me disponibilizou seu Memorial de Final de Curso apresentado à Escola Guignard, sobre o Laboratório Undió de Intervenção Urbana “Nessa Rua tem um Rio”, do qual “Jasmim do Cabo” fez parte em seu segundo módulo no ano de 2010. 8 Quando chegávamos ao andar de cima nos deparávamos com fotos antigas de família, ao lado destas, placas de argila pendiam nas paredes, pedaços de tinta e barro seco caídos sobre a madeira do chão. [...] Estes recortes de tempo e espaço feitos por Nydia através de acervos afetivos nos levam a pensar sobre memória: afinal do que é feita uma pessoa? Do que são feitas suas casas? Suas ruas e cidades? Somos feitos de que? Feitos de histórias? (ANGRISANO, 2011, p. 50) Questões sobre a memória se mostraram muito fortes nessa busca. Encontrei no material educativo produzido para a exposição “Fotógrafo Lambe-Lambe: Retratos do ofício em Belo Horizonte”, exposição comemorativa de mesma época na Casa do Baile, várias sugestões de olhares sobre as fotografias, vizinhas de época: “O que vemos? Podemos descrever nossa fotografia mental em palavras ou desenho?”. Essas reflexões resultaram numa atividade feita pelos alunos de Artes Plásticas do Undió, coordenados por Raíssa Angrisano, na qual eles pegaram cópias das fotografias presentes em “Jasmim do Cabo” e se apropriaram delas inventando novas biografias. Alguns filmes que abordam o tema também me trouxeram novas ideias e reflexões. Entre eles “Santiago”, de João Moreira Salles (2008) e “Shoah” de Claude Lanzmann (1985). “Santiago” trouxe a rara franqueza que existe em se descobrir explorando a história do outro. E de fato para muitos, “Jasmim do Cabo” funcionava como uma máquina do tempo, ativada ao olhar atento e reflexivo. Em uma entrevista para a revista “Bravo!” sobre o filme, João Salles reafirma essa ideia quando diz que “Para os gregos um homem morre quando o esquecem e vive quando o lembram.”, sendo assim, expor novamente o “Jasmim do Cabo” seria também uma forma de habitar aquela casa? Acredito que sim. A cada visita, a cada tentativa do visitante em reconhecer um objeto nas fotografias, ou uma casa ainda presente na rua, procurando através das janelas e portas, a cada pessoa que, do ponto de ônibus avista alguém na sacada observando a parede atentamente, o universo de “Jasmim do Cabo” existe e resiste. Sobre “Shoah”, Lanzmann transmite ali histórias sem nem mesmo recorrer a registros fotográficos, escritos ou objetos do passado. Pensando nisso, em “Jasmim do Cabo”, mediar seria como transportar as reflexões ali contidas para mundos particulares. Seria como abordar aquelas vivências ali, desviando-as da intenção memorial que elas possam conter. Como grande parte do público tinha uma ligação muito direta com o Instituto Undió e suas fundadoras, poucas pessoas se abririam a essa possibilidade, ficando satisfeitas em saber apenas os contextos em que as fotografias e bilhetes foram feitos. Sobre este público, era espontâneo em sua totalidade e, as pessoas atendidas possuíam vários níveis de instrução e idade. Durante o período da exposição, recebi alunos de Thereza Portes no curso de Educação Artística da Escola Guignard, alunos da Escola de Belas Artes da UFMG, trabalhadores e transeuntes da Rua Padre Belchior, pessoas que seguiram o roteiro proposto pelo MAP (que sugeria ao público da exposição uma visita à obra “Jasmim do Cabo”), e participantes de eventos promovidos pelo Instituto Undió. 9 Ao primeiro olhar, as pessoas já se dirigiam às fotografias e placas dispostas lado a lado. O processo físico de aderência da argila para remoção das camadas de tinta da parede gerava, naturalmente, a metáfora na qual a memória e a lembrança eram também desnudas. A partir daí, surgiam vários interesses. Quem são esses personagens? Quem escreveu esses bilhetes e quando? Por que nessa casa? Através dessas singularidades, a obra parecia remeter a uma época comum à vida de muitas dessas pessoas. Porém, a casa, um espaço doméstico desativado, nem público nem institucional, causava estranheza ao ter se transformado em espaço expositivo de arte. Sendo assim, muitos transeuntes entravam na casa por engano, ora pensando que a casa estava para alugar, ora procurando por uma antiga loja de discos que ali se encontrava há muitos anos, ora para saber se poderiam ocupar a vaga em frente à garagem. A descoberta de que ali estaria exposta uma obra, com apoio do Museu de Arte da Pampulha, era sempre desconcertante, porque eles não esperavam que essa instituição, distante da realidade deles culturalmente e geograficamente, pudesse abrir uma casa antiga e ali deixar a disposição uma “moça para conversar”. No entanto, mesmo após o conhecimento da proposta, não ficava explícita a intenção curatorial da exposição “Lição de coisas” em abranger uma obra produzida em outro contexto. Alguns desses visitantes não quiseram entrar na casa. Uma mulher da loja em frente, por exemplo, concluiu que “o que se vê de fora basta”. As diferenças entre o que a casa ambienta em comparação com a movimentada Rua Padre Belchior eram gritantes. Porém, no silêncio, na ausência das cores das roupas e móveis velhos de todo tipo, dos cartazes de filme pornô, dos celulares da China, a rua era redescoberta em seu recente passado anacrônico, marcado pela lembrança das velhas casas e do já sufocado córrego do Leitão. Com baixa frequência, algumas pessoas foram ao MAP após a visita e o inverso também. As relações mais claras que as pessoas faziam eram com os elementos que algumas obras da exposição (“Posta”, “Poda”, “Barrado” e “Lição de coisas”) têm em comum: a fotografia e a argila. No entanto, mesmo com a entrega do volante, que intenciona ser um relato breve da exposição e que ainda trazia os números das linhas de ônibus que levam ao MAP, o público parecia desmotivado em visitá-la. Em contramão, muitas pessoas pediram mais informações sobre o Undió e suas atividades. Passei a me informar para poder melhor orientá-los a respeito, e deixei a disposição também, materiais referentes ao instituto. Nessa perspectiva, surgiram alguns questionamentos: como portar-se diante do público atingido pela produção voltada para o urbano? A inadequação dos museus mediante as dimensões da intervenção o desvaloriza como espaço de discussão da arte-educação no contemporâneo? Muitas questões surgiram ao longo dessa exposição. Questões ainda sem solução, pois este ainda não é o fim da pesquisa. Por agora, espero ter contribuído com um exemplo, entre tantos, das complexas relações entre museu, arte-educação e a arte produzida no espaço da cidade. 10 5. PODEMOS SER MAIS EDUCATIVOS QUANDO ESTAMOS MENOS PREOCUPADOS EM SER Leonie Elisa Gaiser No âmbito do Programa Municipal de Voluntariado Internacional lançado pela Prefeitura de Belo Horizonte, eu aproveitei a oportunidade de conhecer o cotidiano do Museu de Arte da Pampulha (MAP) em um estágio de três meses. O principal objetivo do meu Voluntariado era conhecer de perto a elaboração das políticas públicas municipais de Belo Horizonte e desenvolver a internacionalização da cidade. Além disso, eu desejava enriquecer minhas competências profissionais, viver experiências práticas fora dos meus estudos na UFMG e ter contato com novas metodologias de ensino. Trabalhando com mediação para estudantes no Museu de Arte da Pampulha, eu fiquei a conhecer um método de educação alternativo que acentua a aprendizagem através de observação e experiência própria de arte. Assim, o Voluntariado não só me introduziu na Arte Contemporânea, na arquitetura e no paisagismo brasileiro, mas também na Arte- Educação que é aplicada no Museu. Eu desenvolvi especial interesse na função educativa de arte, projetos pedagógicos desenvolvidos em museus e suas relações com a escola. Introduzir os alunos no mundo de arte facilita o acesso aos alunos e os auxilia no desenvolvimento e na aprendizagem. Ademais, arte não é apenas fonte de inspiração, mas também um significativo meio de comunicação que reflete as condições culturais da sociedade. Antigamente, quando aconteciam as primeiras visitas de turmas a museus, a instituição era tratada como uma sala de aula fora da escola onde os estudantes aprendiam de forma habitual. Contudo, é fundamental entender a importância da experiência pessoal e conceber o museu como espaço cultural interativo. A ocupação com a arte será uma forte motivação para aprender e simultaneamente um enriquecimento pessoal. Durante meu estágio no Museu de Arte da Pampulha, eu percebi que é fundamental a participação ativa das crianças a fim de encorajar o desenvolvimento de ideias próprias. As ações educativas no MAP pretendem possibilitar uma aproximação do aluno à arte, colocando-o para dentro da matéria. Para que o estudo no museu aconteça de forma mais variada e aplicada, o Museu oferece vários materiais didáticos destinados a despertar, aguçar e exercer os sentidos dos alunos. Estes materiais sugerem uma série de atividades pedagógicas e exercícios para serem realizadas durante a visita. Desta forma, o mediador pode integrá-los na visita e desenvolver neles uma curiosidade e um conhecimento na arte. Incluindo também aspetos da arquitetura do prédio, as atividades no MAP resultam em uma percepção do espaço mais consciente. A atenciosa exploração dos jardins, proposta pelo caderno educativo, sensibiliza o aluno para observar os detalhes do seu entorno natural, cultural e social. Além disso, permite a inspiração da natureza e estimula-as à experiência e à criação. Ademais, novas tecnologias audiovisuais, fotografias e documentos enriquecem as reflexões provocadas durante a ação educativa no Museu. Viver a experiência de fazer parte convida o aluno a estabelecer ligações com o seu cotidiano ou ainda fazer sua própria pesquisa e análise. No decorrer de estágio, se tornou cada vez mais claro que um conhecimento variado de cultura e a ocupação com arte abrirá o horizonte dos alunos. Além disso, é reconhecido que se 11 aprende melhor com exemplos expressivos. Por conseguinte, seria eminente tornar ainda mais atrativo o museu, concebendo-o como instituição de educação ativa. Como reflexão final, posso afirmar que o meu estágio excedeu as minhas expetativas. O trabalho com os alunos e o encontro com arte me enriqueceram e inspiraram tremendamente, e ficou claro que podemos ser mais educativos quando estamos menos preocupados em sê-lo. Foi uma honra especial trabalhar em um meio extraordinariamente fantástico - tanto com respeito aos meus colegas e ao local de trabalho quanto à abrangência de funções. Fig. 2: Foto de visita mediada nos jardins. 6. PODE ENTRAR OU TÁ EM OBRA? Renata Bernet Esse texto trata-se de uma reflexão sobre a prática da mediação em arte contemporânea e a vitalidade de ter-se uma equipe educativa, para que a estranheza de um primeiro contato com uma arte que está além da alegoria visual em exposição não se torne um obstáculo para a apreciação e o pensar da produção contemporânea. As situações vividas com o público espontâneo durante a exposição “Outros Lugares”, das artistas Ines Linke, Louise Ganz e Mônica Nador, no Museu de Arte da Pampulha (em específico a obra “In Loco”) serviram como base para esta breve análise sobre o papel do mediador dentro do museu e os benefícios da formação continuada. 12 Antes mesmo de entrar na galeria, o visitante já vê, à distância, blocos de tijolos. Tijolos nus, sem qualquer tipo de revestimento e empilhados, à primeira vista, de maneira aleatória. Então, o visitante para incerto na porta da galeria e pergunta ao porteiro “Pode entrar ou tá em obra?”. “Tá tendo exposição ou tá em reforma?”. O péssimo hábito de olhar e não ver, comum do dia a dia, deixa passar despercebido o fato de que ele acaba de entrar em um espaço cercado apenas por janelas de vidro. É uma tarefa difícil deslocar o visitante de um cotidiano onde tudo parece ser urgente, instantâneo ou descartável e fazê-lo despertar a curiosidade para o que pode estar além dos tijolos utilizados na obra das artistas Ines Linke e Louise Ganz. E, acima disso, como justificar blocos de tijolos enquanto obra de arte? Existe justificativa? Deve existir? Durante o período de exposição, a obra “In Loco” fomentou incontáveis discursos por parte de visitantes, por vezes inconformados ou indignados. Era notável a indignação do público e a relutância em construir algum significado a partir da presença daqueles tijolos no espaço expositivo. Cabe ao mediador criar uma plataforma para o diálogo e fazer a ponte entre o que se vê e o que está além. Despertar a curiosidade do público para a arte de ideias, de experimentação e abrir novamente o olhar para os detalhes ao redor. Aos poucos, o visitante passa a perceber as especificidades de cada bloco. Sequências, padrões, desenhos, volumes, tamanhos, manchas. Quando ele se propõe a examinar com mais atenção, a olhar novamente, o próprio visitante abre espaço para a construção de sentidos, para resignificar aquilo que está de corpo presente na sua frente. O mediador tem como meta instigar. Resgatar a criatividade, o raciocínio abstrato. Não conduzir o olhar, impor conceitos, mas fazer com que o público questione o que está em exposição. Que duvide, que não aceite, que discorde. Mas que reestabeleça a relação perdida entre o mundo prático e o abstrato. A formação continuada proporciona, não só um espaço para pensarmos ações e meios pelos quais podemos despertar a curiosidade, mas um espaço para pesquisar meios de aproximar o visitante à instituição, de propor que o visitante descubra seu lugar dentro e junto ao museu e contemple a multiplicidade de sentidos e interpretações da produção contemporânea. 13 Fig. 3: Foto de visita mediada (obra “Autoria Compartilhada”- Mônica Nador e “In Loco” – Ines Lik e Louise Ganz - ao fundo). 14 REFERÊNCIAS ANGRISANO, Raíssa. Memórias do Projeto Nessa Rua tem um Rio: Laboratório Undió de Intervenção Urbana. Belo Horizonte, 2011. 84 p. Trabalho de Conclusão de Curso (Licenciatura em Educação Artística com Habilitação em Artes Plásticas) - Universidade do Estado de Minas Gerais. [Orientador: José Marcio Barros] ANTENORE. Fiz o filme para me curar. Bravo!, Edição de Agosto, 2008. BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. 2ª ed., Trad. M. E. G. Pereira. São Paulo: Martins Fontes, 1997. BASTOS, Maria Helena Camara. Educação Infantil e ensino intuitivo: a contribuição de Marie Pape-Carpantier (1815-1878). In: Conjectura, Caxias do Sul, v. 15, n. 3, set./dez. 2010, p. 9-33. BONDÍA, Jorge Larrosa. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. In: Revista Brasileira de Educação, jan/fev/mar/abr, n.19, 2002, p. 20-28. CAMNITZER, Luis. A arte como atitude: depoimento [19 e 30 de outubro de 2007]. Entrevista concedida a Cayo Honorato. CAMNITZER, Luis; PÉREZ-BARREIRO, Gabriel. (orgs.). Arte para a educação/educação para a arte. Porto Alegre: Fundação Bienal do Mercosul, 2009. MARANDINO, Martha. Educação em museus: mediação em foco. São Paulo, SP: Geenf/FEUSP, 2008. SANTIAGO. Direção: João Moreira Salles. Brasil. 2008. DVD (1h20min) SCHELBAUER, Analete Regina. Lições das coisas. In: histedbr. Disponível em: http://www.histedbr.fae.unicamp.br/navegando/glossario/verb_c_licoes_das_coisas.htm>. Acesso em: Acesso em 11 de julho de 2012. SHOAH. Direção: Claude Lanzmann. New Yorker Films. França. 1985. DVD (9h4min) 15