PPGCOM ESPM – ESCOLA SUPERIOR DE PROPAGANDA E MARKETING – SÃO PAULO – 15 E 16 OUTUBRO DE 2012
“Meu corpo, minhas regras”: Mídia e performance na marcha das vadias. 1
Beatriz Beraldo2
ESPM- SP
Resumo
O objetivo deste artigo é articular autores com estudos em comunicação, consumo e cultura, no intuito de
investigar a presença da performance e do corpo como mídia, na marcha das vadias. As questões centrais que
orientam a investigação estão assim formuladas: de que maneira se podem enxergar a presença do corpo
enquanto mídia neste movimento? E como uma manifestação de rua do século XXI se pode apreender com o
conceito de performance, originalmente concebida para compreender a comunicação textual da Idade Média?
Através da análise empírica do corpus de análise, que corresponde ao acervo fotográfico digital da marcha,
entende-se, ainda, que ações como estas, confrontam representações hegemônicas da mulher e do feminino
na sociedade do consumo, com ela dialogando, pela via da contestação.
Palavras-chave: Mídia; Performance; Comunicação; Feminismo.
1.
Introdução: Por que marchar?
No início do ano de 2011, após a ocorrência de uma série de casos de abusos sexuais e
estupros na Universidade de Toronto, um representante da polícia do Canadá discursou em uma
palestra sobre segurança, dentro da própria universidade, dizendo que as mulheres deveriam evitar
se vestir “como prostitutas” (sluts em inglês) para não serem vítimas de estupro. A afirmativa
causou grande indignação, não somente nas estudantes, mas, também, reverberando negativamente
além dos muros da faculdade. Várias mulheres canadenses demonstraram repulsa ao discurso do
policial. Toda esta movimentação deu origem à marcha que foi batizada de Slut Walk, ou a Marcha
das Vadias, em português. A ideia central era a de que a mulher tem o direito de se vestir e se portar
da maneira que lhe agrada, sem que isso se torne abono para atos de violência como o estupro.
Antes de se popularizar no Brasil, a manifestação pública reuniu ativistas femininas em várias
1
Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho Comunicação, Consumo e Cultura contemporânea, do 2º Encontro de
GTs - Comunicon, realizado nos dias 15 e 16 de outubro de 2012.
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Mestranda do Programa de Mestrado em Comunicação e Práticas do Consumo PPGCOM – ESPM-SP, vinculada ao Grupo de
Pesquisa NICO; Bolsista Programa RH-POSGRAD Mestrado da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas –
FAPEAM, email: [email protected]..
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importantes cidades ao redor do planeta como Toronto (Canadá), Los Angeles e Chicago (EUA),
Buenos Aires (Argentina), Amsterdã (Holanda), entre outras.
No Brasil, a marcha aconteceu pela primeira vez também no ano de sua fundação, 2011, no
mês de junho. As brasileiras aderiram à causa original e também inseriram na pauta da marcha
outros ideais que permeiam o universo do feminino, tais como: protestos contra a repressão sexual
feminina, violência contra a mulher, machismo exacerbado e a legalização do aborto.
A coordenadora da marcha das vadias em Curitiba, Máira de Souza Nunes, em entrevista ao
portal de notícias G13, esclareceu o porquê da utilização do termo ‘vadia’ para representar a causa:
“a reapropriação do termo ‘vadia’ é essencial para discutir a violência. Quando o homem bate na
mulher, ele faz isso a chamando de vadia. Quando estupra, ele faz isso porque a considera uma
vadia. Queremos que essa palavra deixe de ser ofensiva e se torne uma palavra de luta” – afirmava a
ativista.
Por tudo isso, a marcha das vadias ganha cada vez mais seguidoras e seguidores, pois
existem muitos homens que compartilham da ideia de que é um equívoco responsabilizar as
mulheres, e seu modo de vestir, pela ocorrência de um estupro. O destaque à marcha em redes
sociais e portais de notícia traz a luz também uma importante discussão sobre a temática da
violência contra a mulher, que podemos relacionar com as palavras da pesquisadora e escritora
americana Elisabeth Badtinder (2005) que defende a existência de um feminismo atualizado:
A mulher estuprada (por um parente ou não) precisa de uma coragem imensa para
desencadear todo o processo policial e judicial implicado, com a repetição à saciedade dos
gestos de humilhação e do sofrimento vivenciado, com os anos de espera e com o
julgamento público.
Por este ponto de vista, cabe render homenagens ao feminismo atual, que deu ao estupro seu
verdadeiro significado e se mobilizou amplamente para retirar as vítimas de sua solidão e de
seu silêncio. (BADTINDER, 2005: 35-36).
Todavia, mais do que reconhecer a importância deste movimento para as conquistas de
igualdade de gênero, o objetivo deste artigo é identificar a utilização do corpo como mídia e marcas
de uma performance, discutindo a busca pela visibilidade da marcha das vadias, tema caro às
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Disponível em http://g1.globo.com/parana/noticia/2012/07/mesmo-com-frio-mulheres-tiram-blusa-em-marcha-dasvadias-no-pr.html
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leituras contemporâneas da interface entre a comunicação e o consumo. Para tanto, foi necessária a
realização de uma pesquisa bibliográfica para serem selecionados os aportes teóricos que
conduziram a análise do corpus propriamente dito, que corresponde a um apanhado de fotografias
digitais, registradas durante o acontecimento das marchas das vadias, bem como alguns vídeos
jornalísticos também relacionados a este movimento.
Deste modo, ressalta-se que, para esta análise, atribuiu-se à “marcha” o conceito cunhado
por Rocha (2012):
[as marchas são] ações estratégicas a partir das quais setores juvenis constroem a visibilidade
de suas causas e valores, consolidando uma agenda própria, que enfrenta a pauta midiática
de base massiva, negociando não apenas conteúdos, mas formas e modos de dizer e tratar
temas de relevância.(ROCHA, 2012: 3).
2.
O corpo como mídia.
Norval Baitello Junior (2010) utiliza-se da Teoria dos Meios de Harry Pross para lembrar
que sempre há um corpo no início e no final de todo processo de comunicação. É o que o autor
chama de “cumulatividade” na passagem dos meios primários para secundários e dos secundários
para os terciários. Em outras palavras, a comunicação primária mantém-se presente em todos os
desdobramentos da comunicação, como podemos verificar pelas palavras do próprio autor:
A comunicação primária, aquela dos meios produzidos naturalmente pelo corpo, desde a
palavra falada até as maneiras de sentar ou ficar de pé, do gesticular de mãos até o franzir de
testa, vem ganhando a atenção crescente das ciências da comunicação por sua onipresença e
pelo seu poder de sedução ou rejeição. (BAITELLO JR, 2010: 63).
O corpo constitui presença fundamental em todos os meios e mídias. Seja através da fala
(voz) e dos gestos na comunicação primária, das inscrições nas cavernas e da chegada do alfabeto e
de imprensa, como meios secundários, até o surgimento dos meios terciários, a partir da
eletricidade, causando a necessidade de aparatos para decodificar a mensagem – em todos esses
processos, o corpo esta ativamente presente, como sugere Harry Pross (Apud BAITELLO JR,
2010), expandindo o conceito de mídia para “não apenas os meios de massa e os protomeios de
massa, mas também a comunicação interpessoal como a oralidade e a escuta, o gesto e a
visibilidade [...]” (BAITELLO JR, 2010: 63).
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É possível também associar a ideia da materialidade do corpo como mídia, às contribuições
de Marshall McLuhan (1995) no que diz respeito aos meios de comunicação como extensão do
homem. Nesse sentido, entende-se que os estudos do autor sobre meios de comunicação
compreendem o corpo também como um objeto de comunicação, que se liga ao mundo exterior por
meio de mediações sensoriais. “Essa (inter)mediação encontra-se atrelada à máxima de McLuhan,
‘o meio é a mensagem’, cuja relação sociocultural do corpo é vivenciada pela sua acoplagem aos
objetos inscritos no mundo” (GARCIA, 2005: 4).
A marcha das vadias, em todas as suas edições pelas cidades brasileiras, contou com a
presença de mulheres que se vestiam com roupas provocantes e minimalistas. Algumas outras
jovens ativistas pintaram os seus corpos com mensagens de protesto. E, havia ainda aquelas que,
sem pudor, iam marchar com roupas íntimas ou com os seios a mostra. Em todos os casos,
evidencia-se a materialidade do corpo, revelando-o como mídia, ora primária, ora secundária.
Os gestos e a fala das jovens ativistas constituem papel fundamental na transmissão das
mensagens políticas das causas da marcha. Slogans e/ou gritos de guerra uníssonos como: “A nossa
luta é todo dia, somos mulheres e não mercadorias”; “Preste atenção: o corpo é meu, a minha roupa
não é problema seu!”
4
e reforçam a ideia de que a materialidade do corpo, através da voz, é
transformada em mídia e, neste caso, caracterizada como mídia primária.
Por outro lado, é também uma constante na caminhada da marcha, a presença de cartazes,
elaborados pelas ativistas, que funcionam como bandeiras do que elas defendem e facilitam
divulgação da marcha, pois, diferentemente da materialidade da voz, os cartazes podem ser
fotografados, sem perdas, e reproduzidos nos jornais do dia seguinte, ou até mesmo em real time
nos portais de notícia. Evidencia-se então, aspectos que significam a mídia secundária.
Esta forma de mídia (secundária) é também observável neste movimento, quando muitas das
jovens, preferem utilizar o próprio corpo como suporte material para escrever as suas mensagens de
4
As falas foram transcritas do vídeo realizado pela TVFOLHA, que registrou a primeira marcha das vadias no Brasil,
ocorrida no dia 04 de junho de 2011, na cidade de São Paulo. Disponível em:
<http://www.youtube.com/watch?v=xFACJFlZuoE>
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protesto como é possível observar nas imagens 5 que seguem:
Figuras 1 e 2: Ativistas da marcha das vadias do Rio de Janeiro pintam o corpo com suas mensagens.
Nota-se nas fotografias que, em conformidade com os estudos de Norval Baitello Junior
(2010), o corpo acumula as mídias primária e secundária, pelos gestos e maneira de se portar das
ativistas e pela utilização do corpo como superfície para escrever mensagens, respectivamente.
É importante lembrar que embora neste artigo se esteja trabalhando com um corpus que
abrange registro de várias marchas das vadias pelas cidades brasileiras, foi possível encontrar
semelhanças muito evidentes na organização e realização das mesmas, o que permitiu tratá-las de
forma homogênea para esta análise.
3.
A Performance na divulgação da causa.
O conceito de performance que será trabalhado para o estudo realizado neste artigo, diz
respeito àquele que fora elaborado por Paul Zumthor (1997), para explicar a leitura/interpretação de
textos medievais. Na Idade Média a escrita era desordenada: não havia uso de pontuações ou letras
maiúsculas, nem mesmo se tinha a noção de parágrafos. Isto acontecia porque não importava a
coerência visual da leitura, o que interessava era a “performance” de que quem lia e oralizava o
texto para o coletivo.
5
Todas as fotografias que constam neste artigo podem ser encontradas no acervo do site oficial da marcha:
http://www.marchadasvadias.org/
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As peculiaridades da ‘literatura’ medieval já demandavam uma consideração redobrada dos
fatores extraliterários e comunicacionais. No medievo, não existia a figura do leitor, mas sim de
ouvintes, envolvidos em uma experiência que abarcava a consideração dos tipos de ‘palcos’ em
que a narração se dava, da gestualidade corporal do narrador e da formação cultural do público
receptor.
O corpo vai, portanto, tornar-se um importante elemento de ‘materialidade’ na reflexão sobre os
atos comunicacionais. (FELINTO, 2001: 3).
Zumthor (1997) afirma ainda que é pelo corpo que nós somos tempo e lugar. O autor
relaciona este aspecto com o conceito de performance, onde temos que “a performance é
duplamente temporalizada: por sua duração própria, e em virtude do momento da duração social em
que ela se insere.” (ZUMTHOR, 1997: 162). Isto significa, para esta análise, um fator muito
importante, visto que a marcha das vadias é uma evento marcado no tempo, organizado para
acontecer em uma data específica, a fim de reunir o maior número de participantes, potencializando
as performances e consequentemente, a divulgação do movimento.
O estudo contemporâneo sobre corpo e performance realizado por Wilton Garcia também
nos revela a possibilidade de aproximação com os estudos das marchas juvenis. O autor afirma que
“a noção de corpo está para além da estética que perpassa a filosofia, ao adentrar o campo da
linguagem para explorar a produção de mensagens.” (GARCIA, 2005: 3).
Neste momento, revisito as falas das ativistas, que em uma só voz diziam: “A nossa luta é
todo dia, somos mulheres e não mercadorias”; “Preste atenção: o corpo é meu, a minha roupa não é
problema seu!”. Estas frases, construídas em forma e conteúdo com o objetivo de serem
memorizadas, são conhecidas como Slogans. “A palavra slogan evoca uma ideia de fórmula, como
um estribilho enfadonho ou um serrar estridente” (REBOUL apud FIGUEIREDO, 2005: 45). Em
razão disto, uma das marcas mais fortes da performance nesta marcha, se dá através destes slogans
que, quando ditos ao mesmo tempo pelas várias ativistas, tornam-se uma espécie de canto, que
publica as mensagens e ideais da marcha, do mesmo modo que fora pensado por Zumthor para se
referir às publicações das poesias orais na Idade Média: através da performance oral, “a mensagem
é publicada, no sentido mais forte que se pode conferir a este termo” (ZUMTHOR, 1997: 176).
Todavia, a performance não se dá somente na instancia oral, ou seja, através da fala e/ou da
voz. A performance envolve toda a atuação do performer sob o seu objetivo de publicação. Quanto
a isto, Zumthor é categórico: “A performance é publicidade” (ZUMTHOR, 1997: 176). Neste
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sentido, as ativistas que participam da marcha das vadias, buscam a visibilidade da causa, através da
publicidade que exercem por meio de seus próprios corpos, nos gestos, roupas, e palavras que
compõem a caminhada, em conformidade com a afirmação:
Gesto, roupa, cenário com a voz se projetam no lugar da performance. Mas os elementos que
constituem cada um deles, movimentos corporais, formas, cores, tonalidades, e as palavras
da linguagem compõem juntos um código simbólico do espaço. (ZUMTHOR, 1997: 231232).
Para Garcia (2005:123), “A performance registra-se, portanto, compartilhada como prática
de espetacularização do sujeito/objeto enquanto propriedade do corpo”. A este conceito, atribui-se,
na marcha das vadias, a ideia de que o corpo é a base material para a construção de elementos de
espetacularização, ou seja, os marchantes se vestem (ou se despem) de acessórios que só estão ali
para aquela específica performance, criando perspectivas sensoriais e intelectuais que somente
fazem sentido para divulgar a sua ideia, naquele momento.
Figura 3: Jovem seminua com o corpo marcado de modo a se parecer com um gado que irá ser abatido.
Figura 4: Ativista em peças íntimas envolta por um plástico, em uma metáfora ao mercantilização do corpo feminino.
Ainda sob este aspecto temporal que é inerente a qualquer performance, Zumthor afirma que
“a dimensão dada a seu espaço pelo gesto, subsiste em memória, depois que as palavras [são]
suprimidas. Tal é a experiência estética que constitui a performance” (ZUMTHOR, 1997: 232). Já
para o estudo contemporâneo de Garcia, “as premissas conceituais indicadas para se refletir sobre a
performance podem ser articuladas como um evento/acontecimento, no qual se apresenta a
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dinâmica do rito, configurada nas relações interativas do sujeito contemporâneo.” (GARCIA, 2005:
124).
Ao aproximar a ideia de performance ao tempo marcado pelo rito, Garcia nos remete ao
pensamento de Harry Pross (1992):
o ritmo social desempenha um papel importante, pois ele funciona como elo entre o ritmo
cosmológico – por exemplo as estações do ano – e o ritmo biológico, o ritmo interno de cada
organismo. [...] A atividade social precisa ser ordenada em um rito de calendário, que
constitui o rito básico de toda sociedade. (PROSS Apud BAITELLO JR, 1992: 3).
Sob este aspecto, pode-se pensar na organização da marcha, por meio das redes sociais,
como um convite à performance. As ativistas líderes definem uma data para o acontecimento do
evento e, após esta decisão, divulgam, principalmente no meio virtual, a ideia de colocar o corpo em
evidência, na intenção de gerar ampla visualidade a marcha e as bandeiras que as participantes
defendem. Desse modo, elas estão marcando o “ritmo social”, como é possível observar nos
anúncios abaixo, que convocam para a marcha das vadias:
Figuras 5 e 6: anúncios virtuais convidam para a marcha das vadias no Rio de Janeiro (2011) e em Brasília (2012).
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A aderência de novas ativistas é, sem dúvida, o objetivo principal da divulgação de anúncios
como estes no espaço virtual. Portanto, nota-se, já neste momento inicial de organização, que a
representação do corpo (seja através do desenho ou da fotografia), sugere que a performance é de
caráter fundamental para a visibilidade da marcha e, por conseguinte, das suas bandeiras. Para
Felinto (2001: 2), “falar em ‘materialidade da comunicação’ significa ter em mente que todo ato de
comunicação exige a presença de um suporte material para efetivar-se”. Na marcha das vadias este
suporte comunicacional se traduz na performance, que se realiza na materialidade do corpo.
4.
Considerações finais.
A análise da construção de um “feminismo atual”, compreendido pela marcha das vadias,
possibilita notar que existem grandes contribuições das ativistas no que diz respeito à quebra de
tabu. Isto significa que assuntos outrora considerados delicados, não só passaram a entrar em
debate, mas agora, são discutidos com grande destaque. A organização e efetivação de uma marcha
que nasce motivada pela indignação com um policial que demonstrou, em seu discurso, traços de
machismo, revelam a força e relevância do feminismo atual. Além disso, o polêmico nome “marcha
das vadias” chama a atenção para a desvalorização da mulher e causa o estranhamento necessário
para dar visibilidade midiática a este movimento.
Verificou-se também que os métodos e táticas os quais as jovens ativistas se apropriam, para
propagar as causas que defendem, compreendem a utilização do corpo como mídia e a realização da
performance. A partir disso, pôde-se perceber ainda que, como propõe Rocha (2011), dialogando
com Martín-Barbero (2002:36), “a comunicação tornou-se, em especial em contextos latinoamericanos, o lugar estratégico a partir do qual se pensar a sociedade, demandando a urgente
análise da ‘tessitura comunicacional do social’”.Com efeito, as marchas juvenis, de uma forma
geral, assim como a marcha das vadias, em específico, se tornaram, neste início de século, um
importante movimento, com destaque na pauta midiática, para compreender o “ritmo social”,
conforme compreendido por Harry Pross (1992), para a análise realizada neste artigo.
Ao conduzir o ritmo social neste início de século e levantar questões sobre o feminino e a
imagem da mulher, é possível relacionar o que foi constatado ao que a pesquisadora Mary Del
Priore pensou sobre o feminismo do século passado:
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O diagnóstico das revoluções femininas até o século XX é, por assim dizer, ambíguo. Ele
aponta para conquistas, mas também para armadilhas. No campo da aparência, da
sexualidade, do trabalho e da família houve conquistas, mas também frustrações. A tirania da
perfeição física empurrou a mulher não para uma busca da identidade, mas de uma
identificação. (DEL PRIORE, 2000: 13).
Para o século XXI, pode-se pensar em uma mulher com mais autonomia com relação ao seu
próprio corpo. O slogan oficial da marcha das vadias no Brasil, “meu corpo, minhas regras”,
transparece esta visão de uma forma bem clara. Entende-se que, com isto, as ativistas encontram (ou
buscam encontrar) a identificação da qual falava Mary Del Priore.
Outro aspecto que chama atenção para este movimento é o fato de que, ao promover uma
integração do espaço virtual (as redes sociais), onde se estabelece a organização e divulgação prévia
do evento, com o espaço urbano, que compreende as ruas e avenidas, onde as/os ativistas marcham
pelas suas causas, a marcha das vadias também se mostra como uma representação e um reflexo de
nosso tempo, onde a convergência é a palavra de ordem. Verifica-se assim, a existência de um novo
panorama, governado pela fusão de linguagens diversas e a vinculação de diferentes tecnicidades,
como a materialidade na presença da performance e a utilização midiática do corpo, revelando-se
nos termos da convergência, como afirmado por Rocha:
pensar a convergência implica necessariamente o enfrentamento de leituras tecnicistas, da
mesma forma que demanda o olhar atento às vinculações entre o campo da comunicação e
do consumo. Se a comunicação é a ciência das vinculações, parece-nos oportuno defender
que convergir, na acepção dessa ciência, relaciona-se a vincular, muito mais do que
simplesmente a conectar. (ROCHA, 2011: 15).
A marcha das vadias representa, para a cultura contemporânea, um notável exemplo da
vinculação entre os espaços virtual e urbano. A marcha configura-se ainda, em um importante
observatório de questões como o feminismo e seus desdobramentos estéticos, a transformação dos
meios de comunicação, a crescente do ativismo juvenil nos assuntos políticos, envolvendo a pressão
pela aprovação de leis e emendas, bem como a indignação com leis que já não regem os anseios da
população, entre muitos outros aspectos que ainda estão por vir neste movimento. Ressalta-se ainda
o valor desta manifestação para a área da comunicação, pois, ao eleger o corpo como objeto de
investigação deste artigo, objetivou-se contribuir com os estudos do campo da comunicação e da
cultura contemporânea.
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Percebeu-se, finalmente, que em razão de portar um nome considerado “ofensivo” e de suas
participantes se vestirem de maneira minimalista e provocante, a marcha das vadias contesta a
organização atual da chamada “sociedade de consumo” atualizando o conceito de feminismo e
colocando em confronto à imagem do sexo frágil e da mulher vitimada e refém da ditadura da
beleza. A palavra “vadia”, enfim, deixa de ser um insulto para tornar-se uma palavra de protesto.
Referências
BADTINDER, Elisabeth. Rumo Equivocado. Tradução: Vera Ribeiro. Rio de janeiro: Civilização
Brasileira, 2005.
BAITELLO Jr, Norval. A serpente, a maçã e o holograma: esboços para uma teoria da mídia. SP:
Paulus, 2010.
BAITELLO Jr, Norval; BARRETO, José Roberto. “A comunicação e os ritos do calendário – Entrevista com
Harry Pross”. In: Projekt – Revista de Cultura Brasileira e Alemã. São Paulo, n° 7, p. 7-10, Jun. 1992.
Disponível em http://www.cisc.org.br/portal/pt/biblioteca/viewdownload/9-pross-harry/83-a-comunica çãoe-os-ritos-do-calendario-entrevista-com-harry-pross.html
DEL PRIORE, Mary. Corpo a corpo com a mulher: pequena história das transformações do corpo
feminino no Brasil. São Paulo: Editora Senac, 2000.
FELINTO, Erick. ’Materialidades’ da Comunicação: Por um Novo Lugar da Matéria na Teoria da
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FIGUEIREDO, Celso. Redação publicitária: sedução pela palavra. São Paulo: Pioneira Thomson Learing,
2005.
GARCIA, Wilton. Corpo, mídia e representação: estudos contemporâneos. São Paulo: Pioneira Thomson
Learning, 2005.
MARTÍN-BARBERO, Jesús. Oficio de cartógrafo: travesías latino-americanas de la comunicación en la
cultura. México: Fondo de Cultura Economica, 2002.
McLUHAN, Marshall. Os meios de comunicação como extensão do homem. São Paulo: Cultrix, 1995.
ROCHA, Rose de Melo. “A comunicação é a ciência das convergências: ou como enfrentar, criticamente, a
dicotomia teoria/prática”. In: CARRASCOZA, João Anzanello. e ROCHA, Rose de Melo (org.). Consumo
midiático e culturas de convergência. São Paulo: Mirô, 2011.
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ROCHA, Rose de Melo. O que (e como) comunicam jovens ativistas brasileiros? Breve mapa para a
abordagem de narrativas audiovisuais na metrópole comunicacional. XI Congresso Latinoamericano de
Investigadores de la Comunicación. Montevideo, Uruguai, 2012.
ZUMTHOR, Paul. A Performance. In: Introdução à poesia oral. SP: Hucitec, 1997.
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