DISCURSO DE POSSE VICE-REITORIA DA UNEB Carla Liane Nascimento dos Santos Boa tarde a todos e todas! Saudações às demais autoridades presentes, aos docentes, técnicos e estudantes, família, amigos e membros da comunidade externa! Inicio essa comunicação lembrando uma canção chamada agradecer e abraçar, do cantor Gerônimo, que ressalta a importância do agradecimento. Então, nada tenho hoje – senhoras e senhores - a vos pedir, só tenho a agradecer. Agradeço à comunidade acadêmica por me permitir escrever este momento na minha história de vida. Ressalto o apoio dos três segmentos de nossa UNEB nos seus vinte e quatro campi: técnicos, discentes e docentes. Nossa vitória é resultado de uma histórica convergência de suas vontades e desejos de mudança. Foi o que nos impulsionou a viver uma campanha com garra ou, como diriam, “com sangue, suor e lágrimas”. Agradeço ao Departamento de Seabra – o DCHT Campus XXIII – onde iniciei minha carreira nesta Universidade e todos que dele fazem ou fizeram parte, há exatos onze anos. Agradeço ao Departamento de Educação- Campus I onde fui acolhida com muito carinho e vivi um dos momentos mais importantes da minha vida profissional. Naquele lugar obtive uma visão privilegiada da UNEB, principalmente a partir da convivência como docente, pesquisadora e gestora da graduação, das instâncias de pesquisa e da pós-graduação stricto-sensu, podendo compartilhar com os estudantes, técnicos e demais colegas docentes uma gestão participativa e humanizada que contribuiu para a construção de um DEDC – I mais fortalecido a partir dos seus laços humanos, projetos e vínculos com a sociedade. Meus sinceros agradecimentos às representações dos grupos políticos que nos apoiaram durante toda a campanha. Como mulher, negra, registro com orgulho, a solidariedade do povo negro nessa jornada, dos movimentos sociais aqui representados e irmanados nessa conquista. Não podemos esquecer como pregava Abdias do Nascimento, que “o Brasil é um país de índios, construído majoritariamente pelo povo negro, subalternizado, a serviço de uma elite branca”. Portanto, sinto-me no compromisso de defender os nossos direitos e lutar pelo nosso reconhecimento político e social. Agradeço aos amigos, que compartilharam comigo tantos momentos: momentos de hoje e de outrora. Amigos de pouco tempo, amigos de tantos anos. Todos são importantes: uma extensão de mim mesma porque estamos ligados por laços de afeto, de solidariedade, de confiança e cumplicidade. Sei que nada disso que vivo hoje se concretizaria sem o apoio incondicional da minha família, pela força de sempre e até mesmo, pela compreensão diante das constantes ausências ao longo desse percurso. Obrigada meus pais José Carlos Neves dos Santos e Maria Luiza Nascimento, a quem devo minha formação. São meus exemplos de vida, de uma vida traçada sobre a égide da coragem para desnaturalizar as desigualdades que atingem o nosso povo, habitantes das periferias das nossas cidades, da luta contra toda e qualquer forma de discriminação, sobretudo a étnico-racial, da superação com dignidade e resiliência, me conduzindo à descolonização da forma de pensar e de agir; aqui não poderia esquecer também do irmão mais velho Luiz Carlos Nascimento Costa, sempre amigo e protetor, e dos saudosos: irmão Luciano Nascimento Silva e minha avó Antonieta Dias Nascimento (ambos in memorian), além de me sentir honrada com a presença e apoio dos demais membros da minha família. Quero registrar também um agradecimento a uma irmã que a vida me permitiu escolher, a sempre amiga Patrícia Lessa Costa. Agradeço especialmente aos meus dois amores: ao meu companheiro Juan Cortes dos Santos com quem compartilho minhas angústias, vitórias, projetos; e a filha querida Anna Lara, meu tesouro e porto seguro. E por fim agradeço as representações do movimento estudantil que nos apoiaram e caminharam junto conosco nessa trajetória, com muito entusiasmo e garra!!! Senhoras e Senhores, Estamos aqui hoje para dar início a uma nova gestão na Universidade do Estado da Bahia. Nova gestão, novos sonhos! Temos assistido a uma nova era de mudanças que trouxe desafios inéditos para todas as instituições sociais e, como não poderia deixar de ser, também para as Universidades. Destaco o capital financeiro predominante, o dilema ecológico, o avanço da pobreza e da desigualdade em escala mundial, a discriminação, o enfraquecimento do Estado de Bem Estar, as novas demandas dos movimentos sociais cuja reconfiguração perpassa pela transnacionalização e suas implicações, pela luta por direitos culturais, pela crítica aos padrões institucionalizados que promovem estigmatização, discriminação ou mesmo uma espécie de invisibilidade social, configurando verdadeiras assimetrias nas sociedades. Vivemos hoje a era do conhecimento que autores como Anthony Giddens chamou de modernidade tardia ou reflexiva e Zygmunt Bauman intitulou modernidade líquida. Nestes tempos, o desenvolvimento das tecnologias da informação e da comunicação, permite, como nunca visto, a derrubada das fronteiras de tempo e espaço a partir de inúmeras conexões que ligam todo o planeta em tempo real. Essa revolução tecnológica e informacional converteu a “modernidade sólida” em “modernidade líquida”, levando a uma forma de viver fluída e conduzida por regras que estão em constante mudança. Uma forma radicalizada do que afirmara Marx em texto do século XIX - O Manifesto do Partido Comunista – que dizia em tons proféticos: “Tudo que era sólido e estável se esfuma, tudo o que era sagrado é profanado, e os homens são obrigados finalmente a encarar com serenidade suas condições de existência e suas relações recíprocas” (1999, p.3). Na era pós-tradicional a dúvida radical, a desconfiança e a necessidade de escolhas constantes substituem as certezas dadas antigamente pela tradição e pelo hábito arraigado. Nesse contexto, temos o desencaixe das relações sociais que significa, citando Giddens, “o ‘deslocamento’ das relações sociais de contextos locais de interação e sua reestruturação através de extensões indefinidas de tempo-espaço” (GIDDENS, 1991, p. 29). Enquanto as sociedades pré-modernas eram encaixadas, porque as ações eram mais restritas a um tempo-espaço delimitado, as modernas seriam desencaixadas, isto é, seus raios de ação são ampliados e seus lugares estão entrelaçados pela circulação de informação em escala ampliada. No mundo desencaixado a necessidade de construção reflexiva implica um processo de questionamento, de dúvida e de escolhas permanentes. Tudo está em constante construção e desconstrução e isso tem implicação tanto na construção do eu, como, também, das instituições. A instituição universitária tem sido afetada por essas transformações, tem acompanhado o movimento histórico ao seu redor, tem refletido o mundo ao mesmo tempo em que tem sido reflexo dele. O conhecimento – que tentam transformar em mercadoria assume importância fundamental nesse contexto como meio de promoção da liberdade do ser. Lembramos que as aspirações iluministas nos ensinaram que a liberdade do indivíduo depende de sua autonomia intelectual. A “maioridade cultural”, proposta por Kant significava recusar as tutelas, ou em uma expressão bastante conhecida: sapere aude, “ousa servi-te de tua razão”. Para Kant (2002), o conhecimento do homem pode se dar a partir da investigação do que a natureza faz dele ou, por outro lado, o que o homem faz de si mesmo como ser que age livremente por meio da razão. É nesse ponto que se situa a abordagem que ele faz da educação para a construção de uma civilização cosmopolita, pois ela (a educação) não tem como finalidade precípua modelar o indivíduo para o convívio em sociedade (no sentido durkheimiano), mas prepará-lo para ser autônomo no mundo. Por meio da educação a espécie humana se liga como um todo, como um fio invisível que ata as gerações e permite refletir sobre os problemas do ser e de todas as coisas, permitindo entender, enfim, a sua destinação. A universidade pública é um instrumento fundamental de promoção do conhecimento que emancipa. Deve estar envolvida com Estado e sociedade na busca pelo bem público e pelas várias formas de garantia das liberdades e dos direitos individuais. Os indivíduos só são livres quando constituem uma sociedade que protege e promove sua liberdade. O Brasil chega a tempos de modernidade líquida com sérios e históricos problemas estruturais: desigualdades regionais, alto índice de analfabetismo, miséria, corrupção, desconfiança dos cidadãos nas instituições políticas, precariedade da educação básica, desemprego e subemprego, subalternidades de toda ordem, que constituem grandes entraves para o mundo contemporâneo. Diante desses dilemas, a universidade democrática não reduz seu papel ao status de mera instituição de ensino e pesquisa. Precisa avançar para dar conta de temas ligados à assistência e proteção. Temos que dar respostas às demandas de distintas classes sociais, notadamente as mais exploradas e que reivindicam boa formação com vistas à inserção produtiva. Estamos envolvidos nas lutas contra a discriminação de classe, de gênero e de raça, como mostra o intenso debate sobre cotas e ações afirmativas, que a UNEB ousou inaugurar. Como bem ressaltou Boaventura de Souza Santos, na atualidade, a universidade congrega um conjunto de funções que nem sempre são compatíveis entre si e que vão desde a educação pós-secundária e investigação até a parceria na promoção de políticas de governo (SOUZA SANTOS, 1999). Nesse complexo contexto aqui explicitado, senhoras e senhores, considero que assumir esta Vice-Reitoria é, para mim, uma grande honra e um grande desafio. Isto porque acredito firmemente em um conceito de universidade ampliado, relacionado com liberdade, transparência e democracia, com o estímulo do livre desenvolvimento do homem para o saber e para a cidadania, conforme pregava Anísio Teixeira. Hoje, com imenso sentimento de gratidão rememoro a construção coletiva desta nova reitoria - tempos de grande aprendizado, um processo formativo sem igual na minha trajetória – quando o hoje, Magnífico Reitor, professor José Bites de Carvalho, eu, estudantes, docentes e técnicos levantamos as bandeiras que fizeram parte do Programa de Gestão e que tem a ver com estas minhas reflexões sobre o paradigma da mudança. Podemos agora refletir sobre o verdadeiro significado de a nossa proposta ter sido vitoriosa, alcançando quase 60% dos votos. Esse resultado demonstra que nossas aspirações encontraram eco na comunidade acadêmica. Trabalhamos arduamente com nossos companheiros esperando colher os frutos de hoje para fazer acontecer a UNEB de amanhã. A UNEB que queremos! Como nos diz Cora Coralina: Se temos de esperar, que seja para colher a semente boa que lançamos hoje no solo da vida. Se for para semear, então que seja para produzir milhões de sorrisos, de solidariedade e amizade. Nosso compromisso é colocar a UNEB em um lugar de destaque no cenário global de forma a fazê-la produzir saber elevado, mas também conhecimentos voltados para melhorias sociais, para a promoção do desenvolvimento visando a justiça social e a emancipação humana. Todos nós sabemos que a UNEB nasceu a partir de um projeto que congregou as Faculdades de formação de professores espalhadas pela Bahia, cada uma com sua cultura própria e vocação regional. Desenvolveu-se sem plano diretor e se expandiu com improvisação e casuísmo. Esse foi o preço pago com vistas a alcançar a democratização do ensino superior pela via da interiorização tão almejada pelas comunidades mais distantes da capital. Saudamos essa ousada escolha! Hoje é uma das mais importantes universidades multicampi do Brasil. Uma instituição viva, pulsante, plural que acontece dia e noite e que está implicada na vida de milhares de pessoas. Somos herdeiros de uma tradição de inclusão com a oferta de vagas da graduação e pós-graduação, além dos programas especiais e do nosso já citado pioneirismo na política de cotas. Podemos dizer que hoje um dos nossos desafios é administrar e fazer avançar esse fabuloso crescimento gerado nos seus 30 anos de existência. Tal crescimento é fonte de reconhecimento e também dos dilemas referentes às carências humanas e estruturais, à necessidade de uma maior integração com potencialização dos projetos em rede e superação da segmentação. Enfrentaremos esses dilemas com coragem e convicção! Assim, reafirmamos hoje nossas bandeiras de luta: Uma Universidade democrática, ética e participativa, com o fortalecimento do papel das instâncias coletivas de decisão, com ênfase no envolvimento direto da comunidade acadêmica nas decisões que afetarão o futuro da nossa universidade. Esse compromisso foi cristalizado pelo lema “MUDA UNEB” que marcou a campanha clamando por uma instituição mais transparente, menos desigual e mais democrática. É desejo dessa gestão que todos os membros da UNEB se sintam efetivamente co-partícipes das futuras realizações. Temos certeza que nossa capilaridade, heterogeneidade e variedade de ações somente terão harmonia e resultados positivos se respeitarmos as deliberações das instâncias colegiadas. Defendemos uma extensão socialmente referenciada. Um dos grandes desafios a ser superado atualmente pela universidade está em aproximá-la da sociedade através, primeiramente, da pesquisa que conduz à produção do conhecimento, através de uma via de mão-dupla, aprofundado das múltiplas esferas da realidade e, consequentemente, da ação efetiva, momento de intervenção para melhoria com reais impactos ao desenvolvimento local. Para tanto, devemos interagir permanentemente com as comunidades e grupos sociais, como forma de conhecer suas realidades e poder atender às demandas. Ressaltamos a necessidade de reconhecimento e valorização dos servidores técnicoadministrativos e docentes, buscando a melhoria das condições de trabalho, incentivando a qualificação de forma a fortalecer a autoestima e o sentimento de pertencimento a esta casa. Tudo isso precisa ser respaldado por um plano de carreira condizente com suas atribuições e responsabilidades. Na UNEB tive acolhida para as inquietações que me acompanharam desde muito jovem. Falo em defesa do respeito à diversidade. Entendo que podemos desempenhar um papel ativo na superação das distorções econômicas e sociais do Brasil. Enfatizo a condição multicultural de nossa sociedade e a necessidade de combater – dentro e fora dos nossos muros – as formas de dominação respaldadas em discursos monoculturais e colonizadores, que validam todo tipo de racismo, sexismo e outras formas de exclusão, grandes inimigos da construção de sociedades mais justas e democráticas. Esperamos e lutaremos para que a UNEB se consolide como lócus de desenvolvimento científico, de inovação tecnológica e intelectual. Que possa estabelecer uma relação mais fortalecida com outros centros de saber do Brasil e de outras nações e assim sairmos fortalecidos como espaço de liberdade, inspirador de sonhos, de descobertas e de criação. Falo por fim da nossa razão de ser: os jovens. Temos a responsabilidade de bem formar os nossos futuros profissionais, os futuros quadros intelectuais e críticos e, até mesmo, dirigentes do nosso país. A nossa prioridade e compromisso com a qualidade do ensino não é moeda negociável. Só seremos um bom centro de pesquisas se elevarmos a qualidade da formação dos nossos discentes, se dermos as condições necessárias para uma formação de qualidade seja na graduação, ou seja, na pósgraduação. Precisamos ouvir mais nossos jovens (e adultos)!!! Os estudantes vulneráveis economicamente que aqui chegam são louvados por todos como vitoriosos, egressos de um ensino público muitas vezes precário. Aqui, eles precisam ser assistidos de forma a que tenham garantido o direito de concluir os estudos com qualidade. Bolsas para estudantes carentes são imprescindíveis, bem como demais modalidades de assistência que tornem sua vida acadêmica viável e com sucesso. A juventude é feita de esperança, de sonhos, de superação, de autoestima, de demandas legítimas expressas de forma vibrante. Reitero: precisamos ouvir mais os nossos jovens! Devemos estar atentos para a crueldade de tempos líquidos com a juventude. As incertezas do futuro, a falta de emprego, o subemprego, a diminuição da renda é causa de sua angústia. Por isso, nosso compromisso e preocupação constante são: o ensino de excelência, investimento na pesquisa, inovação e geração de tecnologia fomentando o desenvolvimento, a assistência estudantil, a relação necessária entre formação versus mundo do trabalho. Estejamos atentos para isto! Por outro lado, devemos também acolher aqueles da terceira idade pela experiência acumulada e pela sapiência que nos inspira e nos transmite experiência para a criação e recriação das nossas ações. Por fim, deixo a todos uma mensagem revisitando Carlos Drummond de Andrade em palavras com as quais muito me identifico e que, também, considero representativas do que vivemos hoje. “Não serei o poeta de um mundo caduco. Também não cantarei o mundo futuro. Estou preso à vida e olho meus companheiros. Estão taciturnos, mas nutrem grandes esperanças. Entre eles, considere a enorme realidade. O presente é tão grande, não nos afastemos. Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas. Não serei o cantor de uma mulher, de uma história. Não direi suspiros ao anoitecer, a paisagem vista na janela. Não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida. Não fugirei para ilhas nem serei raptado por serafins. O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes, a vida presente.” E vamos em frente – Muda UNEB! Muito obrigada!