Artur Pastor Importantes descobertas no distrito de Portalegre Por Artur Pastor Recentemente noticiada pela imprensa, foi divulgada a preciosa descoberta, devido ao esforço, sagacidade e entusiasmo antropológico, de um funcionário de numa Casa de Correcção, a efeito levada uma vasta área de dezenas de hectares que circundam Vila Fernando, a cerca de quatorze quilómetros de Elvas. É surpreendente como em zona restrita vamos encontrar nítidos vestígios de vários povos, sucessivamente vindos e ai fixados, mercê, sem dúvida, de condições agroclimáticas e apreciáveis, ainda hoje fáceis de reconhecer. Em extenso vale, serpenteiam ribeiros, frondosos e não secos, possivelmente caudalosos outrora, adivinhando-se uma fertilidade convidativa, produtiva, bem definida pelos restos de uma grande represa romana, para irrigação agrária, junto de poços e regatos actuais. Principiamos por encontrar cerca de 18 dólmenes da idade da pedra polida, uso funerário iniciado neste período. Desses monumentos, já identificados, restam apenas os blocos verticais, irregulares e falhos, restos da câmara coberta primitiva. Neles, não é difícil descobrir a massa térrea com que eram protegidos das intempéries e dava aos túmulos o aspecto de pequenas colinas. Admira, o número elevado, e visto os dólmenes serem erigidos a importantes personagens, é de presumir que uma numerosa população pré-histórica, semelhante já à actual e vivendo na mesma idade geológica, tenha existido nesta região. De lamentar, não se terem encontrado cromos do licocéfalos ou restos de cerâmica grosseira, ou mesmo ornada de zenis, muito comum neste período. Todavia, a mais notável descoberta patente pela imensidade de vestígios é alegada pela civilização romana. A erosão, as faixas agricolas, trouxeram a descoberto, em vastíssima zona, alicerces de casas romanas, em absoluto inconfundíveis. De muitos restos, a população local, levou empedrados e argamassa, num destruir inconsciente. Em dado lugar, posto em parte à vista pelo pesquisador incansável que é António Dias de Deus, há três anos percorrendo este vale, vamos deparar com uma série de dependências, numa habitação patrícia. Das paredes e colunatas, nada resta, mas no chão, pavimentado nos característicos empedrados, desenhados e policrómicos, temos um belo vestígio desta civilização. Numa dependência, artisticamente desenhada, observamos uma mulher sentada numa muar, onde possível é reconhecer a túnica, a «stola», ou mesmo talvez a «palla» com que saiam. Esta figura, como os círculos, os enrameados, os motivos decorativos, procurados na flora local (bolotas), são de um equilíbrio estético e cromático admiráveis. Vamos encontrar diversos pavimentos, e, junto aos numerosos alicerces, compreendemos quanto numerosa não http://arquivomunicipal.cm-lisboa.pt/pt/fundos-colecoes/colecoes-de-fotografia/artur-pastor-2/ 1 Artur Pastor teria sido esta povoação. Estaremos, mesmo, em face duma grande cidade, estendida, pelas colinas, ou tratar-se-á somente de casas dispersas, patrícias, erguidas mercê da formosura e amenidade do lugar? Não é possível, ainda afirmá-lo. As escavações prosseguirão, possivelmente dirigidas oficialmente, e estou convencido que seremos presenteados com vestígios notáveis e numerosos, talvez até com uma descoberta surpreendente. Tudo o leva a crer; as moedas cunhadas que nos aparecem ao cimo da terra «algumas de Constantino», os restos da cerâmica trabalhada, e assinada por vezes, a profusão de alicerces, até mesmo uma suposta pia de culto, em mármore, as ferragens, e, sobretudo, a descoberta de um vasto cemitério, onde foi possível encontrar crânios e ornamentos pessoais. Contudo, se, na propriedade agrícola onde se situam estes restos presentemente alqueivada, susceptível, pois, de breve ser sulcada pelos ferros da sementeira, se não suspender esta actividade, de lamentar teremos a destruição de preciosos vestígios, não obstante o interesse que ao Estado despertou já as escavações já efectuadas. Insisto, sobretudo, em que deve ser fácil encontrar, intactos, mosaicos riquíssimos de pedras e fragmentos cerâmicos, adornos e armas, moedas, profusão de utensílios domésticos, possível estatuária. Conheceremos melhor a habitação cristã, visto as moedas cunhadas de Constantino e o cemitério, onde os mortos eram enterrados, e não incinerados como no período pagão, nos darem em simplicidade o que antes possuíam de sumptuoso, em templos e escultura politeísta. Não fica, porém, pelos romanos, os vestígios desta zona. Os bárbaros submeteram o império, invadindo a península. E, desse período, de séculos, de assimilação mútua, lenta e penosa, alguns restos ficaram: uma estela visigótica e presumivelmente um cemitério, por enquanto. Neste, os corpos voltam a ser incinerados, as suas cinzas, de mistura com algumas ferragens, são colocadas em grandes potes cerâmicos, cobertos por um prato da mesma origem. Protegido por pedras é depois o conjunto enterrado. Encontraram-se já vários destes vasos, localizando-se um vasto cemitério, em afastado planalto. Todavia, pergunto, não será este extenso campo funerário de aspecto e características rudes e primitivas, antes um cemitério da época do ferro? Suponho que sim, não obstante os usos dos primeiros bárbaros se confundirem com os hábitos desta época. Sabemos que num período adiantado da idade dos metais as cinzas eram colocadas em urnas funerárias, acompanhadas de braceletes, pontas de lança, etc.. No cemitério de Vila Fernando duas descobertas reforçam a minha convicção: a descoberta de pinças, no género exacto das encontradas no lago Neuchâtel, e a certeza de ir encontrar nas urnas com cinzas femininas, o peso dos aparelhos de fiação, característico, que substituía as agulhas de ferro dos teares modernos. Provêm estes pesos da época do bronze e são em terra http://arquivomunicipal.cm-lisboa.pt/pt/fundos-colecoes/colecoes-de-fotografia/artur-pastor-2/ 2 Artur Pastor cozida, endurecida pelo fogo. Em tudo semelhantes aos encontrados em lagos suíssos, com um orifício ao centro, possui deles Dias de Deus mais de uma dúzia. Dado o desenvolvimento da fiação nesta época, os pesos acompanhavam e identificavam as cinzas de mulheres. Reconhecesse na cerâmica, ainda, vestígios de verniz plombagineo. Mais remoto, rústico, mas atraente e vincado, está o homem pré-histórico. «Sentimo-lo». Depois, o romano cristianizado. É o seu interesse agrário, a intuição artística, a indústria do vidro, do barro, da telha, do bronze, que a todo o passo nos surge, e nos aproxima muitas centenas de anos. São, repito, dezenas de hectares com vestígios. Mas, restos de pontas de flechas, contas de pedras multicores, pedaços de sílex, são sintomas pré-históricos, todos eles encontrados e reunidos, em numerosa quantidade, pelo pesquisador referido. Para todos que desconheciam a riqueza destas descobertas, escrevi estas linhas, convicto de ter despertado o legítimo interesse, se não entusiasmo, por mais este património histórico do Alentejo, tendo aumentado a Dias de Deus a honra que lhe compete por esta doação exaustiva. Em meu entender, duas civilizações, principalmente, a da idade dos metais e a romana, estão patentes nestas colinas, numa grandeza que o Alentejo tem de salientar, tudo se fazendo oficialmente para que os estudiosos se preocupem por estes notáveis vestígios. In Notícias de Évora, 12 de Agosto de 1949. http://arquivomunicipal.cm-lisboa.pt/pt/fundos-colecoes/colecoes-de-fotografia/artur-pastor-2/ 3