2
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
NÚCLEO DE TECNOLOGIA EDUCACIONAL PARA A SAÚDE
Edgar Miranda da Silva
PARTICIPAÇÃO SOCIAL NO PROGRAMA SAÚDE NA ESCOLA:
Possibilidades e limites à efetivação da promoção da saúde e educação para
cidadania
Orientadora: Profa. Dra. Rita Vilanova Prata
RIO DE JANEIRO
2014
3
Edgar Miranda da Silva
PARTICIPAÇÃO SOCIAL NO PROGRAMA SAÚDE NA ESCOLA:
Possibilidades e limites à efetivação da promoção da saúde e educação para
cidadania
Dissertação de mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação Educação em
Ciências e Saúde Núcleo de Tecnologia
Educacional para a Saúde-NUTES da
Universidade Federal do Rio de Janeiro-UFRJ,
como requisito parcial à obtenção de título de
Mestre em Educação em Ciências e Saúde.
Orientadora: Profa. Dra. Rita Vilanova Prata
RIO DE JANEIRO
2014
4
S586p
Silva, Edgar Miranda da.
Participação social no programa Saúde na Escola: possibilidades e limites à efetivação da
promoção da saúde e educação para cidadania. / Edgar Miranda da Silva. – Rio de Janeiro:
UFRJ/NUTES, 2014.
137 p.; 30 cm.
Orientadora: Rita Vilanova Prata.
Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Núcleo de Tecnologia
Educacional para a Saúde, Programa de Pós-graduação em Educação em Ciências e Saúde, Rio
de Janeiro, 2013.
Referências bibliográficas: f. 118-126.
1. Educação em saúde. 2. Participação social. 3. Tecnologia Educacional em Saúde - Tese. I.
Prata, Rita Vilanova. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Núcleo de Tecnologia
Educacional para a Saúde, Pós-Graduação em Educação em Ciências e Saúde. III. Título.
5
Edgar Miranda da Silva
PARTICIPAÇÃO SOCIAL NO PROGRAMA SAÚDE NA ESCOLA: Possibilidades e limites
à efetivação da promoção da saúde e educação para cidadania
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação Educação em
Ciências e Saúde, Núcleo de Tecnologia
Educacional para a Saúde, Universidade
Federal do Rio de Janeiro, como requisito
parcial à obtenção do Título de Mestre em
Educação em Ciências e Saúde.
Aprovado em:
______________________________________________________
Profa. Dra. Rita Vilanova Prata – UFRJ
______________________________________________________
Profa. Dra. Dina Czeresnia – FIOCRUZ
______________________________________________________
Profa. Dra. Isabel Gomes Rodrigues Martins – UFRJ
6
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais Ma. Lúcia e Ernande, por terem insistido e perseverado em minha
formação, por acreditarem que, pela educação, eu seria “alguém na vida”, amo vocês;
À minha orientadora, Rita Vilanova, pela honra de ser um de seus primeiros
orientandos; pela escuta, pelo conhecimento compartilhado e por me entender nas horas
difíceis;
Às minhas “co-orientadoras” informais de assuntos acadêmicos casuais, Sônia Mariano
e Maylta Brandão, pela amizade, companheirismo e ajuda nos momentos difíceis;
Às colegas de estudo Daise e Maricélea, pelo companheirismo, parceria acadêmica e pela
bela amizade que construímos;
Aos colegas de turma, pelo apoio, pelas risadas, alegrias, conversas e debates
proporcionados, muito obrigado;
Ao Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde – NUTES, que de maneira
inteligente e diversificada proporcionou-me momentos e espaços ricos de formação.
À Lucia e Ricardo, por aturarem as minhas confusões burocráticas e atenciosamente
sempre me socorreram.
Às professoras Dina Czeresnia e Isabel Martins, pela enorme contribuição com o meu
trabalho e por aceitarem participar da minha banca examinadora.
E à CAPES, pelo financiamento do meu curso de mestrado.
A todos vocês, meu muito obrigado.
7
RESUMO
MIRANDA, Edgar Silva. PARTICIPAÇÃO SOCIAL NO PROGRAMA SAÚDE NA
ESCOLA: Possibilidades e limites à efetividade da Promoção da Saúde e da Educação para
cidadania. Dissertação (Mestrado em Educação em Ciências e Saúde) - Núcleo de Tecnologia
Educacional para a Saúde, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2014.
A Educação em Saúde caracteriza-se por ser um campo multifacetado e diretamente
influenciado por suas áreas de interface, Educação e Saúde. Enquanto política está econômica
e socialmente determinada, além de ligada aos interesses estatais e sociais vigentes em cada
época de sua existência. Em diferentes momentos sofreu influências epistemológicas e
teóricas que moldaram suas práticas, metas e objetivos. Ao longo do século XX essa área
passou a absorver em sua agenda ingerências político-sociais dentre as quais consta a
formação para cidadania e a efetivação da Promoção da Saúde, que tem como eixo central de
implementação, a participação social. E focando na educação em saúde enquanto componente
curricular, com lócus prático no Ensino de Ciências, depara-se com diversas problemáticas
que podem dificultar tais pretensões, como a estrutura excludente do modelo tradicional de
educação e a polissemia do termo cidadania e participação social, que na possibilidade de
estarem desconexas e em desacordo com as propostas reais da população, podem gerar
incoerências práticas. Nesse sentido, a presente pesquisa buscou analisar a participação social
no contexto do Programa Saúde na Escola (PSE), seus limites e possibilidades, no horizonte
da Educação para Cidadania e da Promoção da Saúde, visto ser o programa mais um
mecanismo que procura o desenvolvimento da cidadania, incluindo a participação social. Para
tal, realizou-se uma pesquisa documental tendo como corpus os documentos fundantes e que
parametrizam o PSE. Nesses documentos, utilizou-se a Análise do Conteúdo em sua
abordagem categorial, segundo Bardin (2012), que constou de três etapas: pré-análise,
exploração do material e tratamento dos dados e interpretação.
Com os resultados,
evidenciou-se que a participação na gestão do PSE não é equânime, visto que o Ministério da
Saúde concentra o controle das decisões quanto à organização do programa. Os dados
mostraram também que a participação social no programa é dificultada porquanto das
decisões, de uma forma geral, estarem centradas nas esferas governamentais. Além disso, a
educação em saúde assume um plano secundário de ação e estão voltadas à responsabilização
individual quanto aos agravos da saúde, uma vez que suas ações resumem-se no
monitoramento e avaliação da saúde dos estudantes e, a capacitação proposta tender ao
empoderamento individual. Ainda, pode-se constatar que a participação dos alunos no
8
programa tem o sentido de colaboração com as ações de saúde das equipes de Saúde da
Família. À guisa de conclusões, entendeu-se que a educação em saúde assim como as demais
ações do PSE estão voltadas à prevenção de doenças, logo, impossibilitando o
desenvolvimento da Promoção da Saúde em sua abordagem ampliada por estar centrada em
fatores exclusivamente biológicos da saúde e negligenciando aspectos econômicos, sociais e
políticos do adoecer. Assim, pode-se entender que a contribuição do programa para
construção da cidadania dá-se ao possibilitar o acesso das crianças e jovens à saúde em seu
sentido restrito.
Palavras-chave: (Participação social. Promoção da Saúde. Educação em saúde.
Educação para cidadania. Saúde na escola).
9
ABSTRACT
MIRANDA, Edgar Silva. SOCIAL PARTICIPATION IN SCHOOL HEALTH
PROGRAM: Possibilities and limits for to implementation the Health Promotion and
Education for citizenship. Dissertation (Master of Education in Science and Health) Educational Technology Núcleus for Health – Federal University of Rio de Janeiro, 2014.
Health Education is characterized as a multifaceted field which is directly influenced
by its interface areas, Education and Health. As a policy, it is economically and socially
determined and connected to existing State and social interests in different periods. Thus, it
has suffered epistemological and theoretical influences that have shaped its practices, goals
and objectives. Throughout the twentieth century this area has absorbed into its agenda sociopolitical influences that include citizenship training and implementation of Health Promotion
programs, whose central axis is social participation. When focusing on health education as a
curriculum component and practical locus in Science Teaching, many issues which may
prevent such proposals arise, such as the exclusionary structure of the traditional model of
education and the polysemy of the terms citizenship and social participation, which due to
disagreement with population actual proposals may generate practical incoherencies. Hence,
the present study aimed to analyze social participation in the context of the School Health
Program (PSE), investigating its limitations and possibilities under the perspective of
Education for Citizenship and Health Promotion, once the program is a mechanism that aims
at the development of citizenship and social participation. To this end, a documentary research
was carried out having as its corpus the documents of PSE. Content Analysis (BARDIN,
2012) was used in the analysis of the documents consisting of three stages: pre-analysis,
material exploration and data processing and interpretation. The results show that
participation in PSE management is not equitable, as regarding the organization of the
program control and decisions lay mainly in the Ministry of Health. The data also showed that
social participation in the program is not feasible as decisions are centered in the Government
spheres. In addition, health education plays a secondary plan of action and is focused on
individual responsibility concerning health problems as its actions are aimed at the monitoring
and evaluation of students’ health and the proposed educational program tends to individual
empowerment. Yet, it can be seen that the participation of students in the program shows a
sense of collaboration with the teams’ actions in the Family Health Program. In conclusion,
we understand that health education, as well as the other actions of the PSE, are biased
inclined to the prevention of diseases rather than the development of health promotion in its
10
broader approach as it is exclusively focused on biological factors of health neglecting social,
economic and political aspects. Thus, one can perceive that the contribution of the program to
the construction of citizenship occurs in allowing the access of children and young people to
health in its narrow sense.
Keywords: (Social participation. Health promotion. Health education. Citizenship
education. School health)
11
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 - Diferenças entre o “Enfoque tradicional” e o “Enfoque Crítico” da Educação
Sanitária....................................................................................................................................30
Quadro 2 - Diferenças nos conceitos presentes nas abordagens da promoção da saúde versus
prevenção das doenças .............................................................................................................59
Quadro 3 - Concepções de saúde e diferentes visões da Promoção da Saúde .........................60
Quadro 4 - Índices de identificação da categoria participação social......................................91
Quadro 5 - Índices de identificação da categoria empoderamento..........................................92
Quadro 6 - Tabulação dos dados conforme sua aparição e frequência ....................................94
12
LISTA DE GRÁFICOS
GRÁFICO 1 Frequência da ocorrência dos descritores de participação social no Decreto no
6.286 .........................................................................................................................................96
GRÁFICO 2 Frequência da ocorrência dos descritores de participação social no Passo a
Passo PSE ...............................................................................................................................100
GRÁFICO 3
Frequência da ocorrência dos descritores de participação social no Passo a
Passo PSE................................................................................................................................100
13
LISTA DE IMAGENS
FIGURA 1 Desenvolvimento dos procedimentos de análise segundo Bardin (2011)..............87
14
SUMÁRIO
1
INTRODUÇÃO......................................................................................................... 14
2
CAPÍTULO I – CONFORMAÇÃO DA EDUCAÇÃO EM SAÚDE ENQUANTO
CAMPO
DE
CONHECIMENTO:
ASPECTOS
HISTÓRICOS,
FUNDAMENTOS TEÓRICOS E ABORDAGENS.................................................19
MOMENTOS HISTÓRICOS DA EDUCAÇÃO EM SAÚDE....................................19
OS DIFERENTES CONCEITOS DE EDUCAÇÃO EM SAÚDE .............................30
ABORDAGENS DA EDUCAÇÃO EM SAÚDE........................................................33
A EDUCAÇÃO EM SAÚDE NA ESCOLA................................................................36
O PROGRAMA SAÚDE NA ESCOLA: OBJETIVOS, PRINCÍPIOS E
ORGANIZAÇÃO..........................................................................................................45
O PSE E O IDEÁRIO DA PROMOÇÃO DA SAÚDE E DA FORMAÇÃO PARA
CIDADANIA................................................................................................................49
2.1
2.2
2.3
2.4
2.5
2.6
3
3.1
3.2
3.3
PROMOÇÃO DA SAÚDE E O PROGRAMA SAÚDE NA ESCOLA..................52
HISTÓRICO DA PROMOÇÃO DA SAÚDE..............................................................52
ASPECTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS DA PROMOÇÃO DA SAÚDE
ENQUANTO ABORDAGEM CRÍTICA: LIMITES ENTRE PROMOÇÃO DA
SAÚDE E PREVENÇÃO DE DOENÇAS...................................................................56
A PERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO EM SAÚDE NO VIÉS DA PROMOÇÃO DA
SAÚDE E SUAS INTERFACES COM A FORMAÇÃO PARA CIDADANIA..........61
4
4.1
4.2
4.3
4.4
PARTICIPAÇÃO SOCIAL........................................................................................66
DA PARTICIPAÇÃO POLÍTICA À PARTICIPAÇÃO SOCIAL ................................67
PARTICIPAÇÃO SOCIAL EM SAÚDE......................................................................72
PARTICIPAÇÃO SOCIAL NA EDUCAÇÃO..............................................................74
PARTICIPAÇÃO SOCIAL NO PSE.............................................................................76
5
5.1
5.2
5.2.1
5.2.2
5.2.3
5.2.3.1
5.2.3.2
5.2.3.3
DESENHO METODOLÓGICO: CARÁTER QUALITATIVO DA PESQUISA.79
A PESQUISA DOCUMENTAL....................................................................................80
OS CAMINHOS A SEREM PERCORRIDOS.............................................................81
A etapa bibliográfica...................................................................................................81
Coleta de dados...........................................................................................................84
Análise dos dados........................................................................................................84
Pré-Análise...................................................................................................................85
Exploração do Material................................................................................................90
Tratamento dos resultados, a inferência e a interpretação...........................................92
6
6.1.
6.1.1
6.1.2
6.1.3
RESULTADOS E DISCUSSÕES ..............................................................................95
ANÁLISE CATEGORIAL..........................................................................................102
Decisões (tomada de decisão)...................................................................................102
Empoderamento........................................................................................................103
Cidadania...................................................................................................................109
15
6.1.4
6.1.5
Participação (comunitária e social).........................................................................112
Controle social...........................................................................................................118
7
CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................125
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................123
ANEXOS ...................................................................................................................134
14
1
INTRODUÇÃO
A Educação em Saúde (ES) caracteriza-se por ser um campo multifacetado e
diretamente influenciado por abordagens e concepções de trabalho diversas, advindas tanto da
área da educação quanto da área da saúde (VENTURI & MOHR, 2013; SCHALL &
STRUCHINER, 1999). A ES constituiu-se como um campo de conhecimento entre os séculos
XIX e XX, consolidando um corpo de saberes que embora tenha sido influenciado pelas áreas
que a compõe, possui um conhecimento de especificidade própria, construído por meio da
análise crítica de suas ações, saberes e métodos.
No Brasil, seu processo de conformação esteve diretamente vinculado ao
desenvolvimento do campo de saber da Saúde Pública (CARVALHO et al, s/d). Inicialmente
como uma estratégia de intervenção e, mais tarde, como uma área de estudos e pesquisas.
Enquanto Política de Saúde, a educação em saúde esteve histórica, social, política e
economicamente determinada, servindo ao sistema estatal e social vigente em cada época de
sua existência (idem). Diante desse fato, compreendemos que entender o campo da Educação
em Saúde e sua constituição nos exige um estudo aprofundado da conjuntura histórica, social
e política.
A presente investigação busca analisar a participação social no contexto do Programa
Saúde na Escola (PSE), seus limites e possibilidades, no horizonte da Educação para
cidadania e da Promoção da saúde. Nesse sentido, a pesquisa se insere nas discussões que
envolvem a reconfiguração do setor saúde ao longo do século XX, que frente às demandas
sociais por uma saúde mais equânime, defrontou-se com a necessidade de um novo modelo de
atenção que solucionasse o problema das indigências de uma população excluída da saúde
básica em face às exigências dos sistemas político-econômicos quanto à redução dos gastos
com esse setor.
Na Conferência Internacional de Cuidados primários de Saúde de Alma-Ata,
Cazaquistão, o movimento “Saúde para Todos no ano 2000”, recomendou a adoção de ações
primárias de saúde pelos governos, tais como: educação em saúde, promoção da alimentação
e nutrição, atenção materno-infantil, prevenção de agravos através de imunização de massa,
saneamento e prevenção de acidentes (BUSS, 2000).
Para além, foi asseverada no evento a saúde como um direito humano fundamental e
de responsabilidade dos governos, repudiando as desigualdades e enfatizando a participação
da população na tomada de decisão na saúde (BUSS, 2000, grifo nosso). Nesses parâmetros,
15
tornou-se cada vez mais relevante um novo entendimento em torno do conceito de saúde que,
até então, a compreendia como a simples ausência de doenças estritamente baseado no
modelo biomédico e higienista, que se desdobrava em ações de caráter normatizante, com
mudanças individuais, através do controle e supressão de comportamentos e hábitos
indesejáveis (CARVALHO, s/d).
O conceito de Promoção da Saúde1 reaparece, porém, reconfigurado como “um
processo de capacitação da comunidade para atuar na melhoria de sua qualidade de vida e
saúde, incluindo uma maior participação no controle deste processo” (OMS, 1986, grifo
nosso). Esse movimento defende a transposição da compreensão dos determinantes da saúde
de uma visão focada no indivíduo e restrito a fatores biológicos, para uma perspectiva ampla e
multifatorial, sendo essa econômica, social, histórica e culturalmente determinada. (OMS,
1986).
Com isso, a efetivação da Promoção da Saúde, defendida na Carta de Ottawa (1986),
passa pela mobilização de diferentes campos e estratégias de ações, dentre estes, a formação
dos sujeitos para ações políticas no âmbito individual e coletivo, entendidas aqui como
participação social. Por meio de uma ação consciente e política, em que a comunidade define
prioridades e estratégias de implementação e de melhorias para saúde frente aos seus agravos,
num agir de reforço do poder coletivo em que essa coletividade assume “o controle dos seus
próprios esforços e destinos” (OMS, 1986).
Portanto, a formação desses sujeitos apresenta dimensões sociais e políticas que se
aproximam de propostas de educação para cidadania numa concepção ativa e plena, que
destaca como princípios e valores de articulação das ações a participação social, o incremento
do poder técnico e político das comunidades (empowerment) e a própria cidadania (BUSS,
2000).
Nesse sentido vemos a educação para cidadania como um componente importante de
propostas de Educação em Saúde no viés da Promoção da Saúde, com ênfase na participação
social. Sícoli & Nascimeto (2003) e Westphal (2006), destacam que a participação social tem
um papel de destaque na operacionalização da promoção da saúde, que aliada ao
empoderamento, surge como um meio para sua efetivação, ao traduzir-se como o
envolvimento dos diversos atores sociais em processos decisórios, eleição de prioridades e
1
O conceito de Promoção da Saúde tem origem na área médica e esteve ligada diretamente à prevenção de
doenças, por exemplo, quando Leavell & Clark em 1976 a destacou como um elemento da atenção primária da
medicina preventiva. Nas últimas décadas do século XX o conceito é revalorizado com uma nova conceituação
construída na Primeira Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde, em 1986, na cidade de Ottawa no
Canadá.
16
implementação e avaliação das iniciativas em saúde (SÍCOLI & NASCIMENTO, 2003).
Ribeiro (2002) também afirma que a cidadania plena e ativa passa a ser um dos
horizontes da PS, apresentando dessa forma, grande contundência a defesa por uma educação
voltada à formação desses cidadãos.
Na carta de Ottawa (1986) a escola é citada como um dos lugares importantes, se não
o principal, para formação desses indivíduos. Logo passam a representar uma demanda social
nas democracias contemporâneas, propostas de ação educativa que contemplem aspectos
como a formação de protagonistas que operem mudanças em seu agir no/e para o mundo;
pessoas ativas e ativistas na valorização de sua saúde e do coletivo, que a reconheçam como
um Direito, assim como a responsabilidade de todos em sua produção.
Essa tendência passa a integrar os escopos curriculares das escolas através das
regulamentações e normatizações produzidas no início do período de redemocratização no
Brasil. Por exemplo, no Artigo 2º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1996 (LDB) é
afirmado que “A educação [...] tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu
preparo para o exercício da cidadania” (BRASIL, 1996), ou mesmos nas sugestões dos
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) que apontam como metas, ações de “qualidade que
ajudem o aluno a enfrentar o mundo atual como cidadão participativo, reflexivo e autônomo,
conhecedor de seus direitos e deveres” (BRASIL, 1997, p. 4, grifo nosso) e quando a
Educação para a Saúde é definida como uma estratégia para a conquista da cidadania (p. 4).
No âmbito das Políticas Públicas, o Programa de Saúde na Escola (PSE) é instituído
como uma estratégia de se chegar ao desenvolvimento pleno de crianças e adolescentes do
ensino básico brasileiro. Na mesma tendência dos documentos citados, no que tange a saúde,
essa política tem como um de seus objetivos “contribuir para a construção de sistema de
atenção social, com foco na promoção da cidadania e nos direitos humanos.” (BRASIL,
2007).
O Programa de Saúde na Escola surge então, como mais um mecanismo que procura o
desenvolvimento integral dos sujeitos escolares tendo como meta “a formação ampla para a
cidadania e o usufruto pleno dos direitos humanos”. (BRASIL, 2007). Além disso, é de se
destacar o objetivo de fortalecimento da ação comunitária nas políticas de educação e saúde,
traduzida aqui, como participação social.
Todavia, pesquisas recentes (TOTTI & PIERSON, 2008; SANTOS, 2005;
BENEVIDES, 1996) têm mostrado o quanto da temática educação para cidadania têm se
valido de discursos diversos e complexos, que se misturam numa espécie de hibridização
17
muitas vezes desconectadas e em desacordo entre si, tornando-a polissêmica e requerendo
certo cuidado com o uso do termo.
Além disso, percebemos na crítica apontada já em 1982 por Nidelcoff, que a formação
para cidadania dos alunos enfrenta o dilema de ser a estrutura escolar no modelo tradicional,
um espaço de reprodução do status quo, tida como lócus de exclusão e desigualdades, estando
longe de representar um lugar em que a igualdade, equidade e liberdade plenas possam ser
efetivamente desenvolvidas.
E ainda, nos apontamentos de Iglesias & Dalbello-Araújo (2011, p. 292) quanto à
educação em saúde no viés da prevenção de doenças, que esta supõe “prejuízo à autonomia
dos sujeitos e à potência de articulação com o outro para a invenção de territórios vivenciais
prazerosos”, comprometendo assim a formação para cidadania, no dizer de Bobbio (apud,
BENEVIDES, 1996) transformando súdito em cidadão.
Por outro lado, na escola, atrelada à disciplina Ensino de Ciências, a educação em
saúde a partir do conceito estrito de saúde, constitui-se, ainda, numa abordagem de cunho
fisio-anatomopatológico, marcada por uma prática educativa que preconizava a transmissão
de condutas de higiene e bons hábitos e de informações com nomenclaturas de difícil
compreensão e com um caráter normativo e prescritivo de saúde (MIRANDA et al, 2013).
Diante dessa conjuntura nos propusemos a investigar a participação social no contexto
do PSE, buscando identificar os sentidos que esse conceito adquire nos documentos que
orientam a sua implementação e discutir os limites e possibilidades da efetivação da Educação
para cidadania e da Promoção da saúde.
Em sua concretização a pesquisa apresenta no Capítulo I um apanhado histórico,
social e político da conformação da Educação em Saúde enquanto campo de conhecimento,
política pública e ações em saúde, destacando seus diferentes vieses, estratégias e
fundamentações, para assim, compreendermos a trajetória da temática saúde aos escopos
escolares e podermos destacar o tipo e o nível de participação dos sujeitos nessas diferentes
perspectivas.
No Capítulo II, apresentamos e discutimos o referencial teórico da pesquisa, a
proposta crítica de Promoção da Saúde, considerando seus aspectos conceituais, históricos,
perspectivas e procedimentos operacionais, no sentido da construção de instrumentos
analíticos para identificação dos sentidos da participação social nos documentos que orientam
a implementação do PSE, foco de nossa análise. Além disso, destacamos em nosso texto as
interfaces e convergências entre o ideário da PS ampliada e a educação para cidadania.
18
No capítulo IV, descrevemos os caminhos metodológicos da pesquisa, que constam de
três etapas, a saber: bibliográfica, coleta de dados e análise dos dados. No Capítulo V
apresentamos e discutimos nossos resultados e por fim, no Capítulo VI realizamos nossas
considerações finais.
Nossa expectativa é contribuir com as discussões que envolvem a formação política
em nosso país, que frente ao cenário histórico-político, se constitui como um déficit de
grandes proporções nos direitos e na consciência política da população (CARVALHO, 2001).
E ainda, colaborar com o debate entorno das finalidades da educação científica quanto ao
papel do ensino de ciências na formação dos sujeitos para cidadania (SANTOS, 2005), ao
discutirmos os sentidos atribuídos à cidadania, que segundo Totti & Pierson (2008) tem se
destacado como uma problemática deste campo, visto que essa “compreensão de Cidadania é
assumida como consenso sem se questionar possíveis incompatibilidades e/ou ideias
convergentes” (p.1).
19
2
A CONFORMAÇÃO DA EDUCAÇÃO EM SAÚDE ENQUANTO CAMPO DE
CONHECIMENTO: ASPECTOS HISTÓRICOS, FUNDAMENTOS TEÓRICOS
E ABORDAGENS.
Neste capítulo procuramos descrever a conformação histórica e conceitual da
educação em saúde e as abordagens dela provenientes, destacando, principalmente, como a
defesa da cidadania e em especial, da participação social, tornou-se não só na ES, mas na
saúde, um eixo estrutural para conquista de uma saúde mais equânime. Buscamos construir
um paralelo entre as perspectivas de saúde que a nortearam e os acontecimentos nacionais e
internacionais de expressivo significado para sua configuração teórica e metodológica. Além
disso, focalizando especificamente na educação em saúde escolar, esse recorte nos
possibilitará situar essas perspectivas de educação em saúde na forma de ensino advindas
delas.
2.1 MOMENTOS HISTÓRICOS DA EDUCAÇÃO EM SAÚDE
Procurando destacar os acontecimentos históricos mais significativos para educação
em saúde, escolhidos por corresponderem a mudanças no pensamento teórico e metodológico
no campo e segundo a literatura que versa sobre o assunto, situamos quatro intervalos de
tempo que por suas especificidades representam momentos importantes para configuração da
educação em saúde enquanto campo.
Segundo Carvalho et al (s/d) esses momentos históricos expressam as mudanças e
influências do caminho da educação em saúde no Brasil entre os quais podemos destacar:
No período colonial o Estado brasileiro não interferia nas questões de saúde da
população à exceção das epidemias, emergências e calamidades (CARVALHO, et al, s/d).
Da segunda metade do século XIX às primeiras décadas do Século XX “as políticas de
saúde se caracterizaram por articular-se com os interesses econômicos e políticos das classes
dominantes nacionais” (CARVALHO, et al, s/d). Na Europa, a segunda metade do século XIX
traz mudanças profundas nos setores social, econômico, urbano, industrial e científico. A
Revolução Industrial antes restrita a Inglaterra (1760-1860), agora se expande a outros países
europeus (1860-1900) trazendo mudanças importantes nos cenários urbanos; um efeito
marcante para o desenvolvimento de políticas de saúde foi o aumento da população nas
cidades, que devido à precariedade da infraestrutura das instalações de atendimento dos
aglomerados humanos, geralmente cortiços, passaram a ser foco de propagação de epidemias,
20
acontecimento que gerou a preocupação médica e consequentemente o desenvolvimento da
doutrina higienista. O fato é que a Europa entra na segunda metade do século XIX marcada
pela difusão dos preceitos médico-higienistas, os quais ganharam ainda mais respaldo e
credibilidade com os achados de Louis Pasteur (1822-1895).
A “Revolução Pasteuriana” é destacada como um acontecimento de fundamental
importância para a concretização das ações higienistas propostas no início do século XIX
(ASSIS, 1992; CARVALHO, s/d), pois reafirma certas estratégias de combate às doenças,
num foco cada vez mais biológico-individual e, conferindo aos tecnocratas da saúde o poder
de intervir ainda mais nas condutas dos sujeitos.
Nesse caso, a ciência passou de uma força culturalmente respeitada, a uma força
coercitiva e concreta por meio da polícia médica, que nesse período encontra o ápice de suas
ações em nome da saúde de todos. Com estratégias bélicas, as atividades da força policial
consistiam no controle da população através da repressão dos atos e comportamentos
considerados inapropriados para saúde.
De acordo com Carvalho et al (s/d), Assis (1992) e Silva et al (2010) a postura
opressora e normatizante da política médica sanitária nesta época, representava bem mais que
uma preocupação com as epidemias nas cidades, incutia uma estratégia de manutenção da
hegemonia social. Para Assis (1992), a educação em saúde que daí progrediu “caracterizavase como uma estratégia de controle social por parte das elites e do estado, no sentido de
domesticar e adaptar os indivíduos à ordem vigente” (p. 8).
Outro fato que reforça a ideia de tentativa de controle social por parte das elites, foi o
chamado Eugenismo, proposta de branqueamento das populações, provavelmente
fundamentada na tese do Darwinismo Social, que traz a ideia de que os brancos europeus são
dentre a espécie humana a raça mais desenvolvida (ROSE, 2000).
O Brasil nessa época também enfrenta diversas transformações políticas, sociais,
econômicas e urbanas. O país nesse momento assistia a libertação dos escravos, o
desenvolvimento da agricultura de exportação em torno do café, do comércio, da indústria e,
em função disso, o crescimento dos centros urbanos e suas respectivas populações. Assim
como na Europa, aqui no Brasil contingentes populacionais migraram para as grandes cidades
inaptas a receber tal demanda. No nosso caso, a grande maioria desse ajuntamento humano
era formada por negros que foram substituídos pela mão-de-obra estrangeira com o fim da
escravatura.
A grande frequência de surtos de doenças infecciosas como febre amarela, varíola e
21
pestes (SILVA et al, 2010) passou a comprometer o modelo de exportação do país e a entrada
de mão de obra estrangeira, visto que os navios não ancoravam mais em nossos portos e o
medo das pestes afugentava os interesses de trabalhar no Brasil. Tal fato colocava as doenças
como um empecilho ao desenvolvimento econômico (CARVALHO et al s/d). Eram
necessárias medidas urgentes para reverter o quadro.
Considerando Inglaterra, França e outros países europeus como nações modelo
(CARVALHO, 2001), as iniciativas tendiam a europeizar os cenários urbanos brasileiros.
Uma polêmica intervenção em 1902 na cidade do Rio de Janeiro, tendo essa ideia em mente,
partiu do então prefeito da capital brasileira Pereira Passos. Pretendendo tornar o Rio de
Janeiro a segunda Paris, o governante tomou medidas austeras para reestruturar e higienizar a
cidade. Na parte estrutural, o prefeito promoveu mudanças urbanísticas com a abertura de
avenidas e a melhoria de ruas e portos. Nesse processo, mandou derrubar centenas de casas
deixando milhares sem teto (CARVALHO, 2001).
Já na Saúde, Oswaldo Cruz, então diretor geral da Saúde Pública, iniciou uma cruzada
contra as epidemias que atingiam o Rio de Janeiro. Com um “modelo campanhista de
inspiração bélica”, o médico sanitarista organizou “brigadas sanitárias”, as quais
representavam o controle fiscal e policial dos tecnocratas sobre a população (SILVA et al,
2010). Inicialmente lutando contra os surtos de febre amarela, suas equipes percorriam as ruas
da capital removendo doentes e interditando e condenando prédios à demolição, em sua
grande maioria, cortiços, estalagens e domicílios anti-higiênicos, da população pobre
(CARVALHO, 2001).
Contra a varíola, Oswaldo Cruz desenvolveu um programa de vacinação em massa
que utilizava a lei como estratégia de atuação, já que a vacina tornou-se obrigatória. A
oposição a esta medida ganhou aspectos políticos e moralistas. A oposição política criticava a
obrigatoriedade da vacinação e outras especulavam a eficácia das vacinas, enquanto as
camadas populares já insatisfeitas com as medidas sanitárias anteriores, inquietavam-se com
os rumores de que os agentes do governo visitariam as casas para aplicar a vacina nas coxas e
nas nádegas das mulheres e filhas, tida essa ação como uma violação dos lares (CARVALHO,
2001). Toda essa insatisfação desembocou na chamada Revolta da Vacina (LIMA, 1985).
As propostas de assepsia na cidade do Rio de Janeiro assim como de outras cidades
brasileiras, eram pautadas na ideia da ignorância e falta de discernimento do povo, tida como
causa principal da existência de doenças (SILVA et al, 2010; ABREU, 2010), justificando por
sua vez as intervenções nos corpos individuais e sociais (SILVA et al, 2010). Monteiro Lobato
22
em 1914 no jornal Estado de São Paulo representa muito bem esse pensamento com
personagem Jeca Tatu.
Abreu (2010) analisando o panorama da educação sanitária e da saúde pública de
Minas Gerais dessa época destaca as pontuações de Helena Rocha (2003) sobre o propósito da
educação: “[...] educação e propaganda figuravam como elementos indissociáveis de um
programa de moralização que tinha como um de seus mais importantes pilares, a higienização
da população” (p. 204).
Silva et al (2010) destacam ainda que competia à educação a domesticação e
moralização do proletariado urbano emergente, bem como, “manter a raça rígida para
construir a identidade do povo brasileiro” (p. 2541). De acordo com a autora, a educação em
saúde dessa época configurava-se como uma educação para a saúde. Nesse sentido, vemos a
mobilização de uma pedagogia higiênica de intervenção médico-policial que através da
imposição de hábitos e comportamentos considerados saudáveis ansiavam a regeneração do
povo (ABREU, 2010; SILVA et al, 2010; CARVALHO, s/d; ASSIS, 1992).
Porém, a segunda década do século XX é marcada por uma mudança de postura nas
ações de educação em saúde da população, incentivada por institutos de fomento como a
Fundação Rockefeller e tendo como base o modelo médico sanitário americano. Influenciados
pelos novos preceitos do fazer ES, alguns médicos brasileiros, dentre eles Geraldo de Paula
Souza e Borges Vieira lançaram mão de uma série de artifícios para divulgar as
recomendações médicas-sanitárias. A educação sanitária incorporou a propaganda como
estratégia realizando palestras e confecção de folhetos, artigos e notas de imprensa (ABREU,
2010; SILVA et al, 2010).
O foco de atenção centra-se no individual à medida que as explicações para ocorrência
da doença tornam-se cada vez mais unicausais, consequência dos avanços científicos a
respeito da ação dos microrganismos no organismo humano. Nesse caso, incumbindo a
responsabilidade com a saúde exclusivamente ao indivíduo: “as doenças não eram só
produzidas pelo meio externo, mas também pela consciência sanitária da pessoa” (SILVA e al,
2010). Nesse sentido um público em especial se destaca, as crianças.
Segundo esse novo pensamento da educação sanitária, era necessário incutir os
comportamentos o mais cedo possível, para que os indivíduos não se corrompessem com os
hábitos anti-higiênicos. De acordo com a análise de Andrada (1929, apud ABREU, 2010) “O
objetivo era preparar o público para receber as medidas que fossem exigidas ao bem da
coletividade e entre os métodos de conservar saúde e evitar doenças” (p. 204). Mas apesar
23
dessas mudanças na consciência sanitária concernentes à educação, esta ainda mantinha-se a
serviço dos interesses hegemônicos da sociedade da época.
No Brasil, a década de 1930 não representou um momento expressivo para educação
em saúde, a não ser pela criação do Ministério da Educação e Saúde no governo provisório de
Getúlio Vargas. Ademais, com sua posterior eleição e subsequente golpe de estado, o
presidente brasileiro não tomou medidas significativas no setor da saúde coletiva, esta estava
restrita as iniciativas dos médicos sanitaristas.
Contudo, vale salientar um movimento social e político desperto nesse período, o qual
pretendia a renovação do Brasil oligárquio e rural para um país urbano e desenvolvido. Nesse
sentido, as atenções se voltam para propostas de reforma agrária e modernização do campo e,
nesse processo o descaso social com a população rural, principalmente por parte do governo,
tornou-se cada vez mais evidente. Logo, iniciativas no sentido de acabar com o atrasado e a
negligência da qual a população campestre era vítima passa a ser cada vez mais frequente.
Esse movimento vai influenciar diretamente a consciência medico-sanitária vindo a
caracterizar a educação em saúde nesse período e o seu posterior.
O ano de 1945 é marco de acontecimentos importantes no cenário mundial e do país.
Internacionalmente deu-se o fim da II Guerra Mundial, selada como a criação da Organização
das Nações Unidas (ONU), ideada para assegura a paz mundial e a cooperação entre os
países. Em sua constituição a organização foi composta por órgãos centrais: o Conselho de
Segurança, Econômico e Social, de Tutela, Secretariado, Corte Internacional de Justiça e a
Assembleia Geral.
Dentre essas entidades, o Conselho Econômico e Social abrigou a
Organização Mundial de Saúde (OMS), instituição encarregada de dirigir e coordenar
mundialmente questões relacionadas à saúde.
Logo a OMS passou a assumir “a responsabilidade de desempenhar um papel de liderança
nas questões globais de saúde, definir a agenda de pesquisa em saúde, estabelecendo padrões,
articulando opções políticas baseadas na evidência, fornecendo apoio técnico aos países e
acompanhar e avaliar as tendências de saúde” (OMS). Com esse encargo a organização
propõe um novo conceito de saúde sendo este concebido como “um estado de completo bemestar físico, moral e social, não constituindo somente na ausência de enfermidade ou doença”
(CANGUILHEM, p. 43). Apesar de ser criticado por sua subjetividade e consequente
inviabilidade, o concepção da OMS contraria as tendências hegemônicas ao ir de encontro do
entendimento cada vez mais forte da saúde como ausência de doenças. Além disso, marca o
início de uma reorganização das ações de saúde como veremos mais adiante.
24
O cenário nacional começa a apresentar a forte influência estrangeira no direcionamento
de suas principais políticas em saúde. A presença de capital estrangeiro financiando ações
coletivas de saúde é representada pela Fundação Rockfeller, que nessa época fomenta ações
de assistência e educação em saúde, divulgando aqui os parâmetros do modelo médico
sanitário estadunidense. Um marco dessas iniciativas é a criação do Serviço Especial de
Saúde Pública (SESP), representando, supostamente, um acordo internacional entre os
governos do Brasil e dos Estados Unidos para atender as populações do interior,
marginalizadas dos serviços de saúde (ASSIS, 1992).
Contudo, essa era uma consequência dos objetivos reais do programa. É fato que o SESP
era uma iniciativa de cooperação norte-americana com o Brasil para saneamento e saúde, mas,
em sua essência, estava voltada aos cuidados com suas tropas que se instalaram no nordeste
brasileiro durante a segunda guerra mundial e com os trabalhadores da extração de borracha
na Amazônia, evidência que fez com que o SESP fosse classificado como uma iniciativa
“elitista, imperialista e bélica” (CARVALHO et al, 2007).
Apesar disso, as ações em saúde do SESP, representaram, mesmo que de forma indireta, a
entrada de novas tecnologias, métodos e estratégias educacionais em saúde. Segundo
Carvalho et al (s/d) o modelo de atenção à saúde que daí se seguiu era marcado pela
centralidade da atenção em saúde nos hospitais e santas casas, os quais desenvolviam ações
médico curativas aos setores mais marginalizados da população.
Abreu (2010) e Silva et al (2010) destacam a estrutura desenvolvida para a educação
sanitária nessa época, a qual integrou em suas campanhas os meios de comunicação de massa
como o rádio e instrumentos audiovisuais. De acordo com Abreu (2010) os programas
radiofônicos eram instrumentos comuns dos médicos para levarem as recomendações
sanitárias ao interior de Minas. Com incentivo do SESP, às quintas as palestras do programa
Medicina social da rádio Inconfidência, intentavam formar um grupo específico da população,
as professoras, no intuito de serem elas agentes multiplicadores. Quando então, algumas
dessas palestras eram transcritas e viravam publicações a serem distribuídas nas escolas.
Outros recursos como cartilhas também faziam parte dos instrumentos de difusão dos
preceitos de higiene e saúde à população.
Silva et al (2010) organiza um panorama da educação em saúde nesse período. Segundo
os autores as ações davam-se no âmbito de programas que “associavam doenças contagiosas,
diagnóstico precoce e tratamento preventivo, educação sanitária, atividades de higiene em
geral e organização científica em termos administrativos dos serviços públicos.” (p. 2543).
25
Contudo, apesar da crescente “ideologia de participação e desenvolvimento comunitário”
(ASSIS, 1992), as ações segundo Carvalho et al (s/d) organizavam-se em campanhas
verticalizadas para o controle de epidemias e doenças específicas, como a malária, que foi
foco de atenção das atividades do SESP quando da extração de borracha na Amazônia.
Segundo os autores, a educação sanitária dessa época servia de apoio às ações médicosanitárias e guardavam resquícios de uma proposta de eugenia da população. Nesse caso, “A
educação era considerada como um processo individual de mudança de comportamentos de
características indesejáveis tais como: ignorância, falta de higiene, desobediência das normas
e prescrições baseadas em valores culturalmente dominantes” (CARVALHO et al, s/d).
Carvalho et al(s/d) destacam ainda que as ações e estratégias educativas adotadas
privilegiavam especificamente os aspectos biológicos das doenças, desencadeando a
“biologização da saúde” (CARVALHO et al, s/d). Nessa perspectiva, o teor normativo e
prescritivo se sobressaem, tendendo a responsabilizar os indivíduos por sua condição de
doente, negligenciando nessa responsabilização os condicionantes sociais, ambientais e
econômicos da saúde, implícitos na conceituação de saúde concebida pela Organização
Mundial de Saúde nessa mesma época.
A polarização política e econômica do mundo após a segunda guerra mundial deflagrou
uma batalha estadunidense contra a expansão do comunismo no continente americano. Para
manter a hegemonia política, econômica e ideológica, os Estados Unidos e muitas
multinacionais estrangeiras apoiaram e financiaram a formação de governos ditatoriais nos
Estados latino-americanos ao longo das décadas de 1960 e 1970.
No Brasil , assim como em outros países da América Latina, a implantação dos regimes
militares significou a supressão dos direitos civis e políticos da população através da coação
militar. Por sua vez, os direitos sociais, entre eles a saúde, aconteciam por meio de medidas
políticas e econômicas paliativas, estando estes dependentes dos seus interesses.
A atenção à saúde, cada vez mais, ficava a cargo dos setores privados, os quais tiveram
grande expansão nesse período. As ações centravam-se nos cuidados médico-curativos a partir
do modelo “hospitalocêntrico” de atenção à saúde. Nesses moldes a educação em saúde
mantinha-se sem expressividade, estando na dependência dos interesses corporativistas da
elite política e econômica do país.
Silva et al (2010), destacam a perspectiva que a participação comunitária assumiu nos
dois primeiros governos do período militar, estando esta restrita a cooperação da população
“com os agentes e serviços de saúde inaugurados nas zonas rurais e periferias urbanas” (p.
26
2544), configurados esse serviços em ações assistenciais médicas individualizadas com forte
tendência a normatização de comportamentos, considerados adequados à saúde.
Apesar disso, na década de 70, num movimento oposto as ações repressivas do
governo Médici, que representou o auge do período militar, começam a se desenvolver
movimentos populares reivindicando melhores condições de vida; dentre eles a saúde, que
chegou a um estado de completa calamidade.
Isso se dava devido os frutos do rápido
crescimento econômico que o Brasil passou no governo de Médici, não ter tido uma
distribuição equânime para toda população. Pelo contrário, de acordo com Carvalho (s/d),
nesse período as “doenças da riqueza” vieram juntar-se ao alto número de doenças prevalentes
da situação de pobreza da população mais carente.
As inquietações com a situação de miséria dessa população marginalizada e com os
diversos problemas sanitários gerados por elas, somaram-se e organizaram-se a articular a
segunda Reforma Sanitária do país, expressando a crise que o setor saúde passava. Um evento
bem emblemático dessa situação foi a V Conferência Nacional de Saúde (5a CNS), realizada
em 1975 em Brasília. Sinteticamente, Silva et al (2010) descreve os principais problemas que
levaram a crise do setor da saúde destacados na 5a CNS, que incluem a “inadequação,
insuficiência, descoordenação, má distribuição, ineficácia dos serviços” (p. 2544) de saúde.
Na educação em saúde, grupos de profissionais insatisfeitos com o modelo educativo
vigente, passaram a buscar novas alternativas de intervenção. Nessa busca, a Educação
Problematizadora de Freire ganha visibilidade e passa a influenciar grande parte das ações
antes denominadas educação sanitária, agora, educação em saúde. Com esse arcabouço
teórico, a educação em saúde passa a dialogar cada vez mais com a realidade dos sujeitos,
articulando saber popular e científico.
Outro trabalho de expressividade nesse período foram as propostas metodológicas de
educação em saúde de Hortência de Holanda. Em entrevista concedida a Schall (1999),
Holanda perpassa os princípios gerais de suas ações em saúde, centradas na humanização,
respeito à realidade dos sujeitos e numa construção conjunta:
Fui compondo uma educação sanitária com alguma coisa que eu tinha no começo, a
concepção de ambiente como algo fundamental à saúde, compreender como você
está vivendo num ambiente. Eu nunca fui, assim, daquelas de pensar que as pessoas
podem mudar seu comportamento, só porque alguém disse ou informou alguma
coisa. Eu achava tudo isso, assim, absolutamente sem sentido, não tinha nada com a
realidade. (Hortência de Holanda em entrevista concedida a SCHALL, 1999)
27
De acordo com Carvalho (s/d):
Ambos, Freire e Holanda, propunham ações, posteriormente caracterizadas como de
empoderamento pessoal e social, e o desenvolvimento de habilidades para a
transformação das condições de vida, mobilizando a participação da população e
respeitando o contexto local, assim como, defendendo o enfoque multi e
interdisciplinar (p. 7)
Através dessas influências, certos setores da saúde tais como a medicina comunitária,
passaram a assumir como princípio e postura, a transformação da realidade e emancipação
social dos indivíduos por eles atendidos.
Segundo Silva et al (2010) diante da ameaça de quebra da estabilidade social, o
governo procurou reverter a situação, dando mais atenção aos problemas sociais da
população. Uma alternativa para os problemas na saúde foi a obrigatoriedade da educação em
saúde nos currículos das escolas brasileiras de Ensino Fundamental e Médio, antigos primeiro
e segundo graus, como programas de saúde.
A busca por novas alternativas de atenção à saúde introduziram também no Brasil, os
preceitos dos cuidados primários defendidos na carta da Conferência Internacional de
cuidados primários de saúde de Alma-Ata em 1978. Nessa carta é reafirmado o conceito de
saúde da Organização Mundial de Saúde e como um direito humano fundamental. Nesse
sentido, a conferência aponta para outros fatores determinantes da saúde que não só o
biológico, enfatizando oito elementos para se alcançar a “Saúde para todos no ano 2000”,
meta das ações sugeridas na conferência. Segundo Buss (2009), esses elementos
compreendem:
Educação dirigida aos problemas de saúde prevalentes e métodos para sua prevenção
e controle; promoção do suprimento de alimentos e nutrição adequada,
abastecimento de água e saneamento básico apropriados; atenção materno-infantil,
incluindo planejamento familiar; imunização contra as principais doenças
infecciosas; prevenção e controle de doenças endêmicas; tratamento apropriado de
doenças comuns e acidente; e distribuição de medicamentos básicos. (WHO/Unicef
1978 apud BUSS, 2009, p. 28).
Segundo o autor, esse evento é um dos mais significativos do século XX no campo da
saúde, tendo em vista a repercussão e adesão dos governos a seus preceitos.
Nesse caso, podemos perceber nacional e mundialmente uma tentativa de mudança na
compreensão da saúde e respectivamente de suas ações. Nesse período é defendida a ideia de
que a saúde é determinada não só pelo biológico, mas também por fatores mais amplos como
econômico, sociais e políticos, o que decorre no abandono da concepção de saúde como
ausência de doença.
28
O fato é que chegamos à década de 1980 num cenário de completa ebulição política e
social, com as ditaduras latino-americanas começando a ruir, e a sociedade organizando-se na
busca da redemocratização do país. Esse cenário de transformação político-social parece
mobilizar sentimentos e pensamentos de mudança da sociedade, na consciência dos
formuladores das ações de saúde, redimensionando a lógica de atenção, pelo menos no
discurso.
Com esse redimensionamento de pensamento no setor saúde, e consequentemente no
da educação em saúde, tendeu-se a privilegiar diversos espaços para atuação em saúde
(escolas, unidades de saúde, centros comunitários, dentre outros) e a adoção de metodologias
participativas, no intuito de construir junto à população o cuidado com a saúde.
Essa
tendência fazia parte do movimento da segunda reforma sanitária brasileira, consolidada
formal e juridicamente quando da realização da VIII Conferência Nacional de Saúde (8a CNS)
e da promulgação da constituição de 1988.
Segundo Carvalho (s/d), a reforma sanitária procurava romper com o modelo
sociológico funcionalista norte-americano de saúde. Para isso, produções internacionais foram
incorporadas pelos lideres do movimento, fazendo dialogar “a Medicina Social inglesa, o
estruturalismo francês e a Sociologia Política italiana” (p. 8). Ou seja, procurava-se para a
saúde, e por sua vez para educação em saúde, um novo paradigma que rompesse com o
modelo behaviorista.
Nesse sentido, realizada em Brasília no ano de 1986, a 8a CNS representou a
consagração da reforma sanitária (CARVALHO, s/d). Segundo o autor, o evento aconteceu
sob um caráter eminentemente democrático e participativo, fato comprovado pelos seus
quatro mil participantes, sendo mil delegados. A conferência reafirmou o conceito ampliado
de saúde defendendo-a como um direito de todos e dever do estado e resultante das
“condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio-ambiente, trabalho, transporte,
emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra e acesso a serviços de saúde” (Relatório da
8a CNS, 1986).
Os principais preceitos defendidos na 8a CNS auxiliaram os avanços advindos da
promulgação da Constituição de 1988, conhecida como a constituição cidadã. Em seu artigo
196 vemos a saúde sendo reafirmada em seu sentido amplo e sua garantia relacionada a
“políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e
ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e
recuperação” (BRASIL, 1988).
29
Nesse caso, podemos perceber o objetivo das lideranças sociais e políticas de
democratizar o acesso de todos à saúde. Um importante feito nessa linha foi a implantação do
Sistema Único de Saúde (SUS). Com isso o governo ampliou o atendimento de saúde, antes
restrito a quem podia pagar e aos segurados sociais, para todo e qualquer brasileiro. Com base
em suas diretrizes organizacionais (universalidade, equidade e integralidade) o SUS
estruturou-se de forma a garantir a participação da sociedade em todas as suas decisões. Os
conselhos de saúde em diferentes esferas governamentais (municipal, estadual e federal)
foram incorporados como um instrumento de gestão participativa, dando lugar aos sujeitos
nas decisões de saúde.
O sistema estrutura-se em três níveis, caracterizados pela complexidade da atenção, a
saber: nível primário, secundário e terciário. Nesse primeiro nível, composto pelas unidades
básicas de saúde centra-se as ações de promoção da saúde e prevenção de doenças (ALVES &
SILVA, 2011).
Contudo, as instabilidades econômicas pelas quais o país passou e a assunção da
ideologia política neoliberal, coloca em descrédito o SUS (SILVA, et al, 2010). Podemos
entender o empreendimento neoliberal em depreciar esse sistema, pelo fato do princípio da
universalidade dos serviços, ir de encontro com os interesses de suas políticas, estando estas
interessadas na privatização dos bens e serviços públicos. No caso, o acesso universal aos
bens e serviços de saúde quebra com a proposta de assistência privada do modelo neoliberal,
baseado em organizações não-governamentais e outras instituições afins.
De forma geral e com base em Silva et al (2010) e Assis (1992), podemos constatar
que a educação em saúde chega ao século XXI apresentando dois modelos educativos: o
tradicional e o crítico2.
Segundo os autores o modelo educativo em saúde tradicional caracteriza-se por
objetivar a mudança de comportamento com a adoção de hábitos e atitudes ditos saudáveis
sob a competência dos profissionais de saúde que mantém uma relação vertical de
aprendizado através de palestras informativas (ASSIS, 1992; SILVA et al, 2010). Por centrarse numa definição restrita de saúde, como ausência de doenças, os determinantes são
identificados apenas como caracteristicamente biológicos. Nisso, o cuidado com a saúde é
inteiramente da responsabilidade dos indivíduos, num processo de culpabilização da vítima
(SILVA, et al, 2010).
Já o modelo crítico se caracteriza por objetivar, antes de tudo, a transformação da
2
Silva et al(2010) apresenta uma classificação diferente: a educação popular em saúde. Aqui a entendemos com
o o modelo crítico de Assis (1992).
30
realidade, no sentido de contemplar os determinantes gerais da saúde/doença, compreendidos
em fatores para além do biológico, como políticos, sociais e econômicos. Procura ainda
desenvolver a consciência crítica e da autonomia dos sujeitos num processo pedagógico
horizontal com a valorização dos diversos saberes em saúde, numa aproximação dos saberes
populares e dos conhecimentos científicos. Nesse sentido, é privilegiada a toma de decisão
coletiva através do diálogo e do trabalho conjunto.
No quadro 1 podemos visualizar de forma sistemática as principais características
desses dois modelos.
Enfoque Tradicional
Positivista
Enfoque Crítico
Crítica
Ideologia
Responsabilidade Individual
(Victin blaming)
Responsabilidade Coletiva e
social
Teoria dos determinantes
da enfermidade
Fatores individuais biológicos
ou comportamentais
Estratégias de intervenção
privilegiadas
Mudar os estilos de vida
individuais
Concepção de Ciência
Fatores sociais, culturais,
econômicos
Ambientais
Políticas
(Modelo das “crenças de
Saúde”)
(Modelo K A.P.)
(Modelo baseado na economia
política)
(Modelo Freiriano*)
Quadro 1 – Diferenças entre o “Enfoque tradicional” e o “Enfoque Crítico” da Educação Sanitária
Fonte: * Pedagogia da educação desenvolvida pelo filosofo brasileiro Paulo Freire. Fonte: O’NEILL, M. (1984)citado por SANMARTI (1988, apud ASSIS, 1992).
2.2 OS DIFERENTES CONCEITOS DE EDUCAÇÃO EM SAÚDE
Nesse tópico procuramos destacar alguns conceitos da educação em saúde, no sentido
de visualizarmos sua transformação histórica e social. Não pretendemos aqui construir uma
“colcha de retalhos” conceituais, mas antes demonstrar a complexidade que a educação em
saúde demanda, já que segundo Salci et al (2013) é essa multidimensional, com caráter
“política, filosófica, social, religiosa, cultural, além de envolver aspectos práticos e teóricos
do indivíduo, grupo, comunidade e sociedade” (p. 225). Podemos ainda, compreender a
educação em saúde sob dois aspectos: enquanto de campo de conhecimentos e como prática.
Como campo de conhecimento, a ES em sua perspectiva dominante e tradicional é
definida em Stotz (1993) “como uma área de saber técnico, ou seja, uma organização dos
31
conhecimentos das ciências sociais e da saúde voltada para “instrumentalizar” o controle dos
doentes pelos serviços e a prevenção de doenças pelas pessoas” (p. 1).
Tal concepção é observada também em Lowe (1985, apud ASSIS, 1992), quando o
autor discute as definições mais correntes da educação em saúde, nisso destaca a concepção
de Viteri que coloca a educação sanitária como: “[...] el conjunto de nociones, conocimentos y
procedimentos que aplican a la enseñanza del individuo para que éste sepa conservasse
sano”.(LOWE, 1985 apud ASSIS, 1992).”
Para uma noção prática, as conceituações a seguir nos dão um panorama geral da
educação em saúde. Segundo as Diretrizes da Educação para a Saúde (Ministério da Saúde;
1980 apud GAZINNELLI et al, 2005) seria ela “uma atividade planejada que objetiva criar
condições para produzir as mudanças de comportamento desejadas em relação à saúde” (p.
201). Salci et al (2013) a entende como a “transmissão de informações em saúde, com o uso
de tecnologias mais avançadas ou não [...]”(p. 225). E por último Lowe (1985 apud
ASSIS,1992) destaca o conceito de Grout, sendo a educação sanitária [...] um procedimento
que consiste em ajustar los conocimientos acopiados acerca de la salud a normas de
comportamiento adecuadas [...]” (p. 10), e o de Gage: “(...) la parte de la educación que tiene
por objeto modificar o reafirmar la conducta humana em beneficio de la salud del individuo y
de la coletividade” (idem).
Nesse panorama conceitual da educação em saúde tradicional, Flores (2007) aponta
dois traços gerais que caracterizam esse modelo: as relações e ações dentro de seus moldes. O
didatismo e a assimetria expressa a relação transversal entre educador (profissional de saúde)
e o educando (sujeitos alvo da educação em saúde), onde este primeiro assentado em
conteúdos científicos e aparatado de tecnologia, ou não, levará o conhecimento a esses
últimos, os quais irão absorver toda a informação a eles apresentada e, com essa, resolver os
problemas de saúde fruto de seu desvio das normas de saúde. Nessa concepção as ações da
educação em saúde desenvolvem-se como “um fim para si mesmas” (FLORES, 2007, p. 7).
Nessas conceituações, percebemos figurar estas, os anos compreendidos até a década
de 70, pois a educação em saúde apresentada nesses anos, apesar das pequenas diferenças em
sua prática, tendem a tornar exclusivamente o indivíduo responsável por seu adoecer, por
estar pautada pela transmissão de informações e por ancorar-se na ideia da infalibilidade e
perfeição dos serviços e técnicos (ASSIS, 1992).
Essa definição da educação em saúde é criticada por manter práticas “impositivas,
prescritivas de comportamentos ideais, desvinculados da realidade e distantes dos sujeitos
32
sociais, tornados como objetos passivos das intervenções, na maioria das vezes,
preconceituosas, coercitivas e punitivas” (PEDROSA, 2007). Nesse sentido, os debates em
torno dos discursos nela produzidos, também, faz produzir críticas contundentes a esse
respeito. Carvalho (2007), atentando para as nomenclaturas dadas a ES ao longo do tempo
destaca as ideias por traz desses estandartes:
[..] como educação sanitária em que as ações visavam à aplicação de normas e
atitudes para mudança de comportamento dos cidadãos; como educação para a saúde
ações que objetivavam a saúde como um estado a ser alcançado depois de ser
educado; [...] podemos perceber discursos e práticas autoritárias e normatizadoras na
relação do Estado e a sociedade civil. Quase sempre estas práticas foram marcadas
por intensa imposição de condutas, valores e normas oriundas das classes dirigentes
sobre as camadas mais empobrecidas da população (CARVALHO, 2007, p. 91).
Contudo, nas últimas décadas do século XX e início do século XXI, as concepções
críticas tem ganhado espaço na educação em saúde (SALCI et al, 2013). Esse fato pode ser
constatado quando da definição da educação em saúde apresentada pelo Ministério da Saúde
como:
um conjunto de práticas pedagógicas de caráter participativo e emancipatório, que
perpassa vários campos de atuação e tem como objetivo sensibilizar, conscientizar e
mobilizar para o enfrentamento de situações individuais e coletivas que interferem
na qualidade de vida (BRASIL, 2009).
Nesse sentido, outras postulações semelhantes da ES, enquanto prática, são
apresentadas. Assis (1992) aponta que já em 1989, a então Divisão Nacional de Educação em
Saúde (DNS), assinalava essa mudança conceitual e discursiva na ES, colocando-a como
“uma prática social, [...] um processo que contribui para a formação e desenvolvimento da
consciência crítica das pessoas a respeito de seus problemas de saúde, e [que] estimula a
busca de soluções e organização para a ação coletiva” (M/S DNS 1989 apud, ASSIS, 1992, p.
12).
O Ministério da Saúde ao formular as diretrizes para educação em saúde destacou-a
como:
um processo sistemático, contínuo e permanente que objetiva a formação e o
desenvolvimento da consciência crítica do cidadão, estimulando a busca de soluções
coletivas para os problemas vivenciados e a sua “participação real” no exercício do
controle social. (BRASIL, 2007, p. 21)
Enquanto campo de conhecimento, Assis (1992) destacando alguns conceitos de
autores com trabalhos consolidados na área da saúde, dá-nos a noção geral dessa nova
configuração da educação em saúde. Com Stotz e Valla (1989 apud ASSIS, 1992) a ES é
concebida como:
33
(...) área de conhecimento (área marcada pela interdisciplinaridade) e atividade
(marcada pela relação interinstitucional) orientadas para facilitar/capacitar a relação
entre profissionais de saúde e sociedade civil, de modo a explicitar e sistematizar as
contradições que nesta mesma relação se manifestam em diferentes níveis do
sistema de saúde. (p. 26)
Já Lefreve (1989, apud ASSIS, 1992), a entende como um:
(...) campo de pesquisa, estrutura conceitual e as práticas (interprofissionais, de
profissionais com usuários e no interior dos vários segmentos da população) que têm
como TEMA a saúde dos indivíduos e das coletividades e como ESCOPO o
desenvolvimento, nestes profissionais e indivíduos, da consciência sanitária (p. 27).
Apesar das sutis diferenças na conceituação dos autores percebemos traços comuns
que apontam em direção a essa mudança conceitual na e da educação em saúde. Um dos
pontos, seria o reforço das ações conjuntas, sendo defendido a interdisciplinaridade na prática
da ES. Os autores concebem antes de tudo a educação em saúde como um ato político.
Esse movimento de conceituação da educação em saúde, podemos situá-lo
historicamente nas três últimas décadas do século XX em diante, pois é nesse momento que
observamos de uma forma geral, a preocupação do setor com os fatores de agravamento da
saúde para além do biológico. Nessa perspectiva, teria a ES a missão de formar,
dialogicamente, as camadas populares para a tomada de decisão quanto as questões que
envolvessem sua saúde. Essa ação de dimensão política em prol da participação efetiva das
camadas marginalizadas da sociedade, é entendida aqui como fundamento da educação em
saúde e da educação popular em saúde defendida nos últimos anos na área. Ambas são
apresentadas como estratégias em potencial para o desenvolvimento crítico dos sujeitos,
aptidão significativa nas ações políticas esperadas nessa abordagem.
2.3 ABORDAGENS DA EDUCAÇÃO EM SAÚDE
Analisando a conjuntura histórica de conformação do campo da educação em saúde,
focando nas características gerais de cada período, percebemos diferentes escopos ao longo de
seu desenvolvimento. E tendo como referência esses objetivos, os quais entendemos serem
caracterizadores da filosofia que a rege, pudemos identificar diferentes abordagens em certos
momentos de sua história, dado que reafirma nossa compreensão da ES histórica, social e
economicamente determinada.
Nesse caso, nos ancoramos no trabalho de Tones (1987 citado por ASSIS, 1992;
GARCIA, 2000 e; STOTZ, 1993) para definir as características que dão sentido e identidade a
34
cada uma dessas abordagens. De acordo com o referido trabalho, podemos identificar quatro
abordagens na educação em saúde, a saber: (i) enfoque educativo3, (ii) preventivo, (iii) de
desenvolvimento pessoal e o (iv) radical.
(i)
O enfoque educativo de educação em saúde é caracterizado pelo princípio da
“eleição informada”. Este conceito na presente pesquisa é entendido a partir de Stotz (1993)
como “escolha informada”, que consiste, segundo nossa interpretação, naquela em que os
indivíduos optam por uma dada situação de vida, tendo, porém, a consciência dos riscos e
benefícios que esta acarretará a saúde dos mesmos.
Nesse sentido, as ações da ES voltar-se-iam para discutir a situação de vida dos
sujeitos tendo em vista o desenvolvimento de “uma compreensão genuína da realidade”
(STOTZ,1993, p. 6). Segundo Tones (apud ASSIS, 1992) esse fato se dá pelo enfoque não
considerar ético a persuasão ou coação dos sujeitos para mudança de comportamento,
delegando as esses uma escolha livre: “No se trata pues de idear medidas para cambiar las
actitudes o buscar resultados em términos de comportamiento saludable” (TONES, apud
ASSIS, 1992, p. 21).
Diante desse pressuposto, teria o educador apenas o papel de adaptar as informações
aos contextos, no sentido de “compartir y explorar las creencias y valores del usuario respecto
a uma determinada informácion sanitária y discutir sus implicaciones cara a la acion(idem).”
Segundo Stotz (1993) e Garcia (2000) nessa abordagem enfatiza-se “o lugar do
indivíduo, sua privacidade e dignidade” (p. 6). Por esse foco na responsabilidade individual é
que surgem as críticas a esse modelo. Primeiramente, por não leva em conta “os limites e as
impossibilidades” (TONES, APUD ASSIS, 1992, p. 21) da população pobre e marginalizada
para essa ação. Ao encontro dessa crítica, Almeida & Soares (2010) destacam que este
enfoque “contribui para que o governo transfira para os indivíduos a responsabilidade por
problemas cuja determinação se encontra nas relações sociais, isto é, na própria estrutura da
sociedade (p.112).”
(ii)
O Enfoque do desenvolvimento pessoal está intimamente ligado à abordagem
anterior, visto que seria essa uma condição para aquela acontecer, pois tem o enfoque do
desenvolvimento pessoal o objetivo central de potencializar os indivíduos para eleição
informada (ASSIS, 1992; STOTZ, 1993). Nesse caso podemos entender que nessa abordagem
o objetivo central seria a capacitação psicológica dos indivíduos para escolha consciente em
saúde.
3
Stotz (1993) destaca esse enfoque como sendo “enfoque da escolha informada”, contudo o autor apresenta uma
caracterização semelhante à dada pelos demais autores, não havendo diferenças entre eles além dessa.
35
Nesse sentido, esse enfoque tem como estratégia aumentar as potencialidades do
indivíduo, as quais sejam: promover crenças e atitudes favoráveis; lócus interno de controle;
amor próprio (ASSIS, 1992).
(iii)
O Enfoque Preventivo está diretamente ligado ao Modelo tradicional de ES, à
medida que tem suas ações pautadas nos pressupostos biomédicos e focado na mudança de
comportamento dos sujeitos. É uma abordagem educativa que esteve e mantém-se nas práticas
da saúde.
Como destacado, o comportamento dos indivíduos tem atenção central nessa
perspectiva, já que se pressupõe ter ele, a responsabilidade pela situação de acometimento dos
sujeitos por doenças. No caso, o sujeito foco das ações não é o indivíduo, mas as doenças,
determinando a máxima de que “a prevenção é melhor que a cura” (ASSIS, 1992, p. 22).
Nessa perspectiva caberá a educação em saúde “prevenir la enfermidade y la
capacidade mediante de la modificácion del comportamento saludables y cambiando las
práticas ‘insanas existentes’ ” (TONES, 1987, apud ASSIS, 1992, p. 22). Para isso a
persuasão através da transmissão de informações é a estratégia principal, as quais entendemos
estarem sob a responsabilidade dos profissionais de saúde. Porquanto, esse enfoque está
fundamentado na clínica médica e/ou epidemiológica (STOTZ, 1993), da qual são extraídas
informações para formulação de programas educativos de ações verticais e pautados nos
fatores de risco.
Assim como o enfoque anterior, o enfoque preventivo também é criticado por
responsabilizar exclusivamente o indivíduo por sua doença, o qual segundo Stotz (1993) é
inferiorizado “com a generalização do método da administração supervisionada de dosagem
(DOT)” (STOTZ, 1993, p. 6), em outras palavras, ele é visto como um dado interveniente na
saúde que necessita ser controlado e modificado, daí seu aperfeiçoamento através da
educação, mas especificamente do conhecimento científico.
(iv)
O Enfoque radical consiste numa abordagem educativa de saúde que efetua
uma polarização quanto à responsabilidade pelo adoecer do indivíduo ao coletivo. Nesse
sentido, apresenta-se como uma abordagem crítica que vê os problemas de agravo à saúde nas
condições e na estrutura da sociedade. A partir desse pressuposto configura-se como um
modelo crítico da realidade na busca da transformação das condições de agravo à saúde,
situadas mais especificamente, nos âmbitos econômico, social e políticos.
Nessa perspectiva, a educação em saúde, seria “uma atividade cujo intuito é de
facilitar a luta política pela de saúde” (STOTZ, 1993, p. 7). Já Assis (1992) aponta que nessa
36
abordagem a ES tem o papel de “criar uma consciência pública a esse respeito” (p. 22), que as
condições de vida do sujeito são responsáveis por seu estado patológico. A educação em saúde
desenvolvida nessa sistemática procura questionar a estrutura social atual, voltada
exclusivamente para o lucro e consumo.
Tanto o enfoque preventivo quanto o enfoque radical, são criticados pela polarização
que fazem, pois, respectivamente, colocam a responsabilidade pelo adoecer ora no indivíduo,
ora no social. Essas abordagens tocam num assunto bastante polêmico, o particular e público
ou individual e o coletivo. Como destacamos o preventivo é criticado por ter somente o
indivíduo como culpado pela doença, enquanto o enfoque radical, segundo a crítica de Stotz
(1993) “desconhece o singular” (p. 7) não atentando para o sofrimento individual,
secundarizado-o em nome do caráter social da doença.
Neste trabalho, nos aproximamos de uma abordagem mais dinâmica entre o individual
e coletivo, evitando, como destaca Stotz (1993), a inter-anulação entre as duas abordagens.
2.4 A EDUCAÇÃO EM SAÚDE NA ESCOLA
Apesar da educação em saúde escolar estar atrelada às características, pressupostos e
objetivos gerais da educação em saúde, aquela aparece de certa forma com peculiaridades
típicas da escola, visto que esse ambiente constitui-se como um espaço de produção de
conhecimento e cultura própria. Nesse sentido, tentaremos neste tópico assinalar a educação
em saúde nela produzida.
A educação em saúde escolar, aqui englobando a saúde na escola, remonta, segundo
Figueiredo et al (2010), ao final do século XVIII e início do século XIX, com a publicação do
System einer Volltänding Medicinischen Politizei do médico Johann Peter Frank (ROSEN,
1979). Essa era uma obra enciclopédica que exerceu grande influência teórica e prática nas
ações e políticas de saúde em vários países. Essa obra é marcada principalmente pela ênfase
na divulgação dos preceitos da polícia médica (ROSEN, 1979).
Como destacou Figueiredo et al (2010) é nesta obra que consta as primeiras
recomendações à intervenção médica nas escolas. Partindo de uma “abordagem social
abrangente e da consciência das relações sociais da saúde” (ROSEN, 1979, p. 173) Peter
Frank indicou uma série de recomendações para assepsia urbana, pois nesse período as
cidades estavam assoladas por epidemias recorrentes. Dentre essas recomendações, que
discutiam sobre higiene pública, demografia, casamento, procriação, puerpério, saúde infantil,
37
vestuário, problemas sanitários da habitação, esgotos e suprimentos de água, prevenção e
acidentes, medicina militar, doenças epidêmicas, transmissíveis e venéreas (LIMA, 1985),
consta a medicina escolar.
Minunciosamente o Sistema de Frank, como assim ficou conhecida a obra do médico
alemão, traça considerações a respeito das instalações escolares quanto a sua salubridade, com
recomendações sobre ventilação, aquecimento e iluminação nas salas de aulas, além de
considerações sobre o atendimento dos escolares e sua saúde, ao que consta a prevenção de
acidentes, saúde mental, exercícios físicos, dentre outros. Por essa publicação, reconhecida e
difundida na maioria dos países europeus e na América do Norte, Frank ficou conhecido como
pai da saúde escolar (LIMA, 1985).
De acordo com Rosen (1979, p. 180), o trabalho de Frank teve uma grande
expressividade prática e política quando Franz Anton Mai submeteu ao governo palatino “o
esboço de código de saúde”. Neste código Mai procurava colocar em prática todas as
recomendações de Frank, considerando tópicos de saúde que iam desde a higiene da moradia
à educação sanitária.
A ênfase de Mai nesse último ponto chama a atenção. Segundo Rosen (1979), Mai
acreditava que “médicos, parteiras e outros que lidavam com problemas de doença e de saúde
eram educadores sanitários lógicos” (p. 180). Nesse sentido, Mai recomendava que um oficial
de saúde agisse diretamente nos colégios “instruindo tanto as crianças como os professores”
(idem).
Segundo Lima (1985), a higiene escolar ai constituída, dispunha da intercessão de três
doutrinas muito em voga na época: a da polícia médica, da inspetoria da saúde escolar e do
sanitarismo. Essa perspectiva, ao longo da segunda metade do século, se respaldou
tecnicamente cada vez mais, instituindo e formalizando práticas, agindo e construindo
conhecimento.
Mas, apesar desses preceitos higienistas sobre a saúde escolar terem ganhado adesão
em vários países, principalmente com a obra de Frank e com a difusão do conceito de polícia
médica, sua institucionalização só veio a ocorrer no início do século XX, auge da doutrina
sanitarista.
No Brasil, Lima (1985) destaca duas razões primeiras para a institucionalização da
saúde escolar. Segundo o autor, a institucionalização da saúde escolar, enquanto higiene
escolar, se deu como um esforço de combate as pestes que assolavam as principais capitais
brasileiras no início do século, como Rio e São Paulo e, devido a demanda advinda da
38
expansão da educação escolar primária. Aqui, com base no próprio trabalho de Lima (1985) e
a intercorrência das ideias da época, acrescentamos mais um motivo para essa formalização, a
qual está no cerne das demais: a manutenção da força de trabalho, visto que o trabalho infantil
era aceito. Esse fato traduz-se nas postulações de alguns trabalhos da época, onde o vigor da
saúde e força da raça são exaltados e destacados como objetivos da saúde escolar nas décadas
iniciais do século XX no Brasil.
(...) prevenidos e remediados os defeitos, os trabalhadores da indústria, da
agricultura, etc., conscientes das próprias aptidões, podem escolher seu trabalho,
torná-lo para si, para a indústria e para o país, quanto possível, mais produtivo, mais
fecundo das maiores satisfações (BASILE, 1920 apud LIMA, 1985, p. 99)
Nesse trecho Basile (1920 apud LIMA, 1985) argumenta a necessidade da implantação
da higiene escolar. A partir das considerações desse e de outros autores da época, podemos
ainda destacar três funções sociais principais da saúde na escola: formação para o trabalho,
nacionalismo, Eugenismo e reprodução do status quo. Em que destacamos:
O progresso de um país está inteiramente subordinado à unificação de seu povo, e
esta subordinada a uma boa educação pública, a qual, por sua vez, constitui a cadeia
que liga os elementos heterogêneos de uma nação, que, como organismo social,
supõe uma unidade orgânica. Não basta, portanto, instruir um povo: é necessário
ainda aumentar e melhorar a raça (SOUZA, 1907, apud LIMA, 1985, p.99).
Nesse sentido, podemos constatar tais ideais ainda em 1942 na fala do então
Interventor Federal em São Paulo, o médico Adhemar de Barros no primeiro Congresso
Nacional de Saúde Escolar:
A visita médica regular e obrigatória tem um importante papel a desempenhar na
escola pública. A assistência dentária idem. Precisamos habituar o cidadão do futuro
a combater, desde a infância, os inimigos do seu bem-estar. Permiti que vos cite
mais uma vez o programa em que Miguel Couto resumiu os problemas e
subproblemas que dizem respeito à saúde da raça. Investigação eugênica; educação
eugênica; legislação eugênica e administração eugênica. Adquirir o hábito do
médico, do dentista e da ginástica – eis o que tem a fazer na escola a criança
brasileira. (Anais do Primeiro Congresso Nacional de Saúde Escolar, 1942 apud
LIMA, 1985, p. 137-138)
E apesar da aparente preocupação com a universalização das ações de saúde na escola,
essas abrigavam um papel segregador e mantenedor da sociedade, onde Basile (1920, apud
LIMA, 1985, p. 103) destaca que “para formá-las física e moralmente é preciso individualizar
a educação”, assim procede-se “separando os indivíduos inferiorizados ou retardados para que
39
percebam uma dose de educação conveniente” (idem).
Nesses moldes, a saúde escolar ganhou impulso no Brasil a partir de 1900, sendo
institucionalizada na década de 10 em algumas federações do país. Por exemplo, o governo
de São Paulo, que pelo Decreto de no. 2.141 de 14 de novembro de 1911 reorganizou o
Serviço Sanitário da federação e instituiu a Inspeção Médica Escolar; ou o Rio de Janeiro, que
tornou um ano antes de São Paulo o serviço obrigatório pelo Decreto Governamental n o. 788
de 9 de maio de 1910 na cidade (LIMA, 1985).
Comparando as funções delegadas à Inspeção Sanitária nos dois decretos podemos
destacar as seguintes similaridades. Competia a Inspeção Escolar:
(i)
Vigilância higiênica da escola e materiais;
(ii)
A profilaxia das moléstias transmissíveis que acometiam o espaço;
(iii)
Inspeção médica individual de alunos, professores e empregados;
(iv)
Educação sanitária;
Nesse sentido, entra em ação a figura os Inspetores de saúde, que no Rio de Janeiro
tinham como componentes 26 médicos, sendo dois chefes, vinte médicos escolares, dois
oftalmologistas, um otorrinolaringologista e um psiquiatra (LIMA, 1985).
Esses profissionais, ainda sob a influência da doutrina da polícia médica4,
inspecionavam as escolas no sentido de indicar, através de parecer as condições de higiene da
escola, tendo nesse sentido o poder de fechamento das instituições, registrando nesse
documento todas as improbidades para o funcionamento do estabelecimento, aconselhando os
diretores e professores a tomar providências quanto à correção de problemas de fácil
resolução e evitáveis, relatando individualmente o estado de saúde dos alunos, excluindo do
ambiente aqueles acometidos por moléstias e revacinando os alunos.
De acordo com Lima (1985), na década de 20 a saúde escolar começa a ser
reconfigurada, passando de uma ação exclusivamente coercitiva, para centra-se num caráter
mais educativo.
Para o autor, o alicerce desse movimento consta de “três pedras
fundamentais, a saber: (i) o desenvolvimento da Escola Nova, o qual permitiu uma maior
articulação entre a higiene escolar e a educação; (ii) a reforma da escola normal, a qual
passou a ter em seu currículo disciplinas de puericultura e higiene5; (iii) a criação do Instituto
4
É por esse motivo que citamos tais competências, expressas no decreto de 1889 do Barão de Lavradio, que de a
cordo com nossas observações, continuavam em voga nas primeiras décadas da República.
5
A inclusão dessas disciplinas na formação dos professores permitiu ainda, o ingresso de intelectuais envolvidos
40
de Higiene e Centros de Saúde.
Esse último acontecimento também é bastante expressivo não só para saúde escolar,
como para educação em saúde em geral, pois como vimos, ele marca a entrada dos preceitos
sanitários norte-americanos através da Fundação Rockfeller no país, iniciando práticas
educativas para a saúde.
Nessa configuração a saúde na escola passou a ter um caráter mais técnico e menos
político. As ações voltaram-se para organização interna e subordinação administrativa do
movimento, sendo incorporados ao grupo de trabalho outros profissionais da saúde,
encarregados da assistência odontológica, nutrição e avalição da desnutrição e antropometria,
além da avaliação de subnormalidades mentais.
Nesse período ocorreram avanços significativos da saúde escolar no que se a refere à
redução ou quase extinção do uso da força coercitiva física. Em outras palavras, as ações
sanitárias da polícia médica, agora, competiam à educação sanitária (LIMA,1985). Contudo, a
saúde escolar permaneceu com características marcantes do período anterior. Segundo Lima
(1985) “o fulcro ideológico” é que une os discursos médicos dessas épocas, o qual pretende “a
transformação da sociedade através da ação educativa em prol da saúde, a constituição da
raça, o fortalecimento moral do povo, o aumento da produção e o engrandecimento da pátria”
(p.115).
Em São Paulo, na década de 20 a saúde escolar era alvo da disputa de interesses entre
duas perspectivas de educação em saúde quanto à prestação desses serviços. Isso se deu com a
criação da Inspetoria de Educação Sanitária e Centros de Saúde, os quais mantinham uma
abordagem mais educativa que coercitiva, própria da Inspetoria Médica escolar com bases da
polícia médica.
Essa dualidade foi extinta, pelo menos no âmbito formal, com o Decreto no. 4.891 de
13 de fevereiro de 1931, o qual subordinava a Inspeção Médica Escolar à Diretoria Geral da
Instrução Pública para o Serviço Sanitário.
Essa década em São Paulo é apontada por Lima (1985) como um período de avanço
quanto à institucionalização da higiene escolar, embora suas práticas se mantivessem nos
moldes anteriores.
Contudo, Lima (1985) é enfático no que ele considera como fato importante dessa
década, o crescente sincronismo entre os discursos da higiene e dos pedagogos, nos quais se
professava a defesa de uma visão integral da criança, “da escola socializadora, no sentido de
com a higiene escolar a assumir cadeiras de professores desses cursos.
41
preâmbulo da sociedade, o do exorcismo de todo mal físico ou moral pela educação” (p.136).
Um momento significativo na afirmação dos avanços na institucionalização da saúde
escolar foi a realização do I Congresso de Saúde Escolar. Para além, segundo Lima (1985), o
evento representava a incorporação da saúde escolar como ideologia pelo Estado Novo.
Nesse congresso foram discutidas questões em torno de:
IIIIIIIVVVIVII-
VIIIIX-
XXIXIIXIIIXIVXVXVIXVII-
Organização e orientação dos serviços de Saúde Escolar.
A Saúde nos meios urbanos e rurais
Prédio escolar; higiene do ensino; instituições peri-escolares.
Condições de saúde física e mental para o exercício do magistério.
Exame médico-pedagógico periódico; Incapacidade física e psíquica;
Razões para aposentadoria; Leis protetoras do professor.
Morbidade mortalidade no meio escolar.
Doenças para cuja evolução concorre a escola; Afecções do olhos,
ouvidos, nariz, garganta e dentes; Doenças infectocontagiosas;
Incidência da tuberculose no meio escolar; Endocrinopatias.
A educação sanitária nas escolas.
Implantação de hábitos sádios; O ensino da puericultura nas escolas
primárias, secundárias e profissionais; A função social da educadora
sanitária; Ligação entre o lar e a escola.
O problema dos repetentes nas escolas primárias.
Fatores pedagógicos, sociais, médicos e psicológicos.
Higiene mental nos meios escolares.
Alimentação e nutrição dos escolares.
Educação alimentar; sopa escolar consequência da subnutrição.
Bases científicas para a restauração biológica dos débeis físicos.
Colônias de férias; Escolas ao ar livre; Play-grounds; Jogos infantis.
A adaptação e a escolha das profissões.
Valor do laboratório clínico e psicotécnico para a seleção na escola.
(LIMA, 1985, p. 144-145)
Essa pauta de discussão expressa a expansão e a complexidade que a saúde escolar
veio constituindo ao longo dos quarenta anos da República. Antes restrita ao conhecimento
médico estrito, incorporou avanços, por exemplo, da psicopatologia, que instituiu novas
práticas, como a higiene mental (LIMA, 1985). Além disso, os conhecimentos da nutrição e
da dietética permitiram evidenciar as condições precárias de existência das crianças
brasileiras. Porém, esses agravantes sociais da saúde eram tratados de forma superficial e
colocados sob a responsabilidade individual. No caso das crianças, a responsabilidade do
adoecimento e das condições e hábitos de higiene tinham causas na ignorância dos pais:
A negligência dos pais e a frequência irregular às aulas são outros fatores
prejudiciais ao aproveitamento escolar, para cuja solução se apontam a organização
de corpos de agentes sociais (visitadoras ou educadoras sanitárias) ao serviço da
escola e o desenvolvimento de instituições peri-escolares [...] a fim de medidas de
natureza clínica, [...] vencendo preceitos e resistência infundada no meio ambiente.
(BARRETO 1942 apud LIMA, 1985, p.147).
42
Nesse sentido, podemos afirmar que apesar dos avanços, “a finalidade de educação
escolar persistia sendo o “fortalecimento moral”, “o aperfeiçoamento da raça”, a formação de
cidadãos “produtivos e úteis” à “pátria” e à “nação”. Eugenia continuava uma palavra-chave
[...]” (LIMA, 1985, p. 145).
Num panorama geral, a saúde escolar pautou-se ao longo desse período escolar no
pressuposto de controle do ambiente escolar (LIMA, 1985). Contudo, como assinalamos no
início desse tópico, a escola é um ambiente com especificidades próprias. Com a expansão da
escolarização através dos ideais de universalização do movimento escolanovista, a escola
popular passou apresentar problemas mais complexo e que a saúde escolar sozinha e nos
moldes que se apresentava não respondiam a contento. A evasão, repetência, as
subnormalidade mentais e questões profissionais e de saúde dos trabalhadores desafiavam a
ação da saúde escolar, já que estava lá e “se propôs indispensável ao processo do ensinoaprendizagem” (LIMA, 1985, p. 148).
Contudo, Lima (1985) aponta outro motivo para o declínio gradual da saúde escolar
no estado de São Paulo na década de 50. Para o autor, nestas quatro décadas de existência, as
ações dos médicos sanitaristas contribuíram sobre maneira para a ascendência política,
econômica, social e cultural da burguesia industrial. Esse fato se dava por estar, a ideologia
que movia as ações e o discurso dos médicos sanitaristas, articulada à ideologia da
modernização.
Ainda de acordo com o autor, que figura os médicos sanitaristas pela metáfora de Luz
(1981, APUD LIMA, 1985) a um “peão avançado de hegemonia”, o pioneirismo desses
médicos e o prestígio angariado por eles, fez com que o estado oligárquico burguês,
hegemônico na época, incorporasse o movimento sanitário, trazendo para si um discurso
modernizador, antes restrito a organizações externas ao governo, agora em seu seio. Essa
ideologia modernizadora partindo agora de uma instância governamental obteve mais
prestígio e consequente difusão da mesma, passando a ser discurso oficial do próprio governo,
selando o domínio social da burguesia industrial no país (LIMA, 1985).
E, após o assentamento desta nova classe industrial como hegemônica e, assegurada a
estrutura de sua reprodução, “a ideologia de que se valeu em sua ascensão perdeu significado
e importância” (LIMA, 1985, p. 151). Não é de se espantar o desinteresse pela saúde escolar
na década de 50.
Ainda no ano de 1942, como vimos, deu-se a criação do Serviço Especial de Saúde
Pública, o SESP. Retomando, essa organização representava os interesses norte-americanos no
43
país, à medida que propôs ações de saúde à população brasileira voltadas em a resguardar a
integridade da saúde dos soldados americanos no país durante a segunda guerra mundial e aos
trabalhadores da Amazônia quando da retirada da borracha nessa região. Apesar disso, o SESP
na educação em saúde, mais especificamente na educação escolar em saúde, representou a
entrada no país de novas tecnologias educacionais, assim como de uma outra linha de
pensamento, como nos aponta Silva et al (2010):
As ações do SESP visavam à proteção dos trabalhadores envolvidos na extração da
borracha e de minério, mas também trouxe novas técnicas educacionais na área de
saúde e recursos audiovisuais sofisticados de tendência tecnicista de educação.
Ainda assim, a população continuava a ser vista como passiva e incapaz de
iniciativas próprias (SILVA et al, 2010, p. 2543).
Reforçando, segundo Lomônaco (2004) o SESP trouxe uma nova mentalidade para
saúde pública, com ações que traziam a educação sanitária como atividade básica, realizada
por uma equipe multiprofissional que incluía além dos já consagrados médicos, professoras
da rede pública e agentes educacionais de saúde. (LEVY et al. 2002, apud LOMÔNACO,
2004).
Apesar dos avanços quanto ao processo de ensino-aprendizagem em saúde, por ainda
estar pautado num modelo tradicional de educação em saúde, a saúde escolar ainda
permanecia ajustada em uma visão de responsabilização dos indivíduos por suas patologias, à
medida que entendiam a saúde como ausência de doença regulada por fatores biológicos.
Nesse sentido, a saúde escolar pretendia, assim como antes, a mudança de comportamentos e
estilos de vida, porém, agora calcada em ações educativas de prevenção de doenças.
No limiar histórico até a década de 70, não houve mudanças expressivas quanto à
saúde na escola. Porém, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação 5.692 de 1971 instituiu a
obrigatoriedade da educação em saúde nas escolas de ensino fundamental e médio, é
institucionalizada uma nova visão de educação em saúde à qual tem o objetivo de estimular
conhecimentos e práticas básicas de saúde e higiene (CARVALHO, 2007).
Segundo
Lomônaco (2004), a lei estabeleceu o Programa de Saúde na modalidade disciplinar, onde os
assuntos de saúde eram trabalhados nas aulas de ciências, resumidos a noções de higiene,
preservação da saúde e puericultura. Segundo a autora, esse Programa de Saúde dividia-se em
dois, a disciplina Programa de Saúde e a Prática de Saúde ou Projeto de Saúde,
respectivamente, esse a cargo dos técnicos de saúde e aquele sob a responsabilidade dos
professores de Ciências (LOMÔNACO, 2004).
Ainda, de acordo com Carvalho (2007), as ideias por trás dessa educação em saúde,
44
pressupunham-na como a aplicação do referencial da educação para se obter saúde (p. 91). É
nesse período também, que novos pressupostos de caráter político e socialmente crítico de
fazer saúde vão ganhando vez na educação em saúde.
O trabalho de saúde na escola seguiu nesse molde até o ano de 1998, quando foram
lançados os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), os quais sugeriram em um de seus
volumes o trabalho com os Temas Transversais. Esses temas compreendem questões da Ética,
da Pluralidade Cultural, do Meio Ambiente, da Orientação Sexual e, da Saúde. No caso, esses
temas foram elencados por serem socialmente relevantes, visto a importância, urgência e
presença na vida das pessoas (BRASIL, 1998). Lomônaco (2004) aponta que os temas
transversais surgem com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1996, e são referendados
como “recursos culturais relevantes para a conquista da cidadania” (BRASIL, 1996, p. 7).
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) sugerem que o tema saúde seja
trabalhado perpassando a organização disciplinar em áreas, de forma contextualizada
permitindo uma visão globalizada das implicações e atenuantes quanto às ações de cada
indivíduo na sociedade. E não deve ser trabalhada de forma exclusiva por uma disciplina.
Apesar de ser criticada, a forma tradicional de trabalho com saúde na escola parece
não ter se extinguido nas escolas brasileiras com a criação e com as recomendações dos PCN.
Outrossim, permanece ajustada a uma lógica de ensino-aprendizagem caracterizada pela
transmissão de conteúdos que apenas descrevem as doenças, suas etiologias e anomalias e as
mais variadas formas de prevenção e, restrita à disciplina Ciências Naturais.
A saúde na escola seguiu então como no modelo implantado pela a lei 5.692 de 1971,
onde a educação em saúde está a cargo disciplinar e ações de saúde são delegadas aos
técnicos da área da saúde, que mantém visitas esporádicas às escolas.
Em 2007, o Decreto Federal nº 6.286, instituiu o Programa Saúde na Escola – PSE
visando “contribuir para a formação integral dos estudantes da rede pública de educação
básica por meio de ações de prevenção, promoção e atenção à saúde” (BRASIL, 2007).
Esse programa, objeto de nossa pesquisa, apresenta-se como uma iniciativa de
intersetorialização governamental para a efetivação da atenção em saúde das crianças e
adolescentes, que no caso tem a escola com cenário. Ainda, o programa tem como pressuposto
o tratamento da saúde e da educação de forma integral “como parte de uma formação ampla
para a cidadania e o usufruto pleno dos direitos humanos” (BRASIL, 2011).
Nesse ponto, nossa problemática começa a se delimitar, ao questionarmos as
possibilidades dessa formação ampla através das ações de educação e saúde proposta pelo
45
programa. Contudo, não adentraremos ainda nessa discussão visto a necessidade de
caracterizamos melhor o PSE. Nesse caso, procuramos no tópico a seguir apresentar o PSE,
suas diretrizes, objetivos e ações.
2.5 O PROGRAMA
ORGANIZAÇÃO
SAÚDE
NA
ESCOLA:
OBJETIVOS,
PRINCÍPIOS
E
Como ressaltamos anteriormente, o Programa de Saúde na Escola foi instituído pelo
Decreto da presidência da república nº 6.286, de 5 de dezembro de 2007 , com caráter
interministerial entre educação e saúde. Em seu Artigo 3o o decreto deixa clara a natureza
intersetorial do programa, ao elencá-la como diretriz do PSE e como uma “estratégia para a
integração e a articulação permanente entre as políticas e ações de educação e de saúde”
(BRASIL, 2007).
Em sentido geral, o PSE procura desenvolver, de forma integral, os estudantes da rede
pública de atenção básica. Para essa meta propõem-se os seguintes objetivos:
I - promover a saúde e a cultura da paz, reforçando a prevenção de agravos à saúde,
bem como fortalecer a relação entre as redes públicas de saúde e de educação;
II - articular as ações do Sistema Único de Saúde - SUS às ações das redes de
educação básica pública, de forma a ampliar o alcance e o impacto de suas ações
relativas aos estudantes e suas famílias, otimizando a utilização dos espaços,
equipamentos e recursos disponíveis;
III - contribuir para a constituição de condições para a formação integral de
educandos;
IV - contribuir para a construção de sistema de atenção social, com foco na
promoção da cidadania e nos direitos humanos;
V - fortalecer o enfrentamento das vulnerabilidades, no campo da saúde, que possam
comprometer o pleno desenvolvimento escolar;
VI - promover a comunicação entre escolas e unidades de saúde, assegurando a troca
de informações sobre as condições de saúde dos estudantes; e
VII - fortalecer a participação comunitária nas políticas de educação básica e saúde,
nos três níveis de governo. (BRASIL, 2007)
Ainda, nesse trecho podemos perceber uma a ênfase na ação conjunta desses
segmentos governamentais, saúde e educação, trazendo também a cidadania como um
objetivo a ser alcançado.
Em seu decreto instituinte, o PSE está organizado em torno de diretrizes próximas às
do Sistema Único de Saúde (SUS), as quais constam:
I - descentralização e respeito à autonomia federativa;
II - integração e articulação das redes públicas de ensino e de saúde;
46
III - territorialidade;
IV - interdisciplinaridade e intersetorialidade;
V - integralidade;
VI - cuidado ao longo do tempo;
VII - controle social; e
VIII - monitoramento e avaliação permanentes.
(BRASIL, 2007)
Já para efetivação do PSE, são preditas ações de atenção, promoção, prevenção e
assistência, sempre pautadas na intersetorialidade entre saúde e educação e, nos princípios e
diretrizes do SUS. Nesse sentido, as seguintes ações são elencadas como necessárias:
I - avaliação clínica;
II - avaliação nutricional;
III - promoção da alimentação saudável;
IV - avaliação oftalmológica;
V - avaliação da saúde e higiene bucal;
VI - avaliação auditiva;
VII - avaliação psicossocial;
VIII - atualização e controle do calendário vacinal;
IX - redução da morbimortalidade por acidentes e violências;
X - prevenção e redução do consumo do álcool;
XI - prevenção do uso de drogas;
XII - promoção da saúde sexual e da saúde reprodutiva;
XIII - controle do tabagismo e outros fatores de risco de câncer;
XIV - educação permanente em saúde;
XV - atividade física e saúde;
XVI - promoção da cultura da prevenção no âmbito escolar; e
XVII - inclusão das temáticas de educação em saúde no projeto político pedagógico
das escolas.
(BRASIL, 2007)
Na Portaria de no. 1.861, de 4 de setembro de 2008 do Ministério da Saúde, ficaram
estabelecidos os critérios iniciais para a adesão dos municípios ao PSE e seu respectivo
incentivo financeiro. De acordo com esta portaria, estariam aptos a aderirem ao PSE e a
partilharem de seus recursos financeiros, os municípios que apresentassem o Índice de
Desenvolvimento da Educação Básica - IDEB menor ou igual a 2,69 nos anos iniciais do
Ensino Fundamental e com 100% da população coberta pelas equipes de Saúde da Família.
Além disso, a presença de escolas participantes do programa Mais Educação nesses
municípios, também , foi destacado como um critério a ser utilizado.
Esse último critério da Portaria 1.861 que constava em seu art. 3o Inciso III, foi
modificado pela Portaria no. 2.931, de 4 de dezembro de 2008 do Ministério da Saúde, que o
alterou redigindo-o agora como:
Os recursos financeiros referentes ao PSE serão pagos a partir da manifestação de
interesse de adesão ao PSE apresentada pelos Municípios conforme definido no
inciso I do art. 3º desta Portaria, em parcela única, com base no número de ESF
47
cadastradas no Sistema de Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde SCNES, na competência novembro, conforme Portaria que estabelece o cronograma
de envio da base de dados do SCNES, que geraram transferência de incentivos
financeiros ao Município." (BRASIL, 2008)
Ou seja, o montante financeiro destinado à execução do PSE, passa pela quantidade de
Programas de saúde da Família cadastrados no governo. A margem colocada por esses
critérios foi ampliada pela Portaria no. 3.146 de 17 dezembro de 2009, o índice de referência
do IDEB passou de 2,69 para 3,1. Ainda nessa mesma portaria é destacado no inciso II do art.
o
3 um número mínimo de escolas por cada estado, no caso, vinte. A portaria explica ainda,
nos casos em que esse número não seja atingido, serão inclusos os municípios com o menor
Índice de Desenvolvimento da Educação Básica. Outra ampliação no enquadramento dos
municípios ao PSE dá-se com diminuição da cobertura exigida da população pelas ESF, de
100% para 70%.
Nessa tendência, a Portaria no. 3.696 de 25 de novembro de 2010, agora, de caráter
interministerial, ampliou ainda mais os municípios aptos a aderirem ao PSE, estendendo a
margem do IDEB para até 4,5. E na Portaria interministerial no. 1.911, de 8 de agosto de
2011, ficou definido que após a confirmação dos municípios aptos a aderirem ao programa,
esses deverão assinar um termo de compromisso municipal.
Quanto a sua gestão, o Programa de Saúde na Escola estrutura-se em três esferas, com
os chamados Grupos de Trabalho Intersetoriais ou GTI. No caso, segundo as esferas
governamentais tem-se o GTI municipal, estadual e o federal. A proposta dos GTI’s é de
coordenação intersetorial das ações do PSE, centrada em uma gestão compartilhada, onde “o
planejamento quanto a execução das ações são realizados, coletivamente, de forma a atender
às necessidades e demandas locais” (BRASIL, 2011). Nesse sentido, essas instâncias gestoras
são obrigatoriamente organizadas por representantes das secretarias de saúde e educação.
Facultativamente é previsto um participante de outros segmentos sociais.
Os GTI’s mantêm um sistema de retroalimentação de informações e recursos. Num
sentido vertical, esse fluxo de informações inicia-se nos municípios, nos quais é realizado um
diagnóstico situacional sobre os determinantes sociais, cenário epidemiológico e modalidades
de ensino das escolas sob a atuação das ESF. A partir deste panorama situacional, o GTI
municipal elabora a projeto local do PSE. Ademais, esse projeto é apresentado ao Conselho
Municipal de saúde e ao Conselho Municipal de Educação para sua aprovação. Depois de
aprovado, o município firma um termo de adesão junto a instância estadual representada pela
48
Comissão Intergestores Bipartite (CIB)6 que é pactuada e encaminhada ao Ministério da
Saúde. Este por sua vez, o repassa ao Ministério da Educação que o homologa e destina
recursos, insumos e materiais.
Depois de ter o seu projeto homologado, o município deve se cadastrar no Sistema de
Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde – SCNES, no qual passará a fazer
atualizações periódicas sobre as ações do PSE e, sendo avaliados pelas secretarias estaduais
de saúde.
Por último e em resumo, destacamos as competências de cada um dos GTI’s. No caso,
compete ao GTI municipal:
I – Garantir os princípios e diretrizes do PSE no planejamento, monitoramento,
avaliação e gestão do recurso de maneira integrada entre as equipes das escolas e
das Unidades Básicas de Saúde/Saúde da Família;
II – Articular para a inclusão dos temas relacionados às ações do Programa Saúde
na Escola nos projetos político-pedagógicos das escolas;
III – Definir as escolas federais, estaduais e municipais a serem atendidas no
âmbito do PSE, considerando as áreas de vulnerabilidade social, os territórios de
abrangência das Unidades Básicas de Saúde e o número de equipes de Saúde da
Família implantadas;
IV – Subsidiar a formulação das propostas de educação permanente dos
profissionais de saúde e da educação básica para implementação das ações do
PSE;
V – Subsidiar a assinatura do Termo de Compromisso pelos secretários municipais
de Educação e Saúde, por meio do preenchimento das metas do plano de ação no
sistema de monitoramento (SIMEC);
VI – Apoiar e qualificar a execução das ações e metas previstas no Termo de
Compromisso municipal;
VII – Garantir o preenchimento do sistema de monitoramento (SIMEC) pelas
escolas e pelas equipes de Saúde da Família;
VIII – Definir as estratégias específicas de cooperação entre Estados e municípios
para a implementação e gestão do cuidado em saúde dos educandos no âmbito
municipal; e
IX – Garantir a entrega dos materiais do PSE, enviados pelo Ministério da
Educação, para as equipes de saúde e para as escolas.
(BRASIL, 2011)
Já ao GTI Estadual compete:
I – Definir as estratégias específicas de cooperação entre Estados e municípios para
o planejamento e a implementação das ações no âmbito municipal;
II – Articular a rede de saúde para gestão do cuidado dos educandos identificados
pelas ações do PSE com necessidades de saúde;
III – Subsidiar o planejamento integrado das ações do PSE nos municípios entre o
SUS e a rede de educação pública básica;
IV – Subsidiar a formulação das propostas de educação permanente dos
profissionais de saúde e da educação básica para implementação das ações do PSE;
6
Essa comissão é um fórum de negociação entre o estado e os municípios para implantação e operacionalização
do SUS (BRASIL, 2013).
49
V – Apoiar os gestores municipais na articulação, planejamento implementação das
ações do PSE;
VI – Pactuar, nas Comissões Intergestores Bipartites (CIB) do Sistema Único de
Saúde, encaminhamentos e deliberações no âmbito do PSE, conforme fluxo de
adesão;
VII – Contribuir com os ministérios no monitoramento e avaliação do programa e;
VIII – Identificar experiências exitosas e promover
(idem)
E por último, fica a cargo do GTI Federal:
I – Garantir a agenda da Comissão Intersetorial de Educação e Saúde na Escola
(CIESE) com representantes do Conass, Conasems, Consed, Undime, áreas da
educação e da saúde, e participação social responsável pelo acompanhamento da
execução do PSE;
II – Promover, respeitadas as competências próprias de cada ministério, articulação
entre as Secretarias Estaduais e Municipais de Educação e o SUS;
III – Subsidiar o planejamento integrado das ações do PSE nos municípios entre o
SUS e o sistema de ensino público, no nível da educação básica;
IV – Subsidiar a formulação das propostas de educação permanente dos
profissionais de saúde e da educação básica para implementação das ações do PSE;
V – Apoiar os gestores estaduais e municipais na articulação, planejamento
implementação das ações do PSE;
VI – Estabelecer, em parceria com as entidades e associações representativas dos
secretários estaduais e municipais de Saúde e de Educação, os instrumentos e os
indicadores de avaliação do PSE; e
VII – Definir as prioridades e metas de atendimento do PSE.
2.6
O PSE E O IDEÁRIO DA PROMOÇÃO DA SAÚDE E DA FORMAÇÃO PARA
CIDADANIA
Como destacamos, o Programa de Saúde na Escola representa uma iniciativa
governamental para o desenvolvimento integral dos educandos do Ensino Básico brasileiro.
Nesse ponto, entendemos que essa formação, segundo os documentos do PSE, possui uma
dimensão política e social, podendo ser percebida na primeira diretriz do programa, a saber:
“Tratar a saúde e educação integrais como parte de uma formação ampla para a cidadania e o
usufruto pleno dos direitos humanos” (BRASIL, 2007).
Ainda são enfatizados o desenvolvimento da criticidade, participação ativa,
empoderamento e autonomia, principalmente dos educandos.
Entendemos aqui esses
conceitos como alguns dos princípios que gerem a proposta de Promoção da Saúde,
fundamento teórico de nosso trabalho, os quais compreendemos manter uma interface com a
formação para cidadania.
O programa, nesse caso, elenca o chão escolar como espaço privilegiado para o
desenvolvimento de tais princípios, visto ser ele um espaço de relações, onde valores, crenças,
conceitos e visões de mundo são construídas a partir dos encontros entre os diversos sujeitos
com suas diversas culturas (BRASIL, 2011).
50
Contudo, chamamos a atenção para críticas às politicas públicas em torno do hiato
entre as determinações da lei e a prática. Segundo os PCN a saúde na escola deveria ser
trabalhada transversalmente de forma a viabilizar as discussões de temas sociais com a
comunidade escolar, ensejando a formação de protagonistas na construção da saúde individual
e coletiva, como um direito de todos.
Todavia, na prática a saúde é trabalhada basicamente nas aulas de Ciências
provocando, com essa compartimentação, um contrassenso com os Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCN), que a compreende como um ato que perpassa os muros disciplinares e se
estabelece como uma prática educativa ampla na “relação entre aprender na realidade e da
realidade de conhecimentos teoricamente sistematizados (aprender sobre a realidade) e as
questões da vida real (aprender na realidade e da realidade)” (BRASIL, 1998, p. 39-40).
E na disciplina de ciências, outras críticas agregam-se a esta, focadas principalmente
no ensino-aprendizagem nele desenvolvido. Entram em destaque suas tendências
fragmentária, desconexa e a compartimentar o conhecimento (DELIZOICOV, 1983;
FOUREZ, 2003), produzindo um ensino esvaziado de sentido e calcado na abstração do rigor
das fórmulas e dos conceitos científicos.
E, tomando ainda por base a crítica de Iglesias & Araújo (2011) quanto aos limites da
abordagem de saúde exclusivamente preventiva e com caráter behaviorista para formação em
cidadania, onde os autores destacam que, por desconsiderarem estas abordagens, fatores
históricos e sociais, dificultam estas a formação de coletivos no intuito de reverter os
problemas da realidade. E ainda, somando a isso, o prejuízo “à autonomia dos sujeitos e à
potência de articulação com o outro para a invenção de territórios vivenciais prazerosos”,
visto que no processo de educação em saúde exclusivamente preventivo, resta apenas aos
sujeitos, acatarem as prescrições do saber médico (IGLESIAS & ARAÚJO, 2011, p. 295).
E, embasados em Bezerra Jr. (1992, apud IGLESIAS & ARAÚJO, 2011, p. 297),
quando destaca que “não há prática sem pressupostos e consequências políticas”, entendemos
que as ações do Programa Saúde na Escola se mantêm articuladas a uma política formativa a
qual, segundo suas características, pudemos identificar os sentidos que a participação assume
e, consequentemente, apontar os limites e possibilidades da efetivação da Promoção da Saúde
e da Educação para Cidadania.
Contudo, certa tensão se verifica na operacionalização de ações de saúde na escola:
Na maioria dos casos, a escola tem sido lugar de aplicação de medidas de controle e
prevenção de doenças, porque o setor Saúde costuma ver a escola como um lugar
onde os alunos seriam um grupo passivo para a realização de ações de saúde. Os
professores frequentemente se queixam de que o setor Saúde usa a escola e abusa do
51
tempo disponível com ações isoladas que poderiam ser mais proveitosas, com um
programa mais participativo e protagonista de atenção integral à saúde. [...] os
programas de educação para a saúde ainda se voltam muito para o foco da doença, o
que precisa ser revisado para que tenham uma perspectiva de maior participação e de
melhor promoção da saúde e da qualidade de vida. (MS/ OPAS, 2006, p. 36)
Nesse sentido é que procuramos analisar a participação social no contexto do
Programa Saúde na Escola (PSE), seus limites e possibilidades, no horizonte da Educação
para cidadania e da Promoção da saúde.
52
3
PROMOÇÃO DA SAÚDE E O PROGRAMA SAÚDE NA ESCOLA
Nesse capítulo discutiremos as considerações conceituais, históricas, abordagens,
princípios e procedimentos operacionais da Promoção da Saúde, que incluem a participação
social e a educação em saúde, fazendo também sua articulação com o Programa Saúde na
Escola, foco de nossa análise, que por definição de seus objetivos e ações compromete-se em
desenvolver e articular ações com a promoção da saúde, mesmo que em um movimento
multifacetado e conceitualmente polissêmico.
3.1 HISTÓRICO DA PROMOÇÃO DA SAÚDE
Como vimos no capítulo anterior, a Educação em saúde (ES) esteve ao longo do
século XX e no início do século atual, marcada por mudanças epistemológicas, metodológicas
e paradigmáticas de seu fazer, que nesse percurso histórico, hegemonicamente, esteve
balizada pelo modelo médico curativo-preventivo que centrava suas ações na culpabilização
do indivíduo, baseadas no controle, normatização e supressão de comportamentos e hábitos.
A falência desse modelo de ES esteve associada a desafios sociais, políticos,
econômicos e culturais que evidenciaram sua incapacidade de formação para sanar os
problemas da saúde das populações, além da crítica de ser um instrumento de reafirmação e
reprodução de costumes, valores, crenças e condutas da hegemonia social dominante (ASSIS,
1992).
Essa mudança na ES deu-se inicialmente com conceito de saúde, especialmente na
proposta de Promoção da Saúde (PS) que descentralizou o enfoque biológico dos agravantes
da saúde, para o social, a economia e o ambiente.
A PS tem como um de seus marcos históricos, a menção do início do século XX de
Winslow, que concebeu a saúde pública como um processo bem mais amplo, que envolve a
capacidade do indivíduo de evitar doenças e de prolongar a vida, desenvolvendo-se física e
mentalmente. Além disso, Winslow ainda a destaca como um esforço conjunto da comunidade
para alcançar políticas de melhoria das condições de vida (BUSS, 2009). Já Henry Sigerist
em 1946, referenda a PS pela primeira vez em trabalhos acadêmicos como uma das quatro
tarefas essenciais da medicina, sendo as outras três: a prevenção de doenças, a recuperação
dos enfermos e a reabilitação (idem).
Nesse período a PS, enquanto conceito de saúde, esteve vinculada essencialmente a
53
uma abordagem preventiva e ligada a questões econômicas, políticas e técnicas. Nisso
destacamos o caso do Informe Lalonde (1974), que apresentou a Promoção da Saúde como
termo e conceito em um documento que pretendia o desenvolvimento de um novo campo de
saúde. Neste, foi eleita a biologia humana, o meio ambiente, estilo de vida e a organização da
assistência à saúde como âmbitos de atuação desse setor.
De acordo com Scliar (2007), era visível a adesão do informe ao conceito de saúde da
OMS (1945), que, por extensão, foi criticado por ser um ideal de viabilidade inatingível, não
sendo possível os serviços de saúde o utilizarem como objetivo na prática e, segundo críticas
de natureza política libertária,
o conceito permitia ações abusivas por parte do Estado
(SCLIAR, 2007); ademais foi visto como forma de corte de gastos do governo com a saúde o que não era de todo falso - perpassando a ideia de retirada das responsabilidades do estado
com a saúde dos indivíduos.
Em objeção ao conceito da OMS, especificamente de natureza técnica, Chistopher
Boorse (1977, apud SCLIAR, 2007) desenvolveu o conceito de saúde como a ausência de
doença. A partir deste pressuposto foram mobilizadas ações preventivas, que culminaram, por
exemplo, na erradicação da varíola, acontecimento inédito na história da humanidade (idem).
Com esse ocorrido, esperava-se que a Organização Mundial de Saúde (OMS) frente à
eficiência aparente dessa visão de saúde, fosse intensificar suas ações na prevenção da saúde.
Entretanto, a OMS surpreendeu a todos na Conferência Internacional de Assistência Primária
à Saúde em Alma-Ata, ampliando o conceito de saúde como um direito fundamental a defesa
de um estado democrático na tomada de decisões em saúde, prevendo a redução das
desigualdades sociais e o atravessamento político, econômico e social da saúde (FERREIRA,
et. al, 2007).
Por conseguinte, tentando evitar possíveis confusões, apropriações, imprecisões e
interpretações indevidas do termo Promoção da Saúde, a OMS promoveu em 1984 o encontro
de doze especialistas de diversas áreas em seu escritório na Europa. No caso, tentando
estabelecer consensos mínimos em torno de ideias, que tomadas como princípios da PS,
norteariam as reflexões e definições de políticas e estratégias de ação (FERREIRA, et. al
2007). Dessa reunião foi gerado um documento contendo os conceitos e princípios mais
gerais dessa proposta, como partida para estruturação do ideário da PS. Com efeito, os cinco
princípios apontam que:
(1) a Promoção da Saúde envolve a população como um todo em sua vida cotidiana,
em vez de focalizar grupos de risco para determinadas doenças; (2) a Promoção da
54
Saúde está voltada para a ação sobre determinantes ou causas da saúde; (3) a
Promoção da Saúde combina métodos ou abordagens diversos, porém
complementares, que incluem comunicação, educação, legislação, medidas fiscais,
mudanças organizacionais, desenvolvimento comunitário e atividades locais
espontâneas contra as ameaças à saúde; (4) a Promoção da Saúde visa
particularmente à efetiva e concreta participação pública; (5) sendo a Promoção da
Saúde basicamente uma atividade dos campos social e da saúde, e não um serviço
médico, os profissionais da saúde – particularmente os da atenção primária – têm um
importante papel a desempenhar em estimular e possibilitar a Promoção da Saúde
(WHO, 1984, apud FERREIRA, et. al, 2007, p. 5).
Porém, foi em Ottawa no ano de 1986 que o atual ideário da PS apareceu como
modelo a se atingir a “Saúde para Todos”. Sua organização expressa ações e estratégias
coordenadas entre sociedade civil e o estado com vistas a implementar a criação de políticas
públicas saudáveis, de ambientes favoráveis, do reforço da ação comunitária, o
desenvolvimento de habilidades pessoais e, a reorientação do sistema de saúde (WHO, 1986).
De acordo com essas pontuações e com base nos trabalhos de Buss (2000), Westphal
(2006), Sicoli & Nascimento (2003) e Rabello (2010), podemos destacar que a proposta de
Promoção da Saúde está organiza em torno de princípios, estratégias e campos de ação.
No que se refere aos princípios, há uma diferença entre os autores quanto ao seu
número. Sicoli & Nascimento (2003) destacam em seu trabalho que seriam sete: concepção
holística, intersetorialidade, empoderamento, participação social, equidade, ações multiestratégicas e sustentabilidade. Já Buss (2000), concebendo-os como valores, elenca um
número indefinido, citando apenas concepção holística, intersetorialidade, empoderamento,
participação social, equidade, ações multi-estratégicas e sustentabilidade (p. 165)
Em Westphal (2006), encontramos concepção holística, equidade, intersetorialidade,
participação social e sustentabilidade.
Enquanto que em Rabello (2010) há o
desenvolvimento dos seguintes princípios:
1.
2.
3.
4.
5.
A ‘promoção da saúde’ afeta a população em seu conjunto no contexto de sua
vida diária e não se centra nas pessoas que correm risco de sofrer determinadas
enfermidades;
A ‘promoção da saúde’ pretende influir nos determinantes causais ou causas
das doenças;
A ‘promoção da saúde’ combina métodos ou enfoques distintos, porém
complementares;
A ‘promoção da saúde’ orienta-se claramente a conseguir a participação
concreta e específica da população;
Os profissionais de saúde, particularmente no campo da atenção primária,
devem desempenhar um papel de grande importância na defesa e facilitação da
‘promoção da saúde’.
(RABELLO, 2010, p. 28)
Nossa interpretação nos leva a entender estes cinco princípios destacados por Rabello
55
(2010) como sendo, respectivamente: concepção holística, equidade, ações multi-estratégicas,
participação social e intersetorialidade.
Diante dessa diferença, baseados na Carta de Ottawa e nos estudos do grupo de
pesquisa do Laboratório de Currículo e Ensino (LCE) da instituição a qual o pesquisador é
filiado, destacamos em nossa investigação os princípios de recorrência comum entre os
autores e com uma proximidade maior quanto à formação para cidadania. Nesse caso, citamos
como princípios da PS: concepção holística, equidade, intersetorialidade, empoderamento,
participação social e sustentabilidade.
As estratégias para efetivação da promoção da saúde são diversas e diversificadas,
centradas em torno da: defesa da saúde, a qual envolve fatores de caráter político,
econômicos, sociais, culturais, ambientais, comportamentais e biológicos; Capacitação das
massas, no sentido de desenvolver habilidades, conhecimentos, atitudes nas pessoas; o
empoderamento seja ele individual ou coletivo, no intento de que as pessoas assumam a
direção de suas próprias vidas e; mediação, na qual todos os segmentos da sociedade
assumem suas responsabilidades quanto a conquista da qualidade da saúde. Em especial, os
grupos profissionais sociais e da saúde têm a maior responsabilidade quanto a mediar os
diferentes interesses (WHO, 1986).
Quanto aos campos de ação, são destacados cinco. De acordo a interpretação dos
autores da carta de Ottawa, seriam eles: políticas públicas saudáveis, a criação de ambientes
propícios, o fortalecimento da ação comunitária, o desenvolvimento de habilidades pessoais e
a reorientação dos serviços de saúde (BUSS, 2000; SICOLI & NASCIMENTO, 2003;
WESTPHAL, 2006; RABELLO, 2010).
O entrelaçamento dessas estratégias nesses campos de ação pode ser entendido da
seguinte forma: conforme considera a saúde como uma decisão política, a Carta de Ottawa
incube a articulação das esferas legislativa, tributária e organizacional para garantia de bens e
serviços seguros e saudáveis. Assim como instituições e ambientes limpos e aprazíveis,
garantias previstas na criação de políticas públicas saudáveis a nível governamental e social
(WHO, 1986).
O documento destaca ainda a indissolubilidade dos complexos assuntos envolvendo
população, meio ambiente e saúde no quais os sujeitos estão inseridos. Dessa forma, enfatizase a necessidade de uma abordagem socioecológica da saúde, entendida por sua vez como um
princípio orientador e estimulante que permite a efetiva contemplação das questões
relacionadas com agravos que as injustiças sociais e os problemas ambientais produzem na
56
saúde, estrategicamente à criação de ambientes favoráveis (BUSS; PORTO & PIVETTA,
2009).
Noutro momento a Carta de Ottawa defende a alteração dos padrões de vida, do
trabalho e dos tempos livres, destacados como fatores impactantes e significativos na saúde,
recomendando-os, por sua vez, como uma fonte de saúde para as populações, ao passo que
permitam condições confiáveis, motivadoras e suficientes à manutenção da vida (BUSS,
2009).
Por fim, evidencia-se que tanto na elaboração de políticas públicas, quanto no
desenvolvimento de ambientes favoráveis, é imprescindível a participação da sociedade civil
no processo constitutivo dos mesmos. Numa ação consciente e política, a comunidade define
prioridades e estratégias de implementação de melhorias para saúde, assumindo “o controle
dos seus próprios esforços e destinos”, num agir de reforço do poder coletivo, entendido como
empoderamento (WHO, 1986).
Nessa configuração da promoção da saúde, é perceptível a ênfase na formação dos
sujeitos, visto a necessidade de habilidades, competências e conhecimento para uma maior
articulação e consciência da realidade, de seus direitos e para participação social.
Nesse ponto, nossa problemática ganha ênfase nas questões envolvidas com a PS,
visto que a ressonância das determinações da nova configuração da PS na ES,
especificamente a escolar, delega-lhe uma grande parte da responsabilidade de formação dos
sujeitos, tendo em vista a necessidade de capacitação e desenvolvimento pessoal, social e
político por meio da informação e reforço das competências a uma vida saudável, tendo ainda
por finalidade, o empoderamento individual e comunitário e a participação social (WHO,
1986).
A educação em saúde assume assim, um papel importante de ferramenta de efetivação
desses ensejos. De acordo com Carvalho (2004), Buss (2009) e Czeresnia (2009), consoante
aos pressupostos da visão de PS, que tem o empoderamento coletivo como eixo articulador,
estariam as atividades educativas da ES, próximas das formulações teóricas da Educação
Popular e em contraponto com a concepção bancária de educação (CARVALHO, 2004).
3.2 ASPECTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS DA PROMOÇÃO DA SAÚDE
ENQUANTO ABORDAGEM CRÍTICA: LIMITES ENTRE PROMOÇÃO DA SAÚDE
E PREVENÇÃO DE DOENÇAS
O conceito moderno e os entendimentos sobre a prática da promoção da saúde, surgem
num cenário de crise da área da saúde pública (FREITAS, 2009), tendo como berço os países
57
desenvolvidos. A proposta aparece como uma reação à medicalização da sociedade e do
próprio sistema de saúde que estava atrelado à concepção biomédica, instituída como meio de
propagação e proteção à saúde, centrada em ações curativas, preventivas e hospitalocêntricas
(BUSS, 2009).
Os altos custos desses países com esse modelo de saúde os levaram a buscar um novo
paradigma para a área (CZERESNIA, 2009; FREITAS, 2009). A promoção da saúde enquanto
conceito foi retomado e reconfigurado, agora, representando “um enfoque político e técnico
em torno do processo saúde-doença-cuidado” (BUSS, 2009, p. 19), visto que a PS passou a
ser entendida como “o processo de capacitação da comunidade para atuar na melhoria de sua
qualidade de vida e saúde, incluindo uma maior participação no controle deste processo”
(WHO, 1986).
Nessa perspectiva, a PS assume o conceito de saúde ampliado e positivo no qual “A
saúde deve ser vista como um recurso para a vida, e não como objetivo de viver”, que “Nesse
sentido, [...] enfatiza os recursos sociais e pessoais, bem como as capacidades físicas” (WHO,
1986); rompendo assim, com a concepção de saúde que a entende como a ausência de
doenças, através de uma política internacional em saúde.
Segundo Czeresnia (2009) e
Czeresnia et al (2013), a “revalorização” da PS retoma nesse novo discurso as ideias médicosociais do século XIX, por entender a saúde amplamente relacionada com as condições de
vida dos sujeitos.
De acordo com Czeresnia et al (2013), a despeito do avanço político trazido por essa
nova conceituação da PS, ele traz consigo um problema; ou seja como conciliar coletividade
e individualidade: “[...] Saúde em seu significado amplo refere-se à própria noção de vida.
Promover a vida em suas múltiplas dimensões envolve, por um lado, ações do âmbito de
políticas do Estado e, por outro, a singularidade e autonomia das pessoas” (p. 70).
Além disso, o contexto de criação do conceito moderno de promoção da saúde é
polêmico. Pelas peculiaridades de sua formação, a promoção da saúde em sua proposta
moderna é acusada de ser uma política liberal que pretende o esvaziamento da
responsabilidade do estado com a saúde dos indivíduos, visto que a certa medida, ela se
enquadra como uma política de contenção de gastos do governo na saúde pública (FREITAS,
2009). Por outro lado, a PS pode ser vista como um importante mecanismo de emancipação
dos indivíduos, visto seu potencial de formação política nas busca de melhorias para a saúde.
Outro ponto polêmico diz respeito à estreita relação entre prevenção de doenças e
promoção da saúde. Como veremos mais adiante, a promoção da saúde historicamente esteve
58
atrelada e tinha uma tendência vinculada à prevenção de doenças, chegando a ser colocada
como um nível da prevenção primária por Leavell & Clark (1976, apud CZERESNIA, 2009).
Contudo, na nova ideia de promoção da saúde há um redimensionamento da concepção
de saúde, fazendo com que a responsabilidade da saúde, antes atrelada ao indivíduo, seja
transferida para o coletivo, tendo em vista o sujeito em sua complexidade social e a produção
social da saúde e da doença (CZERESNIA et al, 2013). Tal perspectiva pressupõe uma
abertura de canais para se entender a malha de conexões que a saúde implica e, suscita ainda,
por parte do indivíduo, uma concepção globalizada da sistemática social que envolve sua
saúde.
Apesar disso, não é incomum as confusões entre essas duas perspectivas. Esse assunto
tem sido foco de debates (BUSS 2000,2009; CZERESNIA, 2009; RABELLO, 2010;
SICOLLI, 2003, FREITAS, 2009; WESTPHAL, 2006; MIRANDA, 2013) no sentido de
aclarar as diferenças entre essas duas abordagens.
Segundo Czeresnia (2009), podemos entender que:
As ações preventivas definem-se como intervenções orientadas a evitar o surgimento
de doenças específicas, reduzindo sua incidência e prevalência nas populações. A
base do discurso preventivo é o conhecimento epidemiológico moderno; seu
objetivo é o controle da transmissão de doenças infecciosas e a redução do risco de
doenças degenerativas ou outros agravos específicos. Os projetos de prevenção e de
educação em saúde estruturam-se mediante a divulgação de informação científica e
de recomendações normativas de mudanças de hábitos. (CZERESNIA, 2009 p. 49).
Em relação à promoção da saúde Czeresnia (2009) também esclarece que:
[...] define-se, tradicionalmente, de maneira bem mais ampla que prevenção, pois
refere-se a medidas que “não se dirigem a uma determinada doença ou desordem,
mas servem para aumentar a saúde e o bem-estar gerais” (Leavell & Clarck, 1976:
19). As estratégias de promoção enfatizam a transformação das condições de vida e
de trabalho que conformam a estrutura subjacente aos problemas de saúde,
demandando uma abordagem intersetorial (Terris, 1990) (CZERESNIA, 2009, p.
49).
Na PS como vimos, o conceito de saúde é bem mais amplo e desenvolvido numa
perspectiva positiva. Nesse sentido, suas ações pautam-se num modelo de intervenção
participativo, focados na população como um todo e no contexto no qual ela se insere. Seu
foco estende-se a uma rede de temas de saúde e não necessariamente uma patologia
específica. Suas estratégias são diversas e complementares em torno da facilitação e
59
capacitação em saúde e por sua vez oferecida a toda a população. Aqui, não há um setor ou
grupo profissional específico para promover a saúde, podendo englobar diversas organizações
sociais, como Ong’s, escolas, organizações de bairro, governos locais, municipais, regionais e
federais, dentre outros (STACHTCHENKO E JENICEK, 1990 apud BUSS 2009; FREITAS,
2009). Essa caracterização da prevenção de doenças e da promoção da saúde é sintetizada
pelos autores no seguinte quadro:
PROMOÇÃO DA SAÚDE
PREVENÇÃO DAS DOENÇAS

Saúde = conceito positivo e
multidimensional

Saúde = ausência de doenças

Modelo participativo de saúde

Modelo médico

Direcionado à população no seu
ambiente total

Direcionado principalmente aos
grupos de alto risco na população

Envolve uma rede de questões de
saúde

Envolve patologias específicas

Estratégias diversas e
complementares

Estratégia única

Estratégias diretivas e persuasivas

Abordagens facilitadoras e
integradoras

Medidas diretivas são fortalecidas em
grupos-alvo

Medidas incentivadoras são
oferecidas à população


Mudança no status dos homens e de
seu ambiente são buscadas nos
programas
Programas focalizando
principalmente tópicos individuais e
de grupos


Organizações não-profissionais,
grupos cívicos e governos municipais,
regionais e nacionais são necessários
para se atingir as metas de promoção
da saúde
Programas preventivos são assunto
dos grupos profissionais das
disciplinas da saúde
Quadro 2- Diferenças nos conceitos presentes nas abordagens da promoção da saúde versus prevenção
das doenças. Fonte: Stachtchenko e Jenicek, (1990 apud FREITAS, 2009).
Como constatado e com base em Czeresnia (2009), percebemos que o conteúdo teórico
entre essas duas abordagens se diferenciam com exatidão. Porém, nas práticas de PS há uma
recorrente confusão, com o professar de uma abordagem de promoção da saúde, mas,
restringindo-se as ações ao círculo da prevenção de doenças (SICOLI & NASCIMENTO,
2003).
Reforçando o que foi dito, Buss (2009) assinala que é essa linha divisória entre
prevenção e promoção um dos pontos mais críticos no debate sobre PS. Enquanto que
60
Czeresnia (2009) destaca que as dificuldades dessa distinção, a qual leva as constantes
incompreensões, inconsistências e confusões entre Promoção e Prevenção, reside
em
questões mais nucleares em torno do desenvolvimento da medicina moderna e da saúde
pública.
Contudo, Buss (2009) considera tais abordagens como complementares, tanto no
âmbito individual quanto coletivo. E tomando-as como possibilidades de ações da promoção
da saúde, as delimita como Promoção da saúde ampliada, quando se propõe a ações coletivas
embasadas no conceito ampliado de saúde e; Promoção da saúde à prevenção de doenças,
quando as ações se centram em prevenir doenças.
Diante disso, podemos entender que a Promoção da Saúde possui diversos eixos,
abordagens e concepções e que estes podem estar tendendo a uma determinada abordagem ou
não. Nesse sentido, enfatizamos o quadro desenvolvido por Westphal (2006):
ABORDAGENS
BIOMÉDICA
COMPORTA MENTAIS
SOCIOAMBIENTAL
Conceito de saúde
Ausência de doenças e
incapacidades
Capacidades físico-funcionais;
bem-estar físico e mental dos
indivíduos
Estado positivo; Bem-estar
biopsicossocial e espiritual;
Realização de aspirações e
atendimento de necessidades
Condições biológicas e
fisiológicas para categorias
especificas de doenças
Biológicos, comportamentais;
Estilos de vida inadequados à
saúde
Condições de risco biológicas,
psicológicas, socioeconômicas,
educacionais, culturais, politicas e
ambientais
Vacinas,
Analises clínicas individuais
e populacionais, terapias
com drogas, cirurgias
Mudanças de comportamento
para adoção de estilos de vida
saudáveis
 Coalizões para advocacia e ação
politica;
 Promoção de espaços saudáveis;
 Empoderamento da população;
 Desenvolvimento de habilidades,
conhecimentos, atitudes;
 Reorientação dos serviços de
Saúde
Gerenciamento profissional
Gerenciamento pelos
indivíduos, comunidades de
profissionais
Gerenciados pela comunidade em
dialogo critico com profissionais e
agências
Determinantes de saúde
Principais estratégias
Desenvolvimento de programas
Quadro 3- Concepções de saúde e diferentes visões da Promoção da Saúde. Fonte: Westphal (2006, p. 646)
Esse quadro em nossa interpretação mostra as abordagens interligadas, de uma forma
gradual onde cada uma compreenderia a abordagem anterior. Por fim, a abordagem
socioambiental compreenderia todas as abordagens anteriores, constituindo-se como uma
ação em saúde multifacetada que se utiliza de diferentes meios e recursos para alcançar a
saúde nela ensejada.
Comparando as informações ora encontradas, podemos dizer que a Promoção da
61
Saúde ampliada a que se refere Buss (2009) desenvolve-se através de uma abordagem
socioambiental.
A promoção da saúde nessa concepção nos interessa, pois traz inúmeras interfaces que
convergem e se assemelham com a formação para cidadania. Além disso, nos dá a
possibilidade de, junto ao nosso aporte metodológico, desenvolvermos instrumentos analíticos
com os quais possamos compreender os sentidos da participação social no Programa de Saúde
na Escola, sendo este nosso interesse no tópico a seguir.
3.3 A PERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO EM SAÚDE NO VIÉS DA PROMOÇÃO DA
SAÚDE E SUAS INTERFACES COM A FORMAÇÃO PARA CIDADANIA
A educação em saúde é tida como uma das estratégias centrais para efetivação da PS.
Talvez baseada nesse pressuposto a Organização Pan-americana de Saúde (OPAS/95) tenha
lançado em 1995 a iniciativa da Escola Promotora de Saúde no sentido “de fortalecer e
ampliar a colaboração entre os setores de saúde e educação nas práticas de saúde escolar,
incluindo apoio e cooperação dos pais e da comunidade e impulsionando políticas na
comunidade escolar” (MOURA et al, 2007, p. 496).
A formulação da proposta Escola Promotora de Saúde representa a importância que as
escolas têm para educação em saúde, tendo em vista serem elas um espaço potencialmente
propício à formação dos sujeitos em saúde e para cidadania, como nos aponta o próprio PSE:
A escola deve ser entendida como um espaço de relações, um espaço privilegiado
para o desenvolvimento crítico e político, contribuindo na construção de valores
pessoais, crenças, conceitos e maneiras de conhecer o mundo e interfere diretamente
na produção social da saúde. (BRASIL, 2009, p. 8)
Em suas pontuações Harada (s/d) destaca que a proposta Escola Promotora da Saúde
“facilita a participação de todos os integrantes da comunidade escolar na tomada de
decisões; colabora na promoção de relações socialmente igualitárias entre as pessoas, na
construção da cidadania e democracia, e reforça a solidariedade, o espírito de comunidade e
os direitos humanos” (p. 6, grifo nosso).
Dessa forma, e levando-se em consideração que essa proposta é uma estratégia à
efetivação da Promoção da Saúde, entendemos que os trechos destacados sejam eixos do
trabalho da educação em saúde no viés da PS na escola, guardando assim, uma forte
vinculação com a formação para cidadania. Esse dado pôde ser constatado na etapa de
revisão da literatura desta pesquisa.
62
Nossa revisão da literatura teve como objetivo central compreender como estava sendo
articulada a formação para a cidadania nos trabalhos desenvolvidos na educação em saúde
como componente curricular da educação escolar em ciências, além de apontar os princípios
que a configurava. Contudo, pudemos ainda perceber as interfaces que a formação para
cidadania tem com educação em saúde no viés da PS , destacando-se os trabalhos de Moura et
al (2007) e de Bydlowski et al (2011).
Moura et al (2007) apresentam a Escola Promotoras de Saúde como uma proposta
paradigmática à escola tradicional, historicamente caracterizada como conservadora e
reprodutora da ordem vigente (MOURA, 2007). De acordo com os autores, a proposta de PS
apresenta fortes contribuições à constituição e exercício da cidadania.
Nesse sentido, a
“escola-modelo”, promotora de saúde, contribuiria para aquisição de capacidades e
competências individuais e coletivas em um objetivo duplo: “desenvolver hábitos saudáveis e
possibilitar o pleno exercício da Cidadania” (MOURA et al, 2007, p. 496).
Já Bydlowski et al (2011) desenvolve uma articulação da proposta de PS com os ideais
de formação cidadã. No trabalho, os autores investigam as representações sociais dos
professores sobre cidadania. Os autores utilizam-se do eixo articulador a escola formadora de
cidadãos, para traçar interfaces e pontos de contribuição mútua entre a formação para
cidadania e a Promoção da Saúde numa abordagem educativa.
Nessa perspectiva, a ES é colocada pelos autores como condição à promoção do
empoderamento da população, desenvolvida através da capacitação para atuar no controle de
sua própria vida (BYDLOWSKI et al, 2011), destacando, ainda, os elementos identidade,
pertencimento e conhecimento como pontos favoráveis à educação para cidadania. Porquanto,
esses três elementos são eixos de articulação entre ES e a PS, pois, ao produzir criticidade e
sentido de comunidade, tornam-se componentes construtivos do exercício da cidadania, sendo
estes elementos, promotores diretos do empoderamento, um dos mecanismos constitutivos da
PS (idem).
Com base nessas informações e em Sícoli & Nascimento (2003) e Westphal (2006),
entendemos que a participação é um conceito central da interface educação em saúde,
Promoção da Saúde e formação para cidadania. Nesse sentido, da pesquisa em andamento do
Laboratório de Currículo e Ensino (LCE) a que o pesquisador é filiado, nos apropriamos de
treze conceitos centrais, selecionados na literatura sobre o tema (CZERESNIA, 2009; BUSS,
2000; SÍCOLI & NASCIMENTO, 2003; WESTPHAL, 2006),
para servirem como índices
de identificação da participação social, a saber: decisão (tomada de decisão); empoderamento;
63
democracia; cidadania; participação (comunitária e social); parceria; estratégias; ações
comunitárias concretas; acesso a informação; prioridades; controle social; avaliação.
Desses, cinco foram tomados como categorias de análise a priori: (i) Decisão (tomada
de decisão), (ii) Empoderamento, (iii) Cidadania, (iv) Participação (comunitária e social) e (v)
Controle Social. No caso da seleção, com base nos autores ora citados, entendemos que essas
categorias caracterizem a participação social na PS, por sua efetivação ser condicionada por
cada uma delas.
(i)
Decisão (tomada de decisão)
No campo das ações da Promoção da Saúde consta o reforço à ação comunitária que por
meio da mediação do empoderamento pode-se construir uma consciência na comunidade para
que esta assuma “o controle dos seus esforços e destinos” (OMS, 1986), intervindo no
ambiente em que está inserida, no sentido de definir prioridades e estratégias, planejar e tomar
decisões. Desta forma, é pré-condição para que isto ocorra, a ampliação do poder e
capacitação dos diferentes atores envolvidos nesse processo, bem como, a abertura de canais
de participação nas ações de saúde.
(ii)
Empoderamento
Destacado como princípio em Sicoli & Nascimento (2003), um mecanismo estratégico
à participação social em Westphal (2006) e um eixo central da promoção da saúde, o
empowerment é previsto pela carta de Ottawa (1986) “como o reforço das comunidades para
que assumam o controle dos seus próprios esforços e destinos” (OMS, 1986). Contudo, este
termo originário das lutas populares pelos direitos civis, especialmente dos movimentos das
minorias ao longo da segunda metade do século XX, toma noções de diferentes campos de
conhecimento (CARVALHO, 2004; HOROCHOVSKI E MEIRELLES, 2007). Além disso,
sua tradução para nossa língua tem sido complexa, tendo em vista os diferentes significados
atribuídos ao termo.
Essa polissemia tem sido foco de tensões teórico-metodológicas em sua dimensão
prática para a promoção da saúde, bem como, vem sendo proposto e problematizado em seus
aspectos epistemológicos e filosóficos, devido a sua noção central, o conceito de poder. Há
quem o entenda como “a habilidade para controlar os fatores externos que determinam a
própria vida” (ROBERTSON & MINKLER, 1994, apud, PORTO & PIVETTA, 2009); a
64
capacidade de impor o método de decisão (MARTINEZ-ALIER, 2002, apud, PORTO &
PIVETTA, 2009), ou mesmo defenda um “apoderamento” (ARAÚJO & CARDOSO, 2010),
no sentido de apropriação; de tomar posse, no caso estrito da comunicação: dos meios de
produção, dos canais de produção, dentre outros.
Porém, o termo empoderamento aqui entendido, aproxima-se da noção de Guareschi
(2010) na qual “o poder não é dado, ou mesmo outorgado, mas perpassa pela noção de
ativação da potencialidade criativa dos sujeitos e de forma geral, de suas capacidades. É mais
que um ato psicológico individual, é um ato social e político” (MIRANDA et. al, 2013, p
241). Em que a tomada de consciência confere aos indivíduos “o poder”, de enxergar brechas
e ideologias, de transformação das relações sociais de dominação.
(iii)
Cidadania
Definir cidadania num aporte teórico específico não é uma tarefa das mais fáceis, nem
mesmo na PS, visto sua própria teoria ser um processo em construção (RABELO, 2010).
Contudo, a relação direta dos governos ocidentais com os modelos democráticos liberais
atuais, nos faz presumir que a cidadania preconizada na PS está próxima dos modelos
deliberativo-participativos de democracia, como o desenvolvido por Habermas, no qual
cidadania “é frequentemente articulada à inculcação dos direitos democráticos e da disposição
para a cooperação, deliberação, construção de consenso e tomada de decisão, considerados
essenciais às sociedades democráticas” (VILANOVA, 2011, p. 98).
(iv)
Participação (comunitária e social)
Segundo a OMS (1984), “A participação é compreendida como o envolvimento dos atores
[...] no processo de eleição de prioridades, tomadas de decisão, implementação e avaliação de
iniciativas (BRASIL, 2001)” (OMS, apud WESTPHAL, 2006 p. 656).
No caso, podemos entender que a uma proposta na chancela da PS, está próxima da
autogestão (BORDENAVE, 1986), onde a comunidade toma parte do processo como um todo
desde a seleção das prioridades à avaliação do projeto, ação ou proposta de saúde. Westphal
(2006) discutindo os limites entre PS e prevenção de doenças, declara: “A impossibilidade de
participação nos processos de tomada de decisão ou a não inclusão de ações motivadoras do
empoderamento coletivo nos programas de prevenção, impedem que essas ações sejam
classificadas, dentro da rubrica da Promoção da Saúde” (p. 657). Neste sentido, podemos
65
entender que a participação social é uma condição para efetivação e reconhecimento de uma
ação de Promoção da Saúde.
(v)
Controle social
Na Promoção da Saúde entendemos que o controle social se dá no sentido da comunidade
assumir a ingerência das ações do Estado, monitorando e direcionando parâmetros às políticas
públicas de saúde, no intuito de atender as prioridades da população. Dessa forma, dá-se o
redirecionamento das ações às particularidades ou prioridades dos agravos de saúde de cada
local.
De acordo com a Carta de Ottawa, espera-se que “o desenvolvimento pessoal e social através
da divulgação de informação, educação para a saúde e intensificação das habilidades vitais”
possa aumentar “as opções disponíveis para que as populações possam exercer maior controle
sobre sua própria saúde e sobre o meio ambiente, bem como fazer opções que conduzam a
uma saúde melhor” (OMS, 1986).
66
4
PARTICIPAÇÃO SOCIAL
" participação está na ordem do dia devido ao
A
descontentamento geral com a marginalização do
povo dos assuntos que interessam a todos e que são
decididos por poucos (Bordenave, 1986, p. 12).
Nessa consideração, o autor parece descrever o cenário político-social atual em que a
palavra participação tem sido incorporada em vários discursos aparentando ter um sentido
propositadamente positivo, o que tem permitido a aceitação por parte da população de ações e
de determinações muitas vezes contrárias e incoerentes aos seus interesses. Por sua vez
legitimam decisões de órgãos e entidades ditos participativos, mas que em muitos casos
mascaram a arbitrariedade das ações.
A participação, especialmente a social, entrou na agenda das discussões públicas e
acadêmicas há pouco tempo (TEIXEIRA et al, 2009), principalmente a partir da segunda
metade do século passado, sendo generalizada de forma mais intensa nas primeiras décadas
do corrente século. No cenário brasileiro, a apropriação do termo nos discursos, de uma
forma geral, tornou-se mais presente com a redemocratização do país que culminou na
formulação da constituição de 1988, que a tornou institucional. No artigo 204, inciso II sobre
as disposições quanto dos recursos orçamentários da assistência social, por exemplo, ficou
determinada “a participação da população, por meio de organizações representativas, na
formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis” (BRASIL, 1988, p. 34,
grifo nosso).
Essas prescrições se estendem em várias temáticas ao longo do texto da lei. Pode-se
constatar a participação nos direitos sociais, na administração pública, nas disposições
orçamentárias e, além de muitas outras, na administração da saúde. Este setor é apontado
como pioneiro na gestão participativa, com o marco da lei no 8.142/90 que descentralizou a
gestão do sistema de saúde através dos mecanismos de participação deliberativa dos
conselhos e das conferências de saúde. A população, enquanto comunidade, passa a ter um
lugar garantido em lei de participação nas decisões do SUS.
Apesar disso, está implícita ou explícita nas pesquisas a necessidade de capacitação
dos sujeitos para o exercício da participação (SILVA & PELLICIONE, 2013; GOHN, 2004;
TEIXEIRA, 2009). Como, também, é consenso a polissemia do termo (SILVA &
PELLICIONE, 2013; GOHN, 2004; TEIXEIRA et al, 2009; GOULART, 2004).
67
Segundo Goulart (2004) participação é um conceito histórico, tanto em sua forma
normativa como em sua prática concreta. Um exemplo dessa polissemia é dado pelo autor
quando afirma o uso indiscriminado dos termos “participação social, participação comunitária
e controle social” como forma de designação do fenômeno da participação da sociedade civil.
Talvez isso se dê, pelo conceito de participação ter se diluído em diversas teorias (TEIXEIRA
et al, 2009), bem como apresentar diferentes matizes no contexto histórico, econômico,
político e social pelo qual passou (GASCÓN et al, 2005).
Esse fato, no entanto nos surge como uma problemática, pois, assim como Teixeira et
al (2009, p. 220), tendemos a nos perguntar “o que é ou que está sendo entendido como
participação?”. Qual o sentido dado à participação social em saúde e em educação? E na
Promoção da Saúde, o que é participação social?
Nesse sentido, procuramos discutir a participação social etimológica, prática e
historicamente, no sentido apreendermos suas bases conceituais. Além disso, delinearmos
como a participação social entra na agenda da educação em saúde em sua perspectiva escolar;
como se torna uma demanda do Programa Saúde na Escola e, por fim, entendermos seu
sentido na Promoção da Saúde ampliada.
4.1 DA PARTICIPAÇÃO POLÍTICA À PARTICIPAÇÃO SOCIAL
A participação social é um conceito polissêmico que para seu entendimento necessita
ser contextualizado histórica e socialmente, pois como nos indica Teixeira et al (2009) não há
um marco teórico que o comporte, ora sim, diferentes quadros teóricos e históricos que nos
dão diferentes noções do conceito.
A linha que propusemos traçar para o entendimento do termo e que, por sua vez, nos
servirá de pano de fundo para compreendermos a proposta de participação social no PSE,
centra-se mais especificamente na participação social enquanto prática, especialmente, a
proposta originada dos movimentos sociais das décadas de 70 e 80, que cunha o sentido
contemporâneo do termo. Contudo, em vários momentos recorreremos a terminologias
filosófico-políticas e científico-sociais para maior esclarecimento das relações políticoestatais que a envolvem.
Em seu sentido amplo (STOTZ, 2008) ou, como a define Teixeira et al (2009, 221),
sua “perspectiva semântica vernacular”, o conceito assume em sua forma etimológica a
acepção de “tomar parte” (STOTZ, 2008; TEIXEIRA et al, 2009).
68
Adotando essa concepção, Bordenave (1986) analisa três formas diferentes de
participação, concebendo-as como “fazer parte, tomar parte e ter parte”. O “fazer parte” é
entendido como a pertença do indivíduo a um grupo, agremiação, sociedade, dentre outros.
“Tomar parte” é estar, decidir, compartilhar o bem comum, enquanto “ter parte” alude ao
sentimento de se sentir, de ter, de possuir parte desse meio.
Essa breve descrição já nos demonstra a complexidade que se tem ao falar de
participação, pois entendemos que os sujeitos podem “fazer parte” de alguma sociedade sem
que, necessariamente “tome parte” (BORDENAVE, 1986), ou seja, que esteja, mas não
frequente ou se envolva em suas decisões. O autor considera que reside nesta situação a
diferença entre a participação passiva e a participação ativa. Talvez esteja ai, também, a
potencialidade do termo tanto para coesão quanto para mudança social (STOTZ, 2009).
Embora a acepção “tomar parte” seja considerada por Bordenave (1986) como “um
nível mais intenso de participação” (p. 22), ainda assim, encontraremos diferenças na
qualidade desta, pois o cidadão pode estar fazendo parte da sociedade, mas não ter
participação nas decisões importantes. Sani (1999) parece corroborar com essa perspectiva
quando destaca que “o termo participação se acomoda também a diferentes interpretações, já
que se pode participar, ou tomar parte nalguma coisa, de modo bem diferente, desde a
condição de simples espectador à de protagonista de destaque” (p. 888).
Para além do sentido etimológico da palavra, ou seja, sua concepção históricopolítico-social, Stotz (2008) o define como a “democratização ou participação ampla dos
cidadãos nos processos decisórios em uma dada sociedade”. Essa conceituação caracteriza a
noção atual de participação, a qual , segundo Teixeira et al (2009), ampliou sua antecessora, a
participação política, incluindo nesse processo a presença das massas desabastadas dos bens e
produções sociais e, dos direitos sociais, tais como saúde, educação, habitação, trabalho, etc.
Para Stotz (2008), no sentido “mais estrito e de caráter político, participação significa
democratização ou participação ampla dos cidadãos nos processos decisórios em uma dada
sociedade. Representa a consolidação, no pensamento social, de um longo processo histórico”
(p. 293).
Nessa acepção, o sentido de participação envolve diferentes formas, visto os períodos
histórico-sociais nos quais passou, sendo somente a partir da análise contextualizada que
poderemos apreender seus significados.
No imaginário grego de democracia já havia distinções entre o ideário da participação,
com a segregação da sociedade, onde mulheres e escravos não eram considerados como
69
cidadãos e não tinham direito de participar.
Aristóteles, distinguindo formas diversas de democracia, descrevia governos com
participação igualitária de pobres e ricos e com “a soberania da massa e não da lei, sendo esta
última, para ele, a forma de governo mais corrupta e detestável” (BOBBIO, 2004 apud
GOULART, 2004). Segundo Stotz a participação na pólis era uma condição do ser cidadão,
exigência do desenho democrático da sociedade ateniense. Valendo ressaltar que essa
participação era restrita aos homens livres.
Apesar disso, é com os contratualistas que a participação tomará a forma e expressão
moderna. Expoentes do século XVII, Locke e Rousseau propuseram duas formas distintas e
antagônicas de participação. Enquanto o primeiro propunha a “representação como verdadeiro
mecanismo do exercício democrático” (GOULART, 2004, p. 2), o segundo pugnava “pelo
exercício direto do poder pelos próprios cidadãos” (idem). Tal fato fez Goulart (2004) afirmar
Rousseau como pai da participação social moderna, visto que Rousseau advoga a vontade de
todos como uma entidade capaz de produzir “leis decorrente da participação igualitária de
todos os membros” (p. 2).
Teixeira et al (2009, p. 227) aponta que no século XIX, o conceito passou a “abrigarse sob as teorias da democracia liberal ou sob os diferentes “modelos” de democracia”,
colocando esta como precondição para que haja a participação ampla da sociedade nas
decisões estatais, especificamente através do sufrágio, pugnado a universalidade.
A sociedade, então, passa a participar de forma indireta, através da representação
parlamentar. Goulart (2004) afirma que “A partir do século XIX, tanto na tradição liberal
como na socialista, estão presentes ideias relativas às diversas formas de democracia e de
participação política” (p. 2).
Posteriormente, a desconfiança face à participação política representativa direcionou
cada vez mais os cidadãos e grupos organizados a buscarem uma forma mais direta de
participação. O debate teórico-político no século XX substituiu no termo o “adjetivo política
pelo adjetivo social” (TEIXEIRA et al, 2009), sendo utilizados, agora, como sinônimos, a
despeito de serem conceitos diferentes, visto que a participação política trata-se da
participação de todos os membros da polis, enquanto participação social vai se referir “a
segmentos específicos da população: os pobres, os excluídos, as minorias” (p. 223).
Podemos dizer que essa concepção é retomada no século XX sob o ideário do welfarestate, quando a luta por saúde, educação, habitação, transporte, etc., ou seja, por direitos
sociais, articula esses grupos política e ideologicamente, os quais passam a reivindicar maior
70
participação no sentido de influenciar a formação, execução, fiscalização e avaliação de
políticas públicas na área social no sentido de melhorarem suas condições de vida
(MACHADO 1987 apud CORREIA, 2009; STOTZ, 2008).
No Brasil, especificamente nos anos 70, a conjuntura política social de coação e
negligência social da ditadura militar, incitou a ação de movimentos populares que à revelia
das ações violentas do militarismo, “criaram novos espaços e formas de participação e
relacionamento com o poder público” (JACOBI, 2002, p. 446).
Jacobi (2002) aponta, ainda, que nesta década, as influências do contexto econômicointernacional pressionaram mudanças nas estruturas burocráticas estatais de vários governos,
implicando em certa abertura “a delegação de funções à sociedade (e ao mercado), bem como
a criação de mecanismos participatórios destinados a desburocratizar – melhor seria dizer
domesticar - os processos decisórios” (TEIXEIRA et al, 2009, p. 237).
Esse último apontamento do autor nos instiga a esclarecer que muitas ações
governamentais, como a saúde, contavam com a participação da população. Contudo, esta era
uma participação passiva de cooperação com ações propostas, como nos clássicos mutirões, o
chamado voluntarismo.
Na década de 1980, outro termo de participação é formulado, cujo sentido dista dos
anteriores por romper com o processo de desenvolvimento capitalista e se convencionar com a
“formulação e implementação de políticas públicas afetas às classes trabalhadoras” (Stotz,
2008, p.295). Contudo, a participação popular, segundo Jacobi (2002):
se transforma no referencial de ampliação das possibilidades de acesso dos setores
populares dentro de uma perspectiva de desenvolvimento da sociedade civil e de
fortalecimento dos mecanismos democráticos, mas também de garantia da execução
eficiente de programas de compensação social no contexto das políticas de ajuste
estrutural e de liberalização da economia e de privatização do patrimônio do
Estado.(p. 444).
O apogeu da discussão da participação social no Brasil dá-se com a promulgação da
Constituição Cidadã de 1988, onde na contramão das tendências neoliberais a participação
social, incorporou demandas de cunho universalista quanto à proteção social (STOTZ, 2008).
A participação aparece no texto da lei maior, sob a adjetivação comunitária, termo de origem
sociológica clássica (GOULART, 2004) que segundo Stotz (2008), pelo menos na saúde,
representa uma limitação da participação, levando-se em conta a história político-brasileira.
Segundo Goulart (2004) a participação social que daí segue, embora não seja
mencionada na lei, assume o sentido de controle social, um termo não menos polissêmico,
71
geralmente usado no sentido de controle da massa social e que agora passa a significar
também a ação dos cidadãos no controle das ações governamentais.
Goulart (2004) atenta ainda para as origens da participação social que, segundo o autor
não se inaugura no advento da constituição de 1988, nem mesmo nos acontecimentos
políticos e jurídicos dos anos 90, reconhecendo na ação dos grupos ideológica e politicamente
organizados nas décadas anteriores e surgidos da própria sociedade, o protagonismo na
instituição da participação social no país. É fato que esses grupos, por exemplo, influenciaram
diretamente o contorno do sistema de atenção à saúde quando “Propuseram e organizaram a
VIII Conferência Nacional de Saúde, marco do imaginário sanitário brasileiro” (GOULART,
2004, p. 7) e que se fizeram ouvir na Lei 8.142/90 que dispõe sobre a participação da
comunidade na gestão do sistema único de saúde (SUS).
Para Stotz (2008) uma crescente desmobilização dos grupos populares se deu nos anos
de 1990, que segundo o autor citando Bourdieu (2001), está relacionado ao “contexto de
fragmentação das lutas e 'demissão' do Estado” (p. 297).
Em súmula, cabe ressaltar dois pontos importantes sobre os sentidos discutidos aqui de
participação, tanto em suas acepções etimológicas, quanto histórico-sociais, que nos servirá
de premissa na análise de nossos dados. O primeiro, diz respeito à constatação de que a
participação apresenta diferentes tipos e níveis, e que nesse ponto reside a problemática da
participação social, pois como vimos, ações sob o jargão participativas podem estar
mascarando a arbitrariedade ou mesmo respaldando mecanismos de conformação da
hegemonia social.
Em segundo, sua forte correlação com os sistemas democráticos, sendo uma condição
fundamental, que não lhe dá garantia, mas que permite a luta por sua existência, o que não
poderíamos encontrar em um sistema totalitário e centralizador do poder.
Nesse sentido, podemos entender que a participação social em seu sentido atual, e
restritamente político, como o definiu STOTZ (2008), está associado aos modelos liberais de
democracia representativa e deliberativa, visto estas possuírem mecanismos que permitem o
desenvolvimento e expansão da participação social. Um mecanismo bastante importante seria
a cidadania, que dos modelos contemporâneos destaca-se o modelo de democracia
habermasiana ou procedimentalismo7 (VILANOVA, 2011).
7
De acordo com Vilanova (2011, p. 97) o modelo procedimental de democracia baseia-se em processos
deliberativos de política que “necessitam do envolvimento de todos os grupos que compõe a sociedade e isso
pressupõe uma cultura compartilhada. No entanto, esta cultura é de natureza política, e não baseada nas
diferentes culturas e identidades de cada grupo. Neste caso, o sentimento de pertencimento a uma comunidade é
72
4.2 PARTICIPAÇÃO SOCIAL EM SAÚDE
Como destacamos anteriormente, em saúde vale ressaltar o protagonismo dos grupos
que se articularam ideológica e politicamente na luta pelo direito a saúde e a criação de
mecanismos de construção, controle, avaliação e execução das políticas públicas nesse setor.
Após dar o devido reconhecimento a esses grupos, destaca-se que o marco da
participação social na saúde se dá, como em muitos outros setores da proteção social, com a
Constituição de 1988 e da lei 8.142 de 1990, que propiciou à população a institucionalização
da participação na gestão do sistema único de saúde. Como já foi citado, Stotz (2008)
considera que a congregação da participação social no termo comunitária, compõe-se como
uma limitação da participação na Constituição Federal, embora corrigida na lei 8.142/90, que
organizou a estrutura da participação da população na gestão do sistema único de saúde, agora
sob a acepção do controle social (CORREIA, 2008).
Conceitualmente entendemos que esse termo, em saúde, assuma a perspectiva das
classes menos favorecidas, na qual se expressa “na atuação de setores organizados
na sociedade civil que as representam na gestão das políticas públicas no sentido de controlálas para que atendam, cada vez mais, às demandas e aos interesses dessas” (CORREIA, 2008,
p. 68). Nesse caso podemos entender participação em saúde segundo Machado (1987) como
“o conjunto de intervenções que as diferentes forças sociais realizam para influenciar a
formulação, a execução e a avaliação das políticas públicas para o setor saúde” (p. 299).
Esse sistema de “controle” institucionalmente se dá através de duas instâncias, as
Conferências e os conselhos de saúde, os quais são distribuídos nas três esferas do poder:
municipal, estadual e nacional.
Em sua extensa pesquisa sobre o impacto das conferências nacionais no congresso
nacional, Progrebinschi & Santos (2011) apontam uma proeminência nas respostas decisórias
do Legislativo à temática saúde, quando são levados em consideração os demais temas das
conferências de outros setores. De acordo com os autores, isso pode estar relacionado com o
tempo de institucionalização e assentamento da rede de atuação da “sociedade civil” nas
políticas do setor.
Para Stotz (2008) a despeito de suas limitações, as conferências junto com os
conselhos de saúde, “constituem um campo político que expressa, nas circunstâncias da
conjuntura da saúde, uma aliança entre profissionais de saúde e usuários em contraposição à
ofensiva neoliberal” (p. 297).
oriundo do compartilhamento de valores encontrados em princípios constitucionais (como, por exemplo, os
direitos humanos e a soberania popular).”
73
Goulart (2004), de forma cautelosa, corrobora a ideia de serem as conferências e
conselho de saúde instrumentos legítimos de controle social, contudo discute a distinção de
seus papeis levando em consideração terem eles naturezas distintas, sinalizando alguns pontos
nefrálgicos da participação nesses espaços, segundo o autor a de se alertar para:
(a) autonomização, levantando a expectativa social de que nos conselhos de saúde
residiria, de fato e de direito, um quarto poder; (b) plenarização mediante a
transformação dos conselhos de saúde em fóruns de debates entre os diversos
segmentos sociais, nem sempre com a participação do Estado, o qual, aliás, por
definição legal, é fortemente minoritário; (c) parlamentarização, com formação de
blocos ideológicos e partidários intra-conselhos e tomadas de decisão por votação,
não por consenso; (d) profissionalização, dadas as fortes exigências da participação
social, dentro daquilo que já havia sido percebido por Godbout (1983) no Quebec há
mais de duas décadas, abrindo caminho para a constituição de verdadeiros
profissionais da participação, ou seja, grupos restritos formados geralmente por
funcionários públicos e aposentados; (e) auto-regulação, que representa uma
particularidade praticamente exclusiva da área da saúde. (p. 26, grifo nosso)
De acordo com Cortes (1996) é necessário ainda, salientar as influências que os
processos
participatórios
institucionalizados
nessa
época
tiveram
das
instituições
internacionais e da reconfiguração das democracias liberais nos anos sessenta. Um fato
icônico é a semelhança dos conselhos de saúde, aqui implantados, com os conselhos
comunitários e vicinais de saúde nos Estados Unidos e os conselhos comunitários de saúde da
Grã-Bretanha, bem como, a adoção pelo SUS do sistema de cuidados primários de saúde
defendidos em Alma-Ata (1978).
Num panorama geral, Moreira & Escorel (2009) nos dão uma ideia do projeto de
democratização do setor saúde até o ano de 2007 no Brasil. Segundo essa pesquisa até 2007 o
país contava com 5.564 conselhos municipais de saúde com cerca de 72.000 conselheiros. Da
amostra da pesquisa, 5.463 conselhos, 36.638 conselheiros representavam os usuários de
saúde. Apesar desse quantitativo significativo, que representa cerca de 98% de cobertura dos
atuais 5.565 municípios brasileiros (IBGE, 2010),
os dados qualitativos não são tão
animadores.
De acordo com Goulart (2004) os conselhos apresentam graves problemas quanto à
capacitação, paridade, representatividade, dentre outros. Nesse ponto vários autores
(GOULART, 2004; GOHN, 2004; TEIXEIRA et al, 2009) destacam a necessidade de
educação para o exercício desse tipo de participação: atuação política; tendo o histórico
brasileiro em conta, representa um déficit para cidadania em grandes proporções.
Como veremos adiante, a demanda não está circunscrita apenas aos conselheiros de
saúde, mas também aos de educação, que nesse caso, tem criado a necessidade de formação
74
de uma cultura política no país. A escola aparece nos documentos legais como um espaço
propício para formação dessa cultura, sendo esse o tema do tópico a seguir, no qual
destacamos como essa demanda se apresenta nos escopos dos documentos legais e no
currículo do Ensino de ciências, visto ser esse, o lócus prático do trabalho da temática saúde,
com enfoque na demanda criada pelo Programa Saúde na Escola.
4.3 PARTICIPAÇÃO SOCIAL NA EDUCAÇÃO
Na área da educação, a Lei de Diretrizes e bases da educação brasileira (LDB) tornou
a participação social numa demanda quando no Artigo 14, inciso II, definiu a participação da
“comunidade” como um princípio para gestão democrática do ensino público na educação
básica: “participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou
equivalentes” (BRASIL, 1996).
Nesse trecho da lei percebemos que em educação o sistema de controle, leia-se
participação social, assim como na saúde, está organizado principalmente através de
conselhos, com complementação das conferências nacionais de educação. Outra peculiaridade
comum às duas áreas, educação e saúde, diz respeito à disposição dos conselhos nas esferas
de poder municipal, estadual e federal. Embora, na saúde não haja necessariamente uma
vinculação com o poder executivo, como ocorre na educação, onde em muitos casos o
presidente do conselho é o secretário de educação.
A criação dos conselhos é fruto das pressões sociais do período da redemocratização
do país. Segundo Gohn (2002), os conselhos são instrumentos importantes na democratização
da gestão do ensino público brasileiro por representarem “novos instrumentos de expressão,
representação e participação” (p. 104), além de seu potencial de transformação social.
Apesar de suas potencialidades de renovação política, administrativa e de controle da
coisa pública, os conselhos de educação, assim como na saúde, apresentam dificuldades de
efetivação graves. Segundo Gohn (2002) esses problemas reúnem questões em torno de:
“representatividade qualitativa dos diferentes segmentos sociais, territoriais e forças
políticas organizadas em sua composição; o percentual quantitativo, em termos de
paridade, entre membros do governo e membros da sociedade civil organizada que o
compõe, o problema da capacitação dos conselheiros, mormente os advindos da
sociedade civil; o acesso às informações (e sua decodificação) e a publicização das
ações dos conselhos; a fiscalização e controle sobre os próprios atos dos
conselheiros; o poder e os mecanismos de aplicabilidade das decisões do conselho
pelo Executivo e outros etc. (p. 105)
75
Um ponto de destaque nas considerações de Gohn (2002), diz respeito à falta de
capacitação dos conselheiros, especialmente os representantes da sociedade civil que, segundo
a autora em interlocução com Teixeira (1999) e Davies (1999), tem incidido na má qualidade
da representação da sociedade civil, desencadeada pelas condições desiguais entre estes e os
representantes do governo quanto ao acesso à informação, disponibilidade de tempo etc.
Insistindo, nos questionamos: poderíamos tomar a falta de capacitação dos
conselheiros representantes da sociedade civil como um problema de formação política da
população brasileira? A resposta se insinua positiva, considerando o grande déficit na
participação política dos brasileiros, percebido nos conselhos gestores de ambas as áreas.
A questão nos parece bem mais clara quando a participação é colocada pelos
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) como uma demanda curricular ao destacá-la em
seus princípios e fundamentos: “É papel do Estado democrático investir na escola, para que
ela prepare e instrumentalize crianças e jovens para o processo democrático, forçando o
acesso à educação de qualidade para todos e às possibilidades de participação social” (p. 27).
Em seu artigo 27, inciso II, a LDB (1996) coloca dentro da proposta curricular “o
exercício da cidadania” como uma diretriz para o trabalho dos conteúdos. Se entendermos a
LDB e os parâmetros curriculares nacionais como uma extensão, podemos compreender o
exercício da cidadania como participação social, já que um dos objetivos gerais da formação
no Ensino Fundamental segundo os PCN é “Compreender a cidadania como participação
social e política, assim como exercício de direitos e deveres políticos, civis e sociais [...]”
(BRASIL, 1998,p. 69). Nesse sentido, a formação para participação social, enquanto
formação para cidadania torna-se uma demanda central na educação brasileira, confirmando
nossas conjecturas.
Outro ponto que podemos verificar na leitura desses documentos é a relação da
cidadania com o modelo democrático de sociedade e, entendendo que a participação social
tem uma posição de destaque, apreendemos que essa democracia esteja baseada em modelos
deliberativo-participativos, haja vista, que a participação no seu sentido mais amplo, só seja
possível em sociedades que tenham em sua estrutura de relação esse modelo.
Essa demanda torna-se um elemento de formação também na educação em saúde
escolar, quando no PCN Ciências Naturais é sugerido uma maior articulação do conhecimento
dessa área com a questão ambiental, no sentido de construir capacidades próprias da
cidadania, com o potencial de desenvolver “meios do aluno participar, refletir e manifestar-se,
76
ouvindo os membros da comunidade, no processo de convívio democrático e participação
social” (BRASIL, 1998, p. 38).
Desta forma, a participação social entra na agenda das políticas educacionais
brasileiras e do ensino de ciências enquanto educação em saúde, como uma forma de
democratização de sua gestão e como um componente de formação do alunado.
Nesse sentido, nos impelimos em saber como se estrutura o mecanismo da
participação social no Programa de Saúde na escola e como se dá sua proposta formativa para
participação social.
4.4 PARTICIPAÇÃO SOCIAL NO PSE
O Programa Saúde na Escola, enquanto um projeto intersetorial, recebe influências das
áreas da saúde e de educação, colocando em sua agenda a participação social como um
objetivo: “Fortalecer a participação comunitária nas políticas de educação básica e saúde, nos
três níveis de governo” (BRASIL, 2007). Ou ainda, quando o “Passo a Passo PSE” torna o
controle social uma demanda de formação: “Promover a articulação de saberes, a
participação dos educandos, pais, comunidade escolar e sociedade em geral na construção e
controle social das políticas públicas da saúde e educação” (2011. p. 7, grifo nosso).
O PSE apresenta características próprias das áreas de educação e saúde. Esse fato
pode ser observado na apropriação pelo PSE das diretrizes do SUS, sendo uma delas o
controle social. Sua estrutura de controle e participação tem características bem próximas do
sistema de controle social, tanto da saúde, quanto da educação. Ele se propõe a uma gestão
compartilhada do programa e nesse sentido são criados os Grupos de Trabalho Intersetoriais
(GTI) dispostos a cada esfera de poder: municipal, estadual e federal.
Quando nos colocamos a entender a estrutura de controle e participação social no PSE
através da composição dos GTI’s, um dado nos chama a atenção, a não obrigatoriedade de se
ter, como assim é definido, “representantes de políticas e movimentos sociais” (BRASIL,
2011, p. 9), sendo assegurada apenas a posição dos gestores e equipes da educação e da saúde
nos grupos de trabalho.
Dessa forma, o GTI Federal (GTI-F) é composto pelas equipes do ministério da saúde
e da educação, além da Comissão Intersetorial de Educação e Saúde na Escola (CIESE) que
tem caráter técnico e a responsabilidade de:
Propor diretrizes para a política nacional de saúde na escola; Apresentar referenciais
77
conceituais de saúde necessários para a formação inicial e continuada dos
profissionais de educação na esfera da educação básica; Apresentar referenciais
conceituais de educação necessários para a formação inicial e continuada dos
profissionais da saúde; Propor estratégias de integração e articulação entre as áreas
(BRASIL, 2011, p. 10) de saúde e de educação nas três esferas do governo;
Acompanhar a execução do Programa Saúde na Escola (PSE), especialmente na
apreciação do material pedagógico elaborado no âmbito do programa. (BRASIL,
2011, p. 10)
Diante disso, podemos entender que as linhas gerais do programa sejam sugeridas por
esse grupo, composto exclusivamente por representantes do governo, visto que pelo Decreto
Interministerial no 675, ficou instituída a presença no grupo de representantes do Ministério
da Educação, Ministério da Saúde, Conselho Nacional de Secretários de Saúde - CONASS;
Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde - CONASEMS; Conselho Nacional
de Secretários Estaduais de Educação - CONSED; e
União Nacional dos Dirigentes
Municipais de Educação - UNDIME.
Sem grandes diferenças com o GTI-F, o GTI Estadual ou GTI-E, também é composto
basicamente pelos gestores da saúde e da educação estadual, sendo obrigatória a participação
dos mesmos no grupo de trabalho (BRASIL, 2011).
A participação social tem possibilidades de efetivação apenas no GTI municipal (GTIM) quando propõem que este grupo seja composto, além dos gestores da saúde e da educação
e equipes da Saúde na Família, por “representantes das escolas, jovens e das pessoas da
comunidade” (BRASIL, 2011, p. 11).
Como é perceptível, a participação da sociedade civil no controle e gestão do
programa está restrita ao nível municipal, que a princípio nos dá a ideia de ser, a política de
saúde escolar, uma ação vertical de cima para baixo, invertendo e se distanciando da proposta
de participação e controle social em educação e saúde que, como discutimos anteriormente, se
dá através do sistema de conselhos e conferências, onde nesta última são definidos parâmetros
para criação de políticas públicas, numa ação inversa, de baixo para cima.
Contudo, necessitamos de instrumentos analíticos que possam nos auxiliar a enxergar
melhor a participação social no Programa de saúde na Escola, identificando seus tipos, níveis
e graus tanto numa perspectiva estrutural, ou seja, os espaços e aberturas para participação,
quanto em seus aspectos formativos, atividades de capacitação, informação, dentre outros.
Diante dessa necessidade e apoiados nas discussões traçadas até agora, sintetizamos
alguns pressupostos para passarmos a empiria propriamente dita, a saber:
(i)
A participação social está vinculada a modelos de democracia deliberativas-
78
participativas;
(ii)
Em saúde e educação, participação social assume o sentido de “controle social”, o
que pressupõe a presença da população na formulação, execução e avaliação das
políticas públicas nessas áreas;
(iii)
Está inscrita na agenda curricular como uma demanda tanto da saúde, como da
educação;
(iv)
Em educação em saúde, sua efetivação exige uma abordagem educacional para
além das perspectivas individualistas e comportamentais de saúde, característica
das abordagens higienistas e sanitárias de educação em saúde.
Enfatizando, havia a necessidade de ferramentas que nos possibilitem analisar a
participação social no escopo do PSE, nesse sentido adotamos o referencial teórico da
Promoção da Saúde em seu sentido amplo, como lente analítica de nossa investigação.
E, como havíamos destacado, selecionamos categorias a priori a partir do referencial da
PS para assim olharmos a participação social no PSE, tendo como pano de fundo os pontos
ora citados.
79
5 DESENHO METODOLÓGICO: CARÁTER QUALITATIVO DA PESQUISA
Para atender o objetivo da pesquisa que aqui foi delineada, a saber, analisar a participação
social no contexto do Programa Saúde na Escola (PSE), identificando desta forma seus limites
e possibilidades, no horizonte da Educação para cidadania e da Promoção da saúde, lançamos
mão da pesquisa documental como ferramenta de investigação, por nos permitir refletir
livremente sobre o tema e seus componentes e, também, formularmos nossas considerações e
interpretações sobre o caráter geral da questão.
Esse último fato se deu por termos trabalhado com “material de primeira mão”, que,
segundo Gil (1946), são documentos que não passaram por nenhum tratamento analítico, nos
isentando de qualquer tipo de enviesamento nesse sentido. A pesquisa documental é descrita
ou classificada de forma geral pela natureza do material a que a investigação se propõe
analisar (COSTA & COSTA, 2011; GIL, 1946). Segundo essa premissa, a pesquisa
documental é assim descrita por trabalhar com “documentos oficiais, ou seja, [...] atas,
regulamentos” (COSTA & COSTA, 2011, p. 36), dentro outros, que aqui são decretos e
documentos regulatórios e orientadores do PSE.
O universo de estudo no qual a pesquisa adentrou, nos exigiu percorrer estágios
epistemológicos de caráter intimamente qualitativo: impressão, agudeza, concepção,
significação, argumentação e comparação. Nesse caso, fomos conduzidos à escolha de uma
abordagem qualitativa de pesquisa, por entendermos que os significados dessas relações
passam, necessariamente, por questões de caráter subjetivo, visto serem os documentos de
fundamentação do Programa de Saúde na Escola uma produção humana que guarda implícita
ou explicitamente considerações de mundo, no caso de participação, cidadania e de saúde.
Além disso, a abordagem qualitativa nos proporcionou um trabalho mais aberto, dinâmico
e flexível, onde “o significado será o conceito central da investigação, já que admite que o
fenômeno do estudo seja reduzido a uma operacionalização de variáveis” (MINAYO, 1994,
p.23). Estes significados nos conduziram à compreensão de toda a teia que conforma o
sistema de participação social impresso nos documento do PSE, visto que entendemos nosso
objeto de estudo como uma produção social e política. Nesse sentido, um produto do meio
que necessitou ser estudado em seu momento histórico e cultural.
Nessa perspectiva dialética, acreditamos termos atendido as preocupações de Lüdke &
André (2012) em não negarmos as influências do ambiente nos sujeitos, já que pudemos
compreender o fenômeno em sua totalidade histórica, social e política.
Ademais, entendemos a abordagem qualitativa como própria à pesquisa por ter
80
apresentado características intrínsecas dela. Observamos quatro das cinco suas características
centrais , apresentadas por Bogdan & Biklen (1982, apud LÜDKE & ANDRÉ, 2012, p. 1112):
(i)
Os dados coletados foram predominantemente descritivos: consideramos a
realidade a ser estudada como um todo orgânico no qual seus componentes não estão
simplesmente postos, eles exercem papeis na composição final do cenário em que o fenômeno
ocorre. Esses elementos, aparentemente triviais, foram levados em conta, com acuidade de
descrevê-los o mais fidedignamente possível para que possamos entender suas influências no
contexto em sua totalidade.
A preocupação com o processo: foi um fator intrínseco a esta pesquisa, pois
entendemos que a compreensão do produto se dará através de suas manifestações ao longo
das motivações, atividades, procedimentos e interações de construção dos propósitos e das
ações previstas no documento. No contexto, vendo sua ocorrência histórica, social cultural e
política, é que pudemos compreendê-lo como um todo orgânico;
(ii)
(iii)
Os significados dados ao objeto de nosso estudo: essa característica foi
explicitamente contemplada já em nosso objetivo central, pois, como já afirmamos, era de
nosso interesse analisar a participação social no contexto do Programa Saúde na Escola (PSE)
no horizonte da Educação para cidadania e da Promoção da saúde, e tal objetivo não se
concretizam se não com a compreensão dos significados construídos entorno dessa temática.
(iv)
A análise dos dados-um processo indutivo: como destacamos não foi nossa
preocupação a busca de evidências para comprovar hipóteses estabelecidas a priori, já que
corremos o risco de desenvolvermos uma análise superficial e simplificadora do processo.
Entretanto, isso não significa que tenhamos aberto mão de um quadro teórico-metodológico
que nos oriente durante a coleta e análise dos dados. Ao contrário, essa característica
dinamizou o trabalho e nos permitiu “precisar melhor esses focos à medida que o estudo se
desenvolve” (LÜDKE & ANDRÉ, 2012, p. 13).
5.1 A PESQUISA DOCUMENTAL
Sobre esse tipo de pesquisa, Gil (2002) e Costa & Costa apontam que se trata de uma
investigação com documentos oficiais, tais como atas, memorandos, regulamentos,
balancetes, relatórios, sites oficiais, etc. Uma peculiaridade básica desses materiais vem a
caracterizar esse tipo de pesquisa: a natureza das fontes. A pesquisa documental se vale de
materiais que não passaram por qualquer tratamento analítico, permitindo sua reelaboração de
acordo com os objetivos da pesquisa (GIL, 2002). Esses materiais, por sua natureza, são
chamados de documentos “de primeira mão” (idem).
81
Gil (2002) apresenta algumas vantagens desse tipo de pesquisa. De acordo com o autor é a
pesquisa documental uma fonte rica e estável de dados, o custo dela é baixo ou inexistente e
não exige contato com os sujeitos da pesquisa, evitando assim prejuízos à pesquisa quanto a
tempo e contaminação dos dados.
Em contrapartida, as críticas dizem respeito a não-representatividade e à subjetividade
dos documentos. Entendemos que esse última complicação se dê por serem os documentos
produções humanas que carregam em si marcas históricas, sociais e culturais, tornando
complexa sua análise. Segundo a posição de Gil (2002), essas são críticas sérias, mas que
podem ser contornadas, apontando como solução à não-representatividade, o procedimento de
alguns pesquisadores que “consideram um grande número de documentos e selecionam
certo número pelo critério de aleatoriedade” (GIL, 2002, p. 47). Já o problema da
objetividade poderá ser solucionado com a consideração das “diversas implicações
relativas aos documentos antes de formular uma conclusão definitiva” e o
desenvolvimento de uma visão completa do problema ou, então, a construção de
“hipóteses que conduzem a sua verificação por outros meios” (idem).
Aqui, entendemos que o nosso corpus atende ao critério de representatividade da
amostra, pois apesar de termos trabalhado com todo o acervo de documentos de
regulamentação financeira, institucional, organizacional e procedimental do PSE, nos
debruçamos a análise propriamente dita em três documentos, que trazem em seu texto as
recomendações e determinações estruturantes do programa, sendo neles que encontramos os
significados e as formas de participação que o PSE mantém, a saber: o decreto de criação, O
“passo a passo PSE: programa de saúde na escola” e o “Caderno de atenção básica 24: saúde
na escola”.
5.2 OS CAMINHOS A SEREM PERCORRIDOS
Os moldes dados à investigação devido às características de nosso objeto de estudo
permitiu-nos desenvolver seu quadro geral em três etapas: bibliográfica, coleta de dados e
análise do conteúdo.
5.2.1 A etapa bibliográfica
Essa etapa da pesquisa consistiu na revisão da literatura existente sobre o assunto. A
82
revisão de literatura também conhecida como revisão bibliográfica, revisão teórica,
fundamentação bibliográfica, dentre outras, consiste primordialmente, como uma busca da
literatura já desenvolvida sobre o assunto a ser abordado. Em sentido geral seria uma
familiarização do pesquisador-leitor com os trabalhos relativos à área de estudo.
De acordo com Hitchcock e Hughes (1995, apud MOURA & FERREIRA, p. 35),
além disso, a revisão de literatura:
Amplia e refina o conhecimento existente; ajuda a definir e clarificar as questões da
pesquisa; permite a identificação de lacunas e de áreas pouco exploradas; ajuda a
esclarecer aspectos teóricos, metodológicos e analíticos; permite a identificação de
debates atuais e controvérsias.
De acordo com esta perspectiva e com as afirmações de Costa & Costa (2011, p. 34)
identificamos duas finalidades básicas da revisão bibliográfica para estes autores. A primeira
procura responder as questões: “Quem já escreveu e o que já foi publicado sobre o assunto?
Que aspectos já foram abordados? Quais as lacunas existentes na literatura?” (idem). Tal
finalidade é assim classificada pelos autores como revisões do tipo teórica, empírica ou
histórica.
Adiante, Costa & Costa (2011, p. 34) referem-se a uma segunda faceta da revisão de
literatura, quando tem como finalidade específica “apresentar estudos diretamente vinculados
ao problema de pesquisa” classificada pelos mesmos como referencial teórico.
Pois bem, é este último caráter que a revisão de literatura deste projeto assumiu com a
finalidade de buscarmos diretrizes que norteassem o processo de análise de nossos dados,
assim como, nos propiciasse um arcabouço teórico que consoante às recomendações de Ludke
e André (2012), nos servissem “de estrutura básica a partir da qual novos aspectos pudessem
ser detectados, novos elementos ou dimensões poderiam ser acrescentados, na medida em que
o estudo avance” (p.18), tendo como princípio que “[...] o conhecimento não é algo acabado,
mas uma construção que se faz constantemente [...].
Nesse sentido, pela dimensão que nosso tema de pesquisa engloba, sentimos a
necessidade de realizarmos duas revisões na literatura. Uma primeira, como destacamos,
consistiu na análise de como a abordagem da Promoção da Saúde (PS) vem sendo
incorporada em pesquisas sobre a educação nas séries iniciais do Ensino Fundamental, da
qual nos apropriamos dos sentidos que estão sendo atribuídos à PS nesses trabalhos. Nessa
revisão, realizamos uma busca com caráter exploratório bibliográfico nos trabalhos da área de
Educação em Saúde com o viés da Promoção da Saúde. Essa procura se deu em 26 periódicos
83
das áreas de Educação e Saúde Coletiva, selecionados por sua classificação no QUALIS,
considerando os conceitos A, B ou C. Optou-se como recorte temporal os anos de 1997 à
2011, marco da existência dos PCN. Em um segundo momento, partimos para coleta de dados
nesses periódicos. Para tal, lançamos mão dos descritores, Educação em Saúde, Promoção da
Saúde, Ensino Fundamental, Série iniciais e Ensino de Ciências. Estes foram utilizados de
forma associada.
Logo após, selecionamos os artigos que tinham Educação em Saúde e Promoção da
Saúde das palavras chaves, além de ter as ações voltadas para o Ensino Fundamental nas
séries iniciais, identificadas na leitura dos resumos. Após, categorizamos os trabalhos por área
temática de acordo com o que estava expresso nos textos. As áreas identificadas foram:
formação de professores, ensino-aprendizagem e livro didático. Por fim, classificamos os
textos procedentes desta penúltima etapa de seleção em dois grupos construídos com base em
BUSS (2009), o primeiro como “Promoção da Saúde à prevenção das doenças” e o segundo
como “Promoção da Saúde ampliada”. O agrupamento destes nos grupos utilizou os seguintes
critérios: (i) Forma de Ensino: transmissão ou compartilhamento; (ii) Perspectiva social:
inclusão ou transformação da sociedade; (iii) Responsabilidade do adoecer: indivíduo ou
sociedade e (iv) Abertura de participação coletiva.
Já em nossa segunda revisão, pretendíamos compreender o papel da formação para a
cidadania nos trabalhos desenvolvidos na área de educação escolar em ciências, apontando os
princípios que a configuravam. Nesse sentido, realizamos uma pesquisa exploratória com
caráter bibliográfico-descritivo, utilizando como fonte a base de dados da Scientific Electronic
Library Online (Scielo), num recorte de tempo que compreendia os anos de 1998 a 2013.
Nessa segunda pesquisa utilizamos como descritores os termos: promoção da saúde,
educação em saúde, cidadania, educação para cidadania, ensino de ciências e escola. Do
material coletado, consideramos inclusos os textos que possuíam os termos utilizados como
descritores no título, nas palavras-chave ou no resumo dos artigos. A ausência desses critérios
nos textos determinou a exclusão dos mesmos.
Depois de leituras sucessivas dos textos, procuramos entender como estavam sendo
articuladas as ideias de formação para cidadania com a ES nos artigos encontrados, no sentido
de identificar a importância que essa temática tem no cenário da educação em saúde enquanto
educação em ciências. Enfim, procuramos descrever as características e os princípios mais
gerais que os autores dos artigos analisados consideram na formação para cidadania, tentando
caracterizar a educação de temas de saúde na educação em ciências que servissem a este
84
propósito.
5.2.2 Coleta dos dados
O material que constitui nosso corpus de análise foi colhido diretamente nos sites do
Ministério da Saúde e do Ministério da Educação, nos seguintes sítios eletrônicos:
1. Legislação que regulamenta o PSE: < http://portal.mec.gov.br/index.php? option=
com_content&view=article&id=16966 &Itemid=1141>. Acesso em março de 2013.
2. Passo a passo PSE: programa saúde na escola http://bvsms. saude.gov.br/bvs/
publicacoes/passo_a_passo_programa_saude_escola.pdf. Acesso em abril de 2013.
3. Caderno de Atenção básica n. 24: saúde na escola. < http://dab.saude. gov.br/docs/
publicações/cadernos_ab/abcad24.pdf>. Acesso em março de 2013
4. Passo a passo Adesão: saúde na escola: http://189.28. 128.100/ dab/docs/portaldab
/documentos/passo_a_passo_adesao_pse.pdf. Acesso em outubro de 2013.
Em seguida procedemos com os processos analíticos do material, descritos no tópico a
seguir.
5.2.3 A análise dos dados
Para a análise propriamente dita, procuramos adotar uma ferramenta analítica que
conseguisse fazer revelar os sentidos da participação social refratados e refletidos nos
documentos que instituem, regulamentam e parametrizam o Programa de saúde na escola
quanto à participação social.
Em nossas leituras, percebemos o forte potencial que a Análise do conteúdo possuía
para o alcance dos objetivos de nossa investigação, por ser uma técnica que segundo Bauer
(2008), Freitas & Janissek (2000) e Bardin (2011) faz manifestar o que está tácito, o que está
nas entrelinhas, o que não é dito; por “analisar em profundidade cada expressão específica de
uma pessoa ou grupo envolvido num debate” (FREITAS & JANISSEK, 2000, p. 37). Além
disso, suas concepções de linguagem aproximam-se dos pressupostos que nos guiam, por
entender, por exemplo, que “os textos, [...] referem-se aos pensamentos, sentimentos,
memórias, planos e discussões das pessoas e, algumas vezes nos dizem mais do que seus
85
autores imaginam” (BAUER, 2008, p. 189). Nesse sentido uma parte importante do
comportamento está presente nessa forma textual escrita (FREITAS & JANISSEK, 2000).
A partir dessa argumentação adotamos como ferramenta analítica a Análise de
Conteúdo. Tanto como técnica, como metodologia, a Análise de conteúdo (AC) assume o
caráter inferencial, no qual o analista projeta os dados de um texto para um contexto
cientificamente controlado, no qual é submetido a processamentos sistemáticos e assegurados
pela replicação dos mesmos (FREITAS & JANISSEK, 2000; BAUER, 2008).
De acordo com Bauer (2008) existem seis tipos de delineamento da análise de
conteúdo: descritivo, análises normativas, trans-seccional, longitudinais e culturais. O
desenho de nossa investigação apresenta características de uma análise normativa, visto que
traçamos aqui um processo sistemático de comparações não com padrões, mas com os
pressupostos teóricos sobre participação social na promoção da saúde.
Além disso, estamos afiliados à análise de conteúdo caracteristicamente mais voltada
para abordagem qualitativa, segundo os procedimentos de Bardin (2011).
A autora, no
prefácio de “Análise de Conteúdo”, destaca a AC como “Um conjunto de instrumentos
metodológicos [...] sutis em constante aperfeiçoamento, que se aplicam a discursos [...]
extremamente diversificados” (BARDIN, 2011, p. 15). Enquanto técnica, a AC é descrita
pela autora como uma hermenêutica controlada e como tentativa de interpretação, uma
variante entre o rigor da objetividade e a fecundidade da subjetividade (idem). Enfatizando,
destaca que nessa técnica o latente, o não dito e o escondido tornar-se-ão tarefa do analista.
Na abordagem de Bardin (2011) a AC é desenvolvida em três etapas que servem como
polos cronológicos de organização do método, que são: (i) a pré-análise; (ii) a exploração do
material e; (iii) o tratamento dos resultados, a inferência e a interpretação, os quais
descreveremos com mais detalhe nas seções a seguir.
5.2.3.1 Pré-Análise
Essa primeira etapa é de caráter organizativo, pois é ela que estruturará as etapas
posteriores da análise. Todavia, essa peculiaridade não torna seus procedimentos inflexivos e
estanques, pois as atividades que a compõe caracterizam-se por serem não estruturadas e
abertas por oposição à investigação sistemática dos documentos, embora, como afirmamos,
seu escopo principal seja a organização.
A pré-análise tem por objetivos (i) escolher documentos, (ii) formular hipóteses, (iii)
86
formular objetivos e (iv) elaborar indicadores para interpretação final. Em nosso caso,
pretendíamos alcançar apenas os objetivos (i) e (iv), visto não trabalharmos a partir de
hipóteses e por nossos objetivos já estarem definidos a priori. Além disso, em sentido geral,
na pré-análise, procuramos organizar os documentos coletados de forma a constituirmos um
corpus para nossas análises e para elaboração de indicadores de interpretação.
Nesse caso, nos valemos de alguns dos procedimentos sistematizados por Bardin
(2011), a saber: (i) Leitura flutuante; (ii) A seleção dos documentos, (iii) a referenciação dos
índices e elaboração de indicadores e (iv) preparação do material. Dos momentos
originalmente elencados pela autora, só não realizamos a formulação de hipóteses e objetivos,
visto as causas que acabamos de apresentar.
Tais etapas devem ser vistas como um processo quase ciclo devido à sua
retroalimentação, pois a cada procedimento que efetivamos, os anteriores puderam ser
novamente analisados, a exemplo da Leitura Flutuante que permeou toda a pré-análise. Nesse
caso, a esquematização de Bardin (2011) nos clarificará o caminho que tivemos que percorrer.
87
Figura 1: Desenvolvimento dos procedimentos de análise segundo Bardin (2011, p. 132), retirado de
MONTEIRO (2011, p. 97).
Após a coleta de dados iniciamos a (i) Leitura Flutuante conforme as orientações de
Bardin (2011), a fim de ganharmos familiaridade com os documentos e a proposta de ação do
PSE, deixando-nos invadir pelas impressões e orientações que os textos nos pudessem
fornecer quanto a sua interpretação. Assim, procedemos com a leitura dos seguintes
88
documentos:

Decreto nº 6.286, de 5 de dezembro de 2007 (Presidencial) que Institui o Programa
Saúde na Escola – PSE;

Portaria no 1.861, de 4 de setembro de 2008 (MS) na qual são estabelece recursos
financeiros pela adesão ao PSE para municípios com equipes de Saúde da Família,
priorizados a partir do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica - IDEB, que
aderirem ao Programa Saúde na Escola – PSE;

Portaria no 2.931, de 4 de dezembro de 2008 do Ministério da Saúde, que altera a
Portaria No - 1.861/GM, de 4 de setembro de 2008, a qual estabeleceu recursos
financeiros pela adesão ao Programa Saúde na Escola - PSE e, credencia municípios
para o recebimento desses recursos;

Portaria no 3.146, de 17 de dezembro de 2009 do Ministério da Saúde, que também,
estabelece recursos financeiros para Municípios com equipes de Saúde da Família, que
aderirem ao Programa Saúde na Escola – PSE;

Portaria No- 1.537, de 15 de junho de 2010 do Ministério da Saúde, a qual credencia
municípios para o recebimento de recursos financeiros pela adesão ao Programa Saúde
na Escola – PSE;

Portaria interministerial no 3.696, de 25 de novembro de 2010 (MS e ME) que
estabelece os critérios para adesão ao programa Saúde na escola (PSE) para o ano de
2010;

Portaria interministerial nº 1.910, de 8 de agosto de 2011, que estabelece o Termo de
Compromisso Municipal como instrumento para o recebimento de recursos
financeiros do Programa Saúde na Escola (PSE);

Portaria interministerial de no 1.911, de 8 de agosto de 2011 que altera a Portaria
Interministerial nº 3.696/MEC/MS, de 25 de novembro de 2010, estabelecendo
critérios para transferência de recursos aos Municípios credenciados ao Programa
Saúde na Escola (PSE) e define lista de Municípios aptos a assinarem Termo de
Compromisso Municipal;

Portaria no 357, de 1o de março de 2012, instituindo a Semana Anual de Mobilização
Saúde na Escola (Semana Saúde na Escola);

Portaria nº 364, de 8 de março de 2013, que redefine a Semana de Mobilização Saúde
na Escola (Semana Saúde na Escola), de periodicidade anual.
Além desses documentos, também foram lidos o “Cadernos de Atenção Básica no 24:
Saúde na escola”, o “Passo a passo PSE Programa Saúde na escola: tecendo caminhos da
intersetorialidade” e o “Passo a passo Adesão: saúde na escola” .
A leitura sucessiva do material nos permitiu maior precisão em nossas observações e
um maior entendimento do contexto de criação dessa política pública e os significados que ela
representa. Na (ii) seleção dos documentos, segundo nossos critérios, selecionamos os mais
89
significativos para constituírem nosso corpus de análise, sendo eles o Decreto nº 6.286, o
“Passo a passo PSE Programa Saúde na escola: tecendo caminhos da intersetorialidade” e o
“Cadernos de Atenção Básica no 24: Saúde na escola”, visto que entendemos serem eles os
documentos que instituem, regulamentam e parametrizam o Programa de saúde na escola. E
como
fundamentação
da
seleção,
utilizamos
como
critérios
a
homogeneidade,
representatividade e pertinência.
No caso da homogeneidade, Bardin (2011) destaca que os documentos que constituem
o corpus de análise devem manter critérios comuns entre eles, ou seja, “não apresentar
demasiada singularidade” (p. 128). Com isso, entendemos que esses três documentos estavam
a contento, já que de modo geral eles apresentam o PSE em sua integralidade, destacando,
delegando e definindo competências e ações, expressando as ideias e propósitos que o ancora
e o move, ou seja, esses documentos atendem não só a esse critério de Bardin (2011), mas
também, nos é de tamanha importância, pois eles nos dizem o que é o PSE, suas diretrizes,
ações e objetivos.
A representatividade consiste em uma amostragem, geralmente, quantitativa que
concebe todo o universo a ser analisado. Porém, para nossa investigação não era a quantidade
um fator a ser considerado, e sim a significação. E, diante da importância que os documentos
de nosso corpus têm, enquadramo-nos nesse critério de seleção.
Quanto à pertinência, Bardin (2011) destaca que “os documentos retidos devem ser
adequados, enquanto fonte de informação, de modo a corresponderem ao objetivo que suscita
a análise” (p. 128). Mais uma vez nos remetendo a importância que os documentos
selecionados têm, entendemos que a pertinência é uma propriedade destes para os fins de
nossa investigação.
Por fim, chegando à última etapa da pré-análise passamos a referenciação de índices e
a elaboração de indicadores. Esta etapa final é descrita por Bardin (2011) como um momento
de busca de índices para posterior elaboração de indicadores de análise, calcada no princípio
de que o texto é uma manifestação permeada por apontadores que indicam uma similaridade,
podendo ser observados, em certos casos, por sua frequência de aparição. Estes seriam uma
palavra, um enunciado ou um texto.
Este procedimento é de relevância ímpar para a análise temática ou categorial, foco de
nosso interesse, já que é esta atividade uma forma bruta da mesma, podendo até mesmo
subsidiá-la.
Aqui, porém, optamos por índices selecionados a priori, através das investigações do
90
grupo de pesquisa do LCE. Estes por sua vez, foram agrupados segundo as categorias que
utilizaremos em nossas análises, destacados abaixo: (i) decisão (tomada de decisão); (ii)
empoderamento; (iii) democracia; (iv) cidadania; (v) participação (comunitária, social,) ; (vi)
parceria; (vii) estratégias; (viii) ações comunitárias concretas; (ix) acesso a informação; (x)
prioridades; (xi) controle social; (xii) avaliação.
Nesse momento da pesquisa, esses índices no serviram de indicadores para o recorte
dos trechos dos documentos que caracterizam a presença da temática, enquanto categoria, nos
textos.
Com isso, finalizamos a Pré-análise, e preparamos o material, num sentido mais
formal, para sua posterior exploração.
5.2.3.2 Exploração do Material
De acordo com Bardin (2011) esse momento é a concretização das decisões tomadas
na pré-análise. Consiste essencialmente nas “operações de codificação, decomposição ou
enumeração” (p. 131). Cabe aqui esclarecer, que o processo de codificação compreende uma
transformação dos dados brutos em indicadores dos sentidos estabelecidos pelos sujeitos
sobre determinado assunto. Pelos procedimentos de recorte, enumeração e agregação pode-se
atingir a representação do conteúdo, suscetível, como destaca a autora, de evidenciar as
características do texto.
Devido nossa escolha pela análise categorial, percorremos as três fases para efetivação
da etapa: o recorte, a enumeração e a classificação ou agregação. Inicialmente precisamos
eleger uma unidade de registro e uma de contexto, entendidas como unidades de significação
do texto, ou seja, efetuamos o recorte de duas bases de referência.
A unidade registro, segundo Freitas & Janissek (2000), “são segmentos específicos do
conteúdo caracterizados por situarem-se dentro de uma dada categoria e descritas
separadamente” (p. 47-48). De acordo com essa definição, haveria a possibilidade de
selecionarmos como unidade de registro, uma palavra, um tema, um objeto, um personagem,
um acontecimento ou mesmo o próprio documento, se assim fosse pertinente. Em nosso caso,
entendemos que a palavra-tema nos atenderia melhor, visto que seriam estas palavras
conexões com os princípios gerais que destacamos como categorias em nossas análises.
Já as unidades de contexto são descritas por Freitas & Janissek (2000) como “o lugar”
que “fixam limites de informações contextuais que podem apresentar a descrição de uma
unidade de registro” (p. 48). Em outras palavras, consistem num lugar de referência da
91
unidade de registro, pois é nela que essa ganha sentido. Compreende uma dimensão superior a
da unidade de registro, podendo agregá-la como elemento constituinte. Enfatizando, Bardin
(2011) destaca que a unidade de contexto serve para compreensão da unidade de registro e sua
posterior codificação, ou seja, a unidade de registro indica o sentido que é dado à palavra, ao
tema ou ao personagem, por exemplo.
A amplitude conceitual de nossa temática e as variações de certos termos traduzidos
como categorias de análise, fez com que tivéssemos não um, mais duas unidades de contexto,
conforme a categoria analisada. Nesse caso, destacamos como unidade de registro o parágrafo
ou mesmo o texto do documento como unidade de contexto, visto que entendemos que os
enunciados nele presentes constituem uma cadeia, sendo necessário seu entendimento de
forma integral.
Após a definição tanto da unidade de registro, quanto da unidade de contexto,
procedemos com a enumeração que consiste na identificação das unidades de registro,
servindo de organizador na contagem das mesmas. Em outras palavras, é um modo de
contagem que obedece a regras específicas em conformidade com as peculiaridades das
unidades de registro.
Logo, utilizamos os dados do quadro 4 como base para essa identificação das unidades
de registro. E por termos em cada categoria um número diferente e específico de unidades,
essas foram codificadas no sentido de identificar a qual unidade estávamos nos referindo.
Portanto, desenvolvemos o seguinte quadro de codificação, conforme cada índice:
CATEGORIA
CÓDIGOS
PARTICIPAÇÃO SOCIAL
PSO1 - decisão (tomada de decisão);
PSO2 - empoderamento;
PSO3 - democracia;
PSO4 - cidadania;
PSO5 - participação (comunitária e social);
PSO6 - parceria;
PSO7 - estratégias;
PSO8 - ações comunitárias concretas;
PSO9 - acesso a informação;
PSO10 - prioridades;
PSO11 - controle social;
PSO12 - avaliação;
Quadro 04 - Índices de identificação da categoria participação social
É importante mais uma vez salientarmos que esses são apenas códigos de
92
identificação, não tendo, nesse momento, valor algum ou gradação a eles atribuído.
Por sua vez selecionamos cinco desses como categorias de nossa análise, visto serem
eles princípios-chave para uma ação que se pretende à promoção da saúde e da formação para
cidadania como vimos em nossas discussões teóricas, a saber: Decisões (tomada de decisões);
Empoderamento; Cidadania; Participação (comunitária e social) e; Controle social.
Vale ressaltar que, devido à polissemia da categoria empoderamento, tivemos a
necessidade de elencar subcategorias para sua especificação. Nesse caso, através das mesmas
bases de construção de nossas categorias, formulamos o seguinte quadro:
CATEGORIA
CÓDIGOS
EMPODERAMENTO
EP1 - capacitar;
EP2 - acesso a informação;
EP3 - acesso a estilos de vida;
EP4 - acesso a oportunidades;
EP5 - opções saudáveis;
EP6 - aquisição de conhecimentos;
EP7 - aquisição de poder técnico e político;
EP8 - controle sobre os fatores pessoais, econômicos,
sociais e ambientais;
EP9 - transformação da sensação de impotência;
EP10 - controle social;
EP11 - condições de vida;
EP12 - reconhecimento;
EP13 - melhora das condições de vida;
Quadro 05 - Índices de identificação da categoria empoderamento.
Esses descritores inicialmente nos serviram de índices de identificação, sendo os com
maior expressividade tomados como subcategorias de análise.
5.2.3.3 Tratamento dos resultados, a inferência e a interpretação
Todo o processo aqui descrito nos leva a análise propriamente dita dos documentos do
PSE. Esta última etapa tem ao seu dispor inúmeras formas de abordagem, podendo o analista
valer-se desde uma abordagem centrada na enunciação a uma outra que visa a avaliação de
uma determinada questão. Esse leque de escolhas se deve à diversificação e expansão do
campo e do referencial técnico-metodológico da análise do conteúdo.
Estávamos cientes dessa diversidade técnica da AC, porém, as peculiaridades que
encontramos nos dados, nos impeliu a selecionar a análise categorial como forma de
93
tratamento e interpretação dos dados. Essa forma de análise “é uma operação de classificação
dos elementos constitutivos de um conjunto, por diferenciação e, seguidamente, por
reagrupamento segundo o gênero (analogia), com critérios previamente definidos” (BARDIN,
2011, p. 147).
Aqui o diálogo com Gomes (1994) torna-se pertinente por destacar as características e
procedimentos do trabalho com categorias. O autor relacionando o sentido delas com a ideia
de série ou classe, nos perpassa a ideia de que é a categorização um processo de abrangência
de elementos com características comuns e que “trabalhar com elas significa agrupar
elementos, ideias ou expressões em torno de um conceito capaz de abranger tudo isso” (p.
70).
Partindo das recomendações tanto de Bardin (2011), quanto de Gomes (1994) sobre a
possibilidade da seleção das categorias a priori, decidimos defini-las de antemão, a partir de
nossa base teórica. Nesse caso, como havíamos destacado, temos como categorias: Decisões
(tomada de decisões); Empoderamento; Cidadania; Participação (comunitária e social) e;
Controle social.
Segundo Bardin (2011) e Gomes (1994) essas categorias devem obedecer a três
princípios básicos, a saber: (i) a escolha do conjunto de categorias deve obedecer a um
princípio único, (ii)
a exaustividade e (iii) exclusão mútua. Contudo, pela singularidade que
tem nossa temática e pelo princípio que as rege, a concepção holística, essas categorias
necessariamente conversam entre si, pois estão os conceitos que as define imbricados.
Portanto, em nossa análise não pudemos obedecer ao critério da exclusão mútua, como é
preconizado originalmente nessa metodologia.
Contudo, nossas categorias necessitaram de um princípio único de classificação que
regesse sua organização. Esse princípio abonaria a homogeneidade dos elementos pertinentes
aos conjuntos, possibilitando-os, ainda, serem inclusos numa das categorias. O princípio que
assumimos foi a semântica das palavras, com o qual pudemos realizar o agrupamento das
unidades segundo seu significado ou menção a categoria em questão.
Após os procedimentos de categorização dos dados, realizamos uma tabulação com os
dados encontrados segundo sua aparição e conforme sua frequência no texto, como havíamos
mencionado. Essa tabulação seguiu o seguinte molde:
94
CATEGORIAS
FREQUÊNCIA
EP1 – capacitar
EP2 - acesso a informação;
EP3 - acesso a estilos de vida;
EP4 - acesso a oportunidades;
EP5 - opções saudáveis;
EP6 - aquisição de conhecimentos
EP7 - aquisição de poder técnico e político;
EP8 - controle sobre os fatores pessoais, econômicos, sociais e ambientais;
EP9 - transformação da sensação de impotência;
EP10 - controle social;
EP11 - condições de vida;
EP12 - reconhecimento;
EP13 - melhora das condições de vida;
Quadro 06 – tabulação dos dados conforme sua aparição e frequência.
Após o trato quantitativo dos dados, nos pusemos à interpretação desses dados.
Partimos, então, a relacionar os conjuntos de categorias com o referencial teórico que embasa
este trabalho, procurando entender as formas, níveis e tipos de participação inscritas nos
documentos do PSE.
Após, com o auxílio das frequências de cada um dos indicadores e de seus respectivos
contextos, passamos a identificar quais os sentidos atribuídos a cada uma das categorias de
análise, valendo salientar que sua ausência também representou a posição dos formuladores
dos documentos quanto a estas.
A partir disso, pudemos discutir as limitações e possibilidades que o Programa de
Saúde na escola apresenta quanto à formação para cidadania e para própria proposta de
promoção da saúde.
95
6 RESULTADOS E DISCUSSÕES
Com base nas recomendações de Freitas & Janissek (2000) quanto à necessidade
da descrição do conteúdo antes da análise propriamente dita e, da natureza complexa da
participação social no programa, que enquanto política intersetorial da saúde e da educação,
por extensão abriga a demanda de criação de espaços que permitam a descentralização das
decisões e uma ação formativa dos sujeitos para participação social e exercício da cidadania,
optamos por apresentar nossos resultados de uma forma que desenhe a macro
e a
microestrutura do Programa de Saúde na Escola. Nesse sentido, retomaremos algumas
observações já realizadas sob a estrutura e os objetivos do Programa no que concerne à
participação social.
Como foi discutida anteriormente, a incorporação das diretrizes da nova política de
gestão brasileira, a descentralização do poder, e o objetivo de articular as ações dos SUS ao
sistema de educação, demanda do programa a criação de espaços que permitam a participação
social e sua formação. Essa estrutura de participação do PSE é organizada em torno dos
Grupos Intersetoriais de Trabalho - GTI, os quais se assemelham aos conselhos de saúde e
educação por estarem distribuídos nos três níveis de governo: municipal, estadual e federal.
Contudo, as semelhanças param por ai.
A presença da sociedade civil, que é presumível numa política que se propõe “a
fortalecer participação comunitária nas políticas de educação e de saúde nas três esferas de
poder” (BRASIL, 2007), está restrita a esfera municipal, visto que os GTI-F e o GTI-E são
compostos pelos gestores, leia-se equipe, dessas esferas de governo. Além disso, mesmo a
nível municipal, a participação de outros representantes que não do governo, esta sujeita à
nomeação do gestor municipal: “Os gestores municipais nomearão o Grupo de Trabalho
Intersetorial (GTI), que inclua representantes das Secretarias de Saúde e Educação do
Município”. (BRASIL, 2009).
Se analisássemos o caráter intersetorial do programa encontraríamos uma participação
dispare entre os dois ministérios, pois em nossa leitura flutuante percebemos um maior
protagonismo do Ministério da Saúde (MS) nas decisões e gestão do programa, haja vista que
das nove portarias publicadas sobre o programa até 2013, seis eram do MS e três
interministeriais, tendo ainda nestas três, uma que partiu do MS. Além disso, a coordenação
da Comissão Intersetorial de Educação e Saúde na Escola (CIESE), órgão que determina as
diretrizes da política de educação e saúde na escola, é dada pela Portaria interministerial nº
675 de 4 de Junho de 2008 ao MS, que de acordo com Ferreira et al (2012), não se tem
96
menção em nenhuma portaria a alternância dessa coordenação.
Os autores confirmam a
disparidade entre os ministérios na gestão do PSE, quando em suas considerações apontam
que “a participação da saúde e da educação no Programa Saúde na Escola não é equânime”
(FERREIRA et al, 2012, p. 3396).
Embora, seja prematuro apontar, a política de saúde na escola se insinua uma ação
verticalizada do governo na escola, não havendo no programa um mecanismo que permita a
influência alguma em fluxo inverso. No mínimo esse fato, se confirmado, se traduz como uma
incoerência, haja vista que uma das diretrizes apropriada do SUS pelo PSE é a integralidade,
pressupondo ações pautadas em discussões permanentes, capacitação e abertura para
reorganização dos serviços, acolhendo o usuário, no caso os alunos/comunidade como
decisores da saúde que desejam (PINHEIRO, 2008), presumivelmente incluindo ai, a
reorganização de políticas de saúde.
Em nível de estrutura, a participação e controle social esbarram ainda no Art. 60 do
Decreto de criação do programa, que dá aos ministérios, além do controle da gestão, o
monitoramento e avaliação do programa, haja vista que essa ação está a cargo de uma
comissão interministerial, a CIESE. Na acepção aqui assumida, segundo a perspectiva da
Promoção da Saúde, esses dois componentes da possível ação política, são inviabilizados. O
que dizer então dos resultados do tratamento estatístico da análise desse decreto apresentados
no gráfico 1?
AVALIAÇÃO
CONTROLE SOCIAL
PRIORIDADES
ACESSO À INFORMAÇÃO
AÇÕES COMUNITÁRIAS CONCRETAS
ESTRATÉGIAS
PARCERIAS
PARTICIPAÇÃO
CIDADANIA
DEMOCRACIA
EMPODERAMENTO
DECISÕES (TOMADA DE DECISÕES)
0,00% 5,00% 10,00% 15,00% 20,00% 25,00% 30,00% 35,00% 40,00% 45,00%
Gráfico 1: Frequência da ocorrência dos descritores de participação social no Decreto no 6.286
Os resultados mostram um alto índice dos score PSO2 (38%) e PSO1 (25%),
97
respectivamente, empoderamento e decisão (tomada de decisão). Todos os demais índices
atingiram menos da metade desse último índice, tendo respectivamente alcançado PSO6 –
parceria e PSO9 - acesso a informação 6%; PSO7 – estratégias 5,1%; PSO3 – democracia,
PSO4 – cidadania, PSO10 – prioridades, PSO5 - participação e PSO12 – avaliação 3% e, por
último PS8 - ações comunitárias concretas e PSO11 - controle social com 2%.
Esses dados parecem indicar um compromisso do programa com um dos princípioschave da Promoção da Saúde, o empoderamento, que por sua mediação, pode levar a tomada
de decisão através da participação e do controle social. Nesse limiar é que se apresenta uma
incoerência quanto a essa interpretação, visto que os scores da participação social e do
controle social apresentam-se entre os mais baixos. Essa incongruência pode ser explicada
pelo fato de termos englobado, enquanto categoria, todas as delegações de decisões do PSE,
sendo necessário contextualizarmos e sub-categorizarmos este indicadores.
Nesse sentido quando refinamos os dados percebemos uma grande concentração das
decisões nas mãos do governo, em suas diferentes esferas. Do total identificado, cerca de 72%
correspondem à decisões tomadas pelas esferas governamentais, como é o caso do artigo 5 o
inciso VI do Decreto no 6.286 (Anexo 1) que incumbe o MS e o ME de “definir as
prioridades e metas de atendimento do PSE”.
Com isso, o processo de construção da auto-responsabilização individual e
comunitária com o planejamento, organização, funcionamento, controle e avaliação das ações
preconizada na declaração de Alma-Ata (1978) e reafirmada na Carta de Ottawa (1986)
tornam-se de difícil realização, à medida que as prioridades e ações são predeterminadas, não
sendo respeitada a autonomia dos sujeitos na determinação do que é prioridade em saúde pra
estes, seja no âmbito individual ou coletivo.
Nesse caso, as prioridades em saúde são pré-definidas pelo governo, o que nos leva a
questionar se há realmente um “diagnóstico local em saúde do escolar” ou uma avaliação
epidemiológica do local, segundo as patologias elencadas pelo governo para serem
trabalhadas.
Nesse sentido, se interpretarmos essas informações a luz das considerações de
Bordenave (1986) podemos identificar no PSE uma tendência a desenvolver ações no nível de
micro participação, tendo em vista que os índices e os níveis de tomada de decisão, controle
social e participação são mínimos. Sua estrutura circunscreve a participação dos sujeitos a um
nível muito local, sem que haja a abertura para uma ação de reorientação dessa política, ou
mesmo de construção de novas políticas de saúde na escola.
98
Nessa mesma linha o score do índice PS2 – empoderamento insinua a caracterização
do programa como uma política de formação, de ação a nível local. Contudo, a análise dos
documentos subsequentes (Passo a Passo PSE e Caderno de Atenção básica no. 24), assim
como a observação das ações propostas pelo PSE na escola mostram que a educação em saúde
é um componente secundário no programa.
Em nossa leitura flutuante pudemos identificar que as ações que compõe o programa
estão classificadas no “Passo a Passo PSE” e no “Passo a Passo Adesão” segundo sua
natureza em: epidemiológicas, promoção e prevenção à saúde e de formação.
As ações do ponto de vista epidemiológico que são prioritárias para os educandos
são abaixo listadas:
- Avaliação antropométrica;
- Atualização do calendário vacinal;
- Detecção precoce de hipertensão arterial sistêmica (HAS);
- Detecção precoce de agravos de saúde negligenciados (prevalentes na
região: hanseníase, tuberculose, malária etc.);
- Avaliação oftalmológica;
- Avaliação auditiva;
- Avaliação nutricional;
- Avaliação da saúde bucal;
- Avaliação psicossocial.
(BRASIL, 2011, p. 15, grifo nosso)
Esses três conjuntos de ações, epidemiológico, promoção e prevenção e formação,
respectivamente são definidos como componentes do programa, no caso: Componente I –
ações de caráter epidemilógias; Componente II – ações de caráter de promoção e prevenção à
saúde e; Componente III – formação. Contudo, como destacado no trecho anterior, as ações
de cunho epidemiológico tem prioridade em relação aos dois outros componentes.
No caderno “Passo a Passo Adesão Semana na Escola” (2013) a primazia ao
Componente I é mais enfática. Esses componentes são classificados nesse documento como
ações “essenciais ou optativas”, sendo as essenciais, ações em torno da “prevenção da
obesidade e saúde ocular, além de prevenção ao uso de álcool, tabaco, crack e outras drogas”
(p. 6). De acordo com Porto & Pivetta (2009) é necessário “superarmos a ênfase nas
dimensões individuais e comportamentais que marcam uma visão de promoção da saúde
normativa e descontextualizada, pautada nas mudanças de ‘estilos de vida’ e no controle das
pessoas” (p. 225).
Os autores parecem descrever em suas considerações a natureza das ações prioritárias
no programa, que na grande maioria tem foco individual e incidem no monitoramento do
comportamento e hábitos dos alunos, as quais compreendem, como vimos:
99
I - avaliação clínica;
II - avaliação nutricional;
III - promoção da alimentação saudável;
IV - avaliação oftalmológica;
V - avaliação da saúde e higiene bucal;
VI - avaliação auditiva;
VII - avaliação psicossocial;
VIII - atualização e controle do calendário vacinal;
IX - redução da morbimortalidade por acidentes e violências;
X - prevenção e redução do consumo do álcool;
XI - prevenção do uso de drogas;
XII - promoção da saúde sexual e da saúde reprodutiva;
XIII - controle do tabagismo e outros fatores de risco de câncer;
XIV - educação permanente em saúde;
XV - atividade física e saúde;
XVI - promoção da cultura da prevenção no âmbito escolar; e
XVII - inclusão das temáticas de educação em saúde no projeto político pedagógico
das escolas.
Nossas análises indicam a presença do descritor PSO2 - empoderamento nessas ações,
pressupostas, parte delas, como ações educativas e de formação, o que nos leva a entendê-las
como educação. Contudo, como destacamos acima, as ações estão voltadas à
responsabilização individual dos sujeitos, nos conduzindo a interpretá-las como
empoderamento individual. Nesse aspecto, Carvalho (2004) chama a atenção para os riscos
iminentes no empoderamento exclusivamente individual, que segundo o autor apesar de
imprimir o sentimento de controle na própria vida e autonomia, este modelo fundamenta-se
numa “perspectiva filosófica individualista que tende a ignorar a influência dos fatores sociais
e estruturais” (p. 1090), incorrendo ainda na possibilidade de retirar do Estado a
responsabilização político, econômico e social com a saúde dos indivíduos.
Essa tendência apresentada no decreto de criação do PSE pode estar relacionada às
peculiaridades do gênero textual analisado, caracteristicamente voltado à normatização das
ações. Diante disso, a triangulação dos dados colhidos neste documento com os dados do
Passo a Passo PSE e do Caderno de Atenção básica no 24, poderá dar-nos uma visão mais
clara e sem riscos de enviesamento.
O tratamento estatístico dos dados colhidos no Passo a Passo PSE nos deu o seguinte
panorama:
100
AVALIAÇÃO
CONTROLE SOCIAL
PRIORIDADES
ACESSO A INFORMAÇÃO
AÇÕES COMUNITÁRIAS CONCRETAS
ESTRATÉGIAS
PARCERIA
PARTICIPAÇÃO
CIDADANIA
DEMOCRACIA
EMPODERAMENTO
TOMADA DE DECISÃO
0%
5%
10%
15%
20%
25%
30%
35%
Gráfico 2: Frequência da ocorrência dos descritores de participação social no Passo a Passo PSE
No quadro geral desse documento percebemos que alguns dados se invertem, aqui o
índice PSO3 – participação (28%) passa a ter o score mais alto, seguido do índice PSO2 –
empoderamento (25%). Logo depois temos respectivamente dois índices, PSO6 – Parceria
13% e PSO7 – estratégias 12%, que na análise do Decreto 6.286 não haviam alcançado scores
significativos.
Algo semelhante ocorreu na análise do Caderno de Atenção Básica:
AVALIAÇÃO
CONTROLE SOCIAL
PRIORIDADES
ACESSO A INFORMAÇÃO
AÇÕES COMUNITÁRIAS CONCRETAS
ESTRATÉGIAS
PARCERIA
PARTICIPAÇÃO
CIDADANIA
DEMOCRACIA
EMPODERAMENTO
TOMADA DE DECISÃO
0%
5%
10%
15%
20%
25%
30%
Gráfico 3: Frequência da ocorrência dos descritores de participação social no Caderno no 24.
101
Como podemos constatar, os scores mais altos do “Passo a passo PSE” repetem-se no
Caderno de Atenção Básica no. 24, modificando-se penas suas posições: PSO2 –
empoderamento (26%), PSO6 – parceria (25%),
PSO3 – participação (24,5%) e PSO7 –
estratégias (16,3%).
Esse fato pode estar relacionado à natureza pedagógica desses documentos, bem como
ao nível de atuação que é destinado. Esses dois documentos são o instrumental procedimentalmetodológico das ações a serem realizadas no âmbito do PSE, respectivamente, o Caderno no
24 e o Passo a passo PSE, são destinados às equipes de saúde da família e a escola. No nível
de atuação é legítimo se pensar em estratégias e parcerias que possam levar ao alcance das
metas traçadas, angariado esforços (participação) para a ação de capacitação dos sujeitos
(empoderamento):
Exemplos de ações que podem ser fomentadas a partir dessa parceria [escola e
serviço de saúde] são a realização de eventos de educação em saúde no ambiente
escolar, com palestras educativas, atualização do calendário vacinal, avaliação
clínica e nutricional, práticas esportivas e culturais; realização de oficinas culinárias
em parceria com a comunidade escolar, valorizando frutas e verduras produzidas
localmente; e o estabelecimento de espaços de divulgação de informações sobre
alimentação e nutrição. Outras sugestões envolvem a criação e manutenção de
horta escolar, com uso dos alimentos produzidos na alimentação escolar; a melhoria
da qualidade nutricional e sanitária das refeições e lanches ofertados na escola, em
parceria com o nutricionista da alimentação escolar, merendeiros, Conselho de
Alimentação Escolar (CAE), dono e funcionários da cantina e a restrição da venda e
publicidade de alimentos ricos em açúcar, gorduras e sal nas cantinas escolares.
Também é importante estabelecer a participação de outras instâncias, como o
Poder Legislativo, as Secretarias de Abastecimento e Agricultura, entidades de
produtores rurais, agricultores familiares, entre outras. (BRASIL, 2009, p. 49, Grifo
nosso).
Esse trecho reflete bem as causas que destacamos para o sobrepujamento dos índices
ora apresentados. Por hora, queremos chamar atenção para os baixos scores dos índices
PSO1- Decisões, PSO12 – controle social, PSO9 – acesso a informação, PSO – ações
comunitárias concretas. Esse fato nos parece uma confirmação das evidências iniciais
apontadas no tratamento estatístico dos dados colhidos no Decreto 6.286, que apontam para
não abertura do programa, enquanto política de saúde, à participação social em seu sentido
amplo, visto que o processo de exercício citadino nas acepções contemporâneas de
democracia e da própria Promoção da Saúde, pressupõe a ampla participação da população na
regulação e controle das ações do estado.
Nesse caso, podemos evidenciar já nessas primeiras observações uma forte limitação
estrutural do programa à efetivação da Promoção da Saúde e da formação para cidadania,
102
visto o programa limitar ou não ter mecanismos que permitam a participação social em seu
sentido pleno, eixo central das propostas de promoção e de formação para cidadania a que
incoerentemente o programa se filia:
Art. 1o Fica instituído, no âmbito dos Ministérios da Educação e da Saúde, o
Programa Saúde na Escola - PSE, com finalidade de contribuir para a formação
integral dos estudantes da rede pública de educação básica por meio de ações de
prevenção, promoção e atenção à saúde [...]
IV - contribuir para a construção de sistema de atenção social, com foco na
promoção da cidadania e nos direitos humanos; (BRASIL, 2007, Grifo nosso)
Apesar disso, uma questão ainda persiste: como explicar o alto score dos índices PSO5
– participação e PSO2 – empoderamento? Como apontamos em nossas discussões, esses são
conceitos polissêmicos os quais podem assumir diferentes sentidos. Diante disso,
necessitamos analisá-los de uma forma mais refinada e especifica, daí o trabalho desses
índices como categorias, no sentido de apreendermos o sentido real que eles assumem no
Programa Saúde na Escola. Passemos então a análise categorial propriamente dita.
6.1
A ANÁLISE CATEGORIAL
6.1.1 Decisões (tomada de decisão)
Como havíamos indicado anteriormente, a tomada de decisão em seu sentido amplo,
consta na promoção da saúde como um dos mecanismos político de reforço da ação
comunitária na direção de seus próprios esforços e destinos (OMS, 1986). Nesse sentido,
procuramos analisar o conteúdo dos documentos do PSE na tentativa de identificarmos os
espaços criados pelos documentos legais para a tomada de decisão.
Como vimos, de acordo com os dados estatísticos, em sentido estrutural, a tomada de decisão
pelos sujeitos/comunidade torna-se inviável, à medida que o poder de decisão em sentido
macro e micro centra-se na esfera do poder executivo, conforme § 2o do artigo 5o do Decreto
de criação do programa coloca nas mãos dos Secretários Estaduais e Municipais de Educação
e de Saúde a definição das escolas a serem atendidas no âmbito do PSE (BRASIL, 2007) ou
mesmo deixa a cargo do MS e ME ao delegar a CIESE, as diretrizes da política nacional de
saúde na escola.
No nível microssocial, a autonomia dos sujeitos para tomada de decisão é reconhecida
apenas em se tratando de decisões pessoais:
103
Após os 18 anos, os jovens costumam preencher todos os requisitos de
desenvolvimento do julgamento moral necessários para tomar decisões sobre
questões de caráter pessoal, e devem ser avaliados, preferencialmente, sozinhos,
salvo se desejarem a presença de acompanhantes (BRASIL, 2009, p. 29, Grifo
nosso).
Esse trecho nos remete ao entendimento que a opinião, autonomia e decisão dos
sujeitos que não se enquadram nessa faixa etária não são consideradas. É nesse sentido que na
avaliação clínica os alunos de até 12 anos “devem estar acompanhados de um responsável,
pois sua capacidade de entendimento e de responsabilização não está plenamente
desenvolvida” (BRASIL, 2009, p. 29).
Outro destaque, diz respeito aos alunos acima de 12 anos, os quais são considerados,
de uma forma geral, capacitados ‘cognitivamente’ para avaliarem “suas necessidades e fazer
escolhas”, no caso, podendo serem atendidos sem acompanhamento.
Nesse sentido, salvo todos os fatores éticos para o atendimento clínico de menores de
idade, o documento passa uma noção de passividade dos alunos, o que vai de encontro às
recomendações da escola promotora de saúde: “oferecer oportunidades para a conquista da
autonomia; propiciar condições para analisar a realidade e identificar fatores determinantes de
saúde; capacitar o controle sobre a condição de saúde; fornecer conhecimentos e instrumentos
para libertação e mudança” (MOURA et al, 2007, p. 497).
6.1.2 Empoderamento
Como destacamos no Capítulo III, a categoria empoderamento apresenta diversas
controvérsias em torno de sua tradução e variados tipos de empoderamento, enfatizados
anteriormente em nossa discussão teórica. Diante disso a nossa investigação requereu índices
a priori para análise dos documentos.
Esses índices nos auxiliaram na identificação e na classificação das ações de
empoderamento no PSE.
Quatro dos treze índices utilizados, devido sua expressiva
quantidade, foram consideradas como subcategorias de empoderamento, os quais entendemos
como estratégias importantes na proposta de empoderamento do PSE, a saber: (i) capacitação,
(ii) acesso à informação, (iii) aquisição de conhecimento e, (iv) melhora das condições de
vida.
(i)
A subcategoria capacitação apresentou uma quantidade significativa nos dois
documentos subsequentes de nossa análise: Passo a Passo PSE e Caderno de Atenção Básica.
104
Entendemos que tal fato possa ser justificado pela natureza pedagógica dos documentos, nos
quais são propostos e desenvolvidos mecanismos e estratégias de efetivação da proposta do
programa, enquanto o Decreto 6.286, caracteristicamente é um documento normativo.
A capacitação proposta pelo PSE apresenta como público alvo, três segmentos do corpo
social da escola, como podemos observar: “Assim, dos profissionais de saúde e de educação
espera-se que, no desempenho das suas funções, assumam uma atitude permanente de
empoderamento dos estudantes, professores e funcionários das escolas, o princípio básico
da promoção da saúde” (BRASIL, 2009, p. 11, Grifo nosso).
Esse trecho reflete bem as controvérsias em torno do empoderamento, as quais estão
envolvidas na noção de poder, um termo central nesse conceito. Além disso, fica clara a
acepção de empoderamento assumida pelo PSE, que, segundo Guareshi (2010) em
interlocução com Freire & Shor (1986), tem “o sentido de dar poder alguém, em que o sujeito
“recebe” de outro algum recurso [...] dentro de uma perspectiva individualista, mas no sentido
de ativar a potencialidade criativa de alguém, como também de desenvolver e potencializar a
capacidade das pessoas” (p.147). No caso, as equipes de saúde deteriam esse poder, sob a
forma de conhecimento técnico às escolas no sentido de empoderar os sujeitos. Ressalve-se ai
o foco individual e psicológico desse ato, o qual dá brecha à possibilidade de manutenção do
status quo e a não responsabilização do Estado com a saúde desses sujeitos. A despeito disso,
foquemos na análise da capacitação desses diferentes sujeitos.
A capacitação de professores e funcionários tem o sentido de prepará-los tecnicamente
para o trabalho nas ações preventivas e de monitoramento e triagem dos alunos,
exemplificada no trecho: “Capacitação dos professores para trabalharem os temas de saúde
bucal com os escolares” (BRASIL, 2009, p. 66), ou ainda:
Os professores e demais profissionais da escola podem e devem participar na
detecção de certas necessidades de saúde, com o auxílio de profissionais de saúde.
Já é bem conhecido esse papel na suspeição de problemas de visão, audição e de
transtornos de aprendizagem (BRASIL, 2009, p. 28, Grifo nosso).
Quando analisamos o discurso do programa, a capacitação dos alunos aparece como o
processo de formação integral destes e com foco no exercício da cidadania, nesse sentido
destaca-se que:
A escola é espaço de grande relevância para promoção da saúde, principalmente
quando exerce papel fundamental na formação do cidadão crítico, estimulando a
autonomia, o exercício de direitos e deveres, o controle das condições de saúde e
qualidade de vida, com opção por atitudes mais saudáveis. (BRASIL, 2009, p. 15,
105
Grifo nosso).
Contudo, em nível das ações do PSE, a capacitação dos alunos aparece nas sugestões
aos profissionais de saúde sob a forma de orientação e aconselhamento, como podemos
observar nos trechos abaixo:
No seu escopo, devem estar incluídas medidas de educação e promoção da saúde,
como orientações em relação à nutrição, à prevenção do uso de drogas, aos
cuidados com os dentes, à prevenção de violências (física, sexual e bullying ou
assédio moral, como ficou reconhecido no Brasil), à alimentação saudável e à
prática de atividade física, à prevenção de doenças sexualmente transmissíveis, ao
aconselhamento contraceptivo, à cultura da paz, entre outras (BRASIL, 2009, p.
21).
Ou ainda nas seguintes recomendações aos profissionais de saúde:
Oriente a mãe sobre vacinação, cuidados gerais, higiene e estimulação de acordo
com a idade da criança; [...] Oriente adequadamente no caso de identificação de
risco nutricional; [...] Oriente o adolescente e/ou responsável para uma alimentação
mais adequada de acordo com as recomendações, segundo seu estágio de maturação
sexual, e fundamente sua orientação de acordo com os “10 passos para a
alimentação saudável” (anexo F); [...] Oriente o adolescente e/ou responsável sobre
vacinação e hábitos de saúde (prevenção e combate ao tabagismo, alcoolismo e uso
de outras drogas, orientação sexual etc.;) [...] Oriente corretamente o adolescente
e/ou responsável quanto à prática alimentar, visando o ganho de peso e a garantia do
crescimento saudável;
(BRASIL, 2009, p. 51-53).
Essas ações, ressalvada a sua importância, tem um caráter individualista e
culpabilizante, onde o foco do problema, por exemplo o nutricional, está centrado na mãe, não
sendo compreendida a possibilidade de fatores econômicos estarem causando a má
alimentação da criança.
A alimentação é tratada como presente na vida de todos e que há possibilidade de
escolha de alimentos, quando na realidade cerca de 16,2 milhões de pessoas, segundo dados
do governo, vivem hoje em situação de extrema pobreza. Ou seja, a proposta de capacitação
dos alunos parece esquecer a diversidade de fatores intervenientes na condição de “risco” dos
alunos, além da questão comportamental e de hábitos. O que torna pouco promissor tentar
capacitar “líderes estudantis para serem multiplicadores dos temas de saúde bucal” (BRASIL,
2009, p. 66) ou de qualquer outro tema em saúde.
Esse tipo de abordagem, extensivamente discutida aqui, reflete uma tendência ao
empoderamento psicológico-individual (CARVALHO, 2004), ou individual-intrapessoal,
tomando-se os níveis de empoderamento de Horochovski e Meirelles (2007). Este nível de
106
empoderamento está mais próximo de uma ação de prevenção, pois coloca o indivíduo como
responsável por sua saúde, visto instigar o sujeito a se reconhecer apto a influir e controlar os
cursos patológicos que lhe afetam.
(ii)
Acesso à informação
A informação é definida no PSE como “A estratégia mais importante [...] pois, quanto
mais cedo forem identificados [sinais de agravo a saúde], mais fácil e rápido será o
tratamento”. O acesso à informação foi identificado nos documento em três momentos
distintos, com atores distintos.
No primeiro, os alunos tem acesso à informação nas ações de cunho clínico propostas pelo
programa, pois entendemos que nelas os sujeitos entram em contato com informações sobre si
e sua saúde. No trecho abaixo é o responsável do aluno que entra em contato com as
informações:
Reuniões periódicas com os pais e/ou responsáveis para escuta e troca de
informações sobre o aluno com o objetivo de compartilhar responsabilidades e
construir vínculo junto à família. Seria importante que a escola conseguisse realizar
essas reuniões em horários em que os pais e/ou responsáveis pudessem participar,
como no período noturno ou aos sábados, por exemplo; (BRASIL, 2011, p. 36,
Grifo nosso)
Noutra passagem, esse pressuposto é apresentado de forma ainda mais clara, quando no
momento da realização da história clínica dos alunos é recomendado aos profissionais de
saúde agirem de forma padrão, o que inclui “dar informações claras” (2009, p. 22).
Em outro momento o acesso a informações sobre o aluno está de posse dos
profissionais, como consta na seguinte proposta: “Avaliar marcadores de consumo alimentar
por meio dos formulários do SISVAN web e viabilizar a inserção de informações no referido
sistema. Essa ação pode ser realizada com os educandos identificados com sobrepeso ou
obesidade” (BRASIL, 2011, p. 32, Grifo nosso).
No terceiro momento, o acesso à informação é o mais próximo do preconizado na
promoção da saúde e de uma possível proposta de formação para cidadania, onde a
informação é de posse ao mesmo tempo pública e individual, guardando-se os preceitos éticos
para com o aluno. É nesse sentido que identificamos nas recomendações da Organização PanAmericana de Saúde (2006a), apropriadas no discurso de justificação do PSE, o acesso à
informação que sugere “a difusão de informações sobre os avanços e desafios encontrados”,
ou ainda, no trabalho da temática nutrição, é recomendado o estabelecimento de espaços de
divulgação de informações sobre alimentação e nutrição.
As informações dessas duas recomendações tem caráter distintos, uma volta-se à
informações que vão influir sobre fatores pessoais, enquanto a outra em fatores de caráter
107
político, no caso de avaliação e controle de uma política em saúde.
Como destacamos a publicização e acesso à informação são requisitos básicos para se
alcançar o empoderamento e consequente participação social e controle das políticas públicas,
pois a informação em educação em saúde na perspectiva da promoção da saúde, não se
restringe a uma mera distribuição, antes fomenta e mobiliza aptidões e habilidades no sentido
de tomar medidas de saúde individual e coletiva. Traduz-se sim, num instrumento de
construção da ação política em saúde. (WHO, 1998?).
No caso, não identificamos nenhuma recomendação no sentido de uma divulgação ampla
à comunidade dos dados colhidos nas avaliações. Nem mesmo, o direcionamento, frente aos
indícios de agravo à saúde, a uma ação política em busca de melhorias da situação. Antes, as
informações são repassadas aos pais para que haja uma mudança de atitude ou
comportamento dos sujeitos.
(iii)
Aquisição de conhecimento
Esta categoria está diretamente ligada a anterior “acesso à informação”, que
salvaguardadas as questões envolvendo a pura distribuição de informações, faz parte do
processo de aquisição de conhecimentos enquanto integrante da ação educativa, onde esse
possa levar aquele.
Esse descritor surge, por exemplo, na defesa da escola como espaço ideal para o trabalho
em saúde, como nos demonstra o trecho: “Distingue-se [a escola] das demais instituições por
ser aquela que oferece a possibilidade de educar por meio da construção de conhecimentos
resultantes do confronto dos diferentes saberes: aqueles contidos nos conhecimentos
científicos veiculados pelas diferentes disciplinas” (BRASIL, 2009, p. 15, Grifo nosso).
Supõe-se também o compromisso do programa com a aquisição do conhecimento quando
se propõe à formação integral dos sujeitos, reafirmado em seus objetivos: “[...] com a
finalidade de contribuir para a formação integral dos estudantes da rede pública de educação
básica por meio de ações de prevenção, promoção e atenção à saúde” (BRASIL, 2007). Ou,
“contribuir para a constituição de condições para a formação integral de educandos (idem).”
Contudo, precisamos pontuar a tendência que se vem apresentando ao longo das nossas
análises quanto ao empoderamento proposto pelo PSE, que tem apontado uma ação
caracteristicamente voltada a esfera individual, como pudemos identificar nas ações de
promoção alimentar:
O principal desafio das intervenções visando a mudança e a incorporação de hábitos
alimentares saudáveis seria o de promover, de forma competente, o acesso à
informação, incrementando o conhecimento para o autocuidado e, ainda, o contato
108
e a experimentação de alimentos que sejam de fácil acesso e preparo,
simultaneamente saudáveis e agradáveis aos sentidos, proporcionando prazer e
respeitando a cultura dos indivíduos e de seu grupo social. (BRASIL, 2009, p. 49)
Reforçando o que já foi dito, é necessário em promoção da saúde superar a
normatização e descontextualização das ações, que focam nos estilos de vida e controle das
pessoas (PORTO & PIVETTA, 2009). Que segundo Castiel (2009) sob a égide do auto (self)
há toda uma tradição filosófica (neo)liberal residente, que sob uma noção individualista de
identidade tenta agregar nela “mitos” que embora sejam frutos de uma rede complexa de
fatores, são alocados na esfera individual.
No programa é sugerida:
A inclusão dos temas nos projetos político-pedagógicos também facilita o
protagonismo dos educandos, apontando para um processo importante de
autocuidado. Falar e trabalhar pedagogicamente os temas da alimentação, visão,
audição, práticas corporais e outros aproximam os educandos da ação e desperta o
interesse deles com suas próprias condições de saúde e riscos (BRASIL, 2011, p. 16)
De acordo com esse trecho percebemos que a formação aí proposta direciona o sujeito
a se auto responsabilizar com os possíveis agravos a sua saúde, sendo que a maioria dos temas
em saúde propostos foge do controle pessoal, pois abrangem questões mais amplas de cunho
social, econômico e cultural.
(iv)
Melhora das condições de vida
A subcategoria melhora das condições de vida é assumida na proposta do PSE, como
uma pressuposição da extensão das ações clínico-preventivas, educativas e promocionais da
saúde do programa. Esse sentido nos é confirmado, por exemplo, nas estratégias de
operacionalização das ações de promoção da saúde na escola, especificadas no Caderno de
Atenção básica no 24: “Algumas atividades, como ações coletivas de promoção da saúde e
melhoria da qualidade de vida da comunidade, poderão ser propostas pelas equipes de
saúde e/ou pela comunidade envolvida, para serem executadas no espaço da escola”
(BRASIL, 2009, p. 17, Grifo nosso).
Ainda pudemos identificar esse sentido da melhora das condições de vida no trecho
em que se justifica a atualização do calendário vacinal, ao qual segue: “os benefícios
individuais são: proteção contra a doença sintomática, melhora da qualidade de vida e da
produtividade individual e prevenção da mortalidade relacionada à doença” (BRASIL, 2009,
p. 30, Grifo nosso).
Nesse caso, recursos são mobilizados para atender e/ou combater a vulnerabilidade e o
109
risco que o estudante está sujeito. Exemplificando, os Ministérios da Saúde e da Educação
mobilizaram os esforços, ações e recursos materiais do Projeto Olhar Brasil, por meio da
Portaria Interministerial nº 15 de 24 de abril de 2007 para o trabalho de acuidade visual dos
alunos.
No caso, é proporcionado aos alunos atendimento “profissional especializado e o
fornecimento de óculos e outros recursos ópticos, propiciando, assim, condições de saúde
ocular favoráveis ao aprendizado do público-alvo, melhorando o rendimento escolar e a
qualidade de vida dessa população de forma a reduzir as taxas de evasão e repetência”
(BRASIL, 2011, p. 29).
Contudo, mesmo reconhecendo a importância, a necessidade e a real contribuição
dessas ações na qualidade de vida desses alunos, não podemos esquecer que as ações que
podem desencadear essas melhorias de saúde se mantém sob o panorama do risco e das causas
individuais dos problemas. Nesse sentido, essas ações podem vir a melhorar as condições de
vida desses sujeitos do ponto de vista individual, mas fica claro que a saúde enquanto um
problema social não se torna alvo de ações significativas. Assim, as ações parecem de certa
forma amenizar os sintomas da doença, mas não as causas desta.
6.1.3 Cidadania
A pactuação do Programa Saúde na Escola com a cidadania é efetivada quando no
Artigo 2o do Decreto de sua criação, o programa assume como objetivo “contribuir para
construção de sistema de atenção social, com foco na promoção da cidadania e nos direitos
humanos (BRASIL, 2007)”. Nesse sentido, o programa toma a cidadania como um horizonte
a ser alcançado.
Desta forma, cabe-nos aqui tentar entender as formas da cidadania
preconizada no programa, suas particularidades e pontuá-la segundo as características da
cidadania defendida na Promoção da Saúde.
A cidadania inscrita no PSE não está baseada num conceito fixo do qual possamos
apreendê-lo em nossas discussões, ora se insinua ao longo dos textos dos documentos através
de menções, as quais reunimos no intuito de a visualizarmos sua forma e assim termos a
possibilidade de discuti-la sob a ótica da promoção da saúde.
A cidadania surge nesses documentos em estado de construção, sendo o PSE um
mecanismo/ estratégia que pode vir a contribuir nesse processo. No Caderno de Atenção
básica no 24, por exemplo, justificando a escolha do espaço escolar para
atuação do
programa, é destacado: “Juntamente com outros espaços sociais, ela cumpre papel decisivo na
110
formação dos estudantes, na percepção e construção da cidadania e no acesso às políticas
públicas” ( BRASIL, 2009, p. 10). E colocando as contribuições do cuidado em saúde para os
alunos é citado: “Conhecer e lidar com esses fatores de risco e vulnerabilidades, promovendo
e protegendo a saúde, impactará de maneira positiva a qualidade de vida, as condições de
aprendizado e, consequentemente, a construção da cidadania” (p. 15).
O exercício da cidadania pressupõe ultrapassar aquela baseada apenas em direitos e
deveres, traduzindo-se numa ação crítica, participativa e autônoma na sociedade.
Nas escolas, o trabalho de promoção da saúde com os estudantes, e também com
professores e funcionários, precisa ter como ponto de partida “o que eles sabem” e
“o que eles podem fazer”, desenvolvendo em cada um a capacidade de
interpretar o cotidiano e atuar de modo a incorporar atitudes e/ou
comportamentos adequados para a melhoria da qualidade de vida. Nesse processo,
as bases são as “forças” de cada um, no desenvolvimento da autonomia e de
competências para o exercício pleno da cidadania. Assim, dos profissionais de
saúde e de educação espera-se que, no desempenho das suas funções, assumam uma
atitude permanente de empoderamento dos estudantes, professores e
funcionários das escolas, o princípio básico da promoção da saúde (PORTUGAL,
2006; DEMARZO; AQUILANTE, 2008) (BRASIL, 2009, p. 11, Grifo Nosso).
Ou ainda:
[A escola] Exerce grande influência na formação de crianças e adolescentes e
constitui, portanto, espaço de grande relevância para a promoção da saúde,
principalmente na constituição do conhecimento do cidadão crítico, estimulando-o
à autonomia, ao exercício dos direitos e deveres, às habilidades com opção por
atitudes mais saudáveis e ao controle das suas condições de saúde e qualidade de
vida (BRASIL, 2009, p. 15).
Esses indícios nos dão a noção de que a cidadania inscrita no PSE reflete muitos
princípios da amalgamada e complexa concepção de cidadania na Promoção da Saúde.
Princípios como autonomia, participação e atuação crítica fazem interface entre a cidadania
preconizada no âmbito do PSE e da Promoção da Saúde. Em ambos os casos a cidadania é um
processo em construção, especialmente no que tange a formação dos sujeitos para uma ação
política.
Moura et al (2007), questionando-se sobre as práticas que a promoção da saúde deve
manter, enfatiza no trabalho Barroso, Vieira e Varela (2003) princípios que possam nortear as
práticas escolares, a saber:
[...] o reforço ao sujeito social para capacitá-lo a cuidar de si e agir em grupo na
defesa da promoção da saúde; a valorização da subjetividade e intersubjetividade no
processo de conhecimento da realidade, privilegiando o diálogo como expressão da
comunicação; o estímulo à participação; a utilização de estratégias que permitam a
coexistência da interface de várias áreas do conhecimento; o reconhecimento da
111
dimensão afetiva no processo de transformação; o incentivo e fomento de avanços e
parcerias por meio de redes sociais de apoio (p. 498).
Nesses princípios percebe-se a natureza política dessa formação, tendo presente a
autonomia, participação, criticidade, acesso a informação e diálogo. Corroborando com a
discussão sobre a necessidade de uma postura política para o exercício da cidadania Jacobi
(2002) indica a tendência trazida pelos movimentos coletivos de uma “nova qualidade de
cidadania que institui o cidadão como criador de direitos para abrir novos espaços de
participação sociopolítica” (p. 443).
Diante dessa necessidade, focamos nossa atenção nas atividades do PSE e cruzando as
informações com os dados do tratamento estatístico, tentamos identificar as contribuições e os
mecanismos destas para a formação política dos sujeitos.
Como havíamos destacado, as ações do PSE são de três naturezas: epidemiológica,
prevenção e promoção da saúde e formação, com prioridade para o componente
epidemiológico. Nesse ponto, a formação, qualquer que seja sua natureza, fica subjugada,
visto que as ações de formação constituem os componentes II e III, os quais são postos em
segundo plano no programa.
Além disso, numa das últimas publicações sobre o programa, O passo a passo Adesão
PSE (2013), os ministérios classificam as ações que não são do componente I como
“optativas”, criando-se nesse sentido uma barreira para efetivação, de uma forma geral, do
componente educativo no programa, haja vista estar ele sujeito aos interesses dos gestores
municipais.
Nessa mesma linha de raciocínio, se olharmos as ações consideradas prioritárias no
programa, podemos entender que se tratam de uma ação clínica com extensão na escola, que
por sua vez nos faz pensar que “a contribuição” do programa com a construção da cidadania,
é dada com o acesso ao direito saúde, ou seja, na efetivação de um direito dos alunos
enquanto cidadãos.
Esse fato pode explicar a incoerência da participação social ser preconizada no
programa, a despeito da sua estrutura estar centrando a participação plena no governo, estando
os alunos restritos a participar somente nas ações pedagógico-recreativas sugeridas no
programa, quando ocorrem. Esse fato contraria as argumentações em torno da importância da
participação na formação política para cidadania:
A formação de cidadãos participativos leva ao empoderamento da população,
capacitando-a para atuar no controle de sua própria vida e, assim, atingir uma
112
situação de equidade social. Elementos como identidade, pertencimento,
conhecimento e participação devem estar presentes nesta formação, pois fazem parte
da condição de ser cidadão (BYDLOWSKI, 2011, p. 1772)
Logo, nos perguntamos se haveria mesmo uma proposta de formação para cidadania
no programa, ou se a cidadania é entendida como o ato de levar as ações de saúde à
população. Diante dos dados apresentados até o momento, somos impelidos a achar a segunda
opção mais assertiva, pois traduz melhor a ação de cidadania do programa.
6.1.4 Participação (comunitária e social)
No intuito de entendermos quais os sentidos que a participação social assume no PSE,
procuramos focar nas formas de participação dos diferentes sujeitos no intuito de
identificarmos os níveis de participação permitidos aos alunos e a comunidade nas ações
propostas pelo programa.
Com essa finalidade reunimos, segundo a análise das unidades de registro no seu
contexto, cinco sentidos de participação, os quais discutimos abaixo:
(i)
Participação Social
Nesse sentido, a participação apresenta-se sob a adjetivação ‘social’, que em saúde
assume a acepção política de participação ampla dos cidadãos nas decisões/políticas que
envolvem a saúde da população, tem o sentido de controle social.
Esse sentido é encontrado especialmente no discurso teórico e de justificação da proposta
do PSE quando, por exemplo, na apresentação do Caderno de Atenção no 24, é citado que as
demandas legais criadas em torno do sistema de saúde brasileiro são acompanhadas
por um conjunto de conceitos e diretrizes que confirmam uma atitude baseada na
cooperação e no respeito às singularidades, como o estímulo à intersetorialidade, o
compromisso com a integralidade, o fortalecimento da participação social e o
estabelecimento de mecanismos de cogestão do processo de trabalho, que
promovam mudanças na cultura organizacional, com vistas à adoção de práticas
horizontais de gestão centrando-se na organização do trabalho em equipe
(BRASIL, 2009, p. 8, Grifo nosso)
Ou ainda, no ‘Passo a passo PSE é justificado o desenvolvimento das ações de
promoção da saúde. Na definição do conceito, é citada:
Promoção da saúde, segundo o conceito adotado pelo SUS, por meio da Política
Nacional de Promoção da Saúde, é uma estratégia de articulação transversal na qual
se confere visibilidade aos fatores que colocam a saúde da população em risco e às
diferenças entre necessidades, territórios e culturas presentes em nosso país, visando
à criação de mecanismos que reduzam situações de vulnerabilidade, defendam
radicalmente a equidade e incorporem a participação e o controle social na gestão
das políticas públicas da saúde (BRASIL, 2011, p. 17, Grifo nosso)
113
Aqui, entendemos que essas menções a participação social abarcam seu sentido amplo,
justamente por terem como referência documentos legais, como o Plano Nacional de
Promoção da Saúde (PNPS), que guarda esse sentido. Contudo, essas menções situam-se no
plano discursivo de justificação, o qual não garante necessariamente sua prática. No plano da
ação, é garantida a participação social do programa quando este assume em uma de suas
diretrizes o compromisso de “Promover a articulação de saberes, a participação dos
educandos, pais, comunidade escolar e sociedade em geral na construção e controle social
das políticas públicas da saúde e educação” (BRASIL, 2001, p. 7, Grifo nosso).
Algo parecido é citado nas atribuições do GTI-F quando é colocado que é de sua
responsabilidade “Garantir a agenda da Comissão Intersetorial de Educação e Saúde na
Escola (CIESE) com representantes do Conass, Conasems, Consed, Undime, áreas da
educação e da saúde, e participação social responsável pelo acompanhamento da execução
do PSE” (BRASIL, 2009, p. 10, Grifo nosso). Nesse ponto reside no mínimo uma
incoerência entre o ‘Passo a passo PSE e a Portaria Interministerial no 675/2008 que institui o
CIESE, já que não há menção alguma à participação social nesse documento, havendo apenas
a possibilidade da comissão convidar representantes de órgãos, entidades ou pessoas do setor
público e privado para uma consulta, no caso de tratamento de assuntos específicos, sem que a
recomendação seja necessariamente acatada.
Em outros momentos o termo participação social aparece num equivoco a seu sentido
real em saúde. Quando na justificativa da avaliação auditiva realizada no Caderno no 24 é
citada que os dados de uma pesquisa do IBGE “revelam parte da percepção que as pessoas
pesquisadas têm em relação às alterações provocadas pelas deficiências nas suas capacidades
de realização, no seu comportamento e na sua participação social” (BRASIL, 2009, p. 40,
Grifo nosso).
Bordenave (1986) destaca que é comum o equívoco de se pensar que participação
social trata-se apenas da soma das associações de que se é membro ativo. O trecho destacado
parece refletir bem isso, visto que a participação social é tomada como as relações sociais das
quais os sujeitos fazem parte.
Já nas propostas de “Gincana de talentos” um o objetivo esperado do “Talento social”
“é estimular a capacidade de voluntariado, participação social e solidificação da cidadania”
(BRASIL, 2009, p. 86, Grifo nosso). Pela natureza da atividade entendemos que o sentido ai
atribuído para participação social esteja relacionado a fazer parte da atividade colaborando, se
solidarizando e voluntariando na arrecadação de donativos à comunidade carente.
114
Compreendemos a importância da atividade no reconhecimento, das necessidades da
comunidade, contudo, a ação político-educativa que dai poderia ser desenvolvida, esvai-se
numa competição de equipes pelo reconhecimento de quem foi mais solidário, estando longe
de representar uma ação educativa em prol da formação à participação social.
Participação como atuação técnico-profissional
(ii)
Na proposta de Promoção da Saúde é destacado que o setor saúde não pode assumir
sozinho a efetivação das condições e dos recursos básicos para saúde (paz, habitação,
educação, alimentação, renda, ecossistema estável, recursos sustentáveis, justiça social e
equidade). Antes, demanda uma ação coordenada de diferentes setores sociais no intuito de
assegurarem tais pré-requisitos (OMS, 1986). Contudo, é asseverada na Carta de Ottawa a
responsabilidade dos profissionais de saúde e grupos sociais com a mediação da saúde na
sociedade.
O PSE assumindo está última recomendação, traz como principal articulador de suas
ações a Equipe de Saúde da Família (eSF): “[...] as equipes de Saúde da Família assumem o
protagonismo e a responsabilização pela coordenação do cuidado com os escolares”
(BRASIL, 2009, p. 9). O sentido da participação dos profissionais de saúde no programa
parece refletir essas delegações.
Em nossas análises pudemos identificar uma forma especifica de participação de um
grupo de atores do PSE. A participação dos profissionais de saúde e, em alguns casos, os da
educação, assume o sentido de uma atuação técnica, de estar presente, de parceria.
Na unidade de contexto abaixo a participação, leia-se atuação, da eSF é colocada como
uma estratégia de potencialização das ações de promoção da saúde do programa na escola.
As iniciativas de promoção da saúde escolar constituem ações efetivas para a
consecução dos objetivos citados, o que pode ser potencializado no Brasil pela
participação ativa das equipes de Saúde da Família (DEMARZO; AQUILANTE,
2008), sempre em associação com as equipes de educação (BRASIL, 2009, p. 15,
Grifo nosso)
Essa forma de participação é exigida dos profissionais de saúde em diferentes processos
e execuções do programa:
Médico, enfermeiro e odontólogo: participar ativamente do planejamento e
execução do processo de avaliação nutricional nas escolas e das atividades
educativas;[...] participar e coordenar atividades de educação permanente no
âmbito da saúde e nutrição, sob a forma da coparticipação, acompanhamento
supervisionado, discussão de caso e demais metodologias da aprendizagem em
serviço, participar das reuniões de equipe de planejamento e avaliação.(BRASIL,
2009, p. 63, Grifo nosso)
Outro sentido atribuído à participação dos profissionais de saúde é o de estar presente,
115
de participar de reuniões e encontros: “Participação nas reuniões de planejamento escolar
para pactuar a realização de atividades de saúde bucal” (BRASIL, 2009, p. 65, Grifo nosso).
O que nos leva a considerar que a participação está na pauta do dia dos profissionais de saúde
que atuam no PSE.
Além disso, um fato no mínimo interessante, é a atuação das eSF como mobilizadoras
da participação dos outros atores, como podemos constatar nessa unidade de registro:
“Auxiliar de enfermagem: estimular a participação comunitária para ações que visem à
melhoria da qualidade de vida da comunidade”(BRASIL, 2009, p. 63). Nesse sentido,
entendemos que a proposta do programa coloca as eSF como mobilizadoras da “colaboração”
dos alunos e da comunidade escolar nas atividades propostas em seu âmbito de atuação.
Para tal são propostas diversas ferramentas pedagógicas que tentam suscitar o
engajamento dos jovens nessas ações. “As metodologias participativas” constituem um
instrumental de atuação central dos profissionais de saúde na escola: “Sugere-se a elaboração
de um projeto de convivência e mediação de conflitos com metodologia participativa (rodas
de conversa, teatro, dinâmicas, narrativas – contadores de histórias e outras), com o
envolvimento de todos os atores da comunidade escolar” (BRASIL, 2011, p. 42, Grifo
nosso).
Nesse sentido, podemos considerar que a participação dos profissionais de saúde e
educação se traduz como uma atuação técnica e de mobilização dos sujeitos da comunidade
escolar à colaboração com o programa.
(iii)
Participação comunitária e estudantil
Quando no Decreto 6.286/2007 o programa assume como um dos seus objetivos
“fortalecer a participação comunitária nas políticas de educação básica e saúde, nos três níveis
de governo” (BRASIL, 2007), é no mínimo instigante perguntar como seria e de que forma se
daria a participação da comunidade nessas políticas, pois retomando nossas discussões, vimos
que a adjetivação comunitária à participação é um limitador da participação social, como nos
apontou Stotz (2008).
Nossos resultados parecem ter a intensão de responder essas perguntas. O enfoque
dado à participação da comunidade, estando inclusos ai os alunos, assume um sentido
específico no escopo do Programa de Saúde na Escola: o de colaboração nas ações de saúde.
Como destacamos no tópico anterior, há todo um aparato metodológico-prático para suscitar a
participação desses sujeitos no programa. Esse sentido pode ser evidenciado nas unidades
destacadas abaixo:
116
Para estimular a participação local e da comunidade, podem ser realizados
seminários de sensibilização e instrumentalização técnica dos diversos atores
envolvidos – professores, funcionários, estudantes, pais e profissionais de saúde
(BRASIL, 2006a), precedidos pela escuta às demandas e necessidades comunitárias
nas áreas de saúde, educação e outras (BRASIL, 200, p. 17 Grifo nosso).
Nesse trecho são sugeridas estratégias de estímulo à participação dos profissionais da
educação e do público alvo no programa.
O Programa Saúde na Escola (PSE) vem contribuir para o fortalecimento de ações
na perspectiva do desenvolvimento integral e proporcionar à comunidade escolar a
participação em programas e projetos que articulem saúde e educação, para o
enfrentamento das vulnerabilidades [...] (BRASIL, 2011, p. 6, Grifo nosso)
Aqui o programa assume o papel de um instrumento inclusivo da comunidade nas
políticas de saúde, o que reforça um dado anterior: a contribuição do programa para cidadania
se dá no sentido de incluir os sujeitos nas políticas de saúde, ou seja, efetivar o direito à saúde.
Nos trechos destacados abaixo podemos observar com clareza a participação dos
estudantes e dos pais nas ações de saúde do programa:
Para tais ações e com objetivo de desenvolvimento de uma atenção integral à saúde
dos educandos, é importante que a eSF desenvolva estratégias, em conjunto com as
escolas de seu território, para que as famílias levem seus filhos em idade escolar à
Unidade Básica de Saúde (UBS) para uma consulta anual.
A fim de aproximar os educandos das Unidades Básicas de Saúde, projetos criativos
têm sido apresentados, como inserir no projeto político-pedagógico da escola o
estudo da UBS da região, culminando com visitas guiadas dos educandos ao serviço
de saúde. Como forma de não sobrecarregar a UBS no início do ano letivo, com um
excesso de encaminhamento de crianças para avaliação, uma ideia proposta é a eSF
se articular com a escola, para o envio de lembrete para as famílias comparecerem
com as crianças no mês do aniversário, para a consulta anual na unidade de saúde.
A criação de espaços e ambientes seguros facilitam a adesão das crianças,
adolescentes e jovens aos encontros destinados à avaliação. Por isso a
importância do envolvimento do corpo docente com as ações, considerando o
vínculo já estabelecido entre eles e os educandos.
A inclusão dos temas nos projetos político-pedagógicos também facilita o
protagonismo dos educandos, apontando para um processo importante de
autocuidado. Falar e trabalhar pedagogicamente os temas da alimentação, visão,
audição, práticas corporais e outros aproximam os educandos da ação e desperta o
interesse deles com suas próprias condições de saúde e riscos (BRASIL, 2011, p. 16,
grifo nosso).
Várias estratégias para a participação/colaboração dos jovens e dos pais com as
consultas, a avaliação clínica e com o autocuidado, são destacadas, nos dando o respaldo para
afirmar que a participação desses sujeitos no PSE tem o sentido de estar presente colaborando,
passivamente, com as ações de saúde do programa. Quando não, a participação da
comunidade, leia-se pais, tem a finalidade de legitimar as ações e decisões para o programa,
exemplificando:
117
No diagnóstico lançamos outro olhar para a realidade, buscando conhecê-la melhor,
sistematizar as barreiras e as oportunidades para garantir o sucesso de nossas
atividades, envolver todos os atores no processo de planejamento e legitimá-lo
quanto aos seus objetivos e resultados esperados. (BRASIL, 2009, p. 88, Grifo
nosso)
Talvez seja esse um exemplo de “participação provocada” (BORDENAVE, 1986), na
qual os sujeitos são levados/mobilizados a ajudarem certos agentes externos, profissionais de
saúde, a alcançarem os objetivos destes, ou do governo. É nesse sentido que a participação da
comunidade surge em nossos resultados, como uma colaboração com as metas do programa,
prioritariamente, as de cunho censitárias epidemiológicas.
(iv)
Participação provocada
Um sentido já destacado vem dos chamados projetos participativos. Na proposta do PSE é
muito recomendado a estratégia do “construir coletivamente”, especificamente nas ações de
promoção da saúde e de educação em saúde:
Os projetos de promoção da saúde exigem planejamento de curto, médio e longo
prazo e devem ser sucintos, exequíveis, incluir participação ativa de todos os
atores em todas as etapas do seu desenvolvimento (desde o levantamento das
principais necessidades e identificação das prioridades, até a elaboração e execução
de estratégias), ser avaliados ao final de cada ano letivo e incluir sempre a gestão da
sua qualidade (PORTUGAL, 2006). (BRASIL, 2009, p. 17, Grifo nosso)
Ou ainda: “Envolver os educandos nos processos de planejamento, execução e
avaliação das atividades” (BRASIL, 2011, p. 40). A despeito da sua importância e das
possibilidades de crescimento crítico que envolvem a tomada de decisão, nesse tipo de
participação, classificada por Bordenave (1986) como participação concedida, chamamos a
atenção para as intensões subjacentes, principalmente, nos ditos “planejamentos
participativos”, nos quais está embutido o “exercício do projeto de direção-dominação da
classe dominante (p. 29), visto a falsa ilusão de participação política e social, dada por esses
projetos, restritos ao nível microssocial. Talvez seja esse o motivo do indicativo de Stotz
(2008) da restrição da participação social com a troca do adjetivo social por comunitário, visto
que as ações, a despeito de suas potencialidades, ficam limitadas a níveis primários de
participação, podendo perder o sentido do todo.
(v) Participação como inclusão
Finalizando, cabe ressalta um último sentido dado a participação social observado em
nossas análise, o de inclusão:
118
[...] têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou
sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua
participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as
demais pessoas. (CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DAS PESSOA COM
DEFICIÊNCIA, 2006, APUD BRASIL, 2009). (BRASIL, 2009, p. 27)
Nesse trecho, é defendida a participação/inclusão de portadores de necessidades
especiais no programa, como uma forma de transformar o ambiente escolar num espaço de
acolhimento das diferenças.
Numa finalidade próxima, é recomendado nos jogos escolares intraclasses e
interescolas, a participação de meninos e meninas, que representa uma inclusão de gênero,
visto ser os esportes, social e historicamente, dominado pelos homens. Assim a inclusão das
meninas representa por sua vez a igualdade entre gêneros.
6.1.5 Controle social
Como vimos o PSE assume como uma de suas diretrizes o controle social, o que
entendemos ser uma ação coerente com as demandas do Sistema Único de Saúde, que
preconiza a ampla participação dos cidadãos em sua gestão. No tratamento estatístico dos
dados e o cruzamento destes com as informações colhidas na leitura flutuante constatamos a
inviabilidade da participação e consequente controle social, já que o programa não tem uma
estrutura que permita a participação ampla em suas decisões, estando restrita a participação da
comunidade às ações do programa, como colaboração.
Apesar, das menções nos discursos de justificação e embasamento teórico do programa
trazerem o controle social em seu sentido amplo, como podemos constatar nas unidades de
contexto abaixo,
Promoção da saúde, segundo o conceito adotado pelo SUS, por meio da Política
Nacional de Promoção da Saúde, é uma estratégia de articulação transversal na qual
se confere visibilidade aos fatores que colocam a saúde da população em risco e às
diferenças entre necessidades, territórios e culturas presentes em nosso país, visando
à criação de mecanismos que reduzam situações de vulnerabilidade, defendam
radicalmente a equidade e incorporem a participação e o controle social na gestão
das políticas públicas da saúde.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) afirma que promoção da saúde é um
processo que objetiva ampliar as possibilidades dos cidadãos de controlar , de
forma crescente, os determinantes sociais da saúde e, como consequência,
melhorar sua qualidade de vida. (BRASIL, 2011, p. 17, Grifo nosso).
A escola é espaço de grande relevância para promoção da saúde, principalmente
quando exerce papel fundamental na formação do cidadão crítico, estimulando a
autonomia, o exercício de direitos e deveres, o controle das condições de saúde e
qualidade de vida, com opção por atitudes mais saudáveis. (BRASIL, 2009, p. 15,
Grifo nosso)
119
Procuramos enfatizar os sentidos atribuídos ao controle social no âmbito das ações
recomendadas. Focando nossa atenção na unidade a seguir, que corresponde a um das
diretrizes do programa, “Promover a articulação de saberes, a participação dos educandos,
pais, comunidade escolar e sociedade em geral na construção e controle social das políticas
públicas da saúde e educação” (BRASIL, 2011, p. 7, Grifo nosso), percebemos nessa
construção uma gradação de ideias que nos leva a entender que o controle social das políticas
passa pela constituição de saberes, participação social e chega a meta final que é o controle.
Esse fato nos instigou, pois se estruturalmente não há abertura para o exercício da
participação social no programa, como se daria então essa formação.
Nas ações pedagógicas e sugestões de ações, encontramos uma possível resposta as
nossas indagações. Na proposta de projetos participativos encontramos objetivos tais como:
“Envolver os educandos nos processos de planejamento, execução e avaliação das
atividades” (BRASIL, 2011, p. 40, Grifo nosso). Cabe-nos aqui ressaltar as pontuações de
Bordenave (1986) sobre a falsa sensação de participação social e política que esse tipo de
atividade pode gerar, pois circunscreve o indivíduo a um nível de participação micro,
retirando as dimensões reais do problema.
120
CONSIDERAÇÕES FINAIS
7
Na presente investigação vimos que a participação social é um eixo estratégico de
efetivação tanto da proposta de Promoção da Saúde ampliada (BUSS, 2009), quanto da
formação para cidadania. A proposta da PS foi reconfigurada ao longo do século XX,
passando a representar o processo de capacitação da comunidade para atuar na melhoria de
sua qualidade de vida e saúde (OMS, 1986), trazendo a participação social (SICOLI &
NASCIMENTO, 2003) e cidadania plena e efetiva como horizontes (RIBEIRO, 2002).
Essa proposta propõe um corte teórico-filosófico e prático no entendimento do que
é saúde, identificando os agravantes desta última para além dos aspectos biológicos, focandoos em fatores econômicos, sociais, políticos e culturais. Essa proposta tem a educação em
saúde como uma de suas principais estratégias, que por sua vez, passa a absorver essa
demanda formativa, que em seu viés escolar tem as novas políticas públicas em educação
como marco de influência.
O Programa Saúde na Escola surge como uma proposta intersetorial de
desenvolvimento integral dos alunos, compromissado com o desenvolvimento da promoção
da saúde e da formação para cidadania, o que inclui nessa meta a participação social. No
entanto, considerando que a escola em seu modelo tradicional representa um espaço de
exclusão e reprodução do status quo (NIDELCOFF, 1982), assim como as contradições em
torno do termo cidadania, que em geral tem sido tomado como consensualmente definido
(TOTTI & PIERSON, 2008), formou-se ai nossa problemática de estudo. Nesse sentido,
procuramos analisar a participação social no contexto PSE, buscando os sentidos que o
conceito assumia nos documentos que orientavam a sua implementação, para podermos
discutir os limites e as possibilidades para efetivação da Promoção da Saúde e da Formação
para cidadania.
Nesse tentame, à guisa de conclusões, compreendemos a importância da proposta do
Programa Saúde na Escola por se tratar de uma política que pretende efetivar o direito à saúde
de criança, bem como pela iniciativa governamental de integração das ações e políticas
públicas através da intersetorialidade.
Contudo, a persistência da lógica setorial, fragmentadora e desarticuladora na
operacionalização das ações intersetoriais de saúde, tem sido uma problemática constante no
setor (SÍCOLI & NASCIMENTO, 2003). Segundo nossos resultados, esse problema parece
estar presente na dinâmica do PSE, visto a disparidade na gestão do programa, onde o
121
Ministério da Saúde centraliza grande parte do poder de decisão, cabendo ao Ministério da
Educação o papel de coadjuvante nas ações e na gestão do PSE.
Embora em seus anexos o Caderno no 24 (BRASIL, 2009) mencione que alguns
setores contribuirão de forma mais intensa que outros, visto questões técnicas, financeiras e
organizacionais, nossos resultados mostram, pelo número e conteúdo dos Decretos do
Ministério da Saúde, há uma desigualdade na tomada de decisões que partem prioritariamente
da saúde e são de natureza estruturante e organizacional do programa, descaracterizando uma
possível gestão compartilhada com o Ministério da Educação.
Quanto ao nosso tema de pesquisa, a participação social, procuramos seu significado
integral, tanto na estrutura do programa, quanto nos aspectos formativos, tendo como base o
princípio holístico da Promoção da Saúde, destacado nas pontuações de Freitas & Porto
(2011, p. 188): “Os espaços estruturais e os seus desdobramentos se alinham com ‘promover a
saúde com’ e não ‘promover a saúde para’. Coadunam-se com a busca pela expansão dos
princípios democráticos, entre eles qualificando a participação, a responsabilidade e a
solidariedade.”
Os dados dos temas levantados na leitura flutuante e no tratamento estatístico, quando
confrontados, revelaram o PSE como uma política verticalizada num sentido unidirecional,
dissonante da tendência da gestão governamental em saúde e educação, onde as diretrizes e
parâmetros das políticas públicas são concebidas com a contribuição da população através de
instrumentos de participação social como, por exemplo, as Conferências Nacionais de Saúde.
No PSE não se verifica mecanismo análogo e dificulta a participação da população nas
decisões a nível macro do programa, pois nas instâncias que o parametrizam o controle das
decisões está no governo, representado pelo CIESE, que como vimos é uma comissão
intersetorial da saúde e da educação, composta exclusivamente por gestores das esferas
governamentais. Este fato é assegurado pelo Decreto do MS no 675/2008, que coloca nesse
órgão o poder de determinar os critérios da política de educação e saúde na escola.
Quanto ao aspecto formativo, no nível estrutural, este se encontra no segundo plano da
composição das ações do programa, pois o componente epidemiológico é colocado como
prioritário, enquanto que as demais ações, incluindo-se educação em saúde e a formação
técnico-profissional, são classificadas como optativas, o que em nosso entendimento deveria
ser a dinâmica central do programa em se tratando de uma proposta de PS.
Com a análise categorial pudemos observar, quanto ao controle das decisões, que a
estrutura da gestão do PSE, embora tenda a descentralização do poder, ainda esta situada nas
122
mãos dos gestores dos três níveis de poder. Aos sujeitos, técnicos de saúde, professores,
escolares, e a comunidade, as decisões, quando lhes é dada a possibilidade, ficam a nível
micro social.
A participação dos alunos no programa pode ser classificada como tutelada por estar
condicionada a presença dos pais, à maturidade cognitiva e restrita às ações pedagógicorecreativas, tidas como um laboratório de experimentação da sensação de controle na
construção de jogos e suas respectivas regras, o que não substitui uma educação em saúde
desde a tenra idade, onde o educando poderia se apropriar dos mecanismos políticos de
tomada de decisão ou mesmo ter em suas discussões os determinantes gerais da saúde. Sobre
esta última atividade, voltamos a enfatizar que suas ações por estarem situadas em níveis de
relação social primários, carregam a possibilidade dos estudantes inculcarem uma falsa
sensação de participação política e social (BORDENAVE, 1986).
Na análise da categoria Empoderamento, evidenciamos que os sujeitos escolares
entram em contato com informações sobre si nas avaliações clínicas promovidas pelo
programa e através de conselhos e orientações dos profissionais de saúde. Contudo, o acesso a
essas informações são por si importantes para o autoconhecimento dos alunos? Poderiam
auxiliar na avaliação de condutas, comportamentos e escolhas em saúde? Ou seriam, em si,
uma pressão para adoção de um estilo saudável de vida? Essas informações são relativizadas
no contexto dos determinantes da saúde? O acesso às informações colhidas nessas avaliações
são utilizadas no sentido de dar aos escolares e à comunidade uma perspectiva global de sua
saúde?
Não há menção alguma para que estas informações sejam utilizadas no sentido de
mobilizar a população numa tomada de decisão, como o de reconhecer seu papel nos agravos
apresentados, ou ainda de uma atividade política de cobrança por ações governamentais que
venham solucionar a situação. Esse fato nos dá a ideia de que o uso e acesso a essas
informações esteja, apenas, no sentido de orientar ou mesmo fomentar ações individuais de
mudanças de hábitos, comportamentos e atitudes.
O PSE se utiliza do imbricamento informação-capacitação-empoderamento, supondo
que a informação levará ao empoderamento, sendo exaustivas as recomendações de
orientação e aconselhamento dos alunos sobre assuntos de saúde, entendidos como
capacitação.
A esse respeito, vale relembrar que desde 1984, a OMS recomenda: [...]
“garantir o acesso à informação e ampliar o conhecimento em saúde sem aumentar a
capacidade de controle e perspectivas de mudança apenas contribuem para gerar ansiedade e
123
fomentar a sensação de impotência.” (OMS, apud SICOLI & NASCIMENTO, 2003, p. 109).
O caráter, o foco e forma de acesso a essas recomendações, circunscrita às triagens
clínicas, nos revela o sentido do empoderamento a que se propõe o PSE, voltado ao
empoderamento individual. Segundo Iglesias & Dalbello-Araújo (2011): “Nessa concepção, a
saúde é entendida como condicionada por fatores individuais. Trabalha-se, portanto, pelo
fortalecimento da autoestima, pela adaptação dos sujeitos ao meio e pela construção da
possibilidade de autoajuda”. (p. 292).
Contudo, tomado univocamente, esse tipo de empoderamento é criticado por assumir
outro papel, o de individualização das relações, recaindo na despolitização da ação (RIGER
apud CARVALHO, 2004), pois “negligenciam as transações entre pessoa e ambiente na
construção dos comportamentos” (HOROCHOVSKI & MEIRELLES, 2007, p.496).
No âmbito ideológico-político, este nível de empoderamento pode expressar os
propósitos neoliberais de enfraquecimento da máquina estatal, com a não responsabilidade do
Estado com os cidadãos. Já na perspectiva educacional é estreita a relação de suas práticas
com a promoção da saúde num viés de prevenção à doença, centrada na busca de uma
“consciência sanitária”(CARVALHO, 2004, p. 1091).
Ainda de acordo com Iglesias & Dalbelo (2011), essa tendência do programa na
prevenção de doenças pode representar, devido às ações prescritivas de comportamentos em
saúde, “prejuízo à autonomia dos sujeitos e à potência de articulação com o outro para a
invenção de territórios vivenciais prazerosos, já que compete aos usuários, ao serem
educados, acatarem as determinações de um saber médico” (p. 295).
Aqui, entendemos, ainda, que o foco é unidirecional no comportamento e nos hábitos
do indivíduo como a causa principal dos agravos da saúde, representa, também, prejuízo à
participação social, tendo em vista que se os problemas de saúde estão restritos a esfera
individual, desfavorece a possibilidade de desenvolvimento de ações educativas voltadas para
a formação política, e a organização comunitária para discussão das demandas de saúde da
população.
A participação dos estudantes e da comunidade/família, de uma forma geral,
caracteriza-se como uma participação passiva, compreendida como uma colaboração com as
ações do programa, seja fornecendo informações ou como paciente nas ações clínicas. Ora, se
o empoderamento não tem a pretensão da formação política, de incentivo às ações
comunitárias para melhoria da qualidade de vida, logo a participação social é inviabilizada e
consequentemente o controle social. Sem participação não há controle, pois de acordo com
124
Bordenave (1986), na efetivação da participação social, “deve-se antecipar que ela ocasionará
uma descentralização e distribuição de poder, antes concentrado numa autoridade ou num
grupo pequeno. Se não se está disposto a dividir poder, é melhor não iniciar em movimento de
participação”. (p. 77). Ou melhor, diríamos, não comprometer-se em desenvolver a
participação social.
Diante dessas constatações é presumível a pouca viabilidade da Promoção da Saúde
em seu viés crítico, haja vista a forte tendência da ação de saúde do PSE em focar-se nos
fatores individuais e biológicos, onde o risco é o guia das ações de monitoramento e avaliação
dos escolares; porquanto que as ações no sentido amplo da promoção da saúde procuram a
emancipação humana num fazer em que:
A emancipação se dá com uma tópica da emancipação, por meio do pressuposto de
que processos sociais, políticos e de produção de conhecimentos contrahegemônicos permitirão a substituição das relações sociais regulatórias por outras de
caráter emancipatório. Em outras palavras, por meio da ideia de que ações
localizadas produzidas por diferentes sujeitos em distintos espaços possam ir se
articulando por meio de ações sociais que possibilitem a formação de coletivos mais
amplos em direção a uma sociedade mais justa e democrática [...] (FREITAS &
PORTO, 2011, p. 184-185).
Ou seja, uma emancipação que se constitua no dia a dia com práticas de construção da
autonomia, em que os jovens e a comunidade assumam o papel de protagonistas na
transformação da realidade, no sentido de “construírem suas histórias de forma significativa
em conjunto com outras comunidades em processos de emancipação e a sociedade como um
todo” (FREITAS E PORTO, 2011, p. 197).
A consequência dessa problemática esta refletida na proposta de formação para
cidadania do programa, pois o projeto de formação de “sujeitos éticos e cidadãos em busca
constante de uma vida melhor” (MOURA et al 2007, p. 498) sofre sérios prejuízos, visto que
a participação, autonomia e o controle requeridos nesse modelo de cidadão não são possíveis
no âmbito do componente formativo, educação em saúde, do PSE.
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134
ANEXOS
135
ANEXO 1 – DECRETO
Presidência da República
Casa Civil
Subchefia para Assuntos Jurídicos
DECRETO Nº 6.286, DE 5 DE DEZEMBRO DE 2007.
Institui o Programa Saúde na Escola - PSE, e dá outras providências.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, inci
so VI, alínea “a”, da Constituição,
DECRETA:
Art. 1o Fica instituído, no âmbito dos Ministérios da Educação e da Saúde, o Programa
Saúde na Escola - PSE, com finalidade de contribuir para a formação integral dos estudantes
da rede pública de educação básica por meio de ações de prevenção, promoção e atenção à
saúde.
Art. 2o São objetivos do PSE:
I - promover a saúde e a cultura da paz, reforçando a prevenção de agravos à saúde, bem
como fortalecer a relação entre as redes públicas de saúde e de educação;
II - articular as ações do Sistema Único de Saúde - SUS às ações das redes de educação
básica pública, de forma a ampliar o alcance e o impacto de suas ações relativas aos
estudantes e suas famílias, otimizando a utilização dos espaços, equipamentos e recursos
disponíveis;
III - contribuir para a constituição de condições para a formação integral de educandos;
IV - contribuir para a construção de sistema de atenção social, com foco na promoção da
cidadania e nos direitos humanos;
V - fortalecer o enfrentamento das vulnerabilidades, no campo da saúde, que possam
comprometer o pleno desenvolvimento escolar;
VI - promover a comunicação entre escolas e unidades de saúde, assegurando a troca de
informações sobre as condições de saúde dos estudantes; e
VII - fortalecer a participação comunitária nas políticas de educação básica e saúde, nos
três níveis de governo.
Art. 3o O PSE constitui estratégia para a integração e a articulação permanente entre as
políticas e ações de educação e de saúde, com a participação da comunidade escolar,
envolvendo as equipes de saúde da família e da educação básica.
§ 1o São diretrizes para a implementação do PSE:
I - descentralização e respeito à autonomia federativa;
II - integração e articulação das redes públicas de ensino e de saúde;
III - territorialidade;
IV - interdisciplinaridade e intersetorialidade;
V - integralidade;
VI - cuidado ao longo do tempo;
VII - controle social; e
VIII - monitoramento e avaliação permanentes.
§ 2o O PSE será implementado mediante adesão dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios aos objetivos e diretrizes do programa, formalizada por meio de termo de
compromisso.
136
§ 3o O planejamento das ações do PSE deverá considerar:
I - o contexto escolar e social;
II - o diagnóstico local em saúde do escolar; e
III - a capacidade operativa em saúde do escolar.
Art. 4o As ações em saúde previstas no âmbito do PSE considerarão a atenção,
promoção, prevenção e assistência, e serão desenvolvidas articuladamente com a rede de
educação pública básica e em conformidade com os princípios e diretrizes do SUS, podendo
compreender as seguintes ações, entre outras:
I - avaliação clínica;
II - avaliação nutricional;
III - promoção da alimentação saudável;
IV - avaliação oftalmológica;
V - avaliação da saúde e higiene bucal;
VI - avaliação auditiva;
VII - avaliação psicossocial;
VIII - atualização e controle do calendário vacinal;
IX - redução da morbimortalidade por acidentes e violências;
X - prevenção e redução do consumo do álcool;
XI - prevenção do uso de drogas;
XII - promoção da saúde sexual e da saúde reprodutiva;
XIII - controle do tabagismo e outros fatores de risco de câncer;
XIV - educação permanente em saúde;
XV - atividade física e saúde;
XVI - promoção da cultura da prevenção no âmbito escolar; e
XVII - inclusão das temáticas de educação em saúde no projeto político pedagógico das
escolas.
Parágrafo único. As equipes de saúde da família realizarão visitas periódicas e permanentes às
escolas participantes do PSE para avaliar as condições de saúde dos educandos, bem como para
proporcionar o atendimento à saúde ao longo do ano letivo, de acordo com as necessidades locais de
saúde identificadas.
Art. 5o Para a execução do PSE, compete aos Ministérios da Saúde e Educação, em
conjunto:
I - promover, respeitadas as competências próprias de cada Ministério, a articulação entre
as Secretarias Estaduais e Municipais de Educação e o SUS;
II - subsidiar o planejamento integrado das ações do PSE nos Municípios entre o SUS e o
sistema de ensino público, no nível da educação básica;
III - subsidiar a formulação das propostas de formação dos profissionais de saúde e da
educação básica para implementação das ações do PSE;
IV - apoiar os gestores estaduais e municipais na articulação, planejamento e implementação
das ações do PSE;
V - estabelecer, em parceria com as entidades e associações representativas dos
Secretários Estaduais e Municipais de Saúde e de Educação os indicadores de avaliação do
PSE; e
VI - definir as prioridades e metas de atendimento do PSE.
§ 1o Caberá ao Ministério da Educação fornecer material para implementação das ações
do PSE, em quantidade previamente fixada com o Ministério da Saúde, observadas as
disponibilidades orçamentárias.
§ 2o Os Secretários Estaduais e Municipais de Educação e de Saúde definirão
conjuntamente as escolas a serem atendidas no âmbito do PSE, observadas as prioridades e
metas de atendimento do Programa.
Art. 6o O monitoramento e avaliação do PSE serão realizados por comissão
interministerial constituída em ato conjunto dos Ministros de Estado da Saúde e da Educação.
137
Art. 7o Correrão à conta das dotações orçamentárias destinadas à sua cobertura,
consignadas distintamente aos Ministérios da Saúde e da Educação, as despesas de cada qual
para a execução dos respectivos encargos no PSE.
Art. 8o Os Ministérios da Saúde e da Educação coordenarão a pactuação com Estados,
Distrito Federal e Municípios das ações a que se refere o art. 4o, que deverá ocorrer no prazo
de até noventa dias.
Art. 9o Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.
o
o
Brasília, 5 de dezembro de 2007; 186 da Independência e 119 da República.
LUIZ
INÁCIO
Fernando
Jose Gomes Temporão
LULA
Este texto não substitui o publicado no DOU de 6.12.2007
DA
SILVA
Haddad
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PARTICIPAÇÃO SOCIAL NO PROGRAMA SAÚDE