VI Seminário de Iniciação Científica – SóLetras - 2009 ISSN 1808-9216 ANÁLISE ESTILÍSTICA DE LETRAS DE MÚSICAS: CONTRIBUIÇÕES PARA A AULA DE LÍNGUA PORTUGUESA Andréia Gaeta de Pontes Geraldo [email protected] Aline Sirlene de Souza [email protected] Josiane de Oliveira Romano (Gs – UENP / Câmpus - Jac.) Luiz Antonio Xavier Dias (Orientador – UENP / Câmpus - Jac.) A Estilística é uma disciplina que estuda os recursos afetivoexpressivos da língua e sua manipulação, foi fundada no início do século XX pelo suíço Charles Bally e o alemão Karl Vossler, é ligada à tradicional retórica dos gregos e, por conseguinte sua manipulação da linguagem. Partindo desse pressuposto, o objetivo deste trabalho é explorar os recursos expressivos, temporal e estilístico de letras de músicas atuais, como Monte Castelo. Além disso, contatamos que o uso desse gênero nas aulas de língua portuguesa pode trazer contribuições significativas ao leitor, tornando-o mais atento aos fatores da língua e também transformar a aula em um ambiente dinâmico e propício para a aquisição e interpretação da linguagem. Essa disciplina preocupa-se com o significado, manipulando, em geral a liguagem para proporcionar sentidos específicos, como uma metáfora – que é uma comparação rápida; uma antítese – que é uma tese ao contrário. Ademais, leva em consideração o contexto de produção e a intencionalidade do autor, para produzir um efeito específico na linguagem Para que seja realizada uma boa análise estilística é importante conhecer além das figuras de linguagem, o contexto de produção e a intencionalidade do autor, além de pressupostos advindos da lingüística textual como a intertextualidade. VI Seminário de Iniciação Científica – SóLetras - 2009 ISSN 1808-9216 Além disso, é importante saber que os PCNs também preconizam o uso dos mais variados gêneros como a letra de música em sala de aula, uma vez que seu uso reforça sua competência discursiva. Toda educação comprometida com o exercício da cidadania precisa criar condições para que o aluno possa desenvolver sua competência discursiva.Um dos aspectos da competência discursiva é o sujeito ser capaz de utilizar a língua de modo variado, para produzir diferentes efeitos de sentido e adequar o texto a diferentes situações de interlocução oral e escrita. É o que aqui se chama de competência linguística e estilística (PCNs, 1998, p.23). É importante observar o que dizem as Diretrizes Curriculares do Estado do Paraná DCE (2008), ao afirmar que a maior relevância no ensino-aprendizagem é o papel ativo do sujeito aluno, que, por fim acabará compreendendo e interagindo com novas linguagens como as letras de música: com base nas pesquisas lingüísticas atuais, as Diretrizes sugerem que o ensino de Língua Portuguesa se exerça norteado pelos processos discursivos, numa dimensão histórica e social, considerando o papel ativo do sujeito-aluno nas atividades com e sobre a linguagem. Na sala de aula, o foco dessa proposta se concretiza nos usos reais da língua. Dessa forma, o aluno aprenderá a ler e compreender textos (seja um texto publicitário, uma reportagem, uma música, um poema) e a produzir textos orais e escritos para defender seu ponto de vista, colocar-se diante de diferentes situações sociais, contrapor-se, convencer, interagir, etc. (DCE, p. 25 e 26). Em concordância com as DCEs e os PCNs, é importante trazer para a sala de aula o papel ativo dos alunos, para tanto, trazemos como sugestão a análise da música Monte Castelo. A letra de música analisada nesse trabalho é Monte Castelo de Renato Russo, que trata do amor incondicional, mas antes de fazermos sua análise é importante contextualizar a época da produção. Antes porém de analisarmos a letra da música é importante conhecermos o autor dela, que é o músico Renato Russo. Esse foi VI Seminário de Iniciação Científica – SóLetras - 2009 ISSN 1808-9216 vocalista da banda Legião Urbana e compositora antológico do rock nacional, lançou em seu disco Quatro Estações (EMI,1989) a música Monte Castelo, nos tumultuados anos 80. O contexto de produção desse texto é a geração de 1980. A década de 80 é evidenciada pelo movimento das “Diretas Já”. Foi nessa época também que o neoliberalismo passou a ser adotado em detrimento ao comunismo, o que levou ao domínio do mundo pelos Estados Unidos. Atribui-se a essa época, também, a popularização do rock brasileiro e o início da valorização suprema da imagem. Foi uma época que, para a história, ficou conhecida como a “década perdida”. É nesse cenário conturbado para a formação de uma juventude, que o grupo Legião Urbana, idolatrado pelo público jovem, lança a mensagem de Monte Castelo. A seguir, será exposta a letra de música escrita pela banda Legião Urbana, e, depois será exposta a análise estilística dela, enfocando as figuras de linguagem presentes e seu aspecto manipulador da linguagem. MONTE CASTELO Ainda que eu falasse a língua dos homens E falasse a língua dos anjos, sem amor eu nada seria É só o amor, é só o amor Que conhece o que é verdade O amor é bom, não quer o mal Não sente inveja ou se envaidece O amor é o fogo que arde sem se ver É ferida que dói e não se sente É um contentamento descontente É dor que desatina sem doer Ainda que eu falasse a língua dos homens E falasse a língua dos anjos, sem amor eu nada seria É um não querer mais que bem querer É solitário andar por entre a gente É um não contentar-se de contente É cuidar que se ganha em se perder É um estar-se preso por vontade É servir a quem vence, o vencedor É um ter com quem nos mata a lealdade VI Seminário de Iniciação Científica – SóLetras - 2009 ISSN 1808-9216 Tão contrario a si é o mesmo amor Estou acordado e todos dormem todos dormem todos dormem Agora vejo em parte, mas então veremos face a face É só o amor, é só o amor Que conhece o que é verdade Ainda que eu falasse a língua dos homens E falasse a língua dos anjos, sem amor eu nada seria (Legião Urbana. Álbum: Quatro Estações, 1987). Análise estilística: Nessa música, encontramos algumas figuras de linguagem, conforme veremos a seguir: - Prosopopéia ou personificação: Atribuição de qualidades animadas a seres inanimados. “é só o amor que conhece” - Paradoxo: figura que engloba simultaneamente duas idéias opostas. “O amor é o fogo que arde sem se ver É ferida que dói e não se sente É um contentamento descontente É dor que desatina sem doer” “É um não querer mais que bem querer É solitário andar por entre a gente É um não contentar-se de contente É cuidar que se ganha em se perder É um estar-se preso por vontade É servir a quem vence, o vencedor É um ter com quem nos mata a lealdade” - Metáfora: figura que consiste em usar uma palavra com o significado de outra em vista de uma relação de semelhança entre o qual elas representam. VI Seminário de Iniciação Científica – SóLetras - 2009 ISSN 1808-9216 “O amor é fogo” - Epíteto: qualificação do nome através de uma característica que já lhe é inerente. “fogo que arde” “ferida que dói” - Antífrase: em sentido estrito, antífrase é a expressão que adquire no contexto significado oposto ao significado habitual. “contentamento descontente” - Anáfora: repetição de palavra ou expressão no início de frases. “É ferida que dói e não se sente É um contentamento descontente É dor que desatina sem doer” “É um não querer mais que bem querer É solitário andar por entre a gente É um não contentar-se de contente É cuidar que se ganha em se perder É um estar-se preso por vontade É servir a quem vence, o vencedor É um ter com quem nos mata a lealdade” - Antítese: figura que consiste em confrontar idéias opostas entre si. É importante também trazer à baila o texto que a música traz de intertexto, a fim de contextualizar melhor seus significados ao leitor. Segue abaixo a primeira carta aos Coríntios: “Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver amor, serei como o bronze que soa, ou como o símbolo que retine. Ainda que eu tenha o dom de profetizar e conheça todos os mistérios e toda a ciência; ainda que eu tenha tamanha fé ao ponto de transportar montanhas, se não tiver amor nada serei.” Primeira epístola de Paulo aos coríntios, cap. 13, In: A Bíblia Sagrada, ed.revista e atualizada. Brasília: Sociedade Bíblica do Brasil, 1969, p.208. VI Seminário de Iniciação Científica – SóLetras - 2009 ISSN 1808-9216 O Amor em Monte Castelo: diálogos intertextuais Uma intertextualidade presente em Monte Castelo, mas não tão visível ou conhecida como a música em si, é o seu próprio título, o qual faz alusão a uma batalha da Segunda Guerra Mundial, segundo Navarro (2005): A conquista do Monte Castelo na cordilheira apenina, no norte da Itália, foi uma atuação heróica dos soldados brasileiros. Mesmo mal treinados, com equipamento inadequado e enfrentando um frio de até 15 ºC negativos, eles conseguiram derrotar as forças alemãs que estavam entrincheiradas no alto do monte Castelo. O resultado das operações conjuntas com outras forças na batalha foi a expulsão dos alemães dos montes Apeninos, permitindo uma ofensiva dos aliados no norte da Itália que marcaria o fim dos confrontos no país. (NAVARRO, 2005) O planejamento da ação mostrava o grande perigo que os soldados enfrentariam, eles mesmos sabiam disso, apesar de não se falar abertamente sobre o caso. No entanto, eles não desistiram, sabiam que estavam ali por um bem maior, para derrotar a gigante Alemanha Nazista que já havia lançado seus princípios podres em solo brasileiro. No final da ofensiva, 1000 homens brasileiros não voltaram para suas casas. Há também a intertextualidade explícita com os versos de Luís Vaz de Camões em Os Lusíadas. Renato Russo não nomeia essa canção de forma aleatória. Para falar de um amor supremo, que conhece a verdade, age de forma a propiciar o bem do outro e não se desencoraja diante da dor nada melhor do que nomeá-la com um episódio que demonstrou esse amor maior de forma concreta. Após observarmos todos os elementos presentes nesse trabalho vistos pela óptica da Estilística, constatamos que a utilização de letras de músicas conhecidas como a de Monte Castelo pode trazer muitas VI Seminário de Iniciação Científica – SóLetras - 2009 ISSN 1808-9216 contribuições a aula de Língua Portuguesa, tendo em vista que não é apenas um instrumento para analisar figuras de linguagem, mas traz diálogos intertextuais com momentos históricos importantes. Portanto, se o professor quiser utilizar esse instrumento intertextual e resgatar momentos históricos trazendo para a aula de língua portuguesa mais dinamicidade e enfim, aguçar a curiosidade do discente, possivelmente terá excelentes resultados, uma vez que um trabalho que expõe o aspecto diacrônico da linguagem é de muita relevância, pois pode tornar o leitor mais crítico ao compreender seu passado e então, possivelmente entenderá melhor o presente. Referências: ANTOLOGIA ESCOLAR PORTUGUESA. Rio de Janeiro: FENAME/MEC,1970. BÍBLIA SAGRADA. ed. revista e atualizada. Brasília: Sociedade Bíblica do Brasil, 1969. BRASIL, SECRETARIA DE EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL. (1998) Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: língua portuguesa. Brasília, MEC/SEF. CAMÕES, Luís Vaz de. Poesia lírica. 2. ed. Porto: Ulisséia, 1988 CUNHA, Celso Ferreira da. Gramática da língua portuguesa. 7 ed. Rio de Janeiro: FENAME, 1980. MARTINS, Nilce Sant’anna. Introdução à Estilística. São Paulo: T.A.Queiroz, 1997. NAVARRO, Roberto. Revista Mundo Estranho – História. Abril. Ed. 36. Em fevereiro de 2005. SECRETARIA DO ESTADO DO PARANÁ. Diretrizes curriculares de língua portuguesa para os anos finais do ensino fundamental e ensino médio. CURITIBA, 2008. RUSSO, Renato. Monte Castelo. IN: Álbum quatro estações. 1987.