MINISTÉRIO DA FAZENDA Secretaria de Acompanhamento Econômico Parecer no 06165/2004/DF COGSE/SEAE/MF Em 30 de setembro de 2004. Referência: Ofício SDE/GAB n.º 6.479/2003, de 28 de novembro de 2003. Assunto: ATO DE CONCENTRAÇÃO n.º 08012.009203/2003-95 Requerentes: Bertelsmann AG e Sony Corporation of America. Operação: Criação de uma Joint Venture entre as requerentes, com atividade nos negócios de gravação de música, denominada “Sony BMG”. Recomendação: aprovação, sem restrições. Versão Pública "O presente parecer técnico destina-se à instrução de processo constituído na forma da Lei n.º 8.884, de 11 de junho de 1994, em curso perante o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência – SBDC. Não encerra, por isso, conteúdo decisório ou vinculante, mas apenas auxiliar ao julgamento, pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE, dos atos e condutas de que trata a Lei. A divulgação de seu teor atende ao propósito de conferir publicidade aos conceitos e critérios observados em procedimentos da espécie pela Secretaria de Acompanhamento Econômico – SEAE, em benefício da transparência e uniformidade de condutas.” A Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça solicita à SEAE, nos termos do art. 54 da Lei n.º 8.884/94, parecer técnico referente ao ato de concentração entre as empresas Bertelsmann AG e Sony Corporation of America.* I. DAS REQUERENTES 1. A BERTELSMANN AG (doravante Bertelsmann) é uma holding alemã sem atividades operacionais. A estrutura societária e de controle da Bertelsmann é representada pelos seguintes quadros: * Este parecer contou com a colaboração do Assistente Técnico Danilo Rocha Limoeiro. Versão Pública Ato de Concentração n.: 08012.009203/2003-95 Quadro 1- Estrutura societária da Bertelsmann: 57.6% Fundação Bertelsmann Grupo Bruxelles Lambert 25.1% Família Mohn 17.3% Quadro 2 – Estrutura de direitos de votos da Bertelsmann: 2. Grupo Bruxelles Lambert 25% Bertelsmann Verwaltungsgessellschaft 75% A Bertelsmann é uma empresa de mídia internacional que atua em diversas áreas de negócios, incluindo televisão, rádio, publicação de livros, revistas e jornais, gravação e publicação de música, serviços de impressão e mídia, clubes de livros e música, e e-commerce. No campo de gravação de música, a Bertelsmann opera por meio de sua subsidiária integral Bertelsmann Music Group (BMG). 3. As empresas direta ou indiretamente componentes do grupo com atuação no Mercosul ou no Brasil, ou empresas nas quais a Bertelsmann detém participação no capital social superior a 5%, são: Editorial Sudamerica – Argentina Editorial Sudamerica – Uruguai Market Self S.A. – Uruguai Grijalbo Editor – Uruguai Grijalbo – Argentina BMG Ariola Argentina S.A. Rave-On S.A. (liquidação) 2 Versão Pública Ato de Concentração n.: 08012.009203/2003-95 Distribuidoras de Entretenimento S.A. (50%) BMG Ariola Brasil Ltda. Code Distribuidora de Entretenimento S.A. (50%) Fiedlzz Discos Ltda. Ricordi Brasileira S.A. BMG Music Publishing Argentina S.A. BMG Music Publishing Brasil Ltda. Sonopress Rimo Indústria e Comércio Fonográfico Ltda. Sonopress Rimo da Amazônia Indústria e Comércio Fonográfico Ltda. Sonopress Rimo – Argentina S.A. Ufa Esportes Sulamerica Ltda. Pearson TV Brasil Ltda. Pearson TV Argentina S.A. Grundy Productions S.A. Pearson Educación de Argentina Zomba Records Brasil 4. A requerente ainda informou que, nos últimos três anos, se engajou em quatro atos de concentração no Brasil e um no Mercosul, quais sejam: 1) a criação de uma joint venture entre a RTL Group SA, o Grupo Canal + e o Grupo Jean Claude Darmon (Ato de Concentração 8012.003675/2001-72); 2) aquisição pela BMG Holding BV de 75% da Zomba Music Holding BV e 80% da Zomba Records Holding BV (Ato de Concentração 08012.004362/2002-12); 3) Transferência pela J. Entertainment de sua participação de 50% da J Records para a BMGJ LLC, uma subsidiária da Bertelsmann (Ato de Concentração 08012.008834/2002-14); 4) em 12 de maio de 2003, uma subsidiária da Bertelsmann vendeu sua subsidiária denominada BertelsmannSpringer Science+Business Media Group para Wing Zweit Akquisition GmbH & Co. JG, uma empresa controlada pela Candover Partners Limited e pela Cinven Limited (Ato de Concentração 08012.003996/2003-39). No Mercosul, a Bertelsmann se engajou em uma joint venture com o Grupo Mondadori, com efeitos limitados à Argentina e ao Uruguai. 5. A requerente informou que seu faturamento no ano de 2003 foi de EUR 74.900.000,00 no Brasil (R$ 276.617.684,00), 3 EUR 83.877.536,00 (R$ Versão Pública Ato de Concentração n.: 08012.009203/2003-95 309.773.160,85) no Mercosul (incluindo Brasil), e EUR 18.312.000.000,00 (R$ 67.629.145.920,00) no Mundo.1 6. A Sony Corporation of America (doravante Sony) é uma empresa holding, sem atividades operacionais, de origem japonesa. A Sony atua, no Brasil e no Mercosul, na fabricação e comercialização nas seguintes áreas: (i) eletrônicos para o consumidor; (ii) gravação e publicação de músicas; (iii) filmes; (iv) produtos de entretenimento doméstico (VHS e DVD); e (v) produção e distribuição de programação de televisão. Também atua na produção, fabricação e distribuição de músicas gravadas mundialmente por meio de suas subsidiárias Sony Music Entertainment Inc. (SMEI) e, no Japão, Sony Music Entertainment (Japan), Inc. (SMEJ). A Sony também está envolvida na produção e distribuição de filmes e produtos de ‘home video’ por meio de sua subsidiária, Sony Pictures Entertainment Inc., em todo o mundo. Além disso, atua, apenas no Japão, no setor financeiro e de seguros. 7. A Sony possui 41 empresas direta ou indiretamente componentes de seu grupo, com atuação no Brasil e no Mercosul, sendo que as principais, para efeitos deste parecer são: Sony Music Brazil (SMEB); Sony Music Edições Musicais Ltda; Sony Music Entertainment (Brasil) Indústria e Comércio Ltda e Sony Music Manaus Ind. Com. Ltda.2 8. A Sony ainda informou que se engajou nos seguintes Atos de Concentração analisados pelos órgãos antitruste brasileiros: 1) operação entre a Sony CorporationKabushiki Kaisha e a Telefonaktiebolaget LM Ericsson (Ato de Concentração nº 08012.003153/2001-71); 2) Operação entre a Aiwa Co. Ltd. e a Sony Corporation (Ato de Concentração nº 08012.001795/2002-16) e; operação entre a Sony Ericsson Mobile Communications do Brasil Ltda. e a Tas Soluções de Telecomunicações Ltda. (Ato de Concentração nº 08012.002751/2003-94). 1 Valores convertidos com taxa de câmbio de 31/12/2002 (1 Euro = R$ 3,69316). Fonte: Banco Central do Brasil. 2 Ver retificação apresentada pelas requerentes, protocolada na Seae em 12 de janeiro de 2004. 4 Versão Pública 9. Ato de Concentração n.: 08012.009203/2003-95 Quanto ao seu faturamento no ano de 2002, a requerente informou que este foi de R$ 955.252.000,00 no Brasil, US$ 47.560.000,00 no Mercosul (R$ 168.005.700,00) e US$ 62.280.000.000,00 (R$ 220.004.100.000,00) no Mundo.3 II. DA OPERAÇÃO 10. A Carta de Intenções firmada em 5 de novembro de 2003 entre a Sony e a Bertelsmann, prevê uma proposta preliminar, não-vinculativa, para a criação de uma Joint Venture (JV) com atividade nos negócios de gravação de música das requerentes em todo o mundo, a ser denominada “Sony BMG”. A JV deverá ser conjuntamente controlada pelo Grupo Sony e pela Bertelsmann, cada uma com participação de 50%. Trata-se de uma operação internacional com reflexos no mercado brasileiro. 11. A Sony BMG terá suas atividades concentradas na gravação musical, i.e., a descoberta, assinatura e desenvolvimento de artistas com a conseqüente promoção, comercialização e vendas de músicas gravadas. Conforme a Carta de Intenções retromencionada, a JV incluirá os negócios de gravação de música das partes; todavia, não deverá incluir suas empresas de publicações de música, distribuição física e fabricação, a Sony Music Entertainment Japan Inc. e outros ativos ou negócios específicos. Segundo informações prestadas, a JV irá utilizar-se de serviços de fabricação, armazenamento e distribuição física de filiais e de terceiros. Cada parte deterá, independente da JV, suas participações já existentes em publicações musicais. 12. Contudo, convém mencionar que a mesma Carta de Intenções informa que as partes criarão, ainda, uma joint venture que se envolverá nos negócios de publicações de música, que será detida 50% pela Bertelsmann e 50% pela joint venture de publicações de música já existente da Sony (Sony/ATV Publishing). Além disso, é informado naquele documento que essa nova JV irá trabalhar em íntima cooperação com a Sony/BMG e será um veículo para, entre outras coisas, adquirir e explorar os direitos autorais das composições musicais relacionadas com artistas da 3 Valores convertidos com taxa de câmbio de 31/12/2002 (US$ 1,00 = R$ 3,5325). Fonte: Banco Central do Brasil. 5 Versão Pública Ato de Concentração n.: 08012.009203/2003-95 JV. Quanto a este ponto, as requerentes afirmam no questionário do anexo I do CADE que essa nova JV encontra-se em discussão e que, caso as partes alcancem um acordo, todos os procedimentos legais serão cumpridos. 13. Assim, a operação pode ser visualizada pelo seguinte gráfico: Antes da operação Sony Corporation Bertelsmann AG 100% 100% Negócio de gravação de Músicas da Sony Negócio de Gravação de Músicas da BMG Depois da operação Sony Corporation Bertelsmann AG 50% 50% Sony BMG 6 Versão Pública 14. Ato de Concentração n.: 08012.009203/2003-95 Por fim, conforme notícias veiculadas na imprensa, a joint venture em análise foi efetivada pelas partes no início de agosto deste ano, após sua aprovação sem restrições tanto pela Comissão Européia quanto pelo Federal Trade Comission dos Estados Unidos.4 III – DEFINIÇÃO DO MERCADO RELEVANTE III.1 – MERCADO RELEVANTE DO PRODUTO 15. Conforme informado na descrição das requerentes, a Bertelsmann é uma empresa de mídia internacional que atua em diversas áreas de negócios, incluindo televisão, rádio, publicação de livros, revistas e jornais, gravação e publicação de música, serviços de impressão e mídia, clubes de livros e música, e e-commerce. No campo de gravação de música, a Bertelsmann opera por meio de sua subsidiária integral Bertelsmann Music Groom (BMG). Já a Sony atua em diversos mercados, dentre os quais destacamos: fabricação de aparelhos eletrônicos, gravação e publicação de músicas, filmes, produtos de entretenimento doméstico (VHS e DVD) e produção e distribuição de programação de televisão. Quadro 3 – Áreas de atuação das partes no mercado brasileiro de música 16. Serviços ofertados no Brasil Bertelsmann Sony gravação musical X X edição musical X X Contudo, conforme ressaltado na descrição da operação, esta consiste na criação de uma joint venture entre a Sony e a BMG com o objetivo de unir seus negócios de música gravada. Neste ponto, convém ressaltar que a JV será ativa apenas no mercado de gravação musical, deixando de fora outros segmentos 4 Ver, por exemplo, http://www.showmenews.com/2004/Aug/20040806Busi008.asp, e o press release da Sony acerca da conclusão da JV, em http://www.sony.net/SonyInfo/IR/old_archive/2004/bmg_venture.pdf, ambos acessados em 27/08/2004. 7 Versão Pública Ato de Concentração n.: 08012.009203/2003-95 relevantes do mercado fonográfico, como a editoração musical (publishing), a distribuição e a produção física de CDs e DVDs. Desta forma, apesar de haver outras concentrações horizontais e integrações verticais entre as requerentes, por não se tratar de uma fusão entre as mesmas, e tendo em vista o escopo da JV em análise, será analisada apenas a sobreposição horizontal das atividades de gravação musical das gravadoras Sony e BMG. 17. As requerentes definiram o mercado de gravação musical como sendo a descoberta, assinatura e desenvolvimento de novos artistas, com a conseqüente promoção, comercialização e venda de músicas gravadas. Já o Contrato de Contribuição, firmado entre as partes em 11 de dezembro de 2003, traz a seguinte definição para as atividades comerciais de músicas gravadas: “...significam as atividades de (a) aquisição, gravação, produção, liberação, embalagem, distribuição, propaganda/publicidade, marketing, promoção, licenciamento, venda ou exploração de outra forma (por quaisquer meios, conhecidos no presente ou desenvolvidos no futuro) de música gravada e todos os respectivos direitos em qualquer meio (conhecidos no presente ou no futuro), (b) aquisição, administração e outra exploração de todos e quaisquer outros direitos auxiliares a respeito dos negócios de música gravada (incluindo atividades de merchandising, turnês e atividades de suporte a turnês, direitos de filmes, etc.) e (c) todas e quaisquer outras atividades ou campos diretamente relacionados ou decorrentes de qualquer um dos mencionados acima (incluindo atuar como distribuidor em negociações de imprensa e distribuição). Não obstante o mencionado acima, para todos os fins dos termos do presente Contrato, as Atividades Comerciais de Músicas Gravadas não incluirão: (a) ... “Atividades de Publicação de Música; (b) ... “Produção”; (c) ... “Distribuição Física”.” (cortes nossos). Pelas definições acima, em especial pelo disposto no contrato firmado entre as requerentes, percebe-se claramente que o foco da JV proposta está apenas no segmento de gravação musical, não envolvendo as outras etapas do mercado fonográfico, quais sejam: publicação musical (editoração), produção e distribuição. 8 Versão Pública 18. Ato de Concentração n.: 08012.009203/2003-95 Em caso semelhante analisado por esta Secretaria em 2002, que consistiu na aquisição da Zomba Records pelo grupo Bertelsmann5, o mercado relevante de produto definido foi o de produção fonográfica, uma outra possível denominação para o mercado de gravação musical ou de música gravada. Naquela ocasião, a Seae caracterizou o serviço de gravação musical da seguinte forma: “consiste na gravação de músicas e publicação das mesmas. A gravadora é aquela que contrata, em caráter de exclusividade, um artista/grupo/dupla para a gravação de um ou mais discos contendo diversas obras musicais e/ou litero-musicais. Depois de escolhidas as músicas que serão gravadas, a gravadora pede autorização para as editoras, que detêm os direitos das obras musicais e/ou litero-musicais. Tendo as devidas autorizações das editoras, a gravadora leva o artista/grupo/dupla para o estúdio, contrata os músicos que participarão da gravação bem como o produtor artístico que coordenará as gravações. As gravadoras também são responsáveis pela produção da capa do disco e a distribuição (comercialização) dos discos.” 19. Nesse mesmo caso, a Comissão Européia também definiu como um dos mercados relevantes da operação o de gravação e distribuição musical.6 Em síntese, aquela autoridade antitruste afirmou que as principais atividades de empresas de gravação musical são as de descobrir e desenvolver artistas, gravando suas músicas, organizando a produção de lançamentos musicais nos principais formatos (compact disc, fitas cassete e discos de vinil), distribuindo as gravações para varejistas e atacadistas, e promovendo cada um desses lançamentos.7 Quanto ao mercado relevante de gravação musical no caso Bertelsmann e Zomba, a Comissão Européia cogitou a sua divisão por gênero musical, haja vista que os artistas pertencentes a um gênero não competem com os de outros gêneros. Também foi cogitada a separação de mercados relevantes entre compilações realizadas de catálogo e as provenientes de lançamentos de novos álbuns. Contudo, esse mercado não foi mais profundamente trabalhado por aquela agência, posto que a operação não sugeria uma criação ou fortalecimento de posição dominante. Outro 5 AC 08012.004362/2002-12, envolvendo a Bertelsmann AG, a Zomba Record Holdings BV e a Zomba Music Holdings BV. Ver parecer Seae n.º 6.053, de 02 de outubro de 2002. 6 Neste aspecto, vale lembrar que a presente operação refere-se apenas ao mercado de gravação musical, foco da JV formada. A distribuição da produção da JV não será realizada diretamente por ela. 7 A Comissão Européia também definiu como mercado relevante o de publicação musical. Todavia, este último mercado não foi considerado na análise brasileira, pois a Zomba não prestava esse serviço no Brasil. Para maiores detalhes, ver parecer da Comissão Européia n.º M.2883, de 02/09/2002. 9 Versão Pública Ato de Concentração n.: 08012.009203/2003-95 ponto a ser salientado diz respeito à não discriminação entre as empresas majors e as independentes8, tendo todas elas sido englobadas no mesmo mercado relevante de produto. 20. No tocante ao presente caso, esta Secretaria não vê necessidade em se dividir o mercado relevante de gravação musical por gênero, tendo em vista que as partes envolvidas estão entre as cinco majors mundiais e, assim, atuam em todas as categorias musicais. Da mesma forma, não há motivos para segmentar o mercado relevante entre compilações realizadas de catálogo e as provenientes de lançamentos de novos álbuns, pois as partes também atuam nesses dois campos, assim como seus principais concorrentes, as outras três majors. 21. Ainda com relação a uma possível segmentação do mercado de música gravada, ressaltam-se certas peculiaridades desse mercado que merecem destaque. Em primeiro lugar, as gravadoras de música, sejam elas majors ou independentes, distribuem seus produtos, em geral, para atacadistas, varejistas, grandes redes de supermercados e lojas de departamentos.9 Assim, seus clientes diretos são esses distribuidores e não os consumidores finais dos produtos musicais. Todavia, como as compras desses distribuidores são determinadas pela demanda dos seus consumidores, são as características do consumo destes últimos as que importam na presente análise. Neste ponto, é fato notório que cada artista, cada produto musical (CD, DVD, etc), pode ser considerado, no limite, um produto único, sem substitutos próximos, pois seu consumo é dirigido, principalmente, pelo gosto do consumidor, não sendo apenas função do preço. A aplicação do teste do monopolista hipotético em mercados de forte diferenciação de produto, como é o caso do mercado de música gravada, torna-se bastaste enviesado por essa característica particular do mercado. A aplicação pura e simples desse teste poderia sugerir, inclusive, que cada artista ou até mesmo cada trabalho fosse considerado um mercado relevante único. Isto poderia ser explicado pelo fato de que um fã, por exemplo, de Caetano Veloso, dado um pequeno e não transitório aumento nos 8 A denominação major é utilizada para designar as empresas de gravação musical pertencentes a grandes grupos de mídia. As independentes são todas aquelas não englobadas por essa definição. Até a presente operação existiam no mundo cinco majors: Universal, Sony, BMG, Time Warner e EMI. 9 Segundo estudo da Associação Brasileira de Produtores de Discos (ABPD), disponível em seu website (www.abpd.org.br), estes segmentos respondiam por 95% das vendas de CDs no Brasil em 2001. 10 Versão Pública Ato de Concentração n.: 08012.009203/2003-95 preços de seu último álbum, dificilmente optaria por substituir esse álbum pelo de outro artista. Contudo, não há como considerar mercados tão restritos como o citado nesse exemplo, tendo em vista que as empresas de gravação musical ofertam ao mercado uma cesta de produtos variados, contendo diversos gêneros, artistas, lançamentos e compilações baseadas em catálogo próprio ou de terceiros. Portanto, a análise antitruste deve centrar-se nessa cesta de produtos ofertada, e não apenas em cada produto em especial.10 22. Ainda com relação a essa possibilidade de segmentação do mercado de música gravada por gênero musical, vale destacar resposta da gravadora Warner Music, que reflete bem a impropriedade dessa segmentação. Instada a apresentar seu faturamento por gênero musical, essa empresa respondeu, in verbis, que (confidencial)”.11 23. Analisando o mercado nacional de música gravada, a Associação Brasileira de Produtores de Discos (ABPD) informa que uma das características mais marcantes desse mercado é a consolidação da música nacional como gênero mais vendido, representando 76% das vendas em 2002. Segundo a ABPD, este percentual é um dos mais altos do mundo, perdendo apenas para o mercado norteamericano e empatando com o japonês, e ficando à frente de vários países com forte traço cultural como França, Itália, Inglaterra e Alemanha.12 24. Neste aspecto, ressalte-se a posição das gravadoras independentes no mercado brasileiro, haja vista que essas são focadas, principalmente, em música nacional. Em geral, as independentes focam sua atuação em determinados gêneros musicais, sendo que as maiores do mercado nacional, como a Sigla (Som Livre), a Trama e a Indie Records, por exemplo, possuem uma atuação mais diversificada. Há várias reportagens publicadas recentemente que destacam a ascensão das 10 A Seae já trabalhou com idéia semelhante na análise do ato de concentração n.º 08012.005421/2001-99, relacionado ao mercado de edição e distribuição de livros. Da mesma forma que os produtos musicais, livros também poderiam ser considerados como mercados relevantes únicos, pois o gosto do consumidor é uma variável bastante relevante na sua decisão de compra, talvez até mais relevante do que o próprio preço. Todavia, a Seae optou por definir o mercado relevante considerando uma cesta de livros, segmentando o mercado por área de atuação, por haver certa substituibilidade entre livros de temática semelhante, como livros jurídicos, por exemplo. 11 Resposta ao Ofício n.º 06327/2004, de 03 de março de 2004. 11 Versão Pública Ato de Concentração n.: 08012.009203/2003-95 independentes em relação às majors. Segundo matéria da revista Pequenas Empresas Grandes Negócios, edição n.º 173 de junho de 2003, as gravadoras independentes estão se consolidando no negócio de música gravada, ainda dominado pelas majors. Existem no Brasil cerca de 400 gravadoras independentes, sendo 90% de micro e pequeno porte. Segundo a matéria, citando Benjamim Taubkin, à época vice-presidente da Associação Brasileira da Música Independente (ABMI), as independentes possuem uma participação no mercado brasileiro de 25%.13 Apesar de esta participação de mercado das independentes não guardar respaldo em nenhuma pesquisa publicada e não ser ratificada por nenhuma empresa nem associação consultada por esta Seae (inclusive a própria ABMI), é notório que as independentes possuem uma flexibilidade maior que as grandes gravadoras. Esta maior flexibilidade deriva dos custos mais baixos de produção e do seu foco em públicos mais específicos. Esta evolução das gravadoras independentes também já ganhou destaque no Jornal do Brasil e na Folha de São Paulo. Em matéria publicada no primeiro, foi destacado que vários artistas de ponta estão partindo para o mercado independente, rescindindo ou não renovando seus contratos com as majors.14 O segundo veículo de comunicação, por sua vez, ressaltou a relevância das independentes para o lançamento de novos talentos da música nacional e regional, sob o título “gravadoras independentes aumentam e renovam a música brasileira”.15 25. Ainda com relação à concorrência existente entre as gravadoras majors e as independentes, destaque-se comentário da Som Livre, em resposta a ofício enviado por esta Secretaria. Essa gravadora independente, detentora da maior parcela de mercado entre esse grupo, ficando inclusive à frente de algumas majors, afirmou que “...há mais de uma década o sucesso está associado a músicas específicas e não mais a este ou aquele artista ou este ou aquele disco lançado...”. Percebe-se, dessa forma, que apesar de as majors deterem um extenso catálogo de músicas e um cast de artistas consagrados, é plenamente viável que uma gravadora independente tenha em seu cast um artista que, em determinada época, alcance sucesso com 12 Fonte: publicação anual da ABPD, referente a 2002, com estatísticas do mercado nacional de música. Esta publicação encontra-se encartada nos autos do processo. 13 Fonte: Revista Pequenas Empresas Grandes Negócios, edição n.º 173 de junho/03, acessada via Internet em 25/02/2004. 14 Fonte: Versão on-line do Jornal do Brasil, edição de 26/12/203, acessado em 25/02/2004. 12 Versão Pública Ato de Concentração n.: 08012.009203/2003-95 uma ou duas músicas e faça com que sua gravadora dispute parcelas de mercado antes detidas pelas majors. Apenas a título exemplificativo da importância das independentes no mercado nacional, citamos pesquisa publicada pela revista Sucesso, n.º 85, de dezembro de 2003. Dentre os 50 CDs mais vendidos em novembro de 2003, 18 pertenciam a gravadoras independentes. As requerentes (Sony e BMG), por sua vez, foram responsáveis por 15 dos 50 maiores sucessos daquele mês.16 Por outro lado, os principais clientes das requerentes, indicados no questionário inicial do CADE, informaram o percentual alcançado pelas gravadoras independentes em suas vendas. Em 2003, as Lojas Americanas informaram que aquelas representaram (confidencial); o Bompreço, (confidencial); o Carrefour Brasil, (confidencial); a Universo Comercial Fonográfica, (confidencial); e a Comercial Seis de Ouro, (confidencial); destacando-se, ainda, que esses números não consideraram a participação da Som Livre, o que aumentaria consideravelmente a participação das independentes no total comercializado por essas empresas.17 26. Tendo em vista todo o exposto neste item, define-se o mercado relevante, sob a dimensão produto, como sendo os serviços de gravação musical, prestados tanto pelas gravadoras majors como também pelas independentes. III.2 – MERCADO RELEVANTE GEOGRÁFICO 27. Conforme já comentado nos itens anteriores, ambas as requerentes atuam no mercado de gravação musical em todo o mundo. No Brasil, elas atuam sob os selos Sony Music e BMG, sendo duas das mais relevantes em atividade no setor. 28. O mercado fonográfico brasileiro possui como característica peculiar a preferência do consumidor local por música brasileira. Como já exposto no item anterior, quase 80% do total de CDs vendidos no Brasil referem-se à música nacional. A forte presença da música brasileira no mercado nacional somente guarda semelhança com a presença da música norte-americana, nos Estados 15 Fonte: Versão on-line da Folha de São Paulo, edição de 08/07/2002, acessado em 25/02/2004. Dentre esse 18 CDs lançados por gravadoras independentes, destaca-se a forte presença da Som Livre com diversas coletâneas (foco desta gravadoras), e também a presença de outras independentes com artistas de menor expressão nacional, como Grupo Revelação (Deckdisc), Calcinha Preta (Independente), Limão com Mel (Atração), Tianastácia (Independente), Asas Livres (Independente) e CPM22 (Arsenal). 16 13 Versão Pública Ato de Concentração n.: 08012.009203/2003-95 Unidos, e da música japonesa, no Japão. Apenas esse fato já seria suficiente para se definir como dimensão geográfica do mercado relevante o território nacional. 29. Contudo, some-se a isso o fato de que o custo de importação de produtos fonográficos, notadamente CDs e DVDs, é fortemente impactado pela taxa de câmbio e pelo imposto de importação (segundo as requerentes, 17,5% para CDs). Sendo assim, mesmo se o consumidor brasileiro não revelasse sua preferência por música nacional, a substituição de CDs produzidos no Brasil por CDs importados de outros países não seria uma opção economicamente viável, a ponto de considerar ambos os produtos em um mesmo mercado relevante.18 30. Desta forma, define-se o mercado relevante, sob a dimensão geográfica, como sendo o território nacional. IV – POSSIBILIDADE DE EXERCÍCIO DE PODER DE MERCADO 31. O mercado brasileiro de música gravada possuía a seguinte configuração nos anos de 2002 e 2003, segundo dados fornecidos pelas requerentes e pelas outras gravadoras incluídas nos quadros a seguir: 17 Fonte: respostas aos Ofícios n.º 07782/2003, 06063/2004, 06940/2004, 06781/2004 e 06867/2004. Apenas como exemplo, citamos dois CDs semelhantes, sendo um importado e o outro nacional, pesquisados em 02/09/2004 no site de compras Submarino (www.submarino.com.br). Enquanto o CD duplo Let it Be (naked), The Beatles, nacional, custa R$ 37,90, o mesmo CD importado custa R$ 135,90. 18 14 Versão Pública Ato de Concentração n.: 08012.009203/2003-95 Quadro 4 – Participação de mercado das principais gravadoras no Brasil em 2002 Ano 2002 Gravadoras Faturamento Bruto Parcela de Mercado Universal Music (confidencial) (confidencial) Sony Music (confidencial) 15,30% Warner Music (confidencial) (confidencial) BMG Brasil (confidencial) 12,30% EMI Music (confidencial) (confidencial) Som Livre (confidencial) (confidencial) Indie Records (confidencial) (confidencial) Trama (confidencial) (confidencial) TOTAL (confidencial) 100,00% Participação conjunta 27,60% das requerentes: C4 antes da operação: 73,63% C4 após a operação: 85,92% Fonte: elaboração própria, utilizando dados fornecidos pelas empresas listadas em resposta aos Ofícios n.º 6289/04 (Sony e BMG), 6326/04 (Universal), 6327/04 (Warner), 6330/04 (EMI), 6342/04 (Som Livre), 6343/04 (Indie), 6344/04 (Trama). 15 Versão Pública Ato de Concentração n.: 08012.009203/2003-95 Quadro 5 – Participação de mercado das principais gravadoras no Brasil em 2003 Ano 2003 Gravadoras Faturamento Bruto Parcela de Mercado Universal Music (confidencial) (confidencial) Som Livre (confidencial) (confidencial) Sony Music (confidencial) 15,96% EMI Music (confidencial) (confidencial) BMG Brasil (confidencial) 11,33% Warner Music (confidencial) (confidencial) Trama (confidencial) (confidencial) Indie Records (confidencial) (confidencial) TOTAL (confidencial) 100,00% Participação conjunta 27,29% das requerentes: C4 antes da operação: 74,65% C4 após a operação: 85,98% Fonte: elaboração própria, utilizando dados fornecidos pelas empresas listadas em resposta aos Ofícios n.º 6289/04 (Sony e BMG), 6326/04 (Universal), 6327/04 (Warner), 6330/04 (EMI), 6342/04 (Som Livre), 6343/04 (Indie), 6344/04 (Trama). 32. Com base nos quadros acima, que diferem um pouco das participações de mercado fornecidas pela ABPD, possivelmente por terem sido confeccionados com base nos faturamentos brutos declarados das oito gravadoras classificadas, percebe-se que a participação de mercado da Joint Venture, tanto para 2002 quanto para 2003, ficaria próxima de 27%, colocando-a em segunda posição nos dois anos, pouco abaixo da primeira colocada, a Universal Music. Contudo, ressalta-se que essas participações de mercado encontram-se superestimadas, tendo em vista que somente estão incluídas nesse cálculo as cinco majors e três gravadoras 16 Versão Pública Ato de Concentração n.: 08012.009203/2003-95 independentes. Todavia, acredita-se que a ausência das participações de mercado das demais gravadoras independentes não afetaria, sobremaneira, a configuração de mercado nesses dois anos, haja vista as baixas participações de duas das principais independentes, a Trama e a Indie Records. A única exceção poderia ser a inclusão, em 2002, da Abril Music que, segundo informações prestadas pelas gravadoras consultadas, alcançou cerca de 5% do mercado nacional. Todavia, essa gravadora não foi incluída no quadro de 2002 tendo em vista que a mesma encerrou suas atividades em 2003, o que impossibilitou que esta Secretaria consultasse seu faturamento bruto naquele ano. 33. Sendo assim, verifica-se que a joint venture em análise, ao juntar as gravadoras antes pertencentes aos Grupos Sony e Bertelsmann, ultrapassa o percentual de 20% estipulado no Art. 54 do Parágrafo 3º da Lei 8.884/94. Destarte, considera-se que a concentração gera controle de parcela de mercado suficientemente alta para viabilizar o exercício unilateral de poder de mercado. 34. No que concerne à participação das quatro maiores empresas (C4) em cada ano analisado, tem-se que, em 2002, este passou de 73,63% para 85,92% e, em 2003, de 74,65% para 85,98%. Ressalte-se, contudo, que, antes da operação em questão, já havia elevada concentração no mercado de gravação musical, apesar de não ultrapassar o percentual de 75%, valor considerado por esta SEAE como conducente ao exercício coordenado de poder de mercado. Esta alta concentração de mercado entre as cinco majors repete-se em praticamente todo o mundo. Aqui no Brasil esta situação somente é modificada pela presença da Som Livre, das Organizações Globo, entre as majors, com destaque para 2003, no qual essa gravadora alcançou o segundo lugar em participação de mercado. Contudo, permanece alta a concentração de mercado entre as quatro maiores do setor. 35. Tendo em vista o exposto neste tópico, tem-se que a presente operação enseja preocupações de ordem concorrencial, tendo em vista que as requerentes passarão a deter parcela superior a 20% de participação de mercado, além de que o índice de concentração das quatro maiores empresas do setor, que já era elevado, foi fortalecido a partir desta operação. Assim, denota-se que há tanto a possibilidade de exercício unilateral quanto coordenado de poder de mercado. Esta análise 17 Versão Pública Ato de Concentração n.: 08012.009203/2003-95 deverá, portanto, passar para a próxima etapa de análise, onde será verificado se as condições de entrada, bem como a rivalidade presente no setor, podem tornar improvável qualquer tentativa de exercício unilateral ou coordenado de poder de mercado. V – PROBABILIDADE DE EXERCÍCIO DE PODER DE MERCADO 5.1 Condições de Entrada 36. O exercício de poder de mercado por parte da nova joint venture formada será considerado improvável quando a entrada de uma empresa hipotética no mercado relevante definido for “tempestiva”, “provável” e “suficiente”. Assim, analisaremos a seguir as condições de entrada neste mercado. 37. Para iniciar esta análise, é necessário verificar se o mercado de gravação musical é caracterizado por elevadas barreiras à entrada. Caso seja confirmada essa hipótese, a probabilidade de entrada de novas empresas neste mercado ficará reduzida, criando-se um cenário favorável às requerentes para o exercício de seu poder de mercado. Isto se deve ao fato de que quanto mais elevadas forem as barreiras à entrada, maiores serão as escalas mínimas viáveis necessárias para viabilizar essa entrada e menor será a probabilidade de entrada de novas empresas nesse mercado. 5.1.1 Barreiras à Entrada 38. Barreiras à entrada podem ser definidas como qualquer fator em um mercado que ponha um potencial competidor eficiente em desvantagem em relação aos agentes econômicos estabelecidos. Hovenkamp cita as duas principais definições de barreiras á entrada utilizadas em análises antitruste. A primeira, desenvolvida pelo economista Joe Bain em 1962, considera que uma barreira à entrada é qualquer fator em um mercado que permita que as firmas já estabelecidas obtenham lucros 18 Versão Pública Ato de Concentração n.: 08012.009203/2003-95 de monopólio, ao mesmo tempo em que detenham a entrada de empresas de fora do mercado atraídas por aqueles lucros. A segunda, desenvolvida pelo economista G. J. Stigler, em 1968, define que barreiras à entrada são os custos que um entrante potencial deve incorrer durante ou após a entrada, sendo que tais custos não foram suportados por aqueles que já se encontram no mercado no momento de suas entradas.19 A primeira definição (“bainian definition”) é a mais utilizada em análises antitruste, estando inclusive presente no Merger Guidelines do USDOJ. Ainda segundo Hovenkamp, os seguintes fatores constituem-se, tradicionalmente, como importantes barreiras à entrada: investimento inicial elevado; risco do negócio; custo do capital; custos irrecuperáveis (sunk costs)20, sendo o principal exemplo investimentos em propaganda; barreiras legais ou regulatórias; diferenciação do produto; economias de escala; e o grau de verticalização ou de contratação da “cadeia produtiva”. Além desses, outros fatores poderiam ser citados, tais como: recursos de propriedade exclusiva das empresas instaladas; economias de escopo; a fidelidade dos consumidores às marcas estabelecidas; e a ameaça de reação dos competidores instalados. 39. Considerando-se a definição de barreira à entrada mais usual, bem como as principais conhecidas na literatura especializada, e baseada em informações prestadas pelas requerentes e por suas principais concorrentes no mercado brasileiro, esta Seae detectou como mais relevantes as seguintes possíveis barreiras à entrada no mercado de música gravada: acesso aos catálogos das editoras de música; acesso aos canais de distribuição; sunk costs (especialmente gastos com publicidade); acesso aos artistas (intérpretes); o grau de integração vertical das gravadoras majors; e o catálogo de reserva de músicas gravadas (back catalogue) das majors. 40. Quanto à primeira barreira citada, antes de tecer quaisquer observações, convém apresentar, ainda que de forma resumida, como funciona o mercado de edição musical no Brasil. Em primeiro lugar, as editoras de música detêm um dos principais insumos do mercado de música gravada, qual seja, o direito de 19 HOVENKAMP, Herbert. Federal Antitrust Policy – The Law of Competition and Its Practice, Second Edition. Hornbook Series, United States of America, St. Paul, Minn, 1999. 19 Versão Pública Ato de Concentração n.: 08012.009203/2003-95 licenciamento das músicas que serão utilizadas nas compilações das gravadoras. Assim, cada vez que uma gravadora utiliza uma música, seja para gravação, seja para execução pública, é devido um pagamento de royalty por essa utilização. Além dessas licenças (direitos de execução e de reprodução mecânica), há outras licenças negociadas pelas editoras, tais como as licenças de direitos de sincronização (em geral, trilhas sonoras de filmes, programas de TV e comerciais) e de direitos de impressão (direito de produzir e vender uma composição de forma impressa). No Brasil, assim como em outros países, esse mercado é composto pelas editoras, pelas editoras próprias (onde o autor será o seu próprio editor) e pelas subeditoras (quando editoras de música intermedeiam a comercialização da música para outras editoras). No caso dos direitos de reprodução mecânica, que são os principais para a atividade das gravadoras, as taxas mínimas de royalties devidas pelas gravadoras para as editoras são geralmente estabelecidas pelas associações das gravadoras e editoras de música (ABPD, ABEM e ABER). Segundo informações prestadas por uma gravadora, a remuneração pelo uso de obras literomusicais se dá através de um percentual preestabelecido e aplicável sobre o preço médio de venda do produto em determinado período. No Brasil, o percentual atual é de 8,4%.21 Contudo, conforme pesquisas realizadas por esta Secretaria, esta situação não é generalizada no mercado. A ABEM, que congrega 16 editoras de música, possui um convênio apenas como a ABMI, que representa boa parte das gravadoras independentes. 41. Feitas essas considerações iniciais sobre o funcionamento do mercado de edição musical, passamos a expor as considerações desta Secretaria acerca de uma possível criação, ou fortalecimento, da barreira à entrada relacionada ao acesso das gravadoras concorrentes aos catálogos das editoras das requerentes. Em primeiro lugar, cumpre relembrar que a joint venture formada não englobará os negócios de publicação musical da Sony e da BMG. As partes afirmaram, em resposta ao Ofício n.º 07035/2004, que não é esperado qualquer efeito negativo no mercado brasileiro de publicação musical derivado desta operação, pois não há incentivos econômicos para que suas editoras se recusem a comercializar seus 20 Custos irrecuperáveis (sunk costs) são os custos que não podem ser recuperados quando a empresa decide sair do mercado. 21 Resposta ao Ofício n.º 06342/2004. 20 Versão Pública Ato de Concentração n.: 08012.009203/2003-95 direitos para outras gravadoras. Além disso, afirmaram que suas editoras não têm o potencial de coordenar seus comportamentos concorrenciais no mercado de publicação musical, haja vista que sequer possuem participações altas o suficiente para causar efeitos negativos (spill-over effects) relacionados a esta operação. 42. Estas afirmações das requerentes foram corroboradas por praticamente todos os participantes do mercado consultados por esta Seae, incluindo todas as majors, algumas independentes e suas respectivas associações (ABPD e ABMI). Em respeito a esse assunto, destacamos a seguir a posição de uma gravadora major, uma independente e a Associação das gravadoras independentes (ABMI). A gravadora major EMI afirmou que “(confidencial)”.22 A independente Sigla (Som Livre) destacou que a relação entre gravadoras e editoras tende a ser bastante simples, quase burocrática, e que não espera qualquer mudança no seu relacionamento com as editoras das requerentes.23 Por fim, a ABMI afirmou que possui um contrato coletivo com as associações de editoras, e que este facilitou as condições de uso dos repertórios das editoras pelas independentes, inclusive garantindo condições de pagamento semelhantes às praticadas pelas majors. A ABMI também não espera mudanças nesse relacionamento derivado da formação da joint venture em questão.24 43. Desta forma, percebe-se pelas informações acima que o acesso das gravadoras aos catálogos das editoras não se configura como uma barreira à entrada no Brasil. 44. Com relação ao acesso aos canais de distribuição, todas as empresas e associações consultadas declararam não haver maiores restrições para a distribuição de seus produtos. Na realidade, praticamente todo o mercado utiliza canais terceirizados para distribuir seus produtos no Brasil, inclusive as majors. Também é uma prática comum do mercado, tanto no Brasil quanto no exterior, a distribuição dos produtos das gravadoras independentes pelas majors. A EMI, por exemplo, afirmou (confidencial). A EMI ainda afirmou que a distribuição de discos 22 Resposta ao Ofício n.º 06330/2004. Resposta ao Ofício n.º 06342/2004. 24 Resposta ao Ofício n.º 06357/2004. 23 21 Versão Pública Ato de Concentração n.: 08012.009203/2003-95 envolve o armazenamento, a entrega física, o gerenciamento de estoque e a cobrança de produtos de música pré-gravados, e que todas essas funções podem ser desempenhadas pelas próprias gravadoras ou por distribuidoras independentes. A EMI informou que utiliza os serviços da (confidencial). A média mensal dos custos de distribuição da EMI é de R$ (confidencial).25 A Indie Records afirmou que não há dificuldades na utilização de redes de distribuição existentes ou em se estabelecer uma própria.26 A Trama também informou que não vê problemas em utilizar os canais de distribuição existentes. Esta independente, assim como a EMI, também tem seus produtos distribuídos pela (confidencial), e paga em média (confidencial) da sua receita líquida por CD distribuído.27 Assim, o acesso a canais de distribuição também não pode ser considerado como uma barreira à entrada no mercado brasileiro de música gravada. 45. Quanto aos gastos com publicidade, exemplos mais tradicionais de custos irrecuperáveis (sunk costs), há uma grande diversidade desses gastos no mercado brasileiro de música gravada. As majors possuem gastos bem superiores aos das gravadoras independentes, haja vista, sobretudo, que estas últimas utilizam em geral canais alternativos aos utilizados por aquelas. As majors utilizam os veículos tradicionais de divulgação na mídia (televisão, rádio, jornais, revistas, Internet), e gastam em torno de 10 a 15 milhões ao ano. As independentes, por sua vez, possuem gastos bem inferiores aos das majors. A Sigla (Som Livre), maior independente do Brasil, informou que gastou em marketing, em 2002, R$ (confidencial) e, em 2003, R$ (confidencial).28 A ABMI informou que as independentes utilizam, basicamente, os veículos profissionais para fomentar sua distribuição, e não a grande mídia. As independentes utilizam também a mídia espontânea, ou seja, a cobertura jornalística do lançamento do disco ou do show, além de outros meios alternativos apoiados na opinião pessoal, tais como os fãsclubes, a presença nos shows e fanzines. A ABMI ressaltou, ainda, que a mídia eletrônica raramente abre espaço para artistas independentes. Contudo, apesar das disparidades de gastos com marketing entre as majors e as independentes, não é possível afirmar que esses gastos, ou mesmo o acesso à grande mídia, que 25 Ver nota 22. Resposta ao Ofício n.º 06343/2004 27 Resposta ao Ofício n.º 06344/2004 28 Ver nota n.º 23. 26 22 Versão Pública Ato de Concentração n.: 08012.009203/2003-95 demanda mais recursos que outros meios alternativos de divulgação, possam ser considerados barreiras efetivas à entrada de novos players no mercado brasileiro de música gravada. Isto porque, apesar da notória relevância da exposição na mídia para o sucesso de um determinado produto musical, elevados gastos em marketing não parecem ser uma barreira que novas gravadoras, interessadas em ingressar nesse mercado, tenham que ultrapassar para conseguirem viabilizar, economicamente, sua entrada. Assim, esta Seae considera que não há custos irrecuperáveis relevantes nessa indústria que possam ser considerados uma barreira efetiva à entrada. 46. O acesso livre aos artistas também poderia ser considerado uma barreira à entrada no mercado brasileiro de música gravada, tendo em vista o grande número de artistas contratados pelas majors. Todavia, os contratos das gravadoras com os artistas, apesar da exclusividade comum a todos eles, são temporários e, no seu término, não impedem que os artistas troquem de gravadora. De fato, muitos deles, em especial os já consagrados pelo público, vêm optando pela substituição das majors. Alguns aqui já citados, como Marisa Monte e, mais recentemente, Djavan, optaram por estabelecerem suas próprias gravadoras. Outros, como Maria Bethânia, Zélia Duncan, Milton Nascimento e Arnaldo Antunes, também montaram seus próprios selos. Outros artistas, como Gal Costa, Paulinho da Viola, Erasmo Carlos, Alceu Valença, Grupo Fundo de Quintal, Reginaldo Rossi, dentre outros, deixaram recentemente as majors para assinarem contratos com gravadoras independentes. Em reportagem do Jornal do Brasil, Gal Costa afirma que o grande poder de barganha das independentes, frente às majors, é o tratamento diferenciado dispensado aos seus artistas.29 Infere-se dessas informações que, apesar da força das majors, representada pelo poder econômico das mesmas, e traduzida nos maiores gastos com marketing, vários artistas vêm optando por seguir o caminho inverso, ou fechando contrato com gravadoras independentes, ou montando seu próprio selo ou gravadora. Assim, não há como se definir o acesso a artistas como uma barreira à entrada no mercado brasileiro de música gravada. 29 Ver nota n.º 14. 23 Versão Pública 47. Ato de Concentração n.: 08012.009203/2003-95 Por fim, quanto ao grau de integração vertical das majors e também quanto ao catálogo de reserva destas, inegavelmente representam um forte diferencial de mercado para as mesmas, embora não possam, da mesma forma, ser considerados como barreiras à entrada no mercado brasileiro de música gravada. O fato de os grupos das majors atuarem em várias etapas da cadeia da indústria de entretenimento as favorece, principalmente, pela sinergia entre seus produtos. Além disso, o poder econômico de seus grupos fortalece a atuação de suas gravadoras, que podem dispor de maiores recursos para contratação de artistas e divulgação dos mesmos. Todavia, a integração vertical não é uma condição fundamental para uma empresa entrar no mercado de música gravada. O mercado brasileiro, que possui mais de 400 gravadoras, é exemplo dessa afirmação. No Brasil há, inclusive, gravadoras independentes que podem ser consideradas grandes, como a Som Livre, que figurou nos últimos anos entre as majors em termos de participação de mercado. Quanto ao catálogo de reserva das majors, apesar de sua importância em termos econômicos, pois podem ser utilizados em períodos de baixa venda dos lançamentos, também não pode ser considerado uma barreira à entrada de novas gravadoras. A grande maioria das independentes atualmente em atividade no país não possui catálogos de reserva comparados aos das majors; mesmo assim, podem competir sem esse “diferencial” em determinados períodos de tempo, tendo em vista a dinamicidade do mercado de música gravada. Eventualmente, um lançamento de uma gravadora independente pode compensar, ou até mesmo ultrapassar, os ganhos de uma major com seus lançamentos e seu catálogo de reserva. 48. Ainda quanto a questão das barreiras à entrada, destaque-se o teste proposto por Maureen Brunt, incluído no guia de análise de fusões e aquisições australiano, para verificar o que constitui uma barreira à entrada significante. Este autor apresenta a seguinte sugestão, in verbis: “The essential test for whether or not there is a significant barrier to entry can be expressed simply enough: it is whether the threat of entry of whatever kind will constrain incumbents to behave competitively. It follows that neither initial entry nor eventual established supply must necessarily be of the full-line variety. Leading firms can be constrained by a collection of more specialized rivals. Firms may enter at one scale or one product-range and grow to another. However we cannot speak of easy entry if the only viable entry is that which 24 Versão Pública Ato de Concentração n.: 08012.009203/2003-95 occurs at the fringe of the market in competition with that fraction of the incumbents’ business that has high marginal costs; or if the only viable entry is of the fringe products that fail to attack the incumbents’ core business. There must be, in Richard Schmalensee’s phrase, ‘real pressure on established firms’ profits’”.30 Em resumo, Brunt considera que a existência de qualquer entrada, de qualquer magnitude, que possa constranger as firmas estabelecidas a se comportarem de forma competitiva, sugere que as barreiras no mercado em questão não são significativas. Assim, essa entrada não precisa englobar todo o mercado, mas pode se dar em um nível mais especializado. As empresas-líder do mercado podem ser constrangidas por um grupo de concorrentes mais especializados. Contudo, é necessário que essa entrada estabeleça uma pressão efetiva nos lucros das empresas-líder. 49. O teste de significância das barreiras à entrada citado no parágrafo anterior retrata com precisão o que ocorre no mercado brasileiro de música gravada. No Brasil, assim como na maior parte do resto do mundo, esse setor é concentrado nas cinco grandes gravadoras, as majors, com algumas outras gravadoras independentes exercendo certa pressão nas estratégias de competição daquelas. Como já discutido neste parecer, há no Brasil uma forte gravadora independente, a Som Livre que, em 2003, alcançou a segunda posição no ranking das gravadoras, perdendo apenas para a Universal. A grande preferência declarada do brasileiro por música nacional reforça, de certa forma, a capacidade das independentes de exercerem uma concorrência efetiva às majors no Brasil, haja vista o foco daquelas em música brasileira. 50. Poder-se-ia argumentar, contudo, que o mercado brasileiro de música gravada teria como padrão de concorrência algumas empresas-líder (no caso, as majors e a Som Livre) ditando os preços e várias pequenas firmas (no Brasil, mais de 400 gravadoras independentes) os seguindo. Estas últimas, conhecidas na literatura como firmas-franja (fringe firms), seriam simples tomadoras de preço, ditado pelas líderes, e estariam limitadas a um nicho específico do mercado, não 30 Professor Maureen Brunt, “Australian & New Zealand Competition Law and Policy”, 19th Fordham conference on International Antitrust law and Policy, 1992. Este trecho consta do Australian Merger Guidelines, disponível no website da agência antitruste australiana. 25 Versão Pública Ato de Concentração n.: 08012.009203/2003-95 afetando a concorrência como um todo.31 Dessa forma, uma entrada na “franja” do mercado não seria suficiente para deter uma possível tentativa de exercício de poder das firmas-líder. Entretanto, esta Secretaria entende que a teoria das firmas-franja não pode ser aplicada ao mercado de música gravada, devido a sua dinamicidade. Como todos os gêneros musicais explorados pelas majors sofrem algum tipo de concorrência das independentes, não se pode afirmar que aquelas não consideram a oferta dos produtos destas para estabelecerem seus preços, reduzindo-se a possibilidade do estabelecimento de preços de monopólio. Dessa forma, seria muito pouco provável que as majors estabelecessem preços acima do nível concorrencial para o conjunto de seus produtos, ou mesmo para determinados gêneros, sob pena de perder mercado para as independentes em seus respectivos nichos. 51. Com base em todo o exposto nesse item, esta Seae conclui que não há barreiras significativas à entrada de novos competidores no mercado relevante definido. Da mesma forma, dada a dinamicidade do mercado de música gravada, bem como a forte diferenciação dos produtos ofertados, mesmo a entrada de pequenas gravadoras em nichos específicos não pode ser desconsiderada como uma forma de reduzir a probabilidade de exercício de poder de mercado das gravadoras dominantes. 52. Todavia, mesmo considerando que não há barreiras significativas à entrada no mercado de música gravada, notadamente no tocante às gravadoras independentes, é necessário verificar se uma possível entrada atenderá os testes de tempestividade, probabilidade e suficiência, descritos a seguir. 5.1.2 Tempestividade da Entrada 53. De acordo com o Guia de Análise Econômica de Atos de Concentração, a entrada será considerada tempestiva quando existir uma alta probabilidade de ocorrer em um período de tempo igual ou inferior a dois anos. De todo o exposto 31 Ver nota n.º 19. 26 Versão Pública Ato de Concentração n.: 08012.009203/2003-95 anteriormente, infere-se que uma eventual entrada de uma nova gravadora independente no Brasil, caso ocorra, não ultrapassará os dois anos considerados como parâmetro para a análise deste tópico específico. O próprio crescimento do número de independentes nos últimos anos demonstra que uma entrada no mercado brasileiro de música gravada atende aos critérios do teste de tempestividade. 5.1.3 Probabilidade da entrada 54. A entrada será considerada provável quando for considerada lucrativa por um novo entrante, ou seja, quando as escalas mínimas viáveis forem inferiores às oportunidades de venda no mercado a preços pré-concentração. Em outras palavras, a entrada será provável quando o montante mínimo de investimento necessário para o lançamento de uma gravadora de música no país for inferior à parcela de mercado potencialmente disponível a essa gravadora interessada em entrar nesse mercado, resultando em lucro.32 Neste caso, a entrada deve ser mais do que mera possibilidade, o que significa que devem existir fortes indícios de que essa entrada será a resposta natural ao exercício de poder de mercado das empresas estabelecidas. 55. Hovenkamp, citando as Cortes norte-americanas, afirma que a melhor evidência da possibilidade de entrada utilizada pelas mesmas é o histórico do mercado analisado, ou seja, as entradas já efetivadas.33 No caso em pauta, este parecer já mencionou que, nos últimos anos, houve diversas entradas de novas gravadoras independentes no mercado nacional, sendo que, atualmente, há mais de 400 em atividade no país. Recentemente, houve a entrada de mais uma gravadora 32 Escalas Mínimas Viáveis (EMV) equivalem ao menor nível de vendas anuais que uma potencial firma interessada em entrar em determinado mercado deverá obter para que seu capital seja “adequadamente” remunerado, ou seja, “à rentabilidade que o volume de recursos investidos na entrada poderia obter em uma aplicação correspondente no mercado financeiro, ajustada ao risco do setor em que se vislumbre a entrada. Oportunidades de vendas, por sua vez, indicam a parcela de mercado potencialmente disponível a possíveis empresas interessadas em entrar em um mercado. Na identificação das oportunidades de vendas devem ser avaliadas: a restrição da produção, derivada do exercício de poder de mercado pelas empresas estabelecidas; a redução da oferta das empresas instaladas como reação à entrada; a capacidade daquelas empresas dispostas a entrar de apropriar-se de parte do mercado das empresas instaladas; e a capacidade de uma nova empresa de capturar uma parcela significativa de crescimento de mercado. 27 Versão Pública Ato de Concentração n.: 08012.009203/2003-95 independente no mercado, a Luanda Records, de propriedade do artista Djavan, que rompeu seu contrato de vários anos com a Sony para lançar seu selo próprio. 5.1.4 Suficiência da Entrada 56. Quando a entrada de uma empresa em determinado mercado for considerada tempestiva e provável, ela será tida, em geral, como suficiente para restringir uma possível utilização do poder de mercado por parte da nova empresa formada. 57. Para que uma entrada seja considerada suficiente para reduzir essa probabilidade, ela deve permitir que todas as oportunidades de venda sejam adequadamente exploradas pelas possíveis novas gravadoras de música. Além disso, o teste de suficiência determina que a entrada tenha escala suficiente para forçar a queda dos preços a níveis encontrados antes da operação. 58. Conforme comentado no tópico referente às barreiras à entrada, poder-se-ia argumentar que a entrada de pequenas gravadoras no mercado nacional, mesmo em grande quantidade, não seria suficiente para reduzir uma possível tentativa de exercício de poder de mercado pela nova empresa formada. Todavia, tendo em vista as características do mercado de gravação musical, notadamente sua dinamicidade e a grande diferenciação dos seus produtos, não há como se afirmar que a entrada de gravadoras independentes não seja suficiente para reduzir a probabilidade de exercício de poder de mercado das requerentes. Como já dito antes, o sucesso de uma gravadora está diretamente relacionado com o sucesso de uma determinada música, ou mesmo estilo musical. Assim, a entrada de uma gravadora que consiga sucesso com determinado lançamento pode inibir uma tentativa de exercício de poder de mercado da nova empresa, ainda que de forma pontual. Contudo, dada a heterogeneidade do mercado fonográfico, a entrada conjunta de diversas gravadoras menores, mesmo que em nichos específicos, atraídas por um hipotético aumento derivado de um possível poder de mercado da joint venture formada, impactaria a política de preços geral desta última. Seria improvável que a Sony 33 Ver nota n.º 19. 28 Versão Pública Ato de Concentração n.: 08012.009203/2003-95 BMG, mesmo dispondo de um cast considerável de artistas consagrados, conseguisse impor aumentos acima do nível concorrencial sem sofrer qualquer concorrência das independentes. Neste ponto, destaca-se novamente que o preço, nesse mercado, é diretamente proporcional ao sucesso alcançado por determinado produto de um artista. Assim, não há relação direta entre preços mais elevados e posição da gravadora (major ou independente), sendo bastante comum o consumidor final encontrar CDs de independentes mais caros do que CDs de majors. 59. Tendo em vista o exposto neste tópico, esta Secretaria conclui que não há barreiras relevantes à entrada no mercado brasileiro de música gravada, embora essa entrada refira-se, notadamente, ao porte das gravadoras independentes. Da mesma forma, a entrada nesse mercado pode ser considerada tempestiva, provável e suficiente para inibir uma possível tentativa de exercício de poder de mercado da nova empresa formada pelas requerentes. VI – OUTRAS CONSIDERAÇÕES ACERCA DA OPERAÇÃO 60. Apesar de esta Seae não vislumbrar probabilidade de que a Sony BMG exerça poder de mercado derivado desta operação, faz-se mister destacar outros pontos relevantes desta análise. 61. Em primeiro lugar, ressaltem-se as posições conflitantes dos vários atores do mercado de música gravada, consultados por esta Secretaria, acerca do grau de rivalidade existente, em especial entre as majors e as independentes. A ABMI, que representa as independentes, afirmou que “existe rivalidade, fruto da concorrência” (sic) (sabe-se que, na verdade, a concorrência deriva da rivalidade). Afirmou, ainda, que as independentes lutam pelo mesmo espaço, na divulgação e na venda ao consumidor, além de disputar com as majors os artistas brasileiros que, descobertos pelos independentes, são depois atraídos para as majors. A ABPD, que congrega várias gravadoras em atividade no país, inclusive todas as majors, considera que as independentes são complementares àquelas. Contudo, destaca que nos últimos anos algumas independentes observaram um crescimento de suas participações no 29 Versão Pública Ato de Concentração n.: 08012.009203/2003-95 mercado, resultado da entrada dessas em todos os elos da cadeia produtiva. Entre as gravadoras também não houve consenso. Algumas majors, como a EMI e a Warner, afirmaram que a rivalidade é intensa. As independentes não seguiram unanimemente a posição de sua Associação, com exceção da Indie Records, que afirmou que a rivalidade existente é “normal”. A resposta mais esclarecedora foi a apresentada pela EMI, e guarda consonância com o já discutido neste parecer em tópicos anteriores. Esta empresa, comentando sobre o grau de rivalidade entre as gravadoras majors, e entre essas e as independentes, respondeu, in verbis, que “(confidencial)”. 62. Portanto, percebe-se que, apesar das divergências entre as respostas acima, a rivalidade deste mercado é caracterizada pela busca de novos talentos, que podem representar a ascensão de uma gravadora, major ou independente, na divisão do mercado de música gravada. Como discutido em tópicos anteriores, o acesso aos artistas é livre e o maior poder econômico das majors nem sempre é privilegiado por aqueles nas suas escolhas pela gravadora. A mudança de vários artistas consagrados, e que invariavelmente encontram-se nas paradas de sucesso, para gravadoras independentes, denota em certo grau a rivalidade nesse setor. 63. O segundo ponto a ser destacado diz respeito ao poder de barganha dos clientes diretos das gravadoras como forma de reduzir a probabilidade de exercício de poder de mercado da nova empresa formada. Hovenkamp cita o nível de sofisticação e poder dos “parceiros de negócios” (compradores ou vendedores), como um fator que deve ser considerado na análise das conseqüências antitruste de uma fusão. O Guia Australiano de Análises de Fusões, por sua vez, cita como um desses fatores a análise do “countervailing power”. Em ambos os casos, a habilidade da nova empresa formada para aumentar preços pode ser constrangida pelo “poder de compra” de seus clientes, o qual pode reduzir a probabilidade de um substancial prejuízo à concorrência. 64. Quanto a este aspecto, as empresas (gravadoras e principais clientes) e associações consultadas informaram que, em geral, os grandes clientes, que respondem por grande parte do mercado (a ABMI afirmou que 70% do mercado brasileiro concentra-se nos dez maiores compradores de CDs), possuem elevado 30 Versão Pública Ato de Concentração n.: 08012.009203/2003-95 poder de barganha frente às gravadoras, sejam majors ou independentes. Uma independente informou que o poder de mercado de uma gravadora é momentâneo, dependente do lançamento de um sucesso, embora, na média, seja baixíssimo. Uma outra independente também enfatizou a questão do sucesso combinado com a exclusividade detida pelas gravadoras. Nestes casos, o poder de barganha dos compradores é nulo, principalmente se forem lojas especializadas em produtos musicais. A ABMI informou que os grandes compradores determinam as condições de venda aos independentes. A ABPD, por sua vez, afirmou que, haja vista que o número de atacadistas e varejistas tem- se reduzido drasticamente nos últimos anos, os que se mantêm no mercado possuem hoje mais capacidade de impor preços que a própria indústria fonográfica. 65. A EMI apresentou uma panorama mais completo da relação entre gravadoras e clientes, sintetizado a seguir. Segundo esta major, (confidencial).34 66. Os principais clientes consultados (Lojas Americanas, Carrefour, Bompreço, Universal Comercial Fonográfica e Comercial Seis de Ouro) reforçaram o fato de que há diferenças em relação ao tipo de comprador. Para as lojas especializadas (atacadistas e redes varejistas de produtos musicais), o poder de barganha depende do tamanho do comprador e é restrito aos catálogos. Para os lançamentos e grandes sucessos, seu poder de barganha é nulo, pois não há substitutos próximos. Para as grandes redes de supermercado e lojas de departamentos (com destaque para as Lojas Americanas), o poder de barganha é maior, notadamente para “pacotes promocionais” ou “pontas de estoque”. Para estas, da mesma forma que para atacadistas e varejistas especializados em música, não há poder de barganha para lançamentos. 67. Contudo, pelas informações anteriores, percebe-se que o mercado comprador detém certo poder de barganha frente às gravadoras, em especial sobre as majors, que possuem catálogos de reserva bem superiores aos das independentes. Dessa forma, é possível afirmar que uma hipotética tentativa de exercício de poder de mercado seria contra-balanceada pelo poder de barganha dos principais 34 Informações prestadas em resposta ao Ofício n.º 6330/2004. 31 Versão Pública Ato de Concentração n.: 08012.009203/2003-95 compradores no mercado brasileiro, o que poderia favorecer o consumidor final com um preço médio menor. 68. Por fim, tendo em vista que várias empresas consultadas teceram alguns comentários sobre três questões inerentes ao presente ato, esta Seae apresentará brevemente suas considerações sobre os mesmos. As três questões citadas foram: (i) o impacto da pirataria sobre a indústria fonográfica brasileira; (ii) preocupações acerca de um possível fechamento de mercado das empresas de edição musical pertencentes aos grupos das requerentes e; (iii) um possível abuso das partes no que concerne à distribuição de músicas por novas tecnologias. 69. Com relação à pirataria, seja ela física (cópia ilegal de CDs) ou proveniente de downloads ilegais de música pela Internet, todas as empresas e associações consultadas neste processo, incluindo as requerentes, apresentaram esse problema como o principal enfrentado pela indústria fonográfica brasileira nos últimos anos. De fato, este problema vem afetando toda a indústria fonográfica mundial. Contudo, o maior problema enfrentado no Brasil reside na grande presença do CD pirata em relação ao total do mercado, tendo em vista a ainda baixa penetração dos serviços de Internet, em especial os de banda larga, no país. As requerentes afirmaram, inclusive, que os CDs falsificados deveriam ser considerados na definição do mercado relevante, pois esses teriam um grande impacto em qualquer tentativa de aumento de preços derivado de um hipotético exercício de poder de mercado. Ressaltaram, ainda, que segundo uma pesquisa realizada pelo Instituto Franceschini de Análise de Mercado, os CDs piratas respondem por quase 60% de todos os CDs comercializados no Brasil, e que o Brasil é o segundo mercado mundial em termos de CDs falsificados.35 Segundo a ABPD, a queda nominal nas vendas de CDs, de 1997 a 2002, foi de 38%, sendo que o impacto nos CDs inéditos foi ainda maior, da ordem de 55%. A queda real36, por sua vez, no mesmo período, foi de 56% para CDs em geral e 68% para CDs inéditos. 35 Esta pesquisa foi citada no relatório da ABPD sobre o mercado brasileiro de música de 2002, encartado no processo. Segundo esse relatório, a pirataria de produtos musicais passou de 3% em 1997 para 59% em 2002, o que significa 115 milhões de CDs piratas vendidos em 2002, movimentando cerca de R$ 780 milhões, sendo que 85% dos CDs piratas continham música brasileira. 36 Para a queda real, o Instituto Franceschini considerou os índices oficiais de inflação, não informando quais. 32 Versão Pública 70. Ato de Concentração n.: 08012.009203/2003-95 Não há como negar que o crescimento dos produtos musicais falsificados e das músicas baixadas ilegalmente pela Internet produz um impacto negativo nas receitas da indústria fonográfica e, conseqüentemente, no próprio desenvolvimento do setor. Todavia, esta Seae não considerará a questão da pirataria nesta análise, primeiro por não ser um ponto crucial para a mesma e, segundo, tendo em vista que os acordos comerciais internacionais de que o Brasil participa incentivem um endurecimento no tratamento da questão. 71. Com relação a um possível fechamento de mercado, por parte das editoras de música dos grupos das requerentes, aos concorrentes da nova empresa formada (Sony BMG), é importante relembrar que a joint venture em análise não engloba as atividades de edição musical dos grupos. Todavia, seria razoável supor que, caso esse fechamento de mercado fosse lucrativo para os grupos Sony e Bertelsmann, e se os mesmos tivessem suficiente poder de mercado em pelo menos um dos níveis da cadeia de produção da indústria fonográfica, ele poderia ocorrer, independentemente de um acordo prévio na joint venture. 72. Questionadas acerca de como se dará o relacionamento da Sony BMG com as editoras de seus grupos, e destas com as demais gravadoras, as requerentes informaram que não é esperado nenhum efeito negativo no mercado de publicação musical derivado desta operação. Em primeiro lugar, segundo as partes, as editoras de seus grupos manterão todos os incentivos para maximizar seus lucros em publicação musical e, portanto, não podem permitir que os autores das músicas acreditem que há um favorecimento para a Sony BMG em detrimento de outras gravadoras. Em segundo lugar, as editoras da Sony e da BMG não possuem poder de mercado suficiente, no Brasil, para causar preocupações relativas a um possível fechamento de mercado.37 73. De fato, conforme estimativas da Sony, o mercado brasileiro de edição musical movimentou, em 2003, cerca de R$ (confidencial), sendo que a Sony Music Edições Musicais obteve uma participação de (confidencial) desse total, e a BMG Publishing, (confidencial). Considerando esta estimativa, as partes teriam uma participação aproximada de (confidencial) do mercado de edição musical. Segundo 33 Versão Pública Ato de Concentração n.: 08012.009203/2003-95 a teoria econômica utilizada em análises antitrustes de integração vertical, e também a experiência internacional sobre o tema, a Sony BMG não tem poder de mercado suficientemente alto em nenhum dos níveis da cadeia de produção da indústria fonográfica brasileira, quais seja, gravação e edição musical. No primeiro, em 2003 a Sony BMG teria uma participação de 27% e, no segundo, (confidencial). Com essas participações, e considerando o número elevado e também o porte de alguns concorrentes nos dois níveis, seria improvável qualquer tentativa de fechamento de mercado. Essa afirmação pode ser reforçada pelo fato de que as gravadoras independentes associadas à ABMI, por meio de um convênio firmado entre esta associação e a Associação Brasileira dos Editores de Música (ABEM), têm acesso às obras das editoras filiadas a esta última de uma forma simplificada, pagando um percentual sobre o valor do disco, como já comentado anteriormente neste parecer. Embora nem todas as editoras sejam associadas da ABEM, este convênio reduz a possibilidade de que as gravadoras independentes, cuja posição no mercado é inferior a das majors, sejam alijadas da concorrência por um possível fechamento de mercado das editoras da Sony e da BMG.38 74. Finalmente, várias empresas consultadas por esta Seae demonstraram sua preocupação sobre uma possível utilização do acervo da Sony BMG visando o domínio do emergente mercado de distribuição de música on-line. Este domínio poderia ser estendido, inclusive, para o mercado de aparelhos que tocam músicas baixadas pela Internet (MP3 players), setor também explorado pela Sony Corporation. Em suma, o temor do mercado está no fato de que a Sony possui em alguns países (EUA, Alemanha, França e Reino Unido) um serviço de distribuição de música via Internet, o Sony Connect. Aliado a isso, a Sony também desenvolveu um formato de áudio próprio, o ATRAC. Com isso, a Sony poderia utilizar sua posição na joint venture para dominar tanto o incipiente mercado de distribuição de música on-line quanto o de comercialização de “MP3 players”. 75. Sobre essa questão, as partes informaram que: (confidencial)39 37 Resposta ao Ofício n.º 7035/2004. Sobre este tema, ver matéria intitulada “Acordo histórico entre gravadoras nacionais e editoras de música”, publicada no website http://www.samba-choro.com.br/noticias/arquivo/6872, acessado em 22/09/2004. 39 Ver nota n.º 37. 38 34 Versão Pública 76. Ato de Concentração n.: 08012.009203/2003-95 Infere-se das informações acima que não há razões para supor que a presente operação apresente riscos à concorrência nos mercados adjacentes de distribuição de música on-line e de comercialização de “MP3 players”. VII – CONCLUSÃO 77. Tendo em vista todas as considerações realizadas neste parecer, bem como as contribuições das empresas e associações consultadas, esta Secretaria conclui que não há razões, sob o ponto de vista antitruste, para restringir ou mesmo vetar a joint venture formada pelas gravadoras da Sony e da Bertelsmann. 78. Contudo, tendo em vista que a indústria fonográfica brasileira, assim como a mundial, tem como característica a concentração de mercado entre as cinco (antes da operação) grandes gravadoras mundiais (as five majors), é necessário ressaltar alguns pontos. Em primeiro lugar, toda e qualquer operação que modifique a configuração atual da joint venture em análise, tal como a entrada da mesma no segmento de publicação musical ou de distribuição de música via Internet, deverá ser prontamente apresentada aos órgãos brasileiros de defesa da concorrência. Em segundo lugar, todas as informações utilizadas nesse parecer, assim como as conclusões desta Secretaria, dizem respeito unicamente a esta operação, e não ao mercado como um todo. Assim, qualquer novo movimento das empresas do mercado fonográfico brasileiro deverá passar pelo escrutínio das autoridades antitruste responsáveis e, dada a dinamicidade do setor, poderá ter uma análise diferente da atual. 79. Uma característica inerente a essa indústria é sua dependência de inovações tecnológicas. A inovação tecnológica tem por efeito estritamente econômico tornar obsoleto o produto anterior, gerando demanda para o desenvolvido. Desde o disco de 78 RPM ao compact disc (CD) atual, a inovação tecnológica foi fundamental nesse mercado. Esta mesma inovação tecnológica, que permitiu o desenvolvimento da indústria fonográfica mundial, também facilitou o crescimento do produto falsificado, seja ele físico ou digital. Dessa forma, qualquer análise antitruste desse 35 Versão Pública Ato de Concentração n.: 08012.009203/2003-95 mercado deverá, obrigatoriamente, verificar as condições concorrenciais efetivas do momento.40 80. Sendo assim, sugerimos a aprovação da presente operação sem restrições. Entretanto, visando assegurar que o mercado brasileiro de música gravada seja devidamente monitorado pelas autoridades antitruste brasileiras, sugere-se ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica que exija das partes o compromisso público de que todos os acordos de cooperação realizados após a formação da Sony BMG, notadamente os que envolvam os mercados de edição musical e de distribuição digital de músicas, sejam apresentados como novos atos de concentração. 40 Fonte: texto “Tecnologia e Estratégia: uma visão geral da indústria fonográfica mundial”, de Eduardo Henrique M. L. de Scoville. Disponível em http://www.spei.br/faculdades/revista/revista_V4_n2/tecnologia_estrategia.pdf, acessado em 22/09/2004. 36 Versão Pública Ato de Concentração n.: 08012.009203/2003-95 À apreciação superior. MÁRIO SÉRGIO ROCHA GORDILHO JÚNIOR Coordenador MARCELO DE MATOS RAMOS Coordenador-Geral de Comércio e Serviços De acordo. HELCIO TOKESHI Secretário de Acompanhamento Econômico 37