Introdução à Magneto-Ótica – Uma Abordagem Microscópica
Felipe Pinheiro e Luiz C. Sampaio
Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas/MCT, Rua Dr. Xavier Sigaud, 150,
Urca, Rio de Janeiro, RJ, 22.290-180.
1. Introdução
Os efeitos magneto-óticos foram descobertos a partir dos meados do século passado
e foram de fundamental importância no desenvolvimento da teoria eletromagnética e da
física atômica. O primeiro deles, o efeito Faraday, foi observado em 1845 por Michael
Faraday em um pedaço de material vítreo colocado entre os polos de um eletroimã [1]. O
efeito Faraday se caracteriza pela mudança da polarização de um feixe de luz linearmente
polarizado propagando em um meio na presença de campo magnético. A luz transmitida é
em geral elipticamente polarizada com o seu eixo maior girado em relação a direção do
plano de polarização da onda incidente. O efeito equivalente na reflexão é o efeito Kerr e
foi observado por J. Kerr em 1876 [2].
O interesse pelos efeitos Faraday e Kerr ganhou um notável impulso nas últimas
décadas devido principalmente ao estudo de propriedades magnéticas de superfícies e em
aplicações tecnológicas como a gravação de mídia. Os efeitos Faraday e Kerr também
atuam como ferramentas importantes nas medidas de magnetização relativa de filmes tão
finos como algumas poucas monocamadas.
Neste texto faremos de maneira simples uma discussão fenomenológica clássica do
efeito Faraday nos atendo principalmente aos aspectos microscópicos. Ainda na II EBM,
será apresentado em uma segunda seção, a aplicação do efeito Kerr ao estudo de
propriedades magnéticas de filmes finos [3]. Recomendamos como boas referências para
um estudo mais aprofundado dos efeitos Faraday e Kerr os artigos de H.S. Bennett e E.A.
Stern [4], M.J. Freiser [5], e S.D. Bader e J.L. Erskine [6].
2. Rotação Faraday
Considere um meio isotrópico e dielétrico na presença de campo magnético e um
feixe de luz linearmente polarizado que atravessa o meio na mesma direção do campo
aplicado. Como mencionado acima, se a luz que emerge deste meio tem seu plano de
polarização girado por um ângulo θ dizemos que o material apresenta o efeito Faraday. O
ângulo θ é proporcional à indução magnética B e à distância percorrida no meio l, e é
expresso por θ = V B l, onde V é uma constante de proporcionalidade conhecida como
constante de Verdet. Usualmente para materiais que não são magnéticos o ângulo θ é muito
pequeno, por exemplo mostramos na tabela 1 valores de θ para alguns materiais.
É interessante notar que materiais magnéticos e metálicos como Fe, Co e Ni
apresentam valores expressivos para a rotação Faraday, no entanto por serem metálicos
absorvem a radiação incidente. No espectro visível somente filmes finos de espessuras
inferiores a aproximadamente 500 Å seriam ‘transparentes’ a radiação. Por outro lado,
1
materiais magnéticos não metálicos como os óxidos, por exemplo o Ytrium Iron Garnet
(YIG) não apresentariam este problema, e poderíamos assim com amostras espessas obter
uma grande rotação Faraday.
Corning glass 8363
1,16 x 10-4
Diamante
2 x 10-4
Cloreto de Sódio
6 x 10-4
EuO
-0,167
YIG
240
Fe, Co e Ni
3,5 x105, 3,6 x105, 7,2x105
Tabela 1 – Rotação Faraday θ (graus/cm) para um campo de 1 Gauss. Note que θ é dependente do
comprimento de onda da radiação (não é mencionado na tabela).
O feixe emergente de um meio que apresenta o efeito Faraday além de ter a direção
do plano de polarização girada ele também possui uma mudança na polarização, isto quer
dizer que o feixe que entra linearmente polarizado sai do meio elipticamente polarizado. A
onda incidente, linearmente polarizada pode ser decomposta em duas de polarização
circular, uma girando para a esquerda e outra para a direita. Na verdade, a onda emergente
que é elipticamente polarizada também pode ser decomposta em duas ondas circularmente
polarizadas girando para a esquerda e para a direita mas agora é adicionado uma diferença
de fase entre elas. Isto nos faz concluir que é o efeito Faraday que produz esta diferença de
fase, e isto está diretamente relacionado a um índice de refração diferente para as ondas de
polarização circular girando para a esquerda e para a direita.
Desta maneira podemos considerar a onda incidente linearmente polarizada como
sendo dada por,
E= Eo(ex + i ey)ei(kz-wt) + Eo(ex - i ey)ei(kz-wt).
(1)
Lembremos que as componentes x e y estão defasadas de π/2 e ±i=e±iπ/2. A constante de
onda é k=2π/λo, onde λo é o comprimento de onda da luz no vácuo. Após a entrada no meio
a onda passa a ser dada por,
E= Eo(ex + i ey)ei(2πn+z/λ0-wt) + Eo(ex - i ey)ei(2πn-z/λ0-wt),
(2)
onde λ+(-)= λo/n+(-) e n+(-) são respectivamente o comprimento de onda e o índice de refração
das ondas de polarização circular girando para a esquerda e para a direita. Colocando o
termo ei(2π z/λ0(n++ n-)/2-wt) em evidência encontramos,
E= Eoei(2πn’z/λ0-wt)(ex cos δ + ey sen δ),
(3)
onde n’= (n+ + n-)/2, δ = 2π(l/λo)(n+ - n-)/2, e l é a espessura do meio percorrida pelo feixe.
Assim, a rotação Faraday por unidade de comprimento é dada por,
θ/l= π(n+ - n-)/λo.
2
(4)
3. Teoria Fenomenológica
3.1) Equações de Maxwell aplicada a sólidos [7]
A fim de calcular os campos E e B e a propagação da luz através de um sólido
vamos usar as equações de Maxwell. A origem microscópica das propriedades óticas dos
sólidos podem ser em uma primeira abordagem tratadas classicamente. Consideremos um
meio contendo: i) densidade volumétrica de carga elétrica ρ, ii) densidade volumétrica de
dipolo elétrico, chamada de polarização P, iii) densidade volumétrica de dipolo magnético,
chamada de magnetização M, iv) densidade de corrente por unidade de área, chamada de
densidade de corrente J. Essas quantidades são relacionadas com os campos E e B através
das equações de Maxwell,
∇ x E =- ∂B/∂t
∇ x H = ∂D/∂t + J
∇.D= ρ
∇ . B = 0.
(5)
O vetor deslocamento elétrico D se relaciona com E e P de acordo com D=εoE+P, e
a indução magnética B com o campo magnético H e M por B=µo(H+M), onde εo e µo são
respectivamente a permissidade elétrica e a permeabilidade magnética no vácuo.
Uma outra maneira de se exprimir a polarização P, ou melhor a resposta das cargas
ligadas ao núcleo ao campo E, é dada por P = D-εoE = εE-εoE = εoχE, onde χ = ε/εo – 1, e
χ é conhecido como susceptibilidade elétrica. Note que tal como ε e µ que são grandezas
tensoriais, χ também é uma grandeza tensorial. Para meios anisotrópicos, como cristais, a
polarização P assume valores diferentes segundo a direção do campo aplicado.
Usando estas últimas relações as Eq. 5 se transformam em,
∇ x E = - µo ∂H/∂t - µo ∂M/∂t
∇ x H = εo ∂E/∂t + ∂P/∂t + J
∇ . D = -1/εo ∇ . P
∇ . B = 0.
(6)
Pegando a primeira das equações acima e aplicando o rotacional em ambos os lados, e
usando a segunda equação temos,
∇ x (∇ x E) + 1/c2 ∂2E/∂t2 = - µo ∂2P/∂t2 - µo ∂J/∂t - µo ∂(∇ x M)/∂t
(7)
Identificamos os termos do lado direito como sendo os termos fontes de campo E, onde o
primeiro deles está relacionado com a polarização de cargas (elétrons ligados), o segundo a
densidade de corrente elétricas (elétrons de condução), e o último a não homogeneidade da
magnetização. Possuindo o meio características diferentes, sendo dielétrico, metálico ou
magnético compomos a Eq. 7 com os três termos ou parte deles, e obtemos vários efeitos
óticos, como dispersão, absorção, refração dupla, atividade ótica, efeito Faraday, etc.
3
3.2) Atividade Ótica
Um dado meio possui atividade ótica quando ele produz uma rotação do plano de
polarização da luz quando esta o atravessa. Como foi mencionado acima isto acontece
como consequência do índice de refração ser diferente para a luz decomposta em
componentes circulares girando para a esquerda e para a direita. Note que o efeito Faraday
faz com que o meio seja oticamente ativo com aplicação de campo magnético. Nesta subseção vamos calcular a atividade ótica de um meio dielétrico (J=0) e não magnético (M=0).
Considerarando o tensor susceptibilidade elétrica como sendo dado por,
χ(
=
χ11
iχ12
−iχ12 χ22
0
0
0
0
χ33
)
onde χ12 é um número real, a Eq. 7 se transforma em,
∇ x (∇ x E) + 1/c2 ∂2E/∂t2 = - µo ∂2P/∂t2,
(8)
onde P=εoχE. Substituindo o tensor χ na Eq. 8, e considerando a onda se propagando na
direção z, o campo E da onda incidente é dado por E= Eoei(kz-wt) e daí segue,
-k2Ex + w2/c2 Ex = - w2/c2 (χ11 Ex + i χ12 Ey)
-k2Ey + w2/c2 Ey = - w2/c2 (-iχ12 Ex + χ22 Ey)
w2/c2 Ez = - w2/c2 (χ33 Ez).
(9)
Da última equação tiramos que a componente Ez=0. Resolvendo o sistema de equações com
as duas primeiras obtemos, k= w2/c2(1+χ11±χ12)1/2. Por questões de simplicidade fizemos
χ22 igual a χ11,. Sabendo que k = n w/c, encontramos o índice de refração para as ondas de
polarização circular girando para a esquerda e para a direita como sendo,
n+= (1+χ11+χ12)1/2 e n-= (1+χ11-χ12)1/2
(10)
Através da Eq. 4 encontramos de quanto gira a polarização de luz,
θ/l = π(n+ - n-)/λo = πχ12/nλ.
(11)
Note que na Eq. 10 usamos a expansão em série (1+x)1/2≈1+x/2, e a simplificação
(1+χ11)1/2( 1 + (χ12/1+χ11) )1/2. O índice de refração n é dado por (1+χ11)1/2 e corresponde ao
índice de refração em uma das direções, x ou y. Na direção z o índice de refração é igual a
(1+χ33)1/2.
É importante destacar da Eq. 11 que a luz ao sair do meio tem sua polarização
girada por um valor que é proporcional ao elemento de matriz não diagonal de χ, ou seja
χ12. Outras descrições usam o tensor ε ou o tensor condutividade elétrica σ, mas como
todos se relacionam por expressões lineares o resultado final vem a ser o mesmo.
4
3.3) Equações de Movimento e Cálculo de χ12
Consideremos um feixe de luz incidindo sobre uma superfície. O campo elétrico
oscilante da luz incidente produz sobre os elétrons da superfície uma força fazendo com
que os elétrons oscilem na mesma freqüência; este campo tem como efeito criar uma
polarização local de carga. Dependendo das propriedades elétricas dos materiais os elétrons
podem estar forte ou fracamente ligados ao núcleo atômico.
Podemos assim considerar a equação de movimento para elétrons ligados ao núcleo
usando a equação do oscilador harmônico clássico amortecido na presença de campo
elétrico E da onda incidente e de indução magnética estática B dada por,
md2r/dt2 + b dr/dt + kr = - e E – e dr/dt x B,
(12)
onde m é a massa do elétron, b o coeficiente de amortecimento e k é a constante elástica. A
frequência natural de vibração é dada por (k/m)1/2 = wo. Por questões de simplicidade não
vamos considerar a força produzida pela indução magnética da onda incidente.
Consideremos que o campo elétrico E siga uma dependência temporal dada por eiwt. Por
conseqüência podemos esperar que o deslocamento r assuma a mesma dependência
temporal, e a Eq. 12 passa a assumir a seguinte forma,
(-mw2 – bw + k)r = - e E + iwer x B.
(13)
Multiplicando ambos os lados por –Ne a Eq. 13 se transforma em,
(-mw2 – bw + k)P = - Ne2 E + iweP x B.
(14)
Usando a relação entre a polarização P e E obtida acima (P=εoχE), e considerando a
indução magnética B aplicada somente na direção z, ou melhor (0,0,Bz), encontramos
finalmente [8],
χ11 = Ne2/mεo ( wo2- w2 + i wγ / (wo2- w2 + wγ)2 – w2 wc2 )
(15a)
χ12 = Ne2/mεo ( w wc / (wo2- w2 + wγ)2 – w2 wc2 ),
(15b)
onde wc=eB/m é a frequência de Larmor e γ = b/m é a largura da ressonância. Este é o
resultado que procurávamos, isto é, encontramos χ12 proporcional à componente da indução
magnética Bz, e que por sua vez é dada por Bz= µo(Hz+Mz). Na verdade, temos ainda Mz
como função do campo magnético aplicado, e em geral para materiais ferromagnéticos
podemos considerar M >> H.
Concluímos então que a rotação Faraday é proporcional ao campo magnético
aplicado para materiais não magnéticos, e em boa aproximação como sendo proporcional a
magnetização para materiais magnéticos, e esta última resulta em nosso principal resultado,
θ/l = π(n+ - n-)/λo = πχ12/λon α Mz .
5
(16)
Conclusão
Nós apresentamos uma abordagem microscópica e clássica do efeito Faraday. O
efeito Faraday se caracteriza pela mudança da polarização da luz linearmente polarizada
propagando-se em um meio na presença de campo magnético. O efeito Faraday surge como
consequência do termo não diagonal do tensor susceptibilidade elétrica, χ12, ser
proporcional ao campo magnético aplicado. Encontramos também que para materiais
magnéticos (ferromagnéticos, ferrimangéticos, etc) a rotação Faraday é diretamente
proporcional a magnetização.
Embora uma descrição quântica seja necessária para uma compreensão mais
refinada dos efeitos magneto-óticos a descrição clássica aqui apresentada fornece um bom
esclarecimento.
Referências
1.
2.
3.
4.
5.
6.
M. Faraday, Trans. Roy. Soc. (London) 5, 592 (1846).
J. Kerr, Phil. Mag., 339 (1877).
H.S. Bennett e E.A. Stern, Phys. Rev. 117 (2A), 448, 1965.
M.J. Freiser, IEEE Trans. on Magnetics, vol. Mag-4, no. 2, 152, 1968.
II EBM, A.D. dos Santos (1999).
S.D. Bader e J.L. Erskine, Ultrathin Magnetic Structures II, Ed. por B. Heinrich e J.A.
Bland (Springer Verlag, Berlin, 1994), Vol II, Capítulo 4, pag. 297, referências citadas.
7. Introduction to Modern Optics, G.R. Fowles, Segunda Edição, Dover Publications,
Capítulo 6.
8. Uma maneira simples de resolver a Eq. 8 é transforma-la em um sistema de três
equações, ou melhor teremos AP=E, onde A é uma matriz 3x3. Em seguida fazemos
P=A-1E, onde A-1 é a matriz inversa de A, e segue a relação A=εoχ. Desta maneira
encontramos todos os elementos de matriz de χ.
6
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Uma breve introdução à magneto