G. Willow Wilson: Fantasia Urbana Oriental
Entrevista com a autora
Como o trabalho com quadrinhos influenciou seu romance?
Escrever quadrinhos e graphic novels tem uma profunda influência no modo como
escrevo prosa. A trama de uma graphic novel deve ser econômica e funcional. Não há
espaço para o diálogo supérfluo, que não chega a lugar nenhum, para a subtrama que
jamais vinga. Os ganchos devem corresponder à paginação, para que o leitor não veja
imediatamente o resultado na página oposta, estragando assim o suspense. Sempre se
trabalha com um limite exato de páginas. É uma forma de arte tremendamente rigorosa.
Passei a valorizar muito a estrutura da história e uso este conceito em minha prosa.
A tecnologia, a magia e a religião se entrelaçam perfeitamente em Alif, o invisível.
O que lhe deu a ideia de combinar esses elementos?
Neste momento, são muitas as conversas incríveis no Oriente Médio sobre o papel da
religião na era digital, a face cambiante da política e o renascimento do mito. Muitos
diálogos no livro foram inspirados em discussões reais que tive com gente de verdade sobre
esses assuntos. Passei muito tempo frustrando-me porque não havia muita consciência ou
interesse pela cultura jovem árabe aqui, nos Estados Unidos. As pessoas queriam ouvir
sobre o fundamentalismo, o uso de véus e o terrorismo, mas não do que pensava ou fazia a
próxima geração. A Primavera Árabe mudou tudo. Agora as pessoas levam mais a sério o
papel da mídia social e procuram pelas forças que estarão em ação no novo Oriente Médio:
um movimento jovem bastante progressista combinado com várias facções islâmicas.
Até que ponto os djin e seu mundo são fiéis ao material-fonte e o quanto disto é
fruto de sua própria imaginação?
Sempre que posso, mantenho-me fiel à mitologia original. Todas as tribos de djinn
mencionadas no livro — marid, effrit, vetala e assim por diante — vêm de mitos ancestrais,
embora a vetala na realidade seja inspirada no folclore indiano, e não no árabe. Como o
Golfo Pérsico tem uma ligação cultural distinta com o subcontinente indiano por
intermédio dos milhões de trabalhadores convidados que moram ali, julguei que seria
adequado. Os effrit chegam a aparecer no Alcorão. Acredito fortemente na escola de
invenção de histórias sem “invencionices”.
Pode falar um pouco de como desenvolveu o dinâmico elenco de Alif?
Neste caso, eles praticamente se criaram sozinhos. Alif e Dina, em particular, parecem-me
ter evoluído naturalmente na página à medida que eu escrevia. Tento me lembrar de que
cada acontecimento numa história, inclusive a aventura mais fantástica e surreal, tem um
impacto prático e emocional nos personagens que o vivem. Passando tanto tempo entre
culturas, de certo modo fiquei sensível demais à reação das pessoas a pequenas ofensas,
pequenas mudanças, pequena rupturas. Isto facilita imaginar as grandes. Vários dos
principais personagens do livro — Alif, Dina, o convertido — têm de lidar com tensões em
torno de classe e etnia; depois de passar toda a minha vida adulta morando entre os
Estados Unidos, onde fui criada, e o Egito, onde foi criado meu marido, conheço bem
essas tensões.
A maioria dos personagens de Alif, o invisível é de geeks e pipocam várias alusões
leves à cultura geek/nerd pelo livro. O mundo geek teve um papel importante em
sua vida?
Sou uma geek veterana, apesar de um tanto enrustida. Eu participava de role-playing games
(RPG) no ensino médio e leio quadrinhos desde que era criança. Converti-me tarde, mas
ardorosamente, ao videogame. O cara que me introduziu nos videogames — mais
precisamente, em World of Warcraft — é um muçulmano devoto do tipo que angaria três
revistas físicas a mais nos aeroportos. Barba densa, taqiyah, tudo. A cultura geek é outsider
e, no mundo ocidental, o Islã também é uma cultura alheia, assim há uma afinidade
estranhamente natural. Quando vou à ComicCon, em geral sou praticamente a única
mulher de lenço na cabeça, mas isso não importa, porque fico ao lado de um cara que usa
óculos hipster e uma fantasia de Sailor Moon. Todos somos estranhos juntos. Esse
intercâmbio de culturas estranhas teve um forte papel no que me motivou a escrever Alif, o
invisível.
Por que acha que o gênero de fantasia se utiliza mais da mitologia ocidental do que
da oriental; você vê alguma mudança nesse status quo?
Creio que a fantasia moderna se utiliza da mitologia ocidental porque a fantasia moderna é
principalmente do gênero ocidental. Tolkien decidiu explicitamente criar um ciclo
mitológico para os povos das Grã-Bretanha cujas culturas se perderam depois da invasão
normanda. C.S. Lewis estava reagindo às consequências adversas da Primeira e da Segunda
Guerras Mundiais sobre o povo britânico, em especial no que dizia respeito à fé, porque
ele, como Tolkien e muitos escritores de fantasia do início da era moderna, era um cristão
devoto. Foi um movimento literário específico daquela cultura. O que fiz em Alif não é
diferente. Lewis explorou sua política, mitologia e crenças, eu explorei as minhas. O gênero
de fantasia está decolando para novos rumos interculturais — Saladin Ahmed, autor de
Throne of the Crescent Moon, é um bom exemplo desta tendência emergente, como a escritora
egípcia Mansoura Ez-Eldin, autora de Maryam’s Maze. A tradição tolkiana tornou-se global
e talvez também digital. Existem muitas histórias para contar.
Quais são seus planos para o próximo projeto?
Trabalho no que chamo de meu primeiro romance náutico. Um dos personagens de Alif
aparece nele. É ambientado em plena Era da Exploração — mais de quinhentos anos atrás
— então, vou deixar que você adivinhem qual deles.
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