Jovem gosta e quer ler, mas acesso aos livros é difícil
Julia Dietrich
"Eu gosto muito de ler, mas a biblioteca da minha escola está sempre fechada. Só podemos entrar
se a professora reservar a sala, o que nunca acontece". A afirmação é de Everton Dias, que aos
treze anos não recebe autorização da Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF) Felício
Pagliuso, em São Paulo (SP), para ter acesso aos livros, revistas e gibis da biblioteca da
instituição.
Infelizmente, o caso não é exceção. Segundo a Associação dos Professores do Estado de São
Paulo (Apeoesp), em recorte do censo escolar 2006 realizado pelo Departamento Intersindical de
Estatística e Estudos Sócio-econômicos (Dieese), apenas 15% das mais de cinco mil escolas
estaduais paulistas têm bibliotecas e, na maioria dos casos, o acesso é controlado. "É fundamental
que as bibliotecas fiquem abertas e que tenham profissionais capacitados responsáveis pela
organização do material e auxílio aos alunos", conta o presidente da associação, Carlos Ramiro de
Castro. De acordo com a mesma pesquisa, 73% das escolas públicas do estado não têm
bibliotecários, funcionando apenas como depósito de livros ou salas de leitura.
Em contrapartida, Juliana de Ferran Cremone, de 11 anos, que estuda em escola particular
bilíngüe de Curitiba (PR), não só tem acesso livre e irrestrito aos livros na escola, como busca
bibliotecas públicas para satisfazer sua enorme vontade de ler. "Acho que meu gosto pela literatura
vem muito do incentivo da minha mãe e da minha bisa-avó que me dão livros e sempre insistiram
que eu lesse bastante", conta, associando seu hábito também ao fato de ser aluna da rede
particular de ensino.
Para o presidente da Apeoesp, o governo tem absoluta responsabilidade na oferta da literatura aos
jovens. "Se não agirmos rapidamente, a distância entre os jovens que saem das escolas públicas
em relação ao das particulares será cada vez maior", observa, lembrando que o gosto pela leitura
está ligado ao incentivo que a família dá. "Como o pai da escola pública não tem tempo para
encorajar seus filhos porque está trabalhando ou como ele mesmo não teve acesso, forma-se um
ciclo ininterrupto", analisa.
Em média, os livros infanto-juvenis não saem por menos de R$15,00. "É mais do que o preço, é a
falta do culto à leitura presente em toda sociedade, do âmbito familiar à estrutura das escolas",
indica Castro. Porém, em alguns casos, por razões individuais, a vontade de ler rompe as barreiras
financeiras. "Tenho alguns gibis e já reli cada um pelo menos três vezes. Enquanto não ganho
outros, volto aos meus antigos. Isso que é legal da leitura, dá para ler tudo várias vezes e sempre
descobrir coisas novas", explica Dias, de apenas 13 anos.
Na tentativa de transformar esse panorama, o governo federal, em parceria inédita entre Ministério
da Cultura e Ministério da Educação, desenvolveu o Plano Nacional do Livro e da Leitura (PNLL)
que aumentou o número de bibliotecas e acervo em mais da metade dos municípios brasileiros.
Para o presidente da Apeoesp, a ação é fundamental, mas o reconhecimento dos profissionais da
área deve ser maior e o incentivo governamental deve percorrer todos os setores do país. "Não
adianta doar livros, se não tiver quem os organize. É preciso que a ação seja cada vez maior e
englobe todos de forma autônoma dos partidos. A descontinuidade de políticas públicas ainda é
um dos problemas centrais na escola", verifica. Segundo o secretário do PNLL, José Castillo, o
grande diferencial do programa é ser suprapartidário e manter-se contínuo ao longo das futuras
gestões é uma de suas grandes metas.
Aline da Silva Santos, que atualmente trabalha como adolescente aprendiz em uma empresa de
seguros, conta que foi sua vontade e gosto pela literatura que a ajudou a se destacar
profissionalmente. "Quando conseguia ir a biblioteca da escola, sempre pegava livros emprestados
que aumentaram meu vocabulário e senso crítico. Sempre descubro coisas novas", diz a menina,
hoje com 17 anos.
Ler o quê?
Entre os jovens que lêem, os gêneros de aventura e mistério figuram como os favoritos. "O leitor se
identifica com os protagonistas das histórias. Ele se vê vivendo os conflitos e jornadas de
amadurecimento próprios da sua juventude", conta a editora do segmento infanto-juvenil na Editora
Ática, Gabriela Dias, lembrando que a partir dos 13 ou 14 anos as meninas começam a se
interessar mais por histórias que tenham romance e os meninos, aventuras de turmas juvenis que
envolvam molecagem, que trabalhem conceitos de união de grupo.
"Porém, é claro que determinada literatura não é exclusiva de certo gênero. As meninas gostam
muito de aventura, mas, como característica da própria idade, elas se interessam por temas como
o primeiro beijo ou o primeiro amor", conta, citando como exemplo, a coleção para meninas préadolescentes, "Psiu!É segredo."
No ano em que completa 35 anos, a coleção Vaga-lume, voltada ao público juvenil, continua a ser
um marco editorial com 90 títulos no catálogo, além dos novos que estão sendo lançados. A
primeira edição da coleção foi lançada com 50 mil exemplares de cada título. De 2001 a junho de
2007, a Coleção Vaga-lume vendeu mais de 1,5 milhões de exemplares, segundo a empresa. "Eu
li quase todos, pois são super divertidos. Tem sempre um mistério a ser resolvido, aventuras com
pessoas da minha idade", conta a estudante Cremone.
Bruna Mikelly, oito anos, que recém ingressou no universo dos livros, se identifica muito com o
feminino dos contos de fada. "Gosto de imaginar e os livros ajudam a gente a fazer isso", conta.
Abrindo portas
Para Castro, a literatura é a porta de entrada para o auto-conhecimento e para desvendar os
mistérios do outro. "Quando o jovem lê, ele passa a se questionar e questionar aquilo que vê no
mundo. Ao tomar conhecimento de outras realidades, ele vê a sua própria", observa.
Nessa perspectiva, a editora Dias conta sobre uma coleção da Ática que transpõe grandes
clássicos para a linguagem e contexto do jovem. "Clássicos são universais porque trabalham
temas que permanecem atemporais. É uma forma de despertar a curiosidade do jovem para ler
autores clássicos e verificar que eles trabalharam questões ainda atuais e presentes na
sociedade", verifica.
Segundo a editora, para competir com videogames e a grande oferta de filmes e desenhos
animados é preciso incentivar a possibilidade da imaginação. A posição é referendada
unanimemente por todos os jovens entrevistados. "Na tevê vem tudo pronto, não tem tanta graça.
É bem mais divertido imaginar o que meus heróis estão fazendo e às vezes, consigo até mudar a
história que está escrita e fingir que estou participando dela", pontua Everton Dias sobre as
histórias em quadrinhos e livros de aventura que tanto aprecia.
Cremone diz que os livros fazem com que ela busque conhecer mais sobre os temas. "Quando
começo a ler sobre uma coisa vou atrás de mais histórias sobre o tema. Gosto de acompanhar
coleções e o divertido é que sempre aprendo algo novo e posso imaginar. Nos filmes e nos
desenhos não tenho espaço para isso", conclui.
DIETRICH, Julia. Jovem gosta e quer ler, mas acesso aos livros é difícil. Aprendiz, 11 jul. 2007. Disponível
em: http://aprendiz.uol.com.br/content.view.action?uuid=b69ae0b50af47010006835fb9da58441. Acesso em:
12 jul. 2007.
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