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A Guerra e sua (não) Justificação
Antônio de Moura Borges *
RESUMO: As guerras constituem importante capítulo da história de todos os povos. São
conhecidos os malefícios que acarretam, não obstante haver também os seus defensores. As
constantes controvérsias internacionais, movidas quase sempre por interesses políticos ou
econômicos, se não solucionadas por meios diplomáticos ou jurídicos, podem transformarse em guerras. Todavia, cabendo aos Estados prover a segurança na sociedade e combater
possíveis causas da morte, como a miséria, a fome e as endemias, não há justificação, num
plano pré-jurídico, para que obriguem cidadãos seus a participar de guerras, a não ser que
se trate de legítima defesa individual ou coletiva.
Palavras-chave: guerras, Estados, solução pacífica de controvérsias internacionais.
ABSTRACT: The wars constitute important chapter of the history of all peoples. The
harmful that they cause are well known, even though they have their supporters. The
constant international controversies, almost always moved by political or economic
interests, if not solved by diplomatic or legal means, may be transformed in wars. However,
having the States the duty to protect society and to combat possible causes of death, such as
misery, hunger and endemies, there is no justification, in a pre-legal basis, that they oblige
their citizens to participate in wars, except for individual or collective self defense
purposes.
Keywords: wars, States, pacific solution of international controversies.
Muito se tem dito e escrito acerca do fenômeno guerra. Ultimamente, o assunto tem
despertado especial interesse em todo o mundo, em face da ameaça e agora da efetiva
invasão ao Iraque pelos Estados Unidos e forças aliadas. São conhecidos os malefícios que
a guerra acarreta não somente à população, mas, até, à economia dos países beligerantes.
Com o extraordinário desenvolvimento das relações internacionais, proliferaram, nos
tempos atuais, as organizações internacionais. Entre os motivos de criação dessas
organizações internacionais, destaca-se como o mais importante a manutenção da paz na
sociedade internacional. Com efeito, o artigo 1º da Carta das Nações Unidas declara como
propósitos da ONU – organização internacional de caráter mundial por excelência -, entre
outros, manter a paz e a segurança internacionais. Apesar dos louváveis esforços da ONU,
muitos dos quais com resultados benéficos, ela infelizmente não tem impedido a irrupção
de diversas guerras no nosso planeta.
A guerra é uma constante na vida dos povos. Ela sempre existiu e nada indica que deixará
de existir, pelo menos em curto ou médio prazo. Examinando-se a história antiga, verificase que mesmo os deuses da Grécia e de Roma lutam entre si, e os livros sagrados de todos
os povos dão conta de encontros sangrentos.
Na Antigüidade, os povos viviam em acentuado isolamento. Reinavam entre eles
sentimentos hostis em relação a estrangeiros, que eram considerados inimigos. As guerras,
nessa época, pois, envolviam todos os habitantes dos países em luta, visto que todos eram
considerados beligerantes. Os sobreviventes do país vencido eram transformados em
escravos, os quais prestaram relevantes serviços na construção de pirâmides, monumentos
públicos e palácios reais.
Com o surgimento do Estado Moderno e a conseqüente criação de exércitos permanentes, a
guerra passa a ter nova concepção: as lutas são travadas apenas pelas forças combatentes.
No século passado, todavia, a guerra volta a ser total, dela participando toda a população
dos países em contenda. Indústrias e fazendas passam a produzir, tendo em vista as
necessidades da guerra. Ademais, nos ares, aviões de passageiros são derrubados; nos
mares, navios mercantes são afundados, e cidades inteiras são destruídas, dizimando
milhares de pessoas, como em Hiroshima e Nagasaki.
Apesar das críticas que são dirigidas à guerra, ela conta também com os seus defensores.
Alegam estes, entre outras coisas, ser ela imprescindível ao desenvolvimento da civilização
e da cultura.
São constantes as controvérsias internacionais, que, se não solucionadas por meios
diplomáticos ou jurídicos, podem transformar-se em guerra. Suas causas são as mais
diversas, sendo geralmente classificadas em políticas e jurídicas. Na prática, entretanto,
nem sempre é fácil distinguir as controvérsias de natureza política das de natureza jurídica.
“As de caráter jurídico podem resultar: a) da violação de tratados ou convenções; b) do
desconhecimento, por um Estado, dos direitos de outro; c) da ofensa a princípios correntes
de direito internacional, na pessoa de um cidadão estrangeiro. As de caráter político
envolvem apenas choques de interesses, políticos ou econômicos; ou resultam de ofensas à
honra ou à dignidade de um Estado.” (Silva e Accioly 2002, p. 439).
No século passado, após a Segunda Guerra Mundial, o mundo passou a ser dividido em
dois blocos, o comunista, liderado pela União Soviética, e o capitalista, sob a direção dos
Estados Unidos, vivendo em conflito permanente, naquilo que passou a chamar-se de
“guerra fria”. Quase todos ao países do mundo, especialmente as duas superpotências, a
pretexto de se aparelharem para eventual defesa, utilizavam a técnica e a ciência para fins
de destruição, criando novas armas, cada vez mais poderosas.
As causas da guerra fria, na realidade, eram de caráter político, pois as duas superpotências
ambicionavam por novos mercados e novas fontes de matéria-prima e tentavam, a todo
custo, exportar as suas ideologias.
Com a derrocada do comunismo, no início da última década do século passado, os Estados
Unidos se tornaram superpotência hegemômica. Todavia, os conflitos no mundo não
diminuíram.
Sendo constantes as controvérsias entre Estados, podendo transformar-se em guerra,
importa indagar da necessidade da existência do Estado, assim como das razões profundas
pelas quais o homem lhe obedece, a ponto de ser constrangido a participar de conflito
armado, ou se, ao contrário, não é o Estado que se subordina ao homem. Trata-se de
assunto antigo e muito polêmico. Ao longo da história, os muitos pensadores que se
ocuparam dele tiveram, cada um, opinião própria sobre a questão, com base nos mais
variados argumentos.
Não há dúvida acerca do caráter social do homem. Antes de Defoe, com o seu Robinson
Crusoe, vários autores tentaram imaginar alguém em terra desabitada, mostrando a
dificuldade, ou mesmo impossibilidade, de o homem viver isoladamente. A vida em
sociedade é, pois, uma necessidade premente do homem, a fim de desenvolver plenamente
a sua personalidade e encontrar o auxílio mútuo de que carece. Ademais, para se proteger
contra o egoísmo e o espírito de injustiça imanentes no coração de muitos, ele necessita de
normas que pautem a sua conduta, e de autoridade superior que garanta a paz e a ordem no
grupo social. Resta saber se o Estado é o meio mais idôneo para que se alcancem estes
importantes fins.
O problema da justificação do Estado tem sido por demais estudado. As teorias que o
justificam podem ser classificadas em profanas e teológicas. As primeiras tentam
demonstrar que somente o Estado está apto para garantir a defesa, a ordem e o
desenvolvimento dos indivíduos, apesar de a sua existência ocasionar a estes determinadas
desvantagens. As últimas partem da idéia de que o Estado resulta de uma vontade divina
(cf. Zippelius 1984, p. 255 e s.)
Ao lado das teorias que justificam o Estado, existem as teorias anarquistas, que negam a
necessidade de sua existência. São passíveis de crítica pelo seu exagerado otimismo, ao
atribuírem à sociabilidade, ao amor ao próximo, à razão, força suficiente para manter a
ordem na sociedade.
O Estado, dessa maneira, até que se crie algo que o substitua, é imprescindível à vida em
sociedade. Pode ele tentar moldar toda a comunidade, penetrando o máximo possível em
todos os aspectos da vida dos indivíduos, ou, ao contrário, eximir-se ao máximo dessa
tarefa, respeitando especialmente determinados aspectos da vida, considerados fora de suas
atribuições. Aquele se denomina Estado totalitário e, este, Estado liberal. A grande maioria
dos Estados encontra-se em algum lugar entre os dois tipos acima referidos, tendendo mais
para o totalitário.
É o nosso tempo caracterizado por acentuado nacionalismo. Trata-se de algo patente e que
não foi absolutamente previsto pelos pensadores dos séculos XVIII e XIX (para maiores
detalhes, cf. Jouvenel 1977, pp. 395-401). Em outras palavras, observa-se, atualmente, um
certo endeusamento do Estado. Devido à sua tendência totalitária, o Estado reduz ou
extingue a liberdade intrínseca dos indivíduos por meio de propaganda política, realizada
por meio do rádio, da televisão e da imprensa.
É evidente a inversão de valores predominante nos dias de hoje. Efetivamente, o Estado é
organização posterior ao homem. Ele não é fim em si mesmo, mas meio para a consecução
dos fins humanos, devendo, assim, respeitar os direitos de personalidade, que são inerentes
à natureza humana.
Entre os direitos de personalidade, sobressai, pela sua importância, o direito à vida, pois
dele dependem todos os demais direitos. Deve o direito à vida ser respeitado por todos,
inclusive, e especialmente, pelo Estado, que tem como atribuições suas prover a segurança
na sociedade, assim como combater possíveis causas da morte, como a miséria, a fome e as
endemias.
Nada justifica, num plano pré-jurídico, possa o Estado obrigar cidadãos seus a participar de
guerra – a não ser que se trate de legítima defesa individual ou coletiva -, pondo a própria
vida em risco. Infelizmente, a legislação de quase todos os países do mundo estabelece
sanções àqueles que se recusam a participar de guerra e, até, àqueles que se eximem de
prestar serviço militar em época de paz, mesmo que por fundada razão de consciência.
As guerras não são travadas com o objetivo maior de defender os interesses da coletividade.
Na maioria das vezes, seus objetivos são meramente políticos. Que sirva de exemplo a
guerra ocorrida na América do Sul em 1982, encetada pela Argentina contra a Inglaterra, a
fim de apoderar-se das Ilhas Malvinas. Visavam os militares argentinos, que a
promoveram, desviar a opinião pública daquele país dos desmandos que ali praticavam,
para perpetuar-se no poder. E o que dizer da primeira e da segunda guerras mundiais? E das
guerras da Coréia e do Vietnam? Teriam hoje os americanos motivos para se orgulhar da
morte, nas selvas do Vietnam, de concidadãos seus?
As guerras de nenhuma forma se justificam, mormente hoje que, com o desenvolvimento
da diplomacia e do Direito Internacional, os Estados dispõem de numerosos meios de
solução pacífica das suas controvérsias internacionais.
BIBLIOGRAFIA
JOUVENEL, Bertrand de. Los orígenes del Estado moderno – historia de las ideas políticas
en el siglo XIX. Trad. de Gerardo Novás Peleteiro. Madrid: EMESA, 1977.
SILVA, Geraldo Eulálio do Nascimento e ACCIOLY, Hildebrando. Manual de direito
internacional público. 15. ed. rev. e atual. por Paulo Borba Casella. São Paulo: Saraiva,
2002.
ZIPPELIUS, Reinhold. Teoria geral do Estado. Trad. de António Cabral de Moncada. 2. ed.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1984.
*Bacharel em Direito pela UFPE, Mestre em Direito pela SMU – EUA, Doutor em Direito
pela USP, Procurador da Fazenda Nacional, Professor na UnB e na UCB
Disponível em:
<http://www.mundojuridico.adv.br/sis_artigos/artigos.asp?codigo=487>. Acesso em:
21 jun. 2007.
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