Um Haiti para as Crianças e os Adolescentes
O Movimento Global pela Criança (Global Movement for Children) foi instituído como resultado da Sessão
Especial da Assembleia Geral das Nações Unidas sobre a Criança, em 2002. A seção sobre a América Latina e
o Caribe (GMC-CLAC) é composta por organizações já estabelecidas – redes e instituições –, que atuam em
nível regional para a promoção e proteção dos direitos humanos de crianças e adolescentes, no âmbito da
Convenção sobre os Direitos da Criança. Os membros atuais incluem: Aldeias Infantis SOS, Associação Cristã
dos Moços (ACJ-YMCA), Defence for Children International, Instituto Interamericano da Criança, Plan
International, REDLAMYC, Save the Children, UNICEF e Visão Mundial. Muitas de nossas organizações já
atuavam pelo desenvolvimento do Haiti, antes do terremoto, promovendo uma agenda comum em favor das
crianças e dos menos favorecidos. Após a tragédia de 12 de janeiro, acreditamos que nossa visão comum de um
Haiti para as Crianças e os Adolescentes e nossos esforços coletivos, em parceria com o povo haitiano, são o
mais importante. Unimos forças, no país e internacionalmente, para assegurar que as crianças e os
adolescentes sejam prioridade absoluta, tanto nas respostas às emergências de curto prazo quanto no processo
de reconstrução em longo prazo.
Visão do GMC-CLAC: Um Haiti para as Crianças e os Adolescentes
Nossa visão conjunta é um Haiti onde todas as crianças e os adolescentes tenham uma vida feliz e saudável, em
uma sociedade que coloca os interesses dessa parcela da população em primeiro lugar, onde suas vozes sejam
ouvidas e seus direitos humanos sejam assegurados e defendidos. Um Haiti onde os melhores interesses das
crianças, especialmente das mais pobres e vulneráveis, sejam assegurados e onde elas possam sobreviver,
florescer e desenvolver todo o seu potencial em uma família, uma comunidade e um ambiente seguros e
acolhedores, protegidas de todas as formas de violência. Um Haiti onde crianças e os adolescentes sejam parte
das soluções e protagonistas no desenvolvimento e na reconstrução de suas comunidades, sejam orgulhosos de
seu país e acreditem que há um futuro brilhante pela frente.
Essa visão será alcançada com a liderança do povo do haitiano e com o desenvolvimento do capital humano do
país. Nosso foco deve estar nas crianças e nos adolescentes, reconhecendo que eles são os agentes cruciais
para a mudança e protagonistas de seu próprio desenvolvimento. Além do mais, o investimento em crianças e
adolescentes tem maior retorno para toda a sociedade. A visão será alcançada por meio da construção de um
consenso entre todos os atores sociais relevantes, incluindo o Estado, organizações da sociedade civil e o setor
privado, para promover o melhor interesse de meninas e meninos, como de toda a sociedade do Haiti. Essa
visão será alcançada também por meio de instituições locais e nacionais, com a capacidade de articular
estruturas financeiras, políticas e legais em prol da infância, e de mecanismos de responsabilidade para
monitorar e fazer cumprir os acordos firmados. Tais mecanismos devem apoiar-se em um sistema de serviços
descentralizado e bem estruturado, envolvendo o Estado, sociedade civil e o setor privado, contando com
mecanismos de participação da comunidade na tomada de decisão, implementação e monitoramento.
Essa visão somente será alcançada com o apoio e o comprometimento em longo prazo da comunidade
internacional: um apoio que respeite a soberania do Haiti; fortaleça a capacidade, as conquistas e a resiliência
do povo haitiano; e respeite e valorize sua cultura e história.
Contexto
Crianças e adolescentes representam 43% da população do Haiti. Os jovens, com idades entre 15 e 24,
representam um quinto. Mesmo antes do terremoto, a situação dessa população já era crítica. De todas as
crianças do Haiti, 50% não frequentavam o ensino fundamental e menos de um quarto frequentava a pré-escola.
De cada 10 crianças, mais de quatro viviam na pobreza absoluta. E sete, de cada 10 crianças, suportavam
alguma forma de privação (alimento, saúde, educação, água potável, saneamento, abrigo e informação). Uma
em cada sete crianças morria antes de completar o seu o quinto aniversário. As crianças que sobreviviam eram
afetadas pela desnutrição aguda e crônica (atingindo, respectivamente, 10% e 22% de todas as crianças
menores de 5 anos). Mais da metade dos jovens de 20 anos não havia completado o ensino médio e quase 50%
dos que ingressaram no mercado de trabalho estavam desempregados. A falta de serviços de saúde,
informação, educação e aconselhamento familiar afetava negativamente a saúde dos jovens. O uso de
contraceptivos era o menor do hemisfério ocidental e, em algumas áreas, 44% das meninas tiveram um filho
antes dos 20 anos de idade. Violência era, para muitos, parte da vida cotidiana e era alto o número de casos de
abuso sexual de meninas.
Mas, ao mesmo tempo, vimos iniciativas promissoras no Haiti, incluindo um comprometimento crescente
do governo em priorizar a infância e a adolescência, e um movimento formado por crianças e
adolescentes para transformar seu país.
O Governo do Haiti ratificou a Convenção sobre os Direitos da Criança (CDC). O país também é signatário da
Convenção 138, sobre a idade mínima para trabalho infantil, e da Convenção 182, sobre a eliminação das piores
formas de trabalho infantil. A punição corporal de criança foi declarada ilegal em 2001. O Plano Nacional de
Proteção para Crianças Vulneráveis, de 2006-2011, trata da situação de crianças vivendo em circunstâncias
especiais, vítimas de tráfico de pessoas, em conflito com a lei, vítimas de desastres ou com deficiência. As
prioridades definidas no Documento Estratégico de Redução da Pobreza, aprovado em 2007, refletem o desejo
do governo em assegurar o bem-estar de crianças, incluindo o acesso à educação de qualidade, serviços
básicos de saúde e sustentabilidade econômica das famílias. Finalmente, diante do terremoto de 12 de janeiro, o
governo foi proativo em muitas frentes, incluindo a declaração da moratória das adoções em andamento, de
acordo com os protocolos internacionais.
Entretanto, o terremoto complicou consideravelmente a já difícil tarefa de assegurar o bem-estar da população
mais jovem do Haiti. Todos eles, vivendo nas áreas atingidas pelo terremoto ou não, sofrerão consequências
desse desastre. O mais de um milhão de crianças diretamente atingidas, muitos dos quais já em situação de
vulnerabilidade antes do terremoto, agora encaram riscos maiores devido à perda, à separação ou ao
desalojamento de suas famílias. Muitas estão expostas particularmente ao risco de desnutrição, doenças,
traumas psicológicos, abusos sexuais e outras violações de direitos. As crianças e adolescentes haitianos são
inteligentes e continuam esperançosos e confiantes. Muitos deles estão trabalhando para ajudar suas
comunidades no pós-terremoto e para transformar o país. Eles têm grandes contribuições para a sociedade, e a
comunidade internacional tem respondido: indivíduos, organizações não governamentais e governos têm
demonstrado solidariedade com as pessoas – e crianças – do Haiti. Fora o horror causado pelo tremor e suas
consequências, uma oportunidade sem precedentes tem surgido para construir um Haiti para as crianças e os
adolescentes.
A agenda que transforma
Nesse contexto, o conceito de “reconstruir melhor” não está em questão. As crianças haitianas necessitam e
merecem uma transformação de sua vida e de suas famílias, de suas comunidades e dos governos locais e
nacionais. Essa é uma questão moral e um comprometimento com os direitos humanos universais, mas é
também um investimento que trará benefício, em longo prazo, para toda a sociedade haitiana.
As crianças necessitam de uma resposta significativa, holística e internacionalmente sustentada para o crônico
subdesenvolvimento e disfunção da estrutura do Haiti. Uma resposta que reforce a responsabilidade das
instituições nacionais e internacionais; entregue serviços sociais básicos; invista no aumento da produção e no
investimento em segurança financeira das famílias mais pobres; reforce a capacidade de reconstrução das
comunidades atingidas pelo terremoto; fortaleça a estrutura social; e aumente o poder das famílias para que
cuidem de suas crianças e as protejam.
Princípios para a Comunidade Internacional
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Um processo participativo legítimo deverá ser estabelecido para identificar prioridades imediatas e de
longo prazo.
Resposta emergencial e atividades de reconstrução devem ser dirigidas por uma agenda em prol da
criança, considerando suas necessidades particulares e sua participação, e que garanta um elemento
integral de redução de risco.
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Os cidadãos devem ser encorajados a comprometer-se com seus governos em um processo
transparente para que, em conjunto, definam uma resposta emergencial e de desenvolvimento de longo
prazo. Procedimentos especiais devem ser adotados para garantir que mulheres sejam incluídas nesse
processo.
As instituições estatais, nos níveis central e locais, devem ser fortalecidas e habilitadas a cumprir suas
funções essenciais de supervisionar os investimentos diretos na recuperação da comunidade e dos
principais serviços sociais para as crianças e suas famílias; garantir a adoção e a aplicação de um
quadro jurídico em conformidade com a Convenção sobre os Direitos da Criança; e estabelecer órgãos
reguladores e mecanismos de responsabilização.
Uma base de proteção social deve ser criada, garantindo o acesso a serviços básicos e a transferência
de renda para auxílio familiar, garantindo um meio de vida seguro para cada criança haitiana.
Assegurar a promoção da igualdade de gênero e o aumento de poder para meninas e mulheres em
todas as atividades de reconstrução.
Objetivos primordiais para a infância e adolescência
1. A maior prioridade deve ser dada ao desenvolvimento de um sistema educacional gratuito,
inclusivo, de alta qualidade, que garanta oportunidades de aprendizagem e desenvolvimento
desde a primeira infância até a adolescência, em que o Estado tenha a capacidade de realizar seu
papel normativo e regulador com todos os provedores da educação.
2. Fortalecimento dos sistemas e mecanismos de proteção à infância em todas as entidades
públicas e privadas que lidam com as necessidades de crianças e adolescentes, especialmente
aqueles que se tornaram mais vulneráveis devido ao terremoto.
3. Garantir o acesso universal a cuidados básicos de saúde para cada criança, adolescente e suas
famílias, incluindo nutrição materno-infantil, saúde sexual e reprodutiva e proteção contra o
HIV/aids.
4. Assegurar a participação de crianças e adolescentes no planejamento e reconstrução do
presente e do futuro do Haiti.
Embora esses princípios e metas sejam amplos e ambiciosos, eles refletem as aspirações globais incorporadas
nos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) e no âmbito dos direitos humanos, com os quais o Haiti já
está comprometido. Outros fatores na agenda global de desenvolvimento do Haiti – como assegurar termos de
comércio favoráveis, o fortalecimento de políticas fiscais e econômicas, o compromisso de realizar reformas
institucionais por meio de apoio financeiro e amplo investimento no setor, a promoção da segurança, justiça e da
legislação – impactarão no bem-estar das crianças haitianas. Tais fatores devem ser considerados em todas as
iniciativas apoiadas pela comunidade internacional, respeitando sempre as decisões, iniciativas e o papel central
do Estado e da sociedade haitiana. Um indicador chave do êxito de qualquer iniciativa e política deveria ser a
melhoria do bem-estar das crianças. Um Haiti para as crianças e os adolescentes é um país para todos os
seus cidadãos.
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