APONTAMENTOS DE
TECNOLOGIA DOS PRODUTOS FLORESTAIS
- HIGROSCOPICIDADE DA MADEIRA -
MARIA EMÍLIA CALVÃO MOREIRA DA SILVA
UTAD
2010
1 - A ESTRUTURA FÍSICO-QUÍMICO DA FIBRA LENHOSA
1.2 - ESTRUTURA DA PAREDE CELULAR
A complexidade da composição química da parede celular da madeira estende-se
igualmente à sua estrutura física, principalmente no que diz respeito à fracção celulósica
(JANE, 1970).
A deposição dos compostos orgânicos na parede celular durante o desenvolvimento
da célula não se faz de uma forma desordenada. De facto, a maior parte da celulose
existente na parede celular não se encontra como moléculas em cadeia isoladas
aparecendo, antes pelo contrário, organizada em estruturas idênticas a um "feixe"
denominadas microfibrilas (JANE, 1970; HAYGREEN et al., 1982; TSOUMIS,1969, 1991). Segundo
alguns autores, (KOLLMANN et al., 1968; PEÑA, 1986; FENGEL et al., 1989) não são as moléculas
de celulose isoladas que constituem uma microfibrila antes disso, elas organizam-se em
grupos de aproximadamente 40 cadeias de celulose formando, unidades denominadas
fibrilas elementares, com diâmetro médio de 3,5µm.
No entanto, e dado que a estrutura mais pequena da parede que pode ser observada
ao microscópio electrónico é a microfibrila, esta é vulgarmente considerada a estrutura
elementar da parede celular (TSOUMIS, 1991).
Apresentando uma forma cilíndrica, o diâmetro das microfibrilas é variável,
situando-se entre os 10-30µm (FENGEL et al., 1989; TSOUMIS, 1991).
As microfibrilas são, então, constituídas por um conjunto de moléculas de celulose
que, de um modo geral, se encontram orientadas segundo o eixo das microfibrilas. No
entanto, só em determinadas regiões é que estas moléculas de celulose são paralelas entre
si. Nestas regiões, chamadas regiões cristalinas ou cristalites, as moléculas de celulose
encontram-se fortemente ligadas entre si através de pontes de hidrogénio (Figura 1).
Ponte de hidrogénio
H
(+)
O
(-)
(-)
(+)
H
Molécula
de celulose
O
Molécula
de celulose
Figura 1 - Representação esquemática das ligações por pontes de hidrogénio que se estabelecem
nas regiões cristalinas das microfibrilas (Adaptado de GALVÃO et al., 1985).
2
O paralelismo característico das regiões cristalinas é interrompido por outras onde
as moléculas de celulose se encontram dispostas de um modo desorganizado, isto é, não
paralelas e não ligadas entre si. Estas regiões são denominadas regiões amorfas ou
paracristalinas.
Na Figura 2 pode observar-se de uma forma esquematizada, a estrutura de uma
microfibrila com as regiões amorfas e cristalinas.
Moléculas de Celulose
Microfibrila
Regiões Amorfas
Regiões Cristalinas
Figura 2 - Representação esquemática da estrutura de uma microfibrila (Adaptado de HAYGREEN et al.,
1982)
O grau de cristalização (quantidade relativa de regiões cristalinas e amorfas) das
microfibrilas é variável. No entanto, de um modo geral ele é alto. Segundo alguns autores
(STAMM, 1964; WINANDY et al., 1984; TSOUMIS, 1969, 1991), cerca de 2/3 da celulose encontra-se
mais ou menos cristalina e só o restante 1/3 é que está na forma amorfa.
Quer dentro das microfibrilas quer entre elas existem espaços que ocupam
respectivamente 1µm e 10µm . Estes espaços encontram-se totalmente ou em parte
ocupados por uma matriz de hemiceluloses e lenhina onde as microfibrilas de celulose
estão embebidas (SCHNIEWIND et al., 1991).
Segundo STAMM (1964) e JANE (1970), as hemiceluloses aparentemente servem de
agente de ligação de microfibrilas, papel que KOLLMANN et al. (1968) sugerem que seja
temporário e antes da lenhificação.
3
1.2.1
- ORIENTAÇÃO DAS MICROFIBRILAS
A parede celular da madeira não é homogénea e uniforme. Na realidade, ela é
constituída por uma série de camadas concêntricas com composição química e estrutura
diferentes (STAMM, 1964)
Quando uma fibra acaba de ser formada, ela possui uma parede muito fina originada
no próprio câmbio. Esta parede é chamada parede primária (P) e é caracterizada por
possuir um arranjo aleatório de microfibrilas orientadas mais ou menos transversalmente
ao eixo da fibra (KOLLMANN et al., 1968).
Apesar de inicialmente ser constituída quase exclusivamente por celulose, esta
parede sofre, durante o processo de maturação da célula, uma intensa lenhificação. De
facto, o conjunto da lamela média (substância intracelular formada por lenhina que serve
de união entre células adjacentes) com a parede primária contém a maior parte da lenhina
existente na parede celular. Cerca de 90% e 60% da lenhina da madeira de resinosas e
folhosas, respectivamente, está concentrada na lamela média e na parede primária
(KOLLMANN et al., 1968).
O processo de engrossamento da parede faz-se por deposição de compostos
orgânicos na parte interior da parede primária, ou seja, junto ao lúmen da célula,
formando-se assim uma nova camada chamada parede secundária (Figura 3).
Dentro desta parede podemos distinguir, em situações normais, três camadas cujos
ângulos de inclinação das microfibrilas e composição química são diferentes. Deste modo,
junto à parede primária, isto é, a camada mais externa da parede secundária, encontra-se a
S 1.
Esta camada, apresenta-se muito fina (0,1-0,2µm), exibindo um arranjo das microfibrilas
helicoidal com ângulos de inclinação de 50 a 70˚ em relação ao eixo longitudinal da fibra
(KOLLMANN et al., 1968; PARHAM et al., 1984).
Figura 3 - Aspecto esquemático da parede celular com as diferentes camadas e orientação das
microfibrilas. M - Lamela média; P - Parede primária; S1, S2, S3 - Parede secundária.
(Adaptado de PANSHIN e DE ZEEUW, 1964)
4
Interiormente à S1 existe uma camada intermédia (S2) que é a mais espessa da parede
secundária (60-70µm). Nesta camada, tal como referem KOLLMANN et al., (1968) e TSOUMIS,
(1969, 1991),
as microfibrilas apresentam um elevado grau de paralelismo fazendo um
ângulo com o eixo longitudinal da fibra que pode variar entre 10˚(lenho final) a 30˚ (lenho
inicial).
A grande representatividade da S2 no total da parede celular (cerca de 80% para as
resinosas e ligeiramente menos para as folhosas), faz com que muitas das propriedades
físico-mecânicas da madeira estejam bastante associadas às características desta camada
(KOLLMANN et al., 1968; TSOUMIS, 1969; PARHAM et al., 1984).
A camada mais interior, ou seja aquela que se encontra a rodear o lúmen (S3), é
muito similar à S1 apesar de ser ligeiramente mais fina e apresentar as microfibrilas com
ângulos de inclinação superiores (60 a 90˚), (PARHAM et al., 1984; TSOUMIS, 1991).
A transição entre as diferentes camadas da parede celular faz-se de um modo
gradual, podendo distinguir-se entre elas diferentes lamelas de microfibrilas com
variações na sua inclinação, de modo a que a transição entre camadas (P, S1, S2 e S3) seja
suave (KOLLMANN et al., 1968). A esquematização dessa transição é apresentada na Figura 4.
Camada externa
Camada interna
(P2)
(P1)
Parede Primária
Camada Interna da
Parede Secundária
Camada Externa da
Parede Secundária
(S1)
(S3)
Camada de transição
entre a S2 e S3
Camada Média da
Parede Secundária
Camada de transição
entre a S1 e S2
(S2)
Figura 4 - Diagrama representativo da organização da parede típica de uma célula de resinosa.
(Adaptado de WARDROP et al., (1963) tal como mostra KOLLMANN et al. (1968))
No respeitante à composição química, também a proporção dos componentes
orgânicos (celulose, hemicelulose e lenhina) é variável nas diferentes camadas que
5
compõem a parede celular.
Assim, e em relação ao total da parede de uma célula típica de resinosa, o conjunto
da lamela média e da parede primária possuem 8,9% da lenhina existente, 1,4% das
hemiceluloses e uma quantidade muito pequena de celulose (0,7%). É na parede secundária
que está concentrada a grande parte da celulose, principalmente na camada S2, que possui
32,7%
deste carbohidratado comparativamente aos 6,1% da S1 e 0,8% da S3 . Em relação às
hemiceluloses e lenhina, a S1 contém, respectivamente 3,7% e 10,5%. Na S2, o teor de
hemiceluloses aumenta para valores de 18,4% e os de lenhina baixam para 9,1%. A camada
S3 é
constituída fundamentalmente por celulose (0,8%) e hemiceluloses (5,2%) sendo o teor
de lenhina extremamente baixo (WINANDY et al., 1984).
Na Figura 5 está representada a percentagem de cada um dos compostos orgânicos
que constituem a madeira nas diferentes camadas da parede celular de uma célula de
folhosa.
Lenhina
Hemiceluloses
Celuloses
S1
S2
S3
M+P
Figura 5 - Distribuição relativa dos compostos orgânicos, lenhina, celulose e hemiceluloses, nas
diferentes camadas da parede celular de uma resinosa.
(Adaptado de PANSHIN e DE ZEEUW, 1970)
SITUAÇÕES PARTICULARES
Os aspectos relacionados com a parede celular que foram mencionados nos pontos
anteriores dizem respeito a situações de formação do lenho "normais", isto é: a estrutura
6
da parede celular referida é aquela que podemos encontrar numa célula média do lenho
dito "normal".
Há, no entanto, situações em que, quer as microfibrilas, quer a própria estrutura da
parede se afastam da descrição feita.
De facto, durante o crescimento da árvore, ocorre inúmeras vezes a formação de
lenhos de reacção. Estes lenhos, denominados de lenho de compressão para as resinosas e
lenho de tracção para as folhosas, apresentam uma estruturação da parede celular
diferente.
Assim, as microfibrilas da camada S2 da parede secundária nas fibras do lenho de
compressão apresentam um ângulo de inclinação anormalmente grande (cerca de 45˚)
comparativamente ao lenho normal. KOLLMANN et al. (1968) referem a presença, ao longo
de toda a extensão desta camada, de fendas com orientação helicoidal, seguindo de um
modo geral a inclinação das microfibrilas. A camada S3 raramente se forma, e a S1
apresenta-se mais fina que no lenho "normal" (STAMM, 1964; KOLLMANN et al., 1968).
Em relação à composição química, verifica-se que a celulose, para além de diminuir
em cerca de 20-25% o seu teor, apresenta-se menos cristalizada. O teor de lenhina, apesar
de na lamela média diminuir, aumenta no total 30 a 40% devido a uma intensa lenhificação
das camadas S1 e S3 (KOLLMANN et al., 1968; PARHAM et al., 1984).
No caso do lenho de tensão, a grande diferença na parede celular, comparativamente
ao lenho "normal", reside na formação de uma camada gelatinosa (camada G) na parede
secundária. Esta camada G é caracterizada por possuir microfibrilas quase paralelas ao
eixo da fibra (ângulos inferiores a 5˚), constituídas fundamentalmente por celulose pura
com elevada organização cristalina. O aspecto mole ou gelatinoso é-lhe conferido pelo
baixo teor de lenhina que apresenta (JANE, 1970; HAYGREEN et al., 1982).
A localização da camada G na parede secundária é variável, não se formando sempre
em todas as fibras na mesma sequência de camadas. Nalgumas, ela aparece logo a seguir à
S 1,
não se formando nem a S2 nem a S3. Neste caso, a parede celular, aparece com a
sequência P, S1 e G. Há, no entanto, outras fibras de tensão que podem apresentar a camada
G
só depois de se formar a S2 (P, S1, S2 e G), ou então depois de a parede secundária estar
com todas as camadas formadas (P, S1, S2, S3 e G) (KOLLMANN et al., 1968; JANE, 1970;
HAYGREEN et al., 1982; PARHAM et al., 1984).
Mas não é só nos lenhos de reacção que a estrutura da parede celular apresenta
variações. Também as células que se formam durante o período juvenil da árvore são
estruturalmente diferentes das formadas durante a fase adulta.
A grande diferença reside na maior inclinação das microfibrilas da camada S2 nas
7
células de lenho juvenil, que vai diminuindo à medida que caminhamos para o lenho
adulto. Deste modo, e em situações normais, verifica-se uma diminuição do ângulo de
inclinação das microfibrilas da S2 da medula para a periferia.
Segundo PANSHIN e
DE ZEEUW (1970),
a razão para este maior ângulo das
microfibrilas do lenho juvenil poderá estar associado à frequente ocorrência de lenho de
reacção nesta fase de crescimento da árvore. De facto, ZOBEL e
VAN BUIJTENEN (1989),
referem que o lenho de reacção está fortemente associado ao lenho juvenil, sendo difícil a
sua separação visto as propriedades destes dois tipos de lenho serem muito similares.
1.3-ORIENTAÇÃO DA FIBRA NA ÁRVORE - O FIO DA MADEIRA
Em situações normais de crescimento das árvores, as fibras apresentam uma
tendência para um alinhamento paralelo ao eixo de crescimento do tronco. No entanto, e
como tudo no mundo da biologia e dos seres vivos, também o arranjo das fibras na árvore
pode apresentar variações com consequências negativas para as características físicas e
mecânicas da madeira.
De facto, situações há em que o arranjo das fibras na árvore é feito segundo um
ângulo mais ou menos acentuado em relação ao seu eixo de crescimento, ficando os
elementos longitudinais do xilema dispostos numa espiral orientada da medula para a
periferia, sendo nesta zona do tronco menos acentuada do que na parte central. Nesta
situação, diz-se que a madeira apresenta fio inclinado, sendo fio da madeira a inclinação
da disposição das fibras na árvore. O lenho juvenil é um exemplo de uma dessas
situações. Comparativamente ao lenho adulto o lenho juvenil apresenta uma maior
tendência para a formação de fio inclinado (HAYGREEN et al., 1982).
Segundo HARRIS (1989), é o arranjo e orientação das células iniciais do câmbio que
determina, em larga medida, a posição relativa e arranjo dos elementos do xilema na
árvore. De facto, pensa-se que que será uma divisão anticlinal das iniciais do câmbio feita
sempre na mesma direcção que produzirá inclinação do fio da madeira (HAYGREEN et al.,
1982).
As causas que levam a árvore a sofrer estas divisões anticlinais "anormais" não são
ainda hoje certas (TSOUMIS, 1991). No entanto, e segundo HARRIS (1989) "há muitas
probabilidades do fio inclinado ser determinado pela hereditariedade da árvore apesar da
sua expressão poder ser realçada, em grande parte, pelas condições ambientais de
crescimento".
Nalguns casos, a direcção do alinhamento das fibras é alternada, isto é: durante uns
8
anos, o ângulo de inclinação tem uma determinada orientação, passando depois a ter outra
inversa. Nestas condições o fio denomina-se fio reverso que, tal como o fio inclinado, é
um defeito grave da madeira visto alterar a sua resistência mecânica e retracções.
Tal como refere HARRIS(1989), apesar de a inclinação do fio ser um defeito grave sob
o ponto de vista da utilização da madeira, para a árvore ele será um atributo normal que
lhe permite um melhor e mais equilibrado crescimento e desenvolvimento. Caso contrário,
o processo natural de selecção já teria eliminado as árvores que apresentassem tal
característica.
9
2 - HIGROSCOPICIDADE DA MADEIRA
2.1-FORMAS EM QUE A ÁGUA ESTÁ NA MADEIRA
Fazendo parte integrante da constituição química da matéria prima lenhosa, existe
sempre na madeira a chamada água de constituição. Na realidade, ela não é
verdadeiramente água até à ocorrência de combustão. Só então, por quebra das ligações
entre o oxigénio e hidrogénio de dois grupos hidróxilo é que se forma uma molécula de
água (STAMM, 1964).
Mas, para além desta água de constituição que não entra na contabilização da
humidade da madeira, existe também a chamada água de embebição presente nas paredes
celulares e ligada à madeira através de ligações químicas, e aquela que, sob a forma
líquida ou vapor de água, se encontra nos lúmenes das células, sendo denominada água
livre.
Começando pela água de embebição, podemos dizer que ela é basicamente
ocasionada pelos grupos hidróxilos (OH) que existem na estrutura, particularmente na
celulose e hemiceluloses que constituem a parede celular. São estes radicais que atraem e
retêm as moléculas de água através de pontes de hidrogénio (SKAAR, 1972; GALVÃO et al.,
1985).
Tal como foi referido, os radicais OH, ao serem polares, têm uma distribuição
desigual da carga eléctrica, possuindo o átomo de oxigénio carga positiva e o de
hidrogénio carga negativa. Por outro lado, também as moléculas de água são polares, com
cargas residuais positivas do lado do hidrogénio e negativas do lado do átomo de oxigénio
(Figura 6).
Átomo de hidrogénio
(+)
(+)
105˚
(+)
(-) (-)
(-)
Átomo de oxigénio
Radical Hidroxilo
(OH)
Molécula de Água
(H2O)
Figura 6 - Representação esquemática do radical hidróxilo e da molécula de água mostrando a
sua polaridade (Adaptado de GALVÃO et al., 1985).
Nas regiões amorfas das microfibrilas, ao contrário do que se passa nas regiões
10
cristalinas, os grupos OH não se encontram ligados entre si, estando portanto livres e
acessíveis às moléculas de água permitindo, através de pontes de hidrogénio, o
estabelecimento de ligações entre eles. Este fenómeno de entrada de água na parede
celular por atracção entre moléculas é chamado de adsorção que, em oposição, possui a
dessorção ou seja, a saída de água ligada á madeira por atracção molécular. O conjunto
dos dois (adsorção e dessorção) formam os fenómenos de sorção.
A adsorção não pode ser confundida com o fenómeno de entrada de água num
sólido poroso (como por exemplo uma esponja) por condensação capilar resultante de
forças de tensão superficial, e que é, neste caso, denominado absorção (WALKER et al.,
1993).
Como resultado da adsorção forma-se, então uma camada monomolecular de água
entre as cadeias de celulose, conduzindo ao seu afastamento nas regiões amorfas e entre
regiões cristalinas das microfibrilas. Posteriormente, por acumulação de mais camadas de
moléculas de água, dá-se a adsorção polimolecular, continuando o afastamento das
cadeias de celulose (Figura 7). Este afastamento tem como resultado a alteração de
dimensões da madeira que mais tarde abordaremos.
A
B
Figura 7 - A água na madeira. A ligação das moléculas de água aos grupos hidroxilos livres
das cadeias de celulose.
A - Adsorção monomolecular. B - Adsorção polimolecular.
(Adaptado de TSOUMIS, 1991)
NOVES et al. (1992)
chamam a atenção para o facto de não ser necessário que a
adsorção monomolecular esteja completa para que comece a polimolecular. De facto, este
autor refere que o fenómeno de adsorção é um processo contínuo onde ocorre uma
11
justaposição das diferentes fases que o compõem.
Quando as paredes celulares estão completamente saturadas de água, ou seja,
quando se atinge o máximo de adsorção polimolecular, então a água que entra para a
célula passa a localizar-se no lúmen. Tal como refere SKAAR (1972), é exactamente no
momento em que cessa a entrada de água de embebição e começa a entrada de água livre
que a madeira atinge o chamado ponto de saturação das fibras.
O ponto de saturação das fibras é uma referência importante nas relações da água
com a madeira. De facto, quando a madeira verde se encontra num processo de secagem,
não há alteração apreciável das suas propriedades mecânicas até que é atingido o ponto de
saturação das fibras. Até esta altura, a água que é removida é aquela que se encontra
absorvida, ou seja, a água localizada nos espaços intercelulares que facilmente é
evaporada sem que seja necessário o fornecimento de muita energia. Só quando começa a
remoção da água adsorvida, isto é, a retida nas paredes celulares, é que a madeira começa
a contrair (WALKER et al., 1993) e as suas propriedades mecânicas são alteradas.
A remoção da água abaixo do ponto de saturação das fibras faz-se com maior
dificuldade, sendo necessárias maiores quantidades de energia para quebrar as ligações
existentes entre as moléculas de água (adsorção polimolécular) ou entre as elas e os
grupos hidróxilos (adsorção monomolecular).
Pelo que foi dito atrás, fica claro que a reactividade higroscópica da madeira está,
em primeiro lugar, dependente da quantidade de grupos hidróxilos livres existentes na
parede celular, não só nas moléculas de celulose, mas também nas de hemiceluloses ou
lenhina.
CHRISTENSEN e KELSEY (1959), citados
por SCHNIEWIND e BERNDT (1991), determinaram
a higroscopicidade de cada um dos principais componentes da madeira de Eucalyptus
regnans concluindo que, apesar de as hemiceluloses serem os compostos mais
higroscópicos e a lenhina a menos higroscópica, é a celulose que, dada a sua
representatividade na parede celular, mais contribui para a adsorção de água pela madeira.
Segundo os autores, 47% da água adsorvida é devida à celulose, sendo a proporção devida
às hemiceluloses e lenhina de 27% e 16% respectivamente (Figura 8).
12
60
Humidade de equilíbrio (%)
50
40
Hemiceluloses
30
Celulose
20
10
Lenhina
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
100
Humidade relativa (%)
Figura 8 - Isoterma higroscópica de adsorção para os componentes da madeira de Eucalyptus
regnans (Adaptado de GALVÃO et al., 1985).
Pela observação do gráfico apresentado verifica-se que a proporção com que os
diferentes compostos orgânicos estão presentes na madeira influencia em grande medida a
sua higroscopicidade.
2.2 - HUMIDADE DE EQUILÍBRIO DA MADEIRA
A humidade da madeira tende a atingir um teor onde ocorre o equilíbrio dinâmico
com a humidade relativa da atmosfera (GALVÃO et al., 1985).
A madeira exposta, por um período de tempo suficiente, a temperaturas e humidades
relativas constantes, dessorve ou adsorve humidade, dependendo das condições
higrométricas que a rodeiam, estabilizando por fim, com determinado teor de humidade
(aproximadamente 12%). Este teor de humidade que a madeira possui quando cessam as
trocas com o meio ambiente denomina-se humidade de equilíbrio da madeira, ocorrendo
sempre, salvo em condições de saturação, a humidades inferiores à do ponto de saturação
das fibras (NOVES et al., 1992).
Para as mesmas condições de exposição, a humidade de equilíbrio da madeira varia
com a espécie, com a localização da peça de madeira no tronco (cerne e borne), com o
tipo e proporção dos constituintes da parede celular e com o teor de extractivos (SKAAR,
1988).
13
No entanto, a humidade relativa ou a pressão relativa de vapor do ambiente é o
factor que mais influencia a humidade de equilíbrio da madeira (GALVÃO et al., 1985; SKAAR,
1988).
A relação existente entre estas duas humidades, a uma temperatura constante, é
representada por uma curva sigmoidal. Quando a humidade relativa aumenta, também
aumenta a humidade de equilíbrio. Esta relação está representada na Figura 9.
30
Humidade de equilíbrio (%)
25
20
20
50
80
15
˚C
˚C
˚C
10
5
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
100
Humidade relativa (%)
Figura 9 - Curvas isotérmicas higroscópicas mostrando a relação entre a humidade relativa e
a humidade de equilíbrio a diferentes temperaturas. (Adaptado de GALVÃO et al., 1985)
A forma sigmoidal da relação das duas humidades é-lhe conferida pelo facto de as
forças de ligação da água à madeira se tornarem maiores à medida que o teor de humidade
da madeira diminui, isto porque se passa de uma situação de adsorção polimolecular para
adsorção monomolecular, onde as ligações das moléculas de água aos grupos hidróxilos
são mais fortes. Assim, para a mesma variação da humidade relativa do ar, corresponde
uma maior variação da humidade da madeira quando o seu teor de água é elevado
comparativamente quando ele se aproxima do 0% de humidade. Dito de outro modo,
quando a madeira se encontra próxima do ponto de saturação das fibras, é necessária
menor quantidade de energia para que se liberte determinado número de moléculas de
água do que quando ela está num estado próximo do anidro.
Também a temperatura produz alterações na humidade de equilíbrio da madeira,
podendo, segundo SKAAR (1988), distinguir-se dois efeitos. Um primeiro, de carácter
temporário e reversível, é a redução da humidade de equilíbrio para determinada
14
humidade relativa. O segundo, consiste na redução permanente da higroscopicidade da
madeira quando volta à temperatura normal. A intensidade desta redução depende da
temperatura e da duração de exposição a que a madeira ficou sujeita.
Esta redução da higroscopicidade, de acordo com STAMM (1964), está associada à
parcial decomposição da estrutura da madeira, nomeadamente à termodecomposição das
hemiceluloses que, de entre os principais constituintes da madeira, são os mais
higroscópicos.
As condições anteriores a que a madeira esteve sujeita também interferem na sua
humidade de equilíbrio. De facto, ela é diferente quando a madeira parte de um estado
verde e entra num processo de dessorção, ou se esta libertação da água se dá após a
madeira já ter passado por um processo de adsorção (SKAAR, 1984).
Observando o gráfico da Figura 10 verifica-se que, para a mesma humidade relativa,
uma madeira que esteja num processo de dessorção, isto é, a libertar água, apresenta
humidades de equilíbrio superiores se o faz partindo de uma situação de verde ou depois
de ter sido seca e voltar a adsorver água. Por outro lado, as curvas de dessorção são
sempre superiores ás de adsorção, significando isto que, para a mesma humidade relativa,
a humidade de equilíbrio da madeira em dessorção é superior à apresentada em adsorção.
30
Dessorção Inicial
Humidade de Equilíbrio (%)
25
20
15
10
Adsorção
Segunda Dessorção
5
Histerésis
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
100
Humidade Relativa (%)
Figura 10 - Isotermicas higroscópicas para a madeira de mogno, mostrando a ocorrência de histerésis
(Adaptado de GALVÃO et al., 1985)
O fenómeno inerente a esta discrepância das curvas de dessorção e adsorção é
denominado por histerésis da madeira e resulta da menor acessibilidade da água
adsorvida aos grupos hidroxilos depois de a madeira ter sido seca (WALKER et al., 1993). De
15
facto, quando é retirada toda ou parte da humidade da madeira, há uma aproximação dos
constituintes da parede celular permitindo o estabelecimento de ligações, por pontes de
hidrogénio, entre eles. Deste modo, quando se dá a adsorção de água, o número de grupos
hidróxilos disponíveis para a sua ligação à parede celular é menor (STAMM, 1964).
A histerésis está unicamente associada à água adsorvida pela parede celular (água de
embebição), não sendo nunca afectada pela água livre localizada nos espaços celulares
(WALKER et al., 1993).
A razão existente, para a mesma humidade relativa, entre as humidades de equilíbrio
em dessorção e adsorção chama-se coeficiente de histerésis. De acordo com WALKER et al.
(1993),
regra geral, e para a maior parte das madeiras, este coeficiente está compreendido
entre os 0,8 e 0,85 para uma humidade relativa de 0,1 a 0,9 .
3 - INSTABILIDADE DIMENSIONAL DA MADEIRA: RETRACÇÃO E EXPANSÃO
Um dos problemas práticos mais importantes que ocorre durante a utilização da
madeira refere-se à variação de dimensões e volume (expansão ou retracção) que ela sofre
como resultado da sua higroscopicidade, ou seja, da atracção ou cedência de humidade à
atmosfera envolvente.
De uma maneira geral pode dizer-se que à medida que a madeira perde água ela
retrai, ao passo que, quando ganha humidade, expande (GALVÃO et al., 1985).
No entanto, nem toda a água presente na madeira contribui para esta variação de
dimensões. De facto, só a água correspondente à dessorção ou adsorção higroscópica
localizada nas paredes celulares, isto é, aquela situada entre o ponto de saturação das
fibras e o 0% de humidade é que provoca alteração dimensional da madeira. A água que
possa entrar acima do ponto de saturação das fibras (e portanto se localize nos lúmenes ou
espaços intercelulares), apesar de alterar algumas das características da madeira, não
interfere nas suas dimensões.
Basicamente, a retracção da madeira em dessorção é causada pela contracção das
microfibrilas que ocorre quando a água é libertada por quebra das ligações entre as suas
moléculas e os radicais OH existentes nas cadeias de celulose (SADOH et al., 1967).
De facto, quando a madeira está no ponto de saturação das fibras, as cadeias de
celulose que formam as microfibrilas da parede celular encontram-se afastadas uma das
outras pelas moléculas de água que a elas estão ligadas. Quando, durante o processo de
secagem da madeira esta água é evaporada, há uma aproximação dessas cadeias, dando-se
16
a contracção das microfibrilas que, por sua vez, provoca a contracção da madeira. Deste
modo, a retracção da madeira será o resultado do somatório de todas as retracções
elementares de cada parede celular, sendo a sua magnitude, geralmente, proporcional à
quantidade de água perdida abaixo do ponto de saturação das fibras (HAYGREEN et al., 1982;
SKAAR, 1988; WALKER et al., 1993).
A expansão da madeira dar-se-á segundo o processo
inverso ao da secagem.
Tal como referem KOLLMANN et al. (1968), GALVÃO et al. (1985) e TSOUMIS (1991), a
relação entre a variação de dimensões e a quantidade de água presente na madeira pode
ser considerada linear até valores de humidade próximos do ponto de saturação das fibras.
No entanto, SKAAR (1988) chama a atenção para o facto de, apesar de na prática ser
corrente e conveniente esta aproximação da relação entre as duas variáveis á linearidade,
quando se controlam as dimensões de uma peça de madeira a diferentes humidades
verifica-se que a relação entre as duas não é linear sendo antes representada por uma
curva suavemente sigmoidal tal como pode ver-se na Figura 11.
Volume (cm3)
10
9
8
7
10
20
30
Humidade da madeira (%)
Figura 11 - Curvas de volume em função da humidade da madeira
(Adaptado de KEYLWERTH (1964), citado por SKAAR, (1988))
Segundo o mesmo autor, a explicação para esta não linearidade deve-se ao facto de
durante a adsorção inicial, (4% a 5% de humidade da madeira), as primeiras moléculas de
água a entrarem na parede celular ocuparem espaços existentes entre as cadeias de
celulose sem que se liguem aos radicais OH livres, não contribuindo, portanto, para a
variação de dimensões da madeira. Entre os 5% e os 25% de humidade da madeira, a
relação entre esta e a variação de dimensões é realmente linear e acima dos 25%, havendo
um decréscimo na variação de dimensões talvez devido à condensação capilar que ocorre
17
nas microcavidades presentes na parede celular ou ás tensões de expansão que podem
verificar-se e que tendem a reduzir a expansão total.
3.1 - ANISOTROPIA HIGROSCÓPICA DA MADEIRA
A variação dimensional da madeira que ocorre durante o fenómeno de sorção não é
igual em todas as direcções estruturais da madeira. Na realidade, e segundo SKAAR (1988) e
WALKER et al., (1993), uma
madeira "normal" que passe de uma condição de verde a seco, as
variações longitudinais são muitíssimo menores que as transversais e, dentro destas, as
radiais são 1,5 a 2,5 vezes menores que as tangenciais.
Como exemplo, WALKER et al., (1993) apresentam valores médios de variação da
dimensão longitudinal de 0,1 - 0,3%, da radial de 2 - 6% e da tangencial de 5 - 10%.
Na Figura 12 estão representadas, de uma forma esquematizada, as retracções que
uma peça de madeira pode apresentar dependendo da sua forma, direcção estrutural e
posição no tronco.
Neste esquema são notórias as implicações que estas diferenças de variação de
dimensões podem ter na utilização da madeira se não houver um conhecimento profundo
do comportamento dimensional da madeira em causa. As causas dessa anisotropia, apesar
de diferentes estão, todas elas, relacionadas com a anisotropia quer da fibra lenhosa quer
do conjunto de fibras e tecidos que formam a madeira.
Figura 12 - Aspecto da alteração da forma transversal de diferentes peças de madeira devida à anisotropia
de retracções. (Adaptado de U.S. Department of Agriculture (1974) por GALVÃO et al., 1985)
18
Para uma mais fácil exposição e compreensão dessas causas vamos inicialmente ver
as razões para a diferença existente entre as variações de dimensões longitudinais e
transversais, e depois, dentro destas, o porquê da diferença entre a variação da dimensão
radial e tangencial.
3.1.1
- DIFERENÇA ENTRE A VARIAÇÃO DE DIMENSÕES LONGITUDINAL E TRANSVERSAL
Segundo GALVÃO et al. (1985), a diferença entre a variação de dimensões longitudinal
e transversal reside, basicamente, na disposição das microfibrilas na parede celular, e no
facto de a água adsorvida ou dessorvida entre moléculas de celulose, nas regiões amorfas
das microfibrilas, causar a sua expansão ou retracção perpendicularmente ao eixo da fibra.
Tal como foi referido, a parede celular é constituída por diferentes camadas com
espessuras e disposição das microfibrilas diferentes. Assim, a camada média da parede
secundária (S2), ao ser a mais espessa, é a mais representativa da parede celular. Daí que a
orientação das microfibrilas nesta camada tenha um papel determinante na diferença de
variações das dimensões longitudinal e transversal aquando dos fenómenos de sorção.
STAMM (1964)
explica de uma forma simples a importância do ângulo das
microfibrilas na variação de dimensões da madeira. Assim, e segundo o autor, a água é
adsorvida pelas microfibrilas nas suas regiões amorfas e na superfície das regiões
cristalinas. Quando em dessorção, a evaporação da água origina o aparecimento de forças
de tensão superficial entre as zonas de contacto da água com as cadeias de celulose
provocando a sua aproximação. Nas regiões amorfas onde não existe uma orientação
perfeita das cadeias de celulose, essa aproximação tende a fazer-se segundo a orientação
das regiões cristalinas. É, portanto de acordo com o ângulo de orientação das regiões
cristalinas, que coincide, praticamente, com o ângulo de orientação das microfibrilas, que
se dá a retracção ou expansão da madeira.
SKAAR (1988) e WALKER et al. (1993) referem
a existência de várias teorias para explicar
os factores que afectam as variações dimensionais da madeira na direcção longitudinal.
No entanto, todas elas se baseiam no ângulo das microfibrilas da camada S2 da parede
celular das fibras dispostas longitudinalmente.
Assim, se o ângulo que as microfibrilas desta camada fazem com o eixo da célula
for muito reduzido, (normalmente situa-se entre os 10˚ e os 30˚) a sua expansão ou
retracção longitudinal com a entrada ou saída de água é também muito reduzida, enquanto
as variações transversais são elevadas. Se o ângulo for grande, então verifica-se uma
redução das variações dimensionais transversais e um aumento das longitudinais.
19
Este facto foi experimentalmente verificado por BARRETT et al. (1972) (citado por
SKAAR, 1988)
quando estudaram, numa resinosa, as diferenças de higroexpansão do lenho
inicial, final e do lenho de compressão, tendo chegado às seguintes conclusões:
- À medida que aumenta o ângulo médio das microfibrilas da S2, a higroexpansão longitudinal aumenta e a transversal diminui.
- A higroexpansão longitudinal do lenho inicial (ângulos das microfibrilas
próximos dos 40˚) é muito superior à do lenho final (ângulos das microfibrilas próximos
dos 10˚), acontecendo o inverso com a direcção transversal.
- A higroexpansão do lenho de compressão (ângulos das microfibrilas
próximos dos 45˚) é similar à do lenho inicial ainda que se apresente ligeiramente inferior
devido aos elevados teores de lenhina e baixos de celulose típicos deste tipo de lenho.
Um trabalho realizado por YING et al. (1994) permite concluir que, de facto, há uma
relação positiva entre a inclinação das microfibrilas e as variações das dimensões
longitudinais, seja qual for a humidade de equilíbrio considerada. Esta característica da
parede celular apresenta-se, de entre todas as estudadas (densidade, ângulo das
microfibrilas e percentagem de lenho inicial) como a que melhor determina a magnitude
das variações longitudinais da madeira.
No gráfico da Figura 13 está representada a relação encontrada, no trabalho referido,
entre as variações longitudinais e o ângulo das microfibrilas para 6 humidades de
equilíbrio da madeira.
Variação das dimensões longitudiais (%)
0,90
0,60
0,30
0,00
-0,30
10
15
20
25
30
35
40
Ângulo das microfibrilas (˚)
Figura 13 - Relação entre o ângulo das microfibrilas e a variação de dimensões longitudinais
em madeira de Pinus taeda para 6 humidades de equilíbrio. (Adaptado de YING et al., 1994)
20
Sendo, então, o ângulo das microfibrilas da camada S2 da parede secundária o factor
que mais contribui para a diferença de variação das dimensões longitudinal e transversal,
qualquer tipo de madeira que apresente ângulos anormalmente grandes irá, certamente,
apresentar uma relação entre a variação das dimensões longitudinal e transversal também
anormalmente grande. É o que se passa com o lenho juvenil e o lenho de compressão
(STAMM, 1964).
No caso do primeiro, para além de as microfibrilas da S2 apresentarem
ângulos de inclinação grandes, as próprias fibras apresentam-se, frequentemente,
inclinadas em relação ao eixo da árvore (fio inclinado).
De facto o fio da madeira é um factor determinante na diferença entre as variações
de dimensões longitudinais e transversais. Se as fibras estão dispostas com um grande
ângulo de inclinação em relação ao eixo da árvore, a madeira daí retirada vai apresentar
variações dimensionais na direcção longitudinal muito superiores ao que seria de esperar
se o ângulo fosse próximo de zero. Como referem
WALKER et al. (1993),
as grandes
retracções ou expansões longitudinais associadas ao fio inclinado são devido ao facto da
componente da variação de dimensões que é transversal ao eixo da fibra passar a ser
directamente paralela ao eixo da árvore.
3.1.2
- DIFERENÇA ENTRE A VARIAÇÃO DE DIMENSÕES TANGENCIAL E RADIAL
Também dentro das dimensões transversais (radial e tangencial) se verificam
diferenças na reactividade higroscópica da madeira. No entanto, as causas da anisotropia
transversal da madeira, apesar de também estarem relacionadas com o ângulo das
microfibrilas, têm a influência de outros aspectos mais directamente relacionados com a
estrutura anatómica da madeira.
Segundo vários autores, entre os quais podemos referir STAMM (1964), GALVÃO et al.
(1985), SKAAR (1988)
e WALKER et al. (1993), existem três causas principais para a maior
variação dimensional na direcção tangencial que na radial. Assim, esta anisotropia
transversal da madeira pode ser devida a:
- Influência dos raios;
- Efeito do maior número de pontuações na parede radial das células;
- Alternância entre lenhos inicial e final.
21
Influência dos raios
Esta teoria assume que, dada a disposição dos raios e, portanto, das células que os
compõem ser paralela à direcção radial da madeira e, considerando as células do raio
estruturalmente idênticas aos tecidos dispostos longitudinalmente, estes tendem a conter
os movimentos higroscópicos da madeira na direcção radial (STAMM,1964).
Tal como referem WALKER et al. (1993), esta situação é mais evidente em madeiras de
espécies cujos raios ocupam uma percentagem do seu volume relativamente grande como
é o caso dos carvalhos onde os raios representam 17% a 20% dos tecidos da sua madeira.
BOYD (1974), (citado por SKAAR, 1988) concluiu
que a resistência mecânica dos raios não
era um factor importante na anisotropia higroscópica verificada nas direcções transversais.
No entanto, para SKAAR (1988), apesar de esta conclusão poder ser verdadeira para as
resinosas, não o é para o caso das folhosas, em que os raios deverão ter uma influência
não desprezável.
Efeito do maior número de pontuações na parede radial das células
O arranjo ou orientação das microfibrilas na parede radial das células é menos
uniforme apresentando ângulos de inclinação superiores aos verificados na parede
tangencial (WALKER et al. 1993). Este facto deve-se à presença de maior número de
pontuações na parede radial que, ao obrigar as microfibrilas a contorná-las, provocam
desvios na sua orientação.
Segundo STAMM (1964), esta desorientação das microfibrilas na parede radial das
células é suficiente para originar alguma diferença na variação das suas dimensões
laterais. No entanto, e para o mesmo autor, mesmo considerando situações extremas em
que todas as microfibrilas da parede radial estivessem circularmente orientadas (com
ângulos médios de 45˚) e na parede tangencial não apresentassem inclinação alguma (com
ângulos de 0˚), a relação entre as variações das dimensões tangencial e radial nunca
excederiam 1,45, valor este considerado pequeno quando comparado com os valor médios
normalmente obtidos
Assim, as pontuações existentes na parede radial das células podem contribuir para a
diferença de variação das dimensões transversais, mas não serão a única causa.
22
Alternância entre lenhos inicial e final.
Dada a maior densidade do lenho final (implicando uma maior capacidade de
adsorver água, (TSOUMIS, 1991)), este apresenta maior capacidade de movimentação
higroscópica, comparativamente ao inicial.
Na direcção tangencial, as bandas dos dois tipos de lenho encontram-se paralelas
umas às outras (Figura 14), fazendo com que, quando o lenho final (mais "forte") expande
ou retrai, arraste consigo o lenho inicial, imprimindo-lhe uma variação de dimensões
superior à que apresentaria se estivesse isolado e praticamente igual à do lenho final
(STAMM, 1964; WALKER et al. 1993).
TANG.
Lenho
Final
RAD.
Lenho
Inicial
z
Figura 14 - Representação esquemática da disposição e alternância de lenhos inicial e final nas duas
direcções transversais (Tangencial e Radial)
Radialmente, esta situação já não se verifica, na medida em que, nesta direcção, os
lenhos inicial e final, ao estarem em série, têm movimentações higroscópicas
independentes, sendo o resultado final a variação de dimensões média dos dois tipos de
lenho (WALKER et al., 1993).
No entanto, STAMM (1964) chama a atenção para o facto de esta teoria não contemplar
as diferenças entre as variações de dimensão tangencial e radial nas madeiras de várias
espécies, em especial as tropicais, onde não existe uma variação pronunciada da densidade
dentro do anel de crescimento não deixando de apresentar, apesar disso, uma anisotropia
higroscópica das direcções transversais significativa.
No Quadro 1 são apresentadas, para diferentes espécies, variações de dimensão do
lenho inicial e final para as direcções tangencial e radial, referidas por TSOUMIS (1991).
Pelo que atrás foi dito é óbvio que a anisotropia higroscópica da madeira é um
assunto complexo onde não é possível definir um factor como única causa da sua
existência.
23
Quadro 1 - Diferença de variação de dimensões do lenho inicial e final de diferentes espécies.
(Adaptado de TSOUMIS, 1991)
VARIAÇÃO DE DIMENSÕES (%)
Lenho Inicial
Espécie
Lenho Final
Tang.
Rad.
Tang.
Rad.
Abies concolor
5,8
2,4
8,8
6,3
Pinus sylvestris
8,1
2,9
11,3
8,2
Pseudotsuga meziesii
5,7
2,9
10,9
9,9
Larix
7,1
3,2
12,3
10,2
Tal como referem WALKER et al. (1993), existe uma série de factores que podem
contribuir para essa anisotropia, variando a importância relativa de cada um deles com o
tipo de madeira considerada. Nalguns casos, o ângulo de inclinação das microfibrilas é o
mais significante, tal como acontece nos lenhos juvenil ou de reacção. Para madeiras
como os Carvalhos ou Faias, os raios, dada a sua representatividade nessa madeira,
parecem ter um papel importante . O contraste de densidades do lenho inicial e lenho final
dentro do anel de crescimento será uma causa importante para a Pseudotsuga, mas
insignificante para as madeiras tropicais.
24
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26
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apontamentos de tecnologia dos produtos florestais