Opinião
O ministro sombra
Jornal de noticias, 02-10-2011
O que se está a passar com o Ministério da Justiça é demasiado
grave para que o primeiro-ministro continue a fingir que não se
apercebe de nada. O Ministério dirigido por Paula Teixeira da
Cruz foi praticamente ocupado por pessoas da confiança
pessoal do advogado João Correia, antigo secretário de Estado
da Justiça no último Governo de José Sócrates.
Mais parece ter havido uma espécie de outsourcing jurídicopolítico mediante o qual a efectiva condução da política de
justiça deste Governo foi entregue àquele advogado. Senão
vejamos.
O chefe de Gabinete da ministra, João Miguel Barros, é sócio de
João Correia numa sociedade de advogados. A chefe de
Gabinete do único secretário de Estado deste Ministério, a
Rua Rodrigues Sampaio, n.º 96, R/C Esq. 1150-281 Lisboa
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magistrada do MP Luísa Sobral, foi a chefe de Gabinete de João
Correia no anterior Governo do PS. O assessor da ministra,
Sérgio Castanheira, foi também assessor de João Correia. A
comissão para reformar o processo civil nomeada pela ministra
é
constituída
pelas
mesmas
pessoas
que
João
Correia
escolhera quando estava no Governo PS, ou seja, por pessoas
da sua amizade ou confiança pessoal, incluindo (mais) um sócio
daquela sociedade (Júlio Castro Caldas). O facto de a Ordem
dos Advogados, que representa mais de 27 mil advogados, não
ter sido convidada pela ministra para integrar essa comissão só
revela que continuam a prevalecer no Ministério da Justiça as
mesmas mesquinhas razões por que João Correia a excluíra no
Governo anterior. Mas a cereja sobre o bolo está no facto de a
ministra ter agora designado João Correia para coordenar
aquela comissão, ou seja, para dirigir neste Governo as mesmas
pessoas que ele próprio havia escolhido no Governo anterior.
Não há, pois, dúvidas de que, tal como Pepino, o Breve, em
relação ao rei de palha, o verdadeiro ministro da Justiça do
actual Governo PSD/CDS é o secretário de Estado da Justiça do
anterior Governo do PS.
É, de facto, muito difícil de compreender, em termos políticos, a
dependência da actual ministra da Justiça em relação a João
Correia.
O
facto
de
eles
serem
cunhados
pode
sugerir
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explicações simplistas, mas não esclarece o que é relevante do
ponto
de
vista
da
racionalidade
política.
Também
a
circunstância de os dois se terem candidatado na mesma lista
nas antepenúltimas eleições realizadas na OA (ele a Bastonário
e ela a presidente do Conselho Distrital de Lisboa) e ambos
terem sido estrondosamente derrotados pode explicar alguns
rancores
e
solidariedades
espúrias,
mas
continua
a
ser
insuficiente.
É certo que a política de terra queimada que a ministra
desencadeou contra a OA tem o seu epicentro na figura de João
Correia. Ambos estão a usar o Ministério da Justiça para
proceder a ajustes de contas dentro da OA, sobretudo contra os
"descamisados"
da
advocacia,
a
quem
atribuíram
a
responsabilidade pela humilhação eleitoral de 2004. Mas tudo
isso não esclarece as verdadeiras razões por que os postos
chave de um ministério do Governo PSD/CDS foram entregues a
pessoas da confiança pessoal de um ex-governante do PS.
Aliás, cada vez se compreende menos a leviandade com que
certas pessoas, incluindo magistrados, se disponibilizam para
desempenhar funções da confiança política de titulares de
cargos políticos. É chocante o descaramento com que aceitam
lugares da confiança de um partido e logo em seguida aceitam
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lugares da confiança de um partido adversário. Também o
oportunismo com que essas pessoas são contratadas revela um
pendor mercenário que acentua a degradação moral da política
portuguesa. Quem sucessivamente desempenha cargos da
confiança política de partidos adversários entre si acaba
necessariamente por trair um deles, senão mesmo os dois.
Recorde-se que o próprio João Correia, quando se demitiu de
secretário de Estado, alimentou uma campanha mediática sem
precedentes contra o ministro da Justiça que o convidara para
o cargo, chegando mesmo a afirmar publicamente que havia
coisas a investigar naquele Ministério.
As pessoas que assim agem podem, em certos momentos, ter
alguma utilidade, mas são sempre muito perigosas. Por isso,
Roma nem sequer lhes pagava, mas o Governo de Pedro Passos
Coelho recompensa-as muito bem e até as acolhe no seu seio.
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