Discurso Discurso proferido pelo Excelentíssimo Senhor Ministro Nelson Jobim na cerimônia de posse no CNJ Exmo. Sr. senador Renan Calheiros, presidente do Senado Federal; Exmo. Sr. Márcio Thomaz Bastos, ministro da Justiça; Exmo. Sr. procurador-geral da República, Claudio Lemos Fonteles; Exmo. Sr. ministro Edson Vidigal, presidente do Superior Tribunal de Justiça; Exmo. Sr. ministro Vantuil Abdala, presidente do Tribunal Superior do Trabalho; Exmo. Sr. ministro Max Hoertel, presidente do Superior Tribunal Militar; Exmo. Sr. presidente da Ordem dos Advogados, Roberto Busato, eminente ministro Antonio de Pádua Ribeiro, ministro do STJ e hoje corregedor do Conselho Nacional de Justiça; Exmo. Sr. representante do governo do Distrito Federal, Benjamim Roriz, senhores senadores, senhores presidentes dos tribunais de Justiça, senhores presidentes dos tribunais regionais, senhores ministros do Superior Tribunal de Justiça, senhores ministros do Tribunal Superior do Trabalho, senhores juízes, juízas, membros do Ministério Público, minhas senhoras, meus senhores. Creio que o dia de hoje representa a realização de uma luta e o resultado de um debate que frutificou, e frutificou porque efetivamente no início, principalmente na Assembléia Nacional Constituinte, em 1987, o discurso político sobre a criação do conselho estava exatamente no desejo de alguns advogados de controlar os juízes e o desejo dos juízes de não serem controlados pelos advogados. E essa distorção inicial que era necessária para a criação do conselho determinou a divisão naquela assembléia de forma radical, e a assembléia não aprovou, sabiamente, naquele momento, a criação do Conselho Nacional de Justiça, porque em cima do ódio não se constrói. E, num exercício de memória, era exatamente esse conflito que estava posto, de forma muito aguda. Tão aguda que a Ordem dos Advogados dividiu-se – o Conselho Federal tinha posição a favor do conselho e uma das seccionais mais fortes do país, São Paulo, era contrária à criação do conselho. Não havia, portanto, maturidade política que pudesse determinar o nascimento do conselho. O processo legislativo não é um processo racional acadêmico. A racionalidade legislativa é exatamente o prosseguimento da formação da vontade majoritária no sentido dos passos de catarse e do nascimento de uma determinada racionalidade. Antes da catarse, do bater de dentes da manifestação do ódio, do desprezo e das ofensas, não nasce a racionalidade legislativa. Há necessidade desse grande caudal de ódio legislativo ser despejado para depois nascer a racionalidade. Isso aconteceu inclusive na revisão constitucional de 1993. E só em 2004 é que nasceu essa racionalidade, e observem bem, nasceu a racionalidade não de dentro da categoria dos advogados, nem da categoria dos juízes, porque tanto uns como os outros continuavam ainda presos aquele ânimo e aquela obsessão inicial. Nasceu, isto sim, da sabedoria do Congresso Nacional. Foi exatamente Câmara dos Deputados e, mais especificamente, no Senado Federal que as coisas andaram de forma absolutamente nítida. Lembro-me agora, recentemente, dos trabalhos extraordinários do senador Edson Lobão, que presidia a comissão de Justiça no Senado, e dos trabalhos excepcionais do senador José Jorge, que souberam, com habilidade de legisladores natos, transitar por cima dessa disputa. O senador José Jorge - nós todos conhecemos, eu tive o prazer de ser colega na constituinte, ele era deputado à época - sempre se apresenta como um engenheiro capiau e matuto – “não sei nada, não sei o que está acontecendo, não tenho opinião sobre o assunto, porque eu sou engenheiro, os senhores é que entendem disso” -, ele se furta a dar opinião porque tem a habilidade do legislador de fazer com que os atritos se dissolvam, e constrói a vontade majoritária por sobre o ódio. O mesmo se passou com o senador Edson Lobão, conduzindo a comissão de Justiça. Soube dar os espaços para a manifestação dessas divergências e souberam – a comissão de Justiça, e a habilidade do Senado Federal, a habilidade do parlamento brasileiro – passar por cima das dificuldades, avançar para o futuro. Esta é a característica fundamental do parlamento brasileiro. E creio, senhores, permitam-me que o diga, que um momento como hoje, uma situação política que vivemos hoje, será exatamente o que vamos verificar: a consolidação do processo democrático por sobre uma crise político-partidária. O que vivemos é uma crise política normal, absolutamente normal num processo democrático. Democracia de consenso é uma democracia de autoritarismos. A democracia é exatamente a administração do dissenso. E o Congresso Nacional é exatamente o local onde se constrói, por sobre o conflito, a síntese necessária para a sua superação, no compromisso necessário que tem com o seu futuro - isso nós sabemos perfeitamente. Não há, portanto, de temer ações do parlamento, porque ela se constrói exatamente para compor. E vejam bem, toda nossa geração sabe muito bem, e a história sabe muito bem, quando os políticos são incapazes de administrar e construir a política dentro do processo democrático sempre surgirá o tertius que tentará, por força, compor o processo democrático por fora. É por isso que nós conhecemos claramente esse processo e, portanto, sabemos construir. Assistimos isso, quer na Câmara dos Deputados, quer no Ministério da Justiça, quer no Supremo Tribunal. Manifesto, portanto, a expectativa pessoal, inclusive, de um setor da nação brasileira, de que tudo se componha, com a descoberta de tudo, com a verificação de tudo, mas tudo dentro do processo democrático de superação das divergências. A instalação do Conselho Nacional de Justiça representa uma superação das nossas divergências. Estão aqui presentes presidentes os tribunais de Justiça do país, os presidentes dos tribunais regionais federais, dos tribunais regionais do trabalho, grande parte da magistratura, para assistir a instalação de um conselho plural, composto por todas as estruturas e segmentos da magistratura nacional, por indicados da Ordem dos Advogados e por indicados da sociedade, pela via da representação da sociedade no país, que é o parlamento brasileiro. A presença desses personagens múltiplos no conselho e a presença dos senhores presidentes de tribunais, juízes e juízas, aqui nesta sessão, mostra que o tema do conselho e sua composição é assunto encerrado. Não há mais que se falar sobre esse passado. Aqui caberia a lembrança do passado, exclusivamente isso. Agora nós temos é que nos compor para o futuro, e a composição para o futuro é exatamente o exercício do mesmo molde com que o parlamento sabe fazer políticas na construção do país, e olhando com compromisso com o futuro, possa o conselho, com a participação do conselho, construir políticas na solidariedade absoluta com a magistratura nacional e com a advocacia, com o Ministério Público, construir políticas que possam ser o sistema judiciário. Ou seja, o Poder Judiciário e as funções essenciais em relação à Justiça, que são o Ministério Público e a advocacia, não só a advocacia privada mas a advocacia do estado, para que possamos construir políticas e estratégias que possam dar eficiência e eficácia ao sistema judiciário. Sabemos que se os espaços não são ocupados pelas instituições políticas do país, acabam sendo ocupados por soluções que a própria cidadania possa gerar, sejam elas lícitas, sejam,elas ilícitas. É por isso, senhores conselheiros, que nossas funções de corregedoria, regidas pelo ministro corregedor do Conselho Nacional de Justiça, o ministro Pádua Ribeiro, com o auxílio e a participação de todos nós, e ainda com a requisição de juízes e servidores dos tribunais, terá a lucidez de compreender que isso aqui não é ambiente para manifestação de ódios. É um ambiente de construção de soluções, de construção para o futuro, e não para retaliação do passado. Já assistimos muito aqueles que entendem que assumir alguma coisa é um espaço para que possa retalhar o passado para construir a sua biografia. Não estamos aqui para retalhar ninguém. Este é o pensamento do ministro Pádua Ribeiro na condução das funções correcionais. Uma função acessória e secundária, em solidariedade, e não em obstrução e objeções, e em conflito com as diversas corregedorias estaduais. É na construção de uma fórmula e na apresentação de juízes servidores da nação, e não de juízes donos da nação. Isso também o conselho trabalhará claramente, no sentido da formulação de políticas em solidariedade com os tribunais, no sentido de irmos em socorro, desenharmos determinados tipos de metas comprometidas com resultados para que nós possamos dialogar com os tribunais, ajudar os tribunais e aprender com os tribunais. E,portanto, a primeira tarefa é saber qual o estado da arte, do que se passa e do que se trata, como estamos em questão de informatização, como estão os tribunais em relação à formulação de estatísticas, como estão em relação à especialização de varas, e aí desenharmos isso tudo para termos um entendimento nacional de construção. Repito, aqui não é lugar de fazer biografia, porque nenhum de nós depende de voto, em lógica distinta do parlamento, principalmente decorrente no nosso sistema eleitoral de voto unipessoal, em que o indivíduo é votado e precisa ter visibilidade permanente. Aqui ninguém é votado. Somos um órgão plural para exercer funções da nação, e não para marcar posições individuais. Quero deixar clara minha posição pessoal nesse sentido. Teremos uma grande construção. Essa composição é responsável por uma expectativa, estamos atravessando o Rubicão, isto significa que o sucesso ou o insucesso desta construção vai depender da nossa capacidade de renúncia, lucidez e percepção histórica da nossa função, porque se precisássemos marcar posição, faríamos discursos e, como diríamos no nosso tempo de estudantes, iríamos jogar pauzinho e tomar cerveja no bar da esquina, mas nós é que temos que construir. Senhores conselheiros, é importante ter presente que este espaço é um espaço plural da sociedade brasileira, não é um espaço para individualismos virtuais ou arrogantes. Quero deixar muito claro que esta é a posição da presidência, como é da corregedoria, na busca de um grande entendimento. Se as coisas quiserem correr de outra forma, encontrarão a resposta necessária, como também este conselho não pode se pautar por situações externas que não a sua função constitucional. Não deveremos em hipótese alguma termos medo e receio das criticas, ou mesmo dos aplausos. Críticas e aplausos significam que o conselho existe: críticas porque fez algo que não agradou, ou aplauso porque fez algo que agradou. Isso é parte do jogo. O que este conselho não pode se permitir é a indiferença, ou seja, não ter nenhum significado nas suas funções. Nossas relações com a imprensa serão relações de exame do que dizem, mas não fazer o que eles querem que seja feito. Nós faremos exatamente o nosso compromisso constitucional, não admitiremos nenhuma pautação externa que não aquilo que determinam as funções constitucionais. E isso é função do presidente. O presidente terá, tem e deve ter a envergadura moral e a coragem pessoal desses enfrentamentos – um problema que para mim não tem nenhuma dificuldade. Talvez eu seja inclusive um pouco irresponsável por isso, alguns dizem que eu teria couraça de aço, mas isso a gente aprende no embate do parlamento. Eu me lembro do Dr. Ulysses Guimarães que dizia que em política até a raiva é combinada. Portanto eu já estou combinando as formas da nossa raiva, para não ter dúvidas das conduções transparentes que teremos. Eu abraço a todos os conselheiros, e abraço ainda o deputado Jairo Carneiro, que foi um grande operador na então comissão especial da reforma do Poder Judiciário, da Câmara dos Deputados, a deputada Zulaiê Cobra, com aquela sua obsessiva forma de aguerrir feminina, e afirmação de grande verticalidade, nos deu a possibilidade do debate, porque cada um no parlamento tem funções a desempenhar, tem aquele que grita e aquele que pede silêncio, e tem aqueles que constróem, como é o caso do senador José Jorge. Lembro ainda o representante da Câmara Distrital, o deputado Eduardo Gomes, aqui presente, e peço licença a todos para fazer uma homenagem, in memoriam, ao Dr. Ulysses Guimarães. Quando nós discutíamos a constituinte ele disse: “Isso é importante, Jobim, mas ainda não há preparação na sociedade para isso tudo. A perda e a derrota num projeto é o início da sua construção”. Dizia, ainda, Ulysses - e mostra o grande sábio que foi na construção de tudo isso, ele sabia ensinar nos dizendo – e isso nós temos que aprender, senhores conselheiros: “temos que respeitar o tempo, porque o tempo não perdoa o que a gente faz sem ele”. Não podemos furar a fila da história, precisamos, isto sim, caminhar no tempo histórico, e não confundir o nosso tempo histórico individual, com o tempo histórico de uma nação. Aqui, o tema é o tempo histórico de uma nação e não o das nossas individualidades, para servir, portanto, a nação, e não as nossas biografias. Agradeço a presença de todos e já convoco os senhores conselheiros para uma reunião às 17 horas na sede do conselho e informo que os empossados receberão os cumprimentos nesta sala de sessão. Justifico aos senhores porque nós fazemos aqui a sessão de instalação do conselho. Alguns poderão se perguntar porque não se utilizou o plenário do Supremo Tribunal Federal. Porque lá é o plenário do Supremo Tribunal Federal, e a República determinou que lá só se façam os atos do Supremo Tribunal Federal. Não há que se confundir, portanto, os espaços simbólicos da República, na mistura promíscua eventual de outros. Daí porque estamos aqui reunidos, no respeito ao Supremo Tribunal Federal e às funções republicanas a ele destinadas historicamente. Está encerrada a sessão.