EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA _ ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE PONTA GROSSA – PARANÁ O Ministério Público do Estado do Paraná, por intermédio do Promotor de Justiça que esta subscreve, com fulcro nos artigos 127, caput e 129, inciso III, da CF/88; art.25, inciso IV, alínea “a”, da Lei nº 8.625/93; art.57, inciso IV, alínea “b”, da LCE nº85/99; Lei Federal 7.347/85; com fundamento ainda no artigo 225, da Constituição da República; na Lei Federal 6.938/81, e demais dispositivos legais atinentes à espécie, e com base nas peças informativas inclusas e demais elementos contidos nos autos de Inquérito Civil Público nº MPPR-0113.02.000001-5, vem, perante Vossa Excelência, propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL – com pedido de LIMINAR, em face de: MUNICÍPIO DE PONTA GROSSA, pessoa jurídica de direito público, representada atualmente pelo Sr. MARCELO RANGEL CRUZ DE OLIVEIRA, Prefeito Municipal, com sede na Avenida Visconde de Taunay, nº 950, Bairro Ronda, CEP 84051-000, na cidade de Ponta Grossa, Estado do Paraná; e 1 ASSOCIAÇÃO DO COMÉRCIO E INDÚSTRIA DE CARNES – PONTA GROSSA – ACIC-PG, pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ/MF sob nº 84.791.995/0001-46, com sede na Rua Valério Ronchi, s/nº, Bairro Uvaranas, nesta cidade e comarca, representada por seu Presidente Sr. NIVON CARLOS TABORDA SCHEIFER JUNIOR, brasileiro, inscrito no CPF/MF sob nº 003.901.109-73, residente e domiciliado na Rua Antônio Saad, nº 716 – Núcleo Santa Mônica, CEP 84016-630, nesta cidade e comarca. I – DOS FATOS Em primeiro lugar, a fim de se compreender a gravidade da questão tratada nesta ação civil pública, é importante fazer um breve retrospecto dos fatos que ensejaram a propositura da presente ação. Com este propósito faz-se mister esclarecer, desde o início, que o atual matadouro está localizado em área pública de domínio do Município de Ponta Grossa – PR - primeiro requerido - sendo que o uso do imóvel e das instalações foi concedido à Associação de Comercio e Indústria de Carnes de Ponta Grossa-PR (ACIC-PG) para exploração, gerenciamento e administração, respeitando-se a destinação específica de abatedouro de animais. Tal concessão teve início em 01 de fevereiro de 1995 mediante Termo de Concessão de Uso (doc. – 01), celebrado entre o Município de Ponta Grossa e a ACIC-Ponta Grossa, (os requeridos). Esta primeira concessão vigorou pelo prazo de 10 (dez) anos, expirando no ano de 2005, quando, então, foi prontamente renovada pelo município mediante novo Termo de Concessão de Uso, o qual está disciplinado pela Lei Municipal nº 8196/2005, e ainda 2 encontra-se em plena vigência, tendo o seu término previsto para 01 de fevereiro de 2015 (doc. – 02). Pois bem, as investigações das irregularidades foram iniciadas no âmbito do Ministério Público em 12 de julho de 1995, quando foi instaurado na Promotoria de Justiça de Proteção ao Meio Ambiente da comarca de Ponta Grossa-PR o Procedimento de Investigação Preliminar sob o nº 37/1995, com o fim de verificar a ocorrência de poluição hídrica no curso do Rio Verde, causada pela Associação do Comércio e Indústria de Carnes de Ponta Grossa-PR (ACIC-PG) decorrente das atividades do “matadouro municipal”, por ocasião do abate de bovinos. Tal procedimento foi, posteriormente, registrado novamente sob o nº 17/2002 e, por fim, convertido em Inquérito Civil Público (0113.02.000001-5), em 27 de abril de 2011, sempre com o intuito de buscar-se uma solução administrativa e pacífica para os problemas. No entanto, passados muitos anos, mais precisamente 18 anos, e apesar das inúmeras promessas e acordos firmados, não se obteve êxito nas tentativas de conciliação com os requeridos para que as irregularidades fossem corrigidas e o matadouro transferido para local adequado. O referido procedimento teve início com requerimento de moradores próximos ao matadouro, os quais relatavam inúmeros incômodos, principalmente, o forte odor proveniente do estabelecimento de abate, além da proliferação de insetos nas imediações. Diante de tal situação foram solicitadas informações à Secretaria de Estado do Meio Ambiente do Estado do Paraná e ao Instituto Ambiental do Paraná (IAP) acerca da regularidade do empreendimento de abate de animais em Ponta Grossa-PR. Em resposta, a Secretaria do Estado apresentou relatório interno apontando sérias irregularidades estruturais e sanitárias, as quais, em suma, 3 comprovavam que a qualidade da água do Rio Verde estava prejudicada em razão do lançamento de efluentes no corpo hídrico pelo abatedouro em desconformidade com os padrões ambientais (doc. – 03). De igual modo, o IAP em 19 de janeiro de 1996, verificando as irregularidades cometidas pela segunda requerida, firmou um Termo de Compromisso com a mesma, buscando a adoção de medidas por parte da associação para a minimização dos danos ambientais constatados pelo lançamento de efluentes fora dos padrões químicos permitidos (doc. – 04). Após a adoção de determinadas medidas, tais como a construção de lagoa anaeróbica, lagoa aerada e lagoa facultativa, foi expedida pelo IAP em 27/05/1996 a Licença de Instalação de nº 1026, com validade até 28/05/1997 (doc. – 05). Todavia, as reclamações dos moradores continuaram, demonstrando que os problemas não estavam solucionados, ao contrário se agravaram. Assim, solicitadas novas informações, o IAP, após longo período, limitou-se a informar que algumas medidas haviam sido tomadas, no entanto, ainda não havia solução para a questão da destinação final do sangue dos animais abatidos, questão gravíssima, diga-se de passagem, já que o abatedouro está instalado em área urbana e próxima de um rio. Posteriormente, tendo em vista que as irregularidades continuavam, o IAP autuou a empresa ACIC-Ponta Grossa, embargou as atividades e remeteu a esta Promotoria o Auto de Infração Ambiental nº 36.988, com o respectivo Termo de Embargo registrado sob o nº 23853 (doc. – 06), lavrados na data de 17/02/2004, em desfavor da segunda requerida em razão do lançamento de efluentes líquidos diretamente no Rio Verde em desconformidade com os 4 padrões ambientais, ocasionando, assim, poluição e dano ambiental. Na mesma oportunidade, o instituto ambiental informou que a referida requerida já havia sido autuada e embargada pelos mesmos motivos alguns meses antes, em 08/05/2003, sendo que na oportunidade foram lavrados o AIA nº 27968 e o Termo de Embargo nº 19666 (doc. – 07), os quais ensejaram a instauração nesta Promotoria do Procedimento Preparatório nº 0113.04.000005-2, que atualmente encontra-se apenso aos autos de Inquérito Civil nº MPPR- 0113.02.000001-5. Tal situação demonstra que a poluição e dano ambiental foram prática rotineira e reiterada da segunda requerida, pois, inobstante o fato de ser autuada e embarga continuou com a atividade poluidora como se nada tivesse ocorrido. Sobre o AIA nº 27968 e o seu respectivo Termo de Embargo de nº 19666 há que se fazer um parêntesis neste momento para registar que, quando da lavratura do referido auto, a segunda requerida ingressou com o Mandado de Segurança nº 1626/2003, o qual tramitou perante a 2ª Vara Cível desta comarca, pretendendo a anulação do AIA e do auto de Embargo. Para tanto, sustentou que havia diversas irregularidades na expedição de tais documentos, as quais comprometiam a validade dos atos administrativos e, consequentemente, deveriam levar a anulação destes. Seguindo-se o curso processual, embora a referida requerida tenha obtido liminar e sentença favoráveis ao seu pleito na primeira instância, ou seja, determinando-se a anulação do auto e do embargo, tal situação foi totalmente revertida no Tribunal de Justiça do Paraná, quando do julgamento do recurso de apelação interposto pelo Instituto Ambiental do Paraná. Neste julgamento entendeu o Tribunal pela plena validade dos atos administrativos que 5 culminaram na lavratura do AIA e do Embargo, reformando integralmente a sentença exarada pelo juiz de 1º grau (doc. – 08). Tal decisão foi confirmada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em sede de Recurso Especial (doc. – 09). Assim, vislumbra-se que o estabelecimento do matadouro municipal encontra-se embargado desde a data de 08 de maio de 2003, funcionando em situação de total irregularidade e ilegalidade desde então, descumprindo, inclusive os termos do embargo administrativo confirmado judicialmente. Retomando-se a retrospectiva dos fatos, além das constantes autuações pelo órgão ambiental, já nesta altura dos acontecimentos o estabelecimento gerido pela segunda requerida encontra-se funcionando em completa irregularidade, pois que após a expiração da licença de instalação nº 1026 no ano de 1997, nunca mais fora expedida nenhuma licença ambiental em favor do empreendimento do “matadouro municipal” gerenciado pela segunda requerida. Acerca desta questão é importante registrar que apenas em 21/05/2003, isto é, cerca de 6 (seis) anos depois do vencimento da licença de instalação, a requerida protocolou junto ao órgão ambiental o pedido de licença de operação, a qual, posteriormente, foi indeferida pelo IAP em razão de o estabelecimento encontrar-se em área de preservação permanente. Tal situação foi verificada em vistoria realizada pelo IAP em 10 de setembro de 2008, na qual o técnico responsável informou que o empreendimento continuava irregular e que não havia possibilidade de concessão da Licença de Operação, justamente pelo fato de o estabelecimento encontrar-se muito próximo do Rio Verde – dentro de área 6 de preservação permanente – e localizar-se em zona urbana do município, o que é vedado pela legislação (doc. – 10). Destaque-se que o primeiro requerido, o Município de Ponta Grossa, chegou a autuar e a notificar a segunda requerida em razão do funcionamento sem a competente licença ambiental, consoante termo de notificação nº 701 de 24/02/2009, sem, no entanto, tomar nenhuma providência concreta para fazer cessar a atividade. Para demonstrar a situação ilegal em que ainda se encontra o “abatedouro municipal”, basta dizer que o estabelecimento foi novamente autuado e embargado pelo IAP recentemente, em 03 de agosto de 2012, por estar desenvolvendo atividade altamente poluidora sem a competente licença de operação (doc. – 11). Em vistorias realizadas pela Prefeitura Municipal de Ponta Grossa no período compreendido entre 15/04/2008 a 08/05/2009, das quais foi elaborado minucioso Relatório de Inspeção Técnica e Investigação Sanitária (doc. – 12), restou confirmado pela municipalidade que o estabelecimento está localizado em área urbana e em área de preservação permanente, além de não possuir licença ambiental, sanitária ou o alvará de localização e funcionamento. Mesmo diante de todas essas irregularidades o primeiro requerido não tomou nenhuma medida eficiente no decorrer de todos esses anos no sentido de interditar administrativamente o local ou de cancelar a concessão, contribuindo, assim, para a perpetração do dano ambiental, em face de sua omissão, quando tinha o dever de agir. Frise-se que a inexistência de licenças ambientais e a ocorrência de inúmeras irregularidades de ordem estrutural, higiênicas e sanitárias no matadouro municipal persistem até hoje. 7 Cerca de um ano depois, em 28/05/2010, foi realizada pela Vigilância Sanitária Municipal, em conjunto com a Terceira Regional de Saúde/SESA, o Serviço de Inspeção Municipal e o Serviço de Inspeção do Paraná/SIP/POA, outra vistoria criteriosa nas dependências do abatedouro municipal (doc. – 13). Nesta ocasião também foram identificadas centenas de irregularidades sanitárias, higiênicas, ambientais e estruturais, que motivaram a elaboração de parecer, firmado por todos os órgãos acima, aconselhando a interdição do local. Dentre as irregularidades apontadas podem ser elencadas, a título de exemplo, a falta de esterilização nos instrumentos utilizados na sala de abate; piso com rachaduras e buracos, contribuindo para a formação de poças de sangue e proliferação de bactérias; ausência de controle de temperatura tanto para as câmaras frias como para a água utilizada no abate e na esterilização dos instrumentos, entre outras tantas que representavam sérios riscos para a saúde humana, conforme se denota das fotografias abaixo que ilustram a situação: 8 9 Agora, outra questão de extrema importância a ser considerada nesta ação refere-se à localização do matadouro municipal, o qual, como já afirmado acima, encontra-se em zona urbana habitada, contendo diversos núcleos habitacionais ao seu entorno, além de estar localizado em área de preservação permanente, situação que fere frontalmente a legislação vigente. Desse modo, o matadouro municipal está situado na Rua Valério Ronchi, s/nº, no Bairro de Uvaranas, em zona urbana e altamente habitada do município de Ponta Grossa, ocupando uma extensa área de 3.345 m² às margens do Rio Verde. Tal localização afronta a legislação municipal e estadual em todos os aspectos, sendo inadmissível manter um estabelecimento deste porte na área acima descrita. Pois bem, diante de todas essas irregularidades apontadas, em 22 de outubro do ano de 2010 foi celebrado um Termo de Ajustamento de Conduta entre o Ministério Público do Estado do Paraná e Associação do Comércio e Indústria de Carnes de Ponta Grossa – ACIC-PG, ora segunda requerida. Neste termo ficou estabelecido que a ACC-PG permaneceria no local pelo prazo de 01 (um) ano e 06 (seis) meses, tempo esse razoável para que a compromissária ACIC-PG construísse um novo matadouro localizado em área rural e fora de área de preservação permanente e, principalmente, licenciado junto ao IAP para operar regularmente. Ficou também estabelecido que o IAP concederia uma licença prévia para o estabelecimento a fim de contribuir para o bom cumprimento do TAC (doc. – 14). Assim expedida a referida licença prévia temporária, acordou-se que a referida requerida ingressaria com os pedidos de licenciamento junto ao IAP para o novo empreendimento, iniciando com o pedido de licença de instalação dentro do prazo de 06 (seis) meses a contar da concessão da licença 10 prévia, e, uma vez concedida a licença de instalação deveria a requerida pleitear no prazo de 06 (seis) meses a concessão da licença de operação, comprovando, para tanto, que havia realizado as obras devidas e que já contava com um novo matadouro para transferência das atividades. Paralelamente ao TAC firmado, ficou acordado com o primeiro requerido que o mesmo apresentaria um Plano de Recuperação da Área Degradada do Matadouro Municipal. O plano foi enviado pela Prefeitura Municipal, no entanto, o mesmo não pode ser executado até a data de hoje em razão de a segunda requerida ainda não ter providenciado a retirada do estabelecimento do local. Enfim, o TAC não foi cumprido. Nada foi realizado e o matadouro continuou na mesma situação, completamente irregular, operando até esta data, alheio a tudo e a todos. Pois bem, sobre a transferência das atividades para zona rural do município e fora de área de preservação permanente, conforme acordado em TAC, a requerida ACIC-PG não providenciou a retirada do estabelecimento no prazo estabelecido, afirmando, para tanto, que realizou pedido junto ao primeiro requerido, o Município de Ponta Grossa, para a doação de um terreno em outro local, o que não ocorreu até esta data, prolongando-se no tempo e eternizando, assim, o dano ambiental e o risco à saúde humana. Vale ressaltar que a doação de um terreno pelo primeiro requerido nunca foi objeto do TAC firmado, sendo de total responsabilidade da segunda requerida a transferência de suas atividades para outro local, até porque se trata de atividade privada, altamente lucrativa. 11 No entanto, com o fim de se agilizar o procedimento, foi realizado um termo aditivo ao TAC anteriormente firmado, estipulando o prazo de 90 (noventa) dias para que a segunda requerida comprovasse nos autos a doação efetiva do terreno mediante a apresentação da escritura pública ou, ao menos, a autorização para uso e edificação em outro local do município, o que também nunca ocorreu (doc. – 15). Ao fim, merece destaque a informação extraída do laudo de vistoria da última inspeção realizada pelo IAP, em 02 de agosto de 2012, na qual o órgão competente afirma categoricamente que o estabelecimento do matadouro municipal encontra-se dentro de área de preservação permanente, estando a aproximadamente 05 (cinco) metros do rio (doc. – 16). Assim, finalmente, verifica-se que além da construção irregular, o Matadouro Municipal foi autuado novamente pelo IAP por estar funcionando sem licença de operação em desconformidade com a legislação ambiental, praticando atividade poluidora e descumprindo as condições do Termo de Ajustamento de Conduta. Vale lembrar que a atividade de abate de animais não poderia continuar operando até que a empresa providenciasse a devida licença. Acontece que até o momento da propositura da presente ação, os requeridos não tomaram nenhuma providência no sentido de obter a referida licença e a regularização da situação perante o IAP, continuando o estabelecimento a poluir e a degradar o meio ambiente, sem autorização para funcionar. Diante destas inúmeras irregularidades constatadas e do descumprimento do Termo de Ajustamento de Conduta firmado pela segunda requerida, não resta alternativa senão o ajuizamento da presente ação civil 12 pública, a fim de buscar-se junto ao Poder Judiciário a imediata interdição do estabelecimento para fazer cessar as atividades potencialmente danosas ao meio ambiente, bem como a devida recuperação da área de preservação permanente. II – DOS FUNDAMENTOS JURÍDICOS 2.1 – Da Legitimidade do Ministério Público e do Cabimento da Ação Civil Pública A Constituição Federal, em seu artigo 127 reconheceu a imprescindibilidade do Ministério Público à função jurisdicional do Estado bem como lhe incumbiu da tarefa de defender a ordem jurídica, o regime democrático e os interesses sociais e individuais indisponíveis. Para tanto, a necessária legitimidade à propositura de ação civil pública destinada à proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos, foi-lhe conferida pelo artigo 129, inciso III, da Constituição Federal, bem como no artigo 25, inciso IV, da Lei nº 8.625/93, e no artigo 5º, inciso I, da Lei nº 7.347/83, que disciplina a ação civil pública. O ajuizamento da presente ação civil pública objetiva, em resumo, compelir o Município de Ponta Grossa e a Associação do Comércio e Indústria de Carnes de Ponta Grossa – ACIC-PG a cessarem as atividades desenvolvidas no atual “matadouro municipal”, seja transferindo as atividades para um local adequado e licenciado, seja encerrando definitivamente suas atividades, bem como para repararem os danos ambientais causados em área de preservação permanente pelo incessante funcionamento de atividade poluidora sem licença 13 ambiental, tudo em respeito ao meio ambiente e à saúde pública, temas de interesse coletivo e difuso, inseridos no campo de atuação do Ministério Público, conferindo-lhe legitimidade para buscar judicialmente a proteção jurídica desses bens. 2.2 – Da Competência em Razão do Local do Dano A ação civil pública em defesa do meio ambiente deve ser aforada no lugar onde ocorreu ou deva ocorrer o dano, segundo se extrai da interpretação conjugada dos artigos 2° da Lei 7.347/85, e 93, I, da Lei 8.078/90. Deste modo, tendo em vista que o dano ambiental causado – em razão de o estabelecimento estar situado em área de preservação permanente e estar funcionando sem as devidas licenças ambientais e sanitárias – está adstrito a esta cidade e comarca, ainda que possa ter efeitos reflexos em outras regiões, fica firmada a competência do Juízo da Comarca de Ponta Grossa, Estado do Paraná, para processar e julgar a presente ação. 2.3 – Dos danos ambientais e à saúde pública Nos termos do artigo 225, caput, da Constituição da República Federativa do Brasil, “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preserválo para as presentes e futuras gerações.” (Grifos nossos) Da interpretação do texto constitucional transcrito extrai-se a íntima relação entre o equilíbrio ambiental e a saúde humana, e o direito de todos a 14 ambos, sendo esses direitos elevados à categoria de direitos constitucionais fundamentais, tamanha é sua relevância. Por sua vez, são inegáveis os sérios riscos ao meio ambiente e à saúde pública resultantes do abate de animais em desconformidade com as normas ambientais e sanitárias. A falta de ação dos requeridos em somar esforços para fazer cessar as atividades de abate no local atual – completamente irregular e inadequado – constitui grave violação ao preceito constitucional antes referido, e ao artigo 170, inciso VI, do mesmo diploma legal, que insere a defesa do meio ambiente entre os Princípios Gerais da Atividade Econômica. Há que se considerar que o Direito Ambiental é um ramo especial, com inúmeras especificidades, principalmente, pelo objeto que tutela, e, em razão disto, deve ser tratado exatamente de acordo com suas peculiaridades. Dentre elas está o caráter irreversível que os danos ambientais podem assumir. Assim, além da responsabilidade em se reparar danos efetivamente causados, deve ser considerada a exigência de se evitar a ocorrência deles. Esta é a razão para a exigência de licenças ambientais de empreendimentos potencialmente poluidores, para que se possa evitar, controlar ou amenizar os danos porventura existentes, como no caso em tela, em que a atividade de abate de animais é atividade altamente poluidora, que afeta inúmeros bens jurídicos tutelados e, por isso, deve ser desenvolvida com extrema cautela e responsabilidade. No caso em análise, entretanto, o estabelecimento está funcionando sem a devida licença ambiental; seu funcionamento está causando efetivo dano ao meio ambiente por estar localizado (parte) em área de preservação permanente, e por não obedecer as normas ambientais e sanitárias. Desse modo, 15 se não for imediatamente interrompida a atividade poluidora, os danos, que já se prolongaram por demasiado tempo, poderão se agravar ainda mais. Além dos danos ambientais deve ser considerado o risco iminente a que a saúde pública está sendo exposta diariamente enquanto as requeridas mantêm as atividades no matadouro municipal sem qualquer regulamentação. Isso porque, fazer funcionar empreendimento deste porte e com esta importância, sem a devida licença de operação – a qual atesta as condições para funcionamento – é equivalente ao abate clandestino de animais para a alimentação humana. Excelência, gravíssima é a situação do “matadouro municipal”, pois que além de degradar o meio ambiente, oferece sérios riscos à saúde da população ao abater animais e produzir carne sem estar com as devidas licenças ambientais para tanto, colocando à disposição, assim, produtos impróprios para o consumo, violando, deste modo, os direitos básicos das relações de consumo. Um abatedouro de animais deste porte, em uma cidade do tamanho, riqueza e importância de Ponta Grossa, funcionando sem as licenças ambientais, sem licença sanitária, sem alvará de funcionamento, com parte do estabelecimento sobre área de preservação permanente, com suas atividades embargadas pelo órgão ambiental há anos, certamente seja um caso único em todo o Brasil, que deve ser cessado imediatamente, sem mais procrastinação. Apenas para demonstrar o risco a que o consumidor está exposto, é importante registrar que várias doenças graves podem ser transmitidas através do consumo da carne. A título de exemplo, tais doenças podem ser aquelas que se instalam no ser humano a partir de animais infectados, como a tuberculose e a brucelose, as doenças parasitárias como as teníases, que podem acometer o 16 homem devido ao consumo de carnes bovinas ou suínas com cisticercose e as toxinfecções alimentares, de origem microbiana, ocasionadas pelo consumo de carnes contaminadas com bactérias patogênicas. Por isso o abate de animais sob a fiscalização da inspeção sanitária, bem como do órgão ambiental, diminui drasticamente os riscos de danos à saúde humana e ao meio ambiente, bem como preserva as relações de consumo. Assim, configurados os danos ambientais e os riscos à saúde da população decorrentes do funcionamento do empreendimento do matadouro sem as devidas licenças e em área de preservação permanente, resta a análise da responsabilidade dos requeridos por tais danos. 2.5 – Da Responsabilidade dos Requeridos Em primeiro lugar insta ressaltar que Direito Ambiental é fundamentado em princípios, dentre os quais se destacam os princípios da sadia qualidade de vida, da prevenção, da precaução e da reparação, os quais norteiam esta ação. Sobre tais princípios cabe mencionar as considerações feitas por Édis Milaré, o qual com peculiar clareza explica o sentido do tão aclamado princípio do “poluidor-pagador”: "Assenta-se esse princípio na vocação retributiva do Direito Ambiental e se inspira na teoria econômica de que os custos sociais externos que acompanham o processo produtivo (v.g., o custo resultante dos danos ambientais) devem ser internalizados, vale dizer, que os agentes econômicos devem levá-los em conta ao elaborar os custos de produção 17 e, conseqüentemente, assumi-los. Esse princípio, escreve Prieur - visa a imputar ao poluidor o custo social da poluição por ele gerada, engendrando um mecanismo de responsabilidade por dano ecológico abrangente dos efeitos da poluição, não somente sobre bens e pessoas, mas sobre toda a natureza". Este princípio não objetiva, por certo, tolerar a poluição mediante um preço, nem se limita apenas a compensar os danos causados, mas sim, precisamente, a evitar o dano ao meio ambiente. Assim, somente da análise de tais princípios já se visualiza a questão da responsabilidade dos requeridos na adoção imediata de medidas reparadoras dos danos ambientais ocasionados pela atividade desenvolvida. Nesse sentido é o que dispõe a Constituição Federal em seu artigo 225, §3º1 ao determinar que o responsável por condutas e atividades lesivas ao meio ambiente sujeitar-se-á a sanções penais e administrativas, além da obrigação de reparar o dano. Some-se a isso a previsão do artigo 14, §1º da Lei 6.938/812 – que institui a Política Nacional do Meio Ambiente – o qual disciplina a responsabilidade objetiva ao autor de danos ambientais, isto é, será responsabilizado o agente a indenizar ou a reparar os danos independentemente da existência de culpa, bastando que se demonstre o dano e o nexo de causalidade. 1 Art. 225, § 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados. 2 Art. 14, § 1º - Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente. 18 Tal disposição é a pura aplicação da Teoria do Risco Integral, pela qual todo aquele que causar danos ao meio ambiente deverá ressarci-lo, principalmente as empresas, considerando que toda empresa traz consigo riscos inerentes à sua atividade, justificando-se, por isso, o dever de indenizar, independentemente de ter o agente agido com culpa ou não.3 Sobre tal assunto tem-se a importante lição de Paulo Affonso Leme Machado, segundo o qual: “O direito ambiental engloba as duas funções da responsabilidade civil objetiva: a função preventiva – procurando, por meios eficazes, evitar o dano – e a função reparadora – tentando reconstruir e/ou indenizar os prejuízos ocorridos. Não é social e ecologicamente adequado deixar-se de valorizar a responsabilidade preventiva, mesmo porque há danos ambientais irreversíveis.”4 O estabelecimento “Matadouro Municipal”, administrado pela segunda requerida, atua desde sempre sem a devida licença ambiental e vem causando efetivo dano ao meio ambiente por estar localizado dentro de área de preservação permanente. Tais fatos ficaram demonstrados no Inquérito Civil Público em trâmite perante a 6ª Promotoria de Justiça de Ponta Grossa-PR, e, mesmo após a empresa ser autuada por diversas vezes pelo Instituto Ambiental do Paraná, a autuada não solucionou o problema e continuou atuando de forma irregular. 3 SIRVINSKAS, Luís Paulo. Manual de Direito Ambiental, 6ª edição. Editora Saraiva. São Paulo: 2008. pg. 189. MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro, 21ª edição. Editora Malheiros. São Paulo: 2013. pg. 409. 4 19 Merece destaque, Excelência, a responsabilidade do primeiro requerido, o qual concedeu o uso do estabelecimento com as instalações para a segunda requerida, autorizando-a a explorar comercialmente o local. Porém, é certo que a concessão de uso não exime o Município de suas responsabilidades. Até porque tem o dever legal de fiscalizar, de conceder ou negar alvará de funcionamento, de tomar as medidas necessárias para interditar/fechar estabelecimentos em funcionamento irregular, dentre outros. O Município – atual concedente – tem o dever de zelar pelo atendimento às normas ambientais, sanitárias e consumeristas, além de fiscalizar o seu fiel cumprimento, devendo tomar as medidas necessárias em caso de descumprimento do termo de concessão ou das normas legais. Tal obrigação está, inclusive, expressa na Lei Municipal nº 8.196/2005, consoante se verifica a seguir: “Art. 3º - Competirá ao concedente designar pessoal de seu quadro para os serviços permanentes de inspeção sanitária e de fiscalização da concessão e dos aspectos relacionados à legislação ambiental.” Ademais, tendo conhecimento de que o estabelecimento encontrava-se e encontra-se em local completamente inapropriado, sem o devido licenciamento ambiental e sanitário, era obrigatória a tomada de providências pelo primeiro requerido, sob pena, sim, de responsabilização pelos danos ambientais causados. Sua omissão é, por via indireta, também a causadora do dano respectivo. Não se pode, também, olvidar, Excelência, de que o poder público é o responsável pela saúde pública e pela preservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado, o que não está sendo respeitado e protegido no caso em mesa. 20 Do mesmo modo, a municipalidade tem competência administrativa concorrente com a União e com os Estados para fiscalizar e adotar medidas administrativas visando cuidar da saúde da população e organizar o abastecimento alimentar, por força do que dispõe o artigo 23, incisos II, VI e VIII 5 da Constituição Federal, não havendo dúvida que há flagrante interesse da municipalidade em tal fiscalização, visando proteger os munícipes, evitando a utilização de carne imprópria e minimizando o risco de doenças. Assim, além do dever objetivo de reparar os danos causados (princípio da reparação), incide ao município o dever de evitar danos futuros, em nítida aplicação do princípio da prevenção. Nesta senda coadunam-se os entendimentos dos Tribunais, veja-se: “ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MATADOURO PÚBLICO E DEPÓSITO DE RESÍDUOS SÓLIDOS. DANO AMBIENTAL. DESCUMPRIMENTO DE TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA. RESPONSABILIDADE DO PODER PÚBLICO MUNICIPAL. 1. Apelação em face da sentença que julgou procedente o pedido do MPF de condenação do Município de Parelhas/RN à reparação de dano ambiental causado em razão do matadouro e do lixão municipal. 2. A CF/88 estabelece, no art. 225, que todos possuem direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, tendo o Poder Público o dever de defendê-lo e preservá-lo, para que seja 5 Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: (...) II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência; VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas; (...) VIII - fomentar a produção agropecuária e organizar o abastecimento alimentar; (...) 21 assegurado o interesse coletivo. Sem dúvida, ao Poder Judiciário cabe, embora excepcionalmente, a imposição da implantação de políticas públicas constitucionalmente previstas, quando a omissão perpetrada comprometa a própria integridade dos direitos sociais igualmente protegidos pela Carta Magna vigente. 3. O não cumprimento, de forma devida, das obrigações assumidas no TAC pelo Município de Parelhas/RN põe em risco o equilíbrio ecológico. Desse modo, o abatedouro público e o lixão funcionam em detrimento da saúde e do meio ambiente. 4. O município possui a responsabilidade pela saúde pública e de preservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado. Nesse sentido, mostram-se acertadas as demolições e a recuperação da área degradada. 5. Apelação improvida.”(Grifo nosso)6 E também: “AMBIENTAL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - ATIVIDADES DE CULTIVO DE PLANTAS, CRIAÇÃO DE ANIMAIS E MANUTENÇÃO DE ABATEDOURO - AUSÊNCIA DO DEVIDO OCUPAÇÃO LICENCIAMENTO EM ÁREA DE AMBIENTAL - PRESERVAÇÃO PERMANENTE - DANO AMBIENTAL EVIDENCIADO - REPARAÇÃO DEVIDA A desobediência às normas ambientais vigentes - quais sejam, a realização de atividades de cultivo de plantas, criação de animais e 6 TRF-5 - AC: 1000720114058402: Relator: Desembargador Federal Marcelo Navarro, Data de Julgamento: 20/06/2013, Terceira Turma, Data de Publicação: 27/06/2013. 22 manutenção de abatedouro, sem o respectivo licenciamento ambiental, além da indevida ocupação de área de preservação permanente -, a implicar manifesto dano ao meio ambiente, obriga os responsáveis à sua plena reparação.”(Grifo nosso)7 Desta forma, resta clara a responsabilidade dos requeridos na obrigação de reparar os danos, sendo imperiosa e urgente a necessidade de interrupção das atividades do matadouro municipal gerido pela segunda requerida – ACIC-PG – até que os requeridos providenciem outro local para essa atividade e, acima de tudo, se adequem aos padrões exigidos pelo órgão ambiental e sanitário, podendo assim, obter a licença de operação para o exercício de tal atividade, caso tenham interesse na continuidade dessa atividade em outro local. Excelência, a coletividade e o meio ambiente não podem sucumbir face às irregularidades existentes, impondo-se a tomada de medida efetiva para a solução. 2.6 – Da Proibição da Manutenção no Matadouro Municipal na Localidade Atual Conforme já descrito, o Matadouro Municipal encontra-se atualmente em zona urbana do município de Ponta Grossa e, além disso, parte do estabelecimento ocupa área de preservação permanente, estando às margens do Rio Verde. 7 TJ-SC, Relator: Luiz Cézar Medeiros, Data de Julgamento: 22/07/2013, Terceira Câmara de Direito Público Julgado. 23 Este cenário é completamente irregular, sendo expressamente proibido pela legislação municipal e estadual, conforme se demonstrará a seguir. Em primeiro lugar é importante ficar claro o que se entende por zona urbana e zona rural no município de Ponta Grossa. Pois bem, assim define a Lei Municipal nº 8.799/06: “Art. 2º Para os efeitos de interpretação e aplicação desta Lei são adotadas as seguintes convenções: VI - Zona Urbana: o mesmo que Área Urbana; sob o aspecto político-administrativo é a área situada dentro dos perímetros urbanos do Distrito-Sede, das Sedes Urbanas dos Distritos Administrativos e das Áreas Urbanas Isoladas; sob o aspecto tributário é a zona definida por lei municipal de acordo com os requisitos do Código Tributário Nacional; VII - Zona Rural: é toda a extensão do território municipal que não esteja abrangida no Distrito-Sede, nas Sedes Urbanas dos Distritos Administrativos ou nas Áreas Urbanas Isoladas, na qual predominam as atividades agrícolas ou pecuárias;” Também há previsão nas Leis Municipais nº 9.055/07 e nº 9.865/09, as quais delimitam especificamente a área que compreende o Matadouro Municipal: "Art. 3º - ... 24 I - Distrito-Sede, delimitado pelo seguinte perímetro: inicia na Estrada Peri Pereira Costa (Ponta Grossa - Itaiacoca), na divisa com a sede campestre do Clube Guaíra, prolongamento na divisa do Jardim Paraíso, seguindo por uma estrada no sentido Itaiacoca - Centro, até a Rua Cândido Borsato do Jardim Paraíso, final da Avenida General Carlos Cavalcanti, sentido Bairro-Centro, até alcançar a Rua Beato Ceferino Jimenez Malla (Rua de acesso ao cemitério Parque Jardim Paraíso), seguindo por esta até encontrar o Rio Verde, descendo por este até encontrar os limites do loteamento André Dal´Col (Rio Verde), contornando-o externamente até encontrar novamente o Rio Verde, descendo pelo Rio Verde, até encontrar o Arroio Claudionora, seguindo por este até encontrar o Arroio Francelina, seguindo por este até encontrar a Rua Barão de Ramalho, seguindo por esta até encontrar a Rua Teixeira Mendes, seguindo por esta até a Rua Vicente Espósito, seguindo por esta até encontrar a Av. General Carlos Cavalcanti, seguindo por esta até a Rua Barão de Ramalho, seguindo por esta até o Arroio Francelina, seguindo por este até encontrar o Arroio Claudionora, seguindo por este até encontrar o Rio Verde, seguindo por este até encontrar a faixa de domínio da Estrada de Ferro Central do Paraná, seguindo por esta até encontrar o limite do Jardim Residencial San Martin, contornando-o externamente até atingir a Estrada do Alagado, também denominada Estrada Arichernes Carlos 25 Gobbo, retornando pela referida estrada até encontrar a faixa de domínio da Estrada de Ferro Central do Paraná, seguindo por esta até encontrar a faixa de domínio da Estrada de Ferro Central do Brasil, seguindo por esta até encontrar a rua final do Loteamento Jardim Lagoa Dourada II ... (Grifo nosso). “Art. 2º A área urbana do Município de Ponta Grossa, previsto na Lei Municipal nº 8.799, de 26 de dezembro de 2006 e suas alterações posteriores, é fracionada para os efeitos desta lei da seguinte forma: II - Bairro Neves, delimitado pelo seguinte perímetro: inicia na faixa de domínio da Estrada de Ferro Central do Brasil, no ponto georreferenciado "AF", seguindo por esta até encontrar o limite do Jardim Residencial San Martin, no ponto georreferenciado "CV", contornando externamente o citado loteamento até atingir a Estrada do Alagado, também denominada Estrada Arichernes Carlos Gobbo, do loteamento San Martin, no ponto georreferenciado "CW", retornando pela referida estrada até encontrar a faixa de domínio da Estrada de Ferro Central do Brasil, no ponto georreferenciado "CX", seguindo por esta até encontrar a rua final do Loteamento Jardim Lagoa Dourada II, Rua Amauri de Arruda Moura, contornando externamente o citado loteamento até a Rua Edgar Bastos Pequeno, do Jardim Lagoa Dourada II, seguindo em linha seca sentido oeste até encontrar novamente o Rio Verde,... (Grifo Nosso). 26 Ora, da análise da legislação municipal, conclui-se sem sombra de dúvidas, que o matadouro municipal encontra-se em Zona Urbana do município, o que contraria expressamente a Norma Técnica para estabelecimentos de abate de bovídeos, suídeos, caprídeos e ovinos (NTEA) expedida pela Secretaria de Agricultura do Governo do Estado do Paraná, a qual define que: “Art. 2o O estabelecimento de abate deve: I - Ser em área rural, distar no mínimo 500m (quinhentos metros) de estábulos, pocilgas, apriscos, capris, aviários, coelheiras ou de quaisquer fontes poluidoras de odores desagradáveis ou poluentes; II - estar instalado em terreno cercado e afastado no mínimo 15m (quinze metros) de vias públicas; III - apresentar área compatível com as necessidades do estabelecimento e suficiente para a circulação e realização de manobras de veículos; IV - possuir instalações em quantidade e dimensões condizentes à realização dos trabalhos de cada etapa do abate. (...) (Grifo nosso) Entretanto, não é o que ocorre no caso em tela, uma vez que o estabelecimento está na zona urbana e habitada, sendo que a sua entrada encontra-se praticamente na via pública, conforme se denota das fotografias abaixo (prédio branco e azul): 27 Ressalte-se, que, além de estar em zona urbana, o estabelecimento também ocupa uma importante área de preservação permanente ás margens do Rio Verde. Se já não bastasse estar irregular em razão do zoneamento urbano, o estabelecimento contraria as normas federais ao se manter instalado em área de preservação permanente. Assim dispõe o Código Florestal – Lei nº 12.651/2012 sobre as áreas de preservação permanente: Art. 3o Para os efeitos desta Lei, entende-se por: 28 II - Área de Preservação Permanente - APP: área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas; (Grifo nosso) Art. 4o Considera-se Área de Preservação Permanente, em zonas rurais ou urbanas, para os efeitos desta Lei: I - as faixas marginais de qualquer curso d’água natural perene e intermitente, excluídos os efêmeros, desde a borda da calha do leito regular, em largura mínima de: (Incluído pela Lei nº 12.727, de 2012). a) 30 (trinta) metros, para os cursos d’água de menos de 10 (dez) metros de largura; b) 50 (cinquenta) metros, para os cursos d’água que tenham de 10 (dez) a 50 (cinquenta) metros de largura; c) 100 (cem) metros, para os cursos d’água que tenham de 50 (cinquenta) a 200 (duzentos) metros de largura; d) 200 (duzentos) metros, para os cursos d’água que tenham de 200 (duzentos) a 600 (seiscentos) metros de largura; e) 500 (quinhentos) metros, para os cursos d’água que tenham largura superior a 600 (seiscentos) metros; (...) 29 Ora, Excelência, conforme já afirmado anteriormente as instalações do matadouro municipal encontram-se muito próximas ao Rio Verde, deflagrando uma situação totalmente inadmissível, tendo em vista que as instalações deveriam resguardar, no mínimo, a distância de 30 (trinta) metros, consoante a legislação vigente. Some-se a isto o fato de que as lagoas de tratamento estão localizadas a menos de 300 (trezentos) metros do matadouro e, mais grave ainda, constatou-se a invasão de famílias carentes, as quais apossaram-se do local e ali criam os seus animais, tais como cavalos, suínos, cachorros e vacas, o que também contraria completamente a exigência do art. 2º, inciso I da norma técnica exposta acima. Tal situação foi registrada pela Prefeitura Municipal (1ª requerida) quando da realização do Relatório de Inspeção Técnica e Investigação Sanitária, tendo-se as seguintes imagens do local: 30 31 Ademais, ainda sobre as lagoas de tratamento, consoante relatório de inspeção ambiental realizado pelo IAP, em 10/09/2008, foram constatadas deficiências nas referidas lagoas, tais como a ineficácia do bombeamento dos resíduos dos animais, o que poderia ocasionar o lançamento de resíduos in natura diretamente no corpo hídrico Rio Verde, causando, assim, grave poluição. Esta situação viola a Resolução nº 430/2011 do CONAMA8, pela qual os resíduos e dejetos de fonte poluidora somente poderão ser lançados no corpo hídrico se obedecerem aos padrões e exigências químicos, sanitários e ambientais, o que não está ocorrendo no matadouro municipal, uma vez que as constantes autuações do IAP foram em decorrência de lançamento de efluentes em desconformidade com os padrões químicos. Registre-se, ainda, para visualização e melhor compreensão da questão aqui tratada, as fotografias abaixo, as quais demonstram claramente a proximidade das instalações do matadouro com o Rio Verde, abrangendo área de APP e irregularidades do local. 8 Art. 16. Os efluentes de qualquer fonte poluidora somente poderão ser lançados diretamente no corpo receptor desde que obedeçam as condições e padrões previstos neste artigo, resguardadas outras exigências cabíveis: (...) 32 33 Pois bem, Excelência, vislumbra-se com isso a gravidade da situação e, sendo assim, não há como manter-se a situação como está, impondose a imediata intervenção no sentido de fazer cessar as atividades desenvolvidas no local e, bem como determinar a demolição de qualquer construção ou instalação do atual matadouro, na parte que ocupar área de APP, com a posterior recuperação da área degradada, tudo pela preservação da saúde da população de Ponta Grossa, bem como de um meio ambiente ecologicamente equilibrado, os quais estão sendo seriamente lesados com o desenvolvimento da atividade dos requeridos em local totalmente inadequado e sem nenhuma das licenças exigidas para o exercício da atividade. 2.7 – Da Imprescindibilidade da Licença de Operação para a atividade Outra questão de extrema importância que merece análise nesta ação é a ausência do devido licenciamento ambiental por parte do empreendimento do “Matadouro Municipal”. 34 Como já afirmado anteriormente, o referido estabelecimento nunca obteve a competente licença de operação. Licença esta indispensável para o funcionamento do empreendimento, pois, a partir do momento em que uma empresa obtém a licença de operação, atesta-se que a mesma, embora desenvolva atividade poluidora, cumpre com as normativas ambientais exigidas, evitando ou minimizando os impactos ambientais decorrentes de sua atividade9. Porém, não é o que ocorre no caso em tela. O Matadouro Municipal nunca obteve a devida licença ambiental, ou seja, nunca esteve apto a funcionar, inobstante esteja em pleno funcionamento desde sempre. A obrigatoriedade da licença de operação está prevista na legislação federal e não há possibilidade de se afastar tal exigência, tendo em vista que se trata o meio ambiente de um direito difuso – pertencente a toda a coletividade – que sofre os impactos e danos em razão de uma atividade empresarial irregular. Assim prescreve a Lei nº 6.938/81, em seu artigo 10, ao exigir o prévio licenciamento ambiental para atividades utilizadoras de recursos ambientais que sejam potencialmente poluidoras, como é o caso do matadouro objeto desta ação. Art. 10. A construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental dependerão de prévio licenciamento ambiental. 9 Resolução CONAMA 237/97: Art. 8, III: Licença de Operação (LO) - autoriza a operação da atividade ou empreendimento, após a verificação do efetivo cumprimento do que consta das licenças anteriores, com as medidas de controle ambiental e condicionantes determinados para a operação. 35 A atividade desenvolvida pelos requeridos é, sem dúvida, altamente poluidora, sendo imprescindível, para tanto, o competente licenciamento ambiental, o qual comprovará que a atividade está sendo desenvolvida com respeito ao meio ambiente. Tal situação está, inclusive, prevista expressamente na Resolução nº 237/97 do CONAMA, ao prescrever que: Art. 2º- A localização, construção, instalação, ampliação, modificação e operação de empreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras, bem como os empreendimentos capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, dependerão de prévio licenciamento do órgão ambiental competente, sem prejuízo de outras licenças legalmente exigíveis. § 1º- Estão sujeitos ao licenciamento ambiental os empreendimentos e as atividades relacionadas no Anexo 1, parte integrante desta Resolução. ANEXO 1: ATIVIDADES OU EMPREENDIMENTOS SUJEITAS AO LICENCIAMENTO AMBIENTAL: Indústria de produtos alimentares e bebidas (...) - matadouros, abatedouros, frigoríficos, charqueadas e derivados de origem animal; (...)(Grifos nossos) No caso em mesa observa-se que não há respeito à legislação vigente. Os requeridos não providenciaram a devida licença de operação e continuaram operando de forma absolutamente ilegal e precária, desenvolvendo atividade com alto risco de poluição, contrariando, assim, todas as normas expostas acima, 36 bem como as obrigações contraídas no Termo de Ajustamento de Conduta firmado com o Ministério Público, o qual prescrevia como uma das obrigações a transferência das atividades para local apropriado e devidamente licenciado pelo órgão ambiental competente. Aliás, vale registrar, que, fazer funcionar estabelecimento ou serviço potencialmente poluidor, sem licença ou autorização dos órgãos ambientais competentes, ou contrariando as normas legais e regulamentares, constitui crime ambiental, previsto no art.60 da lei 9.605/98. Insta salientar que, além de não possuir a licença ambiental, o empreendimento dos requeridos não possui também a licença sanitária e o competente alvará de localização, estando em situação de plena irregularidade. Este é mais um dos inúmeros motivos, Excelência, que impõem a tomada imediata de providências para fazer cessar as atividades desenvolvidas pelos requeridos e impedir a continuidade dos danos ambientais causados pelo total descaso dos requeridos com o meio ambiente e com a saúde pública. III – DA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA A Ação Civil Pública é o instrumento processual que busca facilitar a deflagração de demandas para a tutela adequada e efetiva dos interesses difusos, coletivos, individuais homogêneos e individuais indisponíveis. Desse modo, para viabilizar o acesso pleno à justiça, a lei cria mecanismos de facilitação da demonstração dos direitos, em benefício dos vulneráveis ou hipossuficientes, ainda que apenas tecnicamente. 37 É sabido, Excelência, que o Código de Defesa do Consumidor integra o sistema processual coletivo, trazendo inúmeros avanços legislativos e instrumentos processuais que viabilizam a tutela dos direitos dos vulneráveis. Conforme ensinamentos de Fiorillo, Abelha e Nery: “a relação entre o Código de Defesa do Consumidor e a Lei de Ação Civil Pública possui cunho visceral, pois suas regras processuais se aplicam aprioristicamente a toda ação coletiva, formando um sistema processual coletivo. Desta forma, é perfeitamente possível a aplicação da inversão do ônus da prova em sede de qualquer ação coletiva, nestas incluídas aquelas para a tutela do meio ambiente, pois a inversão do ônus da prova é regra de natureza processual e todas as regras processuais do Código de Defesa do Consumidor e da Lei de Ação Civil Pública devem ser aplicadas na tutela de outros direitos difusos e coletivos conforme arts. 1.º, IV, e 21 da Lei 7.347/1985". 10 (Grifos nossos). Assim, a possibilidade de inversão do ônus da prova prevista no Código de Defesa do Consumidor, por se tratar de norma de cunho processual, alcança a proteção dos demais direitos difusos e coletivos. O Superior Tribunal de Justiça vem reconhecendo a existência do microssistema coletivo e da aplicação da regra de inversão do ônus probatório no caso de ação civil pública ambiental, como se observa pelo seguinte julgado: 10 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco; RODRIGUES, Marcelo Abelha; NERY, Rosa Maria de Andrade. Direito processual ambiental brasileiro: ação civil pública, mandado de segurança, ação popular, mandado de injunção. Belo Horizonte: Del Rey, 1996, p. 142. 38 “AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROVA PERICIAL. INVERSÃO DO ÔNUS. ADIANTAMENTO PELO DEMANDADO. DESCABIMENTO. PRECEDENTES. I - Em autos de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Estadual visando apurar dano ambiental, foram deferidos, a perícia e o pedido de inversão do ônus e das custas respectivas, tendo a parte interposto agravo de instrumento contra tal decisão. II - Aquele que cria ou assume o risco de danos ambientais tem o dever de reparar os danos causados e, em tal contexto, transfere-se a ele todo o encargo de provar que sua conduta não foi lesiva. III - Cabível, na hipótese, a inversão do ônus da prova que, em verdade, se dá em prol da sociedade, que detém o direito de ver reparada ou compensada a eventual prática lesiva ao meio ambiente artigo 6º, VIII, do CDC c/c o artigo 18, da lei nº 7.347/85. IV - Recurso improvido.” 11 (Grifos nossos) Também, o próprio Tribunal de Justiça do Estado do Paraná já decidiu de igual modo no seguinte julgamento: “AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL - INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA POSSIBILIDADE - ANALOGIA COM O ART. 6º, VIII, DO CDC - SÚMULA 232 DO STJ - EXIGÊNCIA CABÍVEL DE DEPÓSITO PRÉVIO DOS HONORÁRIOS - RECURSO DESPROVIDO. O meio ambiente é bem de uso comum do 11 STJ - REsp: 1049822 RS 2008/0084061-9, Relator: Ministro FRANCISCO FALCÃO, Data de Julgamento: 23/04/2009, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 18/05/2009. 39 povo, pertencente a toda a coletividade, incorpóreo, indisponível, indivisível, inalienável, impenhorável, essencial à qualidade de vida e à dignidade da pessoa humana, sem valor pecuniário, cujos danos são de difícil ou impossível reparação. A produção de prova pericial, seu custo, ante a inversão e tendo sido pedida também pelo requerido, deve por este ser suportado. Interpretação sistemática do art. 6º, inc. VIII, do CPC, art. 33 do CPC, art. 18 da Lei 7347/85. Invertido o ônus da prova. A isenção de antecipação atinge somente o autor da ação civil pública.” 12 (Grifos nossos). Vislumbra-se dos julgados acima expostos que é perfeitamente possível e prudente a inversão do ônus da prova em sede de ação civil pública que tutela o meio ambiente, em razão de o sistema coletivo implicar aplicação harmônica de suas regras e, principalmente, pelo fato de a ação tutelar direito de toda a sociedade. Outro importante fundamento que justifica a inversão do ônus probatório é o princípio da precaução, pois ao passo em que há indícios da potencialidade lesiva de determinada conduta ao meio ambiente, esta deve ser imediatamente impedida, cabendo ao empreendedor responsável pela atividade em questão comprovar que a sua conduta não gera riscos para o meio ambiente. Este é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça em julgamento de questão semelhante a dos autos: “AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. DIREITO CIVIL E 12 TJ-PR - AI: 6892893 PR 0689289-3, Relator: Fabio André Santos Muniz. Data de Julgamento: 14/09/2010, 5ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ: 479. 40 DIREITO AMBIENTAL. HIDRELÉTRICA. CONSTRUÇÃO REDUÇÃO DA DE USINA PRODUÇÃO PESQUEIRA. SÚMULA Nº 7/STJ. NÃO CABIMENTO. DISSÍDIO NOTÓRIO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. DANO INCONTESTE. NEXOCAUSAL. PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA.CABIMENTO. PRECEDENTES. (...) 4. O princípio da precaução, aplicável à hipótese, pressupõe a inversão do ônus probatório, transferindo para a concessionária o encargo de provar que sua conduta não ensejou riscos para o meio ambiente e, por consequência, aos pescadores da região. 5. Agravo regimental provido para, conhecendo do agravo, dar provimento ao recurso especial a fim de determinar o retorno dos autos à origem para que, promovendo-se a inversão do ônus da prova, proceda-se a novo julgamento.”13 (Grifos nossos) No mesmo sentido defende Édis Milaré ao afirmar que em caso de dúvidas deve-se sempre militar a favor do meio ambiente: “a ausência de certeza científica absoluta não deve servir de pretexto para procrastinar a adoção de medidas efetivas visando a evitar a degradação do meio ambiente. Vale dizer, a incerteza científica milita em favor do ambiente, 13 STJ - AgRg no AREsp: 206748 SP 2012/0150767-5, Relator: Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Data de Julgamento: 21/02/2013, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 27/02/2013 41 carregando-se ao interessado o ônus de provar que as intervenções pretendidas não trarão consequências indesejadas ao meio considerado. 'O motivo para a adoção de um posicionamento dessa natureza é simples: em muitas situações, torna-se verdadeiramente imperativa a cessação de atividades potencialmente degradadoras do meio ambiente, mesmo diante de controvérsias científicas em relação aos seus efeitos nocivos.” 14 Assim, ante a importância do bem tutelado nesta ação e ante a gravidade dos fatos narrados, torna-se extremamente necessária a inversão do ônus probatório, com o fim de facilitar a proteção da saúde pública e do meio ambiente. IV – DA ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA A farta prova documental acostada aos autos, principalmente os relatórios produzidos pela Inspeção Sanitária da Secretaria Municipal de Agricultura, Pecuária e Meio Ambiente e pelo IAP, dão conta da precariedade do funcionamento do Matadouro Municipal de Ponta Grossa, operado pela segunda requerida, sem o devido licenciamento ambiental e com as demais irregularidades já citadas. Além disso, também restou evidenciado o lançamento ilegal de resíduos no leito do Rio Verde, em razão da prática do abate irregular de animais, acarretando danos contínuos e irreversíveis ao meio ambiente. Todo esse quadro revelado delineia prova inequívoca da verossimilhança de que ambos demandados são efetivos poluidores, os quais 14 MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: doutrina, prática, jurisprudência, glossário. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 119. 42 mesmo depois das providências ministeriais e das autuações realizadas pelo IAP, insistem em perpetuar com a poluição. Deve-se frisar que os demandados têm todo o conhecimento da poluição e tem toda a condição de supri-la, não se podendo admitir tamanho descaso com o meio ambiente. Assim, urge a necessidade da concessão da medida liminar, antecipando-se os efeitos da tutela pretendida, para o fim de se determinar a imediata interdição do Matadouro Municipal de Ponta Grossa-PR. Essa providência, de caráter nitidamente cautelar, está prevista no artigo 273, inciso I, do Código de Processo Civil15 e no artigo 12 da Lei Federal n° 7.347/8516, os quais preveem a possibilidade de liminarmente, isto é, em caráter de urgência, serem antecipados os efeitos da tutela pretendida, independentemente de justificação prévia, desde que presentes os requisitos legais, quais sejam, o fumus boni juris - a fumaça do bom direito - aqui materializado pelos laudos juntados, pelas imagens e pela farta documentação inclusa, e o periculum in mora - perigo na demora - que, no caso em tela está consubstanciado na certeza de irreversibilidade dos danos ambientais e à saúde pública ocasionados pela continuidade da atividade irregular desenvolvida pelos requeridos, reforçando-se, novamente, que o empreendimento do matadouro municipal não possui qualquer espécie de licença para funcionamento, quer seja ambiental ou sanitária, o que leva, consequentemente, à clandestinidade e à contínua poluição resultante do lançamento de resíduos do abate em local inadequado, atingindo, inclusive o leito do Rio Verde, acarretando, desse modo, prejuízos incalculáveis à vida da 15 “Art. 273: O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e: I - haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação;”. 16 Art. 12. Poderá o juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a agravo. 43 população de Ponta Grossa, ao passo em que afeta a saúde pública e o equilíbrio do meio ambiente. Nesse sentido é o entendimento dos Tribunais ao confirmarem a concessão da antecipação de tutela em sede de ação civil pública em respeito aos princípios da precaução e prevenção, pilares do direito ambiental: AGRAVO DE INSTRUMENTO EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL ANTECIPAÇÃO DA TUTELA PARA EXECUÇÃO DE OBRAS EMERGENCIAIS POR PARTE DE PROPRIETÁRIOS RESPONSÁVEIS PELA DEGRADAÇÃO DE IMÓVEL TOMBADO NA AVENIDA PAULISTA - ADMISSIBILIDADE EXISTÊNCIA DOS REQUISITOS AUTORIZADORES - PREPONDERÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DA PRECAUÇÃO E DA PREVENÇÃO - DESPACHO MANTIDO – (...) AGRAVO DESPROVIDO. (...)17 Também o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná manteve a antecipação de tutela deferida em caráter liminar em caso análogo ao da presente ação: AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PEDIDO DE LIMINAR. INTERDIÇÃO DE MATADOURO. RISCO AO MEIO AMBIENTE E À SAÚDE DOS CONSUMIDORES DE CARNES ALI ABATIDAS. DEMONSTRAÇÃO DE INOBSERVÂNCIA DAS CONDIÇÕES MÍNIMAS DE HIGIENE SANITÁRIA NO PROCESSO DE ABATE E RETALHAMENTO DOS BOVINOS. INTERDIÇÃO LIMINAR DO MATADOURO INDISPENSÁVEL PARA CONTER O AGRAVAMENTO DA SITUAÇÃO QUE DEU ORIGEM À AÇÃO CIVIL PÚBLICA E PRESERVAR DE DANOS A SAÚDE DOS CONSUMIDORES E DA POPULAÇÃO EM GERAL. DECISÃO SINGULAR 17 TJ-SP - AI: 1339494320118260000 SP 0133949-43.2011.8.26.0000, Relator: Renato Nalini, Data de Julgamento: 20/10/2011, Câmara Reservada ao Meio Ambiente, Data de Publicação: 28/10/2011. 44 REFORMADA. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO. 18 (Grifos nossos) Pois bem, do exposto, urgente se mostra a concessão da tutela inibitória antecipada. Estão presentes a fumaça do bom direito, evidenciada pelos documentos juntados em anexo e o perigo da demora, já que os danos ocasionados ao meio ambiente podem assumir caráter irreversível. Sobre a temática bem afirma Paulo Affonso Leme Machado ao dizer que “os danos causados ao meio ambiente encontram grande dificuldade de serem reparados. É a saúde do homem e a sobrevivência das espécies da fauna e da flora que indicam a necessidade de prevenir e evitar o dano.” 19 Ficou claro que o empreendimento do matadouro municipal está causando grave dano ambiental e à saúde pública, devendo a sua atividade nociva ser interrompida imediatamente, Excelência. Por esse motivo requer-se a concessão de antecipação de tutela, expedindo-se o competente mandado liminar ordenando a interrupção imediata de todas as atividades desenvolvidas no matadouro municipal, até que os requeridos providenciem novo local adequado aos parâmetros e exigências estabelecidos pelo órgão ambiental e sanitário. Deste modo, então, requer o Ministério Público seja determinada, liminarmente, a paralisação imediata das atividades do matadouro, fixando-se multa cominatória no valor de R$ 1.000,00 (um mil reais) por dia de 18 TJPR - 4ª C.Cível - AI 0471169-7 - Barbosa Ferraz - Rel.: Desª Maria Aparecida Blanco de Lima - Unanime J. 13.01.2009. 19 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 11ª Edição, Revista, Atualizada em Ampliada. Malheiros: São Paulo, 2003. pg 331. 45 descumprimento, os quais serão destinados ao Fundo Municipal de Defesa do Meio Ambiente. V – DOS PEDIDOS Assim, diante da ausência de licença de operação, de licença sanitária e de alvará de localização e funcionamento, bem como ante ao fato de o estabelecimento estar localizado em zona urbana, dentro de área de preservação permanente, e de inúmeras outras irregularidades, causando grave poluição e trazendo inúmeros riscos para a saúde pública e para o meio ambiente ecologicamente equilibrado da região de Ponta Grossa-PR, requer-se de Vossa Excelência: a) A autuação da presente petição inicial e dos documentos que a instruem, bem como o seu recebimento e processamento seguindo o rito estabelecido pela Lei 7.347/85, com a urgência que o caso requer; b) A concessão de medida liminar, nos moldes acima delineados, inaudita altera parte, antecipando-se os efeitos da tutela para determinar-se aos requeridos a obrigação de não fazer, consistente na imediata interrupção do funcionamento de suas atividades no “matadouro municipal”, enquanto não houver a transferência para local adequado e com as devidas licenças ambientais, sanitárias e alvará de funcionamento, expedidas pelos órgãos competentes, com a cominação de multa diária em caso de descumprimento da decisão em valor não inferior a R$ 1.000,00 (mil reais) a ser destinada ao Fundo Municipal de Defesa do Meio Ambiente; c) A citação dos requeridos na pessoa dos seus representantes legais, com o permissivo do artigo 172, parágrafo 2º, do CPC, para querendo, 46 responderem e acompanharem os termos da presente, sob pena de serem considerados como verdadeiros os fatos nesta alegados; d) Produção de provas por todos os meios em direito admitidos, inclusive depoimento pessoal dos representantes legais dos demandados, de prova pericial, documental e testemunhal; e) O deferimento da inversão do ônus da prova com aplicação de todas as consequências jurídicas derivadas, nos termos do artigo 21 da Lei nº 7.347/85 c/c artigo 6º, VIII da Lei 8.078/90; f) A dispensa do pagamento de custas, emolumentos e outros encargos, nos termos do art.18 da Lei 7.347/85; g) Ao final, seja julgada procedente a presente Ação Civil Pública, com a condenação solidária dos requeridos MUNICÍPIO DE PONTA GROSSA-PR e ASSOCIAÇÃO DO COMÉRCIO E INDÚSTRIA DE CARNES – PONTA GROSSA – ACIC-PG, confirmando a liminar concedida e impondo aos requeridos a obrigação de não fazer consistente em cessar definitivamente as atividades do matadouro municipal no local atual, quer pela transferência para um local adequado (em zona rural) e devidamente licenciado pelos órgãos competentes, quer pelo abandono em definitivo da atividade de abate de animais; bem como seja determinado que promovam a demolição das atuais instalações do matadouro municipal na parte sobre a área de preservação permanente, e ainda seja determinado que promovam a reparação da área de preservação permanente degradada mediante Plano/Cronograma de operação devidamente autorizado pelo órgão ambiental e comprovado nos autos, em prazo fixado por Vossa Excelência. 47 h) A intimação pessoal do Ministério Público (6ª Promotoria) para acompanhar todos os atos praticados nos autos ora instaurados. i) a procedência da ação em todos os seus termos, condenando-se os demandados ao pagamento das despesas processuais e verbas honorárias de sucumbência, cujo recolhimento deste último deve ser feito ao Fundo Especial do Ministério Público do Estado do Paraná, criado pela Lei Estadual n. 12.241, de 28 de julho de 1998 (DOE n. 5302, de 29 de julho de 1.998), nos termos do artigo 118, inciso II, alínea “a”, parte final, da Constituição do Estado do Paraná. Dá-se à causa o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) por ser inestimável o valor dos bens tutelados. Nestes termos, pede deferimento. Ponta Grossa, 10 de outubro de 2013. HONORINO TREMEA Promotor de Justiça Thais Sanson Sene Assessor de Promotoria Relação de Documentos Anexados digitalmente: 48 Doc. 01 – Termo de Concessão de Uso do matadouro municipal feito pela Prefeitura Municipal de Ponta Grossa para a Associação do Comércio e Indústria de Carnes de Ponta Grossa (ACIC-PG), em 01/02/1995. 20 Doc. 02 – Renovação da concessão de uso mediante novo Termo de Concessão de Uso do matadouro municipal feito pela Prefeitura Municipal de Ponta Grossa para a Associação do Comércio e Indústria de Carnes de Ponta Grossa (ACICPG), em 01/02/2005. 21 Doc. 03 – Relatório interno da Secretaria de Estado do Meio Ambiente do Governo do Paraná.22 Doc. 04 – Termo de Compromisso firmado entre a ACIC-PG e o IAP em 19/01/1996. 23 Doc. 05 – Licença de Instalação de nº 1026 com validade até 28/05/1997. 24 Doc. 06 – Auto de Infração Ambiental nº 36.988 e o respectivo Termo de Embargo nº 23853. 25 Doc. 07 – AIA nº 27968 e o Termo de Embargo nº 19666. 26 Doc. 08 – Acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná na decisão do MS 1626/2003. Doc. 09 – Julgamento do Recurso Especial no STJ do MS 1626/2003. Doc. 10 – Relatório de Inspeção Ambiental elaborado pelo IAP. 27 20 Fls. 98/110 do ICP. Fls. 236/247 do ICP e Lei Municipal nº 8196/2005. 22 Fl. 25 do ICP. 23 Fl. 31/33 do ICP. 24 Fl. 38 do ICP. 25 Fls. 77/81 do ICP. 26 Fls. 03/05, Procedimento Preparatório nº 0113.04.000005-2. 27 Fl. 132 do ICP. 21 49 Doc. 11 – Auto de Infração Ambiental 101754, lavrado em 03/08/2012. 28 Doc. 12 – Anexo I do Relatório de Inspeção Técnica e Investigação Sanitária, elaborado pelo Serviço de Vigilância Sanitária da Prefeitura de Ponta Grossa. 29 Doc. 13 – Relatório da vistoria conjunta entre a Vigilância Sanitária Municipal, a Terceira Regional de Saúde/SESA, o Serviço de Inspeção Municipal e o Serviço de Inspeção do Paraná/SIP/POA. 30 Doc. 14 – Termo de Ajustamento de Conduta firmado entre a ACIC-PG e o Ministério Público. 31 Doc. 15 – Termo Aditivo do TAC firmado entre MP e ACIC-PG. 32 Doc. 16 – Laudo de vistoria da última inspeção realizada pelo IAP, em 02/08/2012. 33 Obs. os autos de Inquérito Civil Público e seus anexos, que embasaram a instauração da presente ação civil pública, foram entregues em cartório para consulta e utilização no decorrer do processo pelas partes e agentes do processo. 28 Fl. 572 do ICP. Anexos I, II e III do ICP. 30 Fl. 481 do ICP. 31 Fls. 524/528 do ICP. 32 Fls. 561/563 do ICP. 33 Fls. 569/571 do ICP. 29 50