○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○○ ○○ ○○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Identidade e gestão das IME Uso de drogas em escolas e universidades – desafios e oportunidades para a educação Drug-use in schools and universities – challenges and opportunities for education Paulo Bessa da Silva Bacharel em Teologia e Psicólogo Mestre em Psicologia Clínica Assessor de extensão da vice-reitoria acadêmica da UMESP Membro do Conselho Municipal de Entorpecentes de São Bernardo do Campo - SP R e s u m o Este artigo discute alternativas de ação frente ao uso de substâncias psicoativas, lícitas ou ilícitas, nas escolas e universidades, ressaltando sempre a importância de que todos os que trabalham nessas instituições estejam envolvidos nas ações preventivas. Registra as principais classificações das drogas e dos padrões de uso e apresenta modelos de prevenção. Também, alerta que, para se definir os fatores causadores do consumo de drogas, é preciso levar em conta que os problemas presentes no consumo de bebidas alcoólicas e substâncias psicoativas se situam na interação do indivíduo com o seu meio. Unitermos: consumo de drogas, ações preventivas, gestão educacional, ética. Synopsis The present paper discusses the action alternatives regarding the use of legal or illegal psychoactive substances within schools and universities, emphasizing that all those who work in these institutions should be involved in preventive actions. It brings the main drug classifications and use-patterns and offers prevention models. It also alerts to the fact that in order to define the causing factors of drug-use it is necessary to consider that the problems involved in the use of alcoholic drinks and psychoactive substances are found in the individual’s interaction with his/her environment. Terms: drug-use, preventive actions, educational management, ethics. Resumen Este artículo discute alternativas de acción frente al uso de sustancias psicoactivas, lícitas o ilícitas, en escuelas y universidades, siempre poniendo de relieve la importancia de que todos los que trabajan en esas intituciones se involucren en las acciones preventivas. Registra las principales clasificaciones de las drogas y los patrones de uso y presenta modelos de prevención. Además, alerta que, para que se definan los factores causadores del consumo de drogas, se debe llevar en cuenta que los problemas presentes en el consumo de bebidas alcohólicas y sustancias psicoactivas se sitúan en la interacción del individuo con su entorno. Términos: consumo de drogas, acciones preventivas, gestión educacional, ética. Revista de Educação do Cogeime ○ ○ ○ 83 ○ ○ ○ Ano 12 - n 0 23 - dezembro / 2003 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Introdução Há um número incrível de substâncias psicoativas à disposição dos consumidores S ○ ○ ○ e é efetivamente necessário definir o objeto sobre o qual um estudo vai acontecer, pode-se afirmar que, aqui, o foco estará sobre os elementos básicos para a formulação de um grupo de atitudes que julgamos necessárias em gestores educacionais. Tais atitudes são requeridas para fazer frente ao uso de substâncias psicoativas, lícitas ou ilícitas, pelas pessoas que convivem no ambiente das universidades, dos centros universitários ou das escolas de ensino básico ou médio. Tem-se, pois, de lidar com o uso dessas substâncias pelos estudantes, mas não apenas por eles. Professores/as, funcionários/as e até mesmo familiares devem ser considerados, quando são propostas políticas institucionais para tratar a questão. Deve-se criar condições também para que todos os que trabalham em colégios ou instituições de nível superior estejam razoavelmente sensibilizados e capacitados para administrar situações em que o uso de drogas esteja presente. Cabe aqui a advertência de que o texto ora apresentado se presta única e humildemente a uma visão panorâmica e introdutória do tema, levando em conta informações básicas para que instituições educacionais possam iniciar uma discussão que vise ao estabelecimento de políticas organizacionais que abordem a questão, ou até mesmo para que se pense em um programa de prevenção do uso ou abuso de drogas, no âmbito próprio da educação. O desafio de uma reflexão sobre o tema das drogas, a partir do ponto de vista de quem lida com educação, demanda alguns refinamentos dian- Revista de Educação do Cogeime Aqueles que trabalham na educação precisam estar preparados para administrar situações em que o uso de drogas esteja presente ○ ○ ○ 84 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ te do objeto e do público que queremos alcançar. Há um número incrível de substâncias psicoativas à disposição dos consumidores, com promessas de efeitos diferentes para todos os gostos: para relaxar, para deixar agitado, para delirar, para alucinar. A perspectiva do educador implica também considerar que o tema deve ser abordado levando-se em consideração as diferentes pessoas, em diferentes faixas etárias e estágios de desenvolvimento cognitivo e emocional. Se por um lado é importante classificar, separar, categorizar, tentar imobilizar o objeto tal como ocorre numa fotografia, enfim, agir cartesianamente em alguns momentos, de outro lado é imprescindível entender como as coisas estão tecidas conjuntamente, amarradas umas às outras tanto em termos biológicos quanto em sociais. Quando falamos em interesses econômicos relacionados ao uso, abuso e tráfico de drogas, devemos reconhecer que há muita gente ganhando a vida com isso. Muita gente aqui significa tanto os que trabalham produzindo e comercializando quanto os que se dedicam à prevenção do uso e abuso, passando pelos que estão envolvidos na repressão e no tratamento das dependências químicas. São agricultores, refinadores, traficantes, policiais, professores, psicólogos, médicos, assistentes sociais, o que pode nos levar a pensar que, se o consumo de substâncias psicoativas fosse reduzido a zero, os índices de desemprego aumentariam em função do número de pessoas que, de uma forma ou de outra, dependem financeiramente de atividades ligadas às drogas. Essa observação se presta apenas a reforçar a idéia de Ano 12 - n 0 23 - dezembro / 2003 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ que não se trata de assunto fácil, se é que alguém ainda tinha dúvidas a esse respeito. Quem está envolvido com educação, quer seja de crianças, jovens, adultos ou mesmo dos representantes da assim chamada terceira idade, sabe da importância de se empreender estudos que permitam uma compreensão maior dos aspectos presentes no uso e no abuso de bebidas alcoólicas, tabaco, maconha, cocaína e outras drogas. Sabe também do assombro que acomete educadores e funcionários das escolas quando algum estudante é pego consumindo drogas ilícitas no ambiente escolar ou quando indícios de consumo de drogas são descobertos em banheiros ou corredores das instituições de ensino. Isso sem falar no constrangimento ou em outras reações provocadas quando docentes, funcionários/as ou estudantes chegam alcoolizados à escola. Enfim, não há como negar a relevância de que educadores e gestores estejam capacitados para enfrentar problemas relacionados com o consumo de álcool e outras drogas. Não é recomendável, porém, perder-se a perspectiva da tarefa da educação, que não consiste em mera proibição, complacência ou mesmo omissão. Por outro, acreditar que a simples transmissão de informações irá resolver todos os problemas é ingenuidade que não se admite, neste começo de século XXI. Os termos “drogas” ou “substâncias psicoativas” serão utilizados aqui como sinônimos, resguardadas as distinções que um estudo que demande maior precisão possa requerer. De acordo com a Organização ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Não se trata de assunto fácil, se é que alguém ainda tinha dúvidas a este respeito Referimo-nos a um conjunto de substâncias que têm a propriedade de alterar o funcionamento cerebral ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Mundial de Saúde, droga é qualquer substância que, não sendo produzida pelo organismo, tem a propriedade de atuar sobre um ou mais de seus sistemas, produzindo alterações em seu funcionamento 1 . A palavra “droga” será empregada neste texto, contudo, no sentido mais restrito de agente de alterações comportamentais. Isto é, referimo-nos a um conjunto de substâncias que têm a propriedade de alterar o funcionamento cerebral, causando modificações no estado mental, no psiquismo. Classificações Do ponto de vista ético, uma droga não pode ser rotulada a priori como boa ou má, pois há substâncias capazes de produzir efeitos benéficos no tratamento de doenças e que, por isso, são entendidas e utilizadas como medicamentos. Alguns desses medicamentos, contudo, se usados em doses diferentes daquelas prescritas, podem apresentar efeitos tóxicos, caracterizando-se aí o que pode ser rotulado como um mau uso de algo inicialmente bom. Do ponto de vista da lei, há drogas cujo uso é proibido, sendo por isso chamadas de ilícitas. Entretanto, no grupo das lícitas, ou seja, das que podem ser obtidas sob o amparo da lei, há algumas sujeitas a prescrição médica especial. Mesmo consideradas como drogas lícitas, há impedimentos etários à venda de bebidas alcoólicas e tabaco, isto é, estes não podem ser vendidos a pessoas com menos de 18 anos de idade, no Brasil. Do ponto de vista ético, uma droga não pode ser rotulada a priori como boa ou má 1 Cf. Sérgio Nicastri. “Drogas: classificação e efeitos no organismo”. In: Secretaria Nacional Antidrogas. Homogeneização de Antidrogas, 2002, p.109-126. Conhecimentos para Conselheiros Municipais Antidrogas Revista de Educação do Cogeime ○ ○ ○ 85 ○ ○ ○ Ano 12 - n 0 23 - dezembro / 2003 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Considerando-se suas ações aparentes sobre o Sistema Nervoso Central, podem ser classificadas como: a ) Depressoras: causam uma diminuição da atividade global ou de certos sistemas específicos do Sistema Nervoso Central. Conseqüentemente, há uma tendência de ocorrer uma diminuição da atividade motora, da reatividade à dor e da ansiedade. É comum uma certa euforia inicial, seguida de aumento da sonolência. Exemplos: bebidas alcoólicas, barbitúricos, benzodiazepínicos, morfina, heroína, dentre outras. b ) Estimulantes: aumentam a atividade de determinados sistemas neuronais, trazendo como conseqüência um estado de alerta exagerado, insônia e aceleração dos processos psíquicos. Exemplos: anfetaminas e cocaína. c ) Perturbadoras: provocam alterações no funcionamento cerebral, resultando em fenômenos psíquicos anormais como, por exemplo, os delírios e as alucinações. Maconha, LSD e ecstasy encontramse classificados neste grupo. Um outro fator que deve ser considerado é o padrão de uso de drogas, no que se refere à freqüência. São distintos entre si o uso experimental, o uso social, o uso nocivo ou abuso e a dependência, se bem que há muitas críticas a esta tentativa de classificar o padrão pela freqüência na utilização de substâncias psicoativas. De qualquer modo, dá-se o nome de experimentação aos primeiros e poucos episódios de uso, que não são numerosos ou persistentes. O uso recreativo caracteriza-se em circunsRevista de Educação do Cogeime ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ As drogas podem ser classificadas como: depressoras, estimulantes e perturbadoras O modelo moralista põe um acento maior na fraqueza de caráter da pessoa ○ ○ 86 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ tâncias sociais ou relaxantes, em que não há outros problemas relacionados. No caso de drogas ilícitas, porém, não há como se falar em uso recreativo, posto que há implicações legais envolvidas e, conseqüentemente, questões sociais. Propõe-se a locução “uso controlado”, quando o indivíduo mantém um padrão regular de consumo, não compulsivo e sem interferências no seu funcionamento habitual. A dúvida que paira sobre essa denominação está no fato de que determinadas substâncias não permitem um padrão como tal. O chamado uso social, por sua vez, pode indicar o consumo em companhia de outras pessoas, dentro de limites socialmente aceitos. A imprecisão do termo se verifica, entretanto, quando se refere aos padrões que foram até aqui mencionados. Recorre-se também aos termos “uso nocivo” ou “abuso”, quando há um aumento no risco de conseqüências prejudiciais para quem usa, podendo resultar em dano físico ou mental. Perfuração do septo nasal em usuários de cocaína e depressão após grande consumo de bebidas alcoólicas são exemplos de danos que ocorrem quando há abuso. Quando se aborda a dependência, enfim, pode-se constatar uma tentativa, entre os profissionais de saúde, de desenvolver critérios diagnósticos mais acurados, que demonstrem maior isenção em relação ao moralismo verificado em épocas passadas, no tocante aos transtornos causados pelo uso abusivo de substâncias psicoativas. O modelo moralista põe um acento maior na fraqueza de caráter da pessoa, como causa dos excessos e da falta de limites no consumo de qualquer coisa, par- No caso de drogas ilícitas, porém, não há como se falar em uso recreativo ○ ○ ○ Ano 12 - n 0 23 - dezembro / 2003 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ticularmente bebidas alcoólicas e outras drogas. Uma das dificuldades que se tem, ao se adotar modelos moralistas, é que não se tem uma referência clara sobre o que são limites aceitáveis. O desvio em relação à norma, portanto, passa a ser considerado patológico, equívoco conceitual cometido até mesmo por estudiosos e profissionais da saúde. Há quem argumente que a dependência de álcool e de outras drogas é determinada biologicamente, constituindo-se como doença crônica, progressiva, que tem na abstinência o único tratamento possível 2 . Outros há que vêem o comportamento de consumir álcool e drogas como algo aprendido a partir de familiares, grupo de amigos e meios de comunicação. Há ainda os que advogam a existência de determinados fatores de risco conhecidos que aumentam a probabilidade de ocorrência de problemas relacionados ao uso de drogas. Exemplos de fatores de risco seriam o histórico familiar, mau desempenho escolar, depressão, incapacidade de realizar tarefas e comportamentos delinqüentes. Porém, esses três modelos – biológico da doença, modelagem social e fatores de risco múltiplos – são passíveis de críticas por tomarem como base “modelos genéticos controversos e generalizações questionáveis de determinados experimentos para o fenômeno da dependência como um todo”; por desconsiderar motivações individuais para se consumir substâncias psicoativas; por desprezar que fatores correlacionados não são obrigatoriamente determinados como cau- ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ sa e efeito. Dada a complexidade do fenômeno, o modelo assim chamado “sistêmico” se apresenta como o único suficientemente abrangente, indicando que os problemas presentes no consumo de bebidas alcoólicas e drogas estão situados na interação do indivíduo com o seu meio. Variáveis individuais e ambientais se aliam, interagindo dinamicamente com a substância química, na geração do uso nocivo ou abusivo. Os problemas presentes no consumo de bebidas alcoólicas e drogas estão situados na interação do indivíduo com o seu meio Prevenção – estruturando uma proposta A humanidade conhece e utiliza substâncias capazes de produzir estados alterados de consciência há muito tempo. Relatos de uso de bebidas alcoólicas e de situações de embriaguez são encontrados na Bíblia, bem como nos escritos gregos da Antiguidade. O consumo de substâncias alucinógenas em rituais religiosos, substâncias estas obtidas a partir de cogumelos, do peiote (tipo de cacto comum no México, em que a mescalina está presente) e do cozimento concomitante de um cipó ( Banisteriopsis caapi) e de um arbusto ( Psychotria viridis) cujo resultado é o chá conhecido como “ayahuasca”, acontecia entre sociedades menos complexas do que a ocidental contemporânea, mas ainda encontra adeptos nos tempos atuais. Os preparados alucinógenos proporcionam aos componentes dessas sociedades a possibilidade de facilitar a comunicação entre o mundo material e o espaço da divindade, que configura O consumo de substâncias alucinógenas em rituais religiosos acontecia entre sociedades menos complexas do que a ocidental contemoporânea 2 Ver Dartiu Xavier da Silveira. “Dependências: de que estamos falando, afinal?”. In: Brasil. Presidência da República. Secretaria Nacional Antidrogas. Curso a distância: aspectos básicos do tratamento das dependências químicas químicas, v. I., 2002, p. 53. Revista de Educação do Cogeime ○ ○ ○ 87 ○ ○ ○ Ano 12 - n 0 23 - dezembro / 2003 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ o mundo “espiritual”. No Brasil, há pelo menos três grupos religiosos que se valem da “ayahuasca” como elemento potencializador da busca por transcendência: o Santo Daime, a União do Vegetal 3 e a Barquinha. Ainda que os exemplos aqui mencionados não sejam numerosos, têm a finalidade de demonstrar que a relação dos seres humanos com o consumo de substâncias psicoativas apresenta uma longa duração na História, o que torna quase que utópica a idéia do planeta sem drogas. Isso não quer dizer que se deva “dar de ombros”, em atitude de conformismo frente à inevitabilidade de que pessoas façam uso delas. É necessário ter clareza, contudo, do que se quer prevenir ou do que é eventualmente possível controlar, na sociedade como um todo e nas instituições educacionais, em particular 4 . Há dois grandes grupos de ações atualmente utilizadas na promoção de um maior controle da sociedade diante do uso indevido de drogas: redução da oferta e redução da demanda. Redução da oferta são as ações que visam à diminuição do comércio de drogas ilícitas, envolvendo a repressão ao tráfico e a busca de maior controle sobre a violência. Pessoas e governos acreditavam, e ainda há os que assim crêem, que a fiscalização e o impedimento ao tráfico de drogas são suficientes para impedir o uso indevido de substâncias psicoativas. Como o problema comporta vários fatores, constata-se que a repressão é importante mas não pode ser a única ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ As escolas e universidades não têm como atuar diretamente na redução de oferta Redução da oferta são as ações que visam à diminuição do comércio de drogas ilícitas ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ medida a ser adotada para se exercer uma ação mais eficiente nesse campo. Busca-se, então, o investimento em estratégias que objetivam a diminuição do consumo, isto é, a redução da demanda por drogas. As escolas e universidades não têm como atuar diretamente na redução de oferta, posto que não são entidades com finalidades policiais. Entretanto, devem estar atentas às movimentações de tráfico no seu entorno, levando ao conhecimento das autoridades competentes as situações que forem identificadas. O respeito ao limite legal da distância de postos de vendas de bebidas alcoólicas em relação à instituição educacional também deve ser verificado. Muito pode ser feito, porém, no campo da educação, para que ocorra uma redução do consumo de drogas e bebidas alcoólicas. É disso que passamos a discorrer, a partir daqui. Um primeiro ponto a ser considerado na elaboração de um programa de prevenção é o alvo que se quer atingir. Pretende-se evitar a experimentação de drogas, mesmo as lícitas, pelos estudantes? O que se quer prevenir é a dependência? O estabelecimento de objetivos claros pode evitar frustrações e colaborar com os educadores no sentido de trabalharem melhor com as sensações de impotência ou de onipotência. Não adianta alimentar a ilusão de que “se eu quero é possível”, isto é, ainda que seja importante, a simples vontade de fazer algo não é suficiente para que os resultados venham. 3 Ver Afrânio Patrocínio de Andrade. O fenômeno do chá e a religiosidade cabocla – um estudo centrado na União do Vegetal. São Bernardo do Campo: Metodista. 1997 (?) Dissertação de mestrado defendida no Programa de Pós-graduação em Vegetal Ciências da Religião. (((LAAN VAI VERIFICAR PENDÊNCIA.))) 4 Uma importante análise do entrelaçamento existente das questões sociais com o tráfico de drogas é encontrada em Argemiro Procópio. “Segurança Humana, Educação e Sustentabilidade”. In: Marcel Bursztyn (org.). Ciência, Ética e Sustentabilidade Sustentabilidade, 2001. Revista de Educação do Cogeime ○ ○ ○ 88 ○ ○ ○ Ano 12 - n 0 23 - dezembro / 2003 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Os programas de prevenção compreendem três níveis, dos quais as escolas participam direta ou indiretamente, dependendo das competências envolvidas em cada um. A prevenção primária consiste em um conjunto de ações postas em prática antes da instalação do problema e que visam ao fortalecimento das condições positivas presentes. A prevenção secundária, por sua vez, compreende as medidas adotadas para coibir a propagação do problema que já tenha surgido, mas que ainda não criou raízes. O diagnóstico e o tratamento precoces são importantíssimos nessa etapa. O encaminhamento das pessoas que já tenham feito uso ocasional de drogas a programas de assistência configura-se como uma das ações possíveis para a escola, no nível secundário do programa preventivo. Na prevenção terciária, enfim, quando a dependência está instalada, busca-se o tratamento das pessoas dependentes do uso de drogas e visa-se à reintegração do indivíduo à sua comunidade. Como a instituição educacional não tem como finalidade o tratamento do dependente, ao menos ela pode colaborar para que o estudante, o funcionário ou o professor se sinta acolhido e bemvindo à casa, quando estiver envolvido neste nível de trabalho. Ao trabalhar um plano de prevenção do uso e abuso de drogas, os educadores devem considerar se os educandos são crianças, adolescentes, jovens adultos, se estão em escola pública ou particular, dentre outras coisas que podem me escapar à mente. Para cada faixa etária, há atitudes, comportamentos e atividades que precisam levar em conRevista de Educação do Cogeime ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Os programas de prevenção compreendem três níveis O diagnóstico e o tratamento precoces são importantíssimos na etapa de prevenção secundária As escolas e universidades podem orientar suas ações preventivas ○ ○ ○ 89 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ta o desenvolvimento psicológico dos indivíduos que se quer alcançar. Por exemplo, o trabalho de prevenção que começa com crianças não envolve necessariamente falar de drogas para elas, como alguns programas têm proposto. O educador deve estar atento a sinais que podem aumentar a probabilidade de surgimento de alguma dependência no futuro. Crianças com dificuldade de aprendizagem de leitura e escrita merecem receber uma atenção especial por parte da professora não porque estejam associadas à idéia de apresentarem um fator de risco para o envolvimento com drogas. Merecem esse cuidado porque têm o direito de serem cidadãs plenas, dominando os códigos da língua escrita. De qualquer modo, o modelo que considera riscos para o uso de drogas será apresentado mais à frente, a fim de que os leitores possam ao menos considerar uma dentre as várias propostas de prevenção, mesmo que isoladamente cada uma delas possa apresentar lacunas. As escolas e universidades podem orientar suas ações preventivas adotando diretrizes que combinem e adaptem os seguintes modelos, tradicionalmente agrupados como: • Modelo de conhecimento científico – Consiste no esforço de informar os estudantes sobre as características e os efeitos das diferentes drogas, utilizando os conhecimentos científicos mais atuais, com imparcialidade, se é que isso é possível. De posse das informações, caberia aos estudantes decidir conscientemente e com fundamentação o que fazer, no tocante ao uso das várias substâncias psicoativas, quando confrontados. Ano 12 - n 0 23 - dezembro / 2003 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ • Modelo de educação afetiva – Considera que as pessoas mais “bem resolvidas”, psicologicamente falando, são menos vulneráveis ao uso indevido ou abusivo de drogas. Para que se tenha jovens e adultos com uma estrutura emocional fortalecida, deve-se cuidar para que, desde a infância, eles sejam adequadamente estimulados e desenvolvam uma boa capacidade de lidar com frustrações (compreensão da existência de limites e da impossibilidade de se ter todos os desejos ou vontades satisfeitos). Dificuldades para vencer a ansiedade podem ser diminuídas com o aumento do entendimento de que o tempo e o lugar em que efetivamente se vive é o presente, isto é, o “aqui e o agora”. Melhorar a autoestima, o amor-próprio é um desafio que está sempre na ordem do dia e isso pode ser incentivado a partir da aceitação do jeito que se é, sem perder o senso de que sempre é possível alguma evolução emocional e comportamental. Colocam-se como objetivos também, neste modelo, a aquisição de boa capacidade tanto de comunicação verbal quanto de resistir às pressões do grupo, posto que, principalmente na adolescência, há uma tendência muito grande de se procurar fazer o que os amigos ou colegas estão fazendo. Como os pais perdem, de certa forma, o papel principal como influenciadores das opiniões e ações dos filhos adolescentes, é importante fornecer sólida base afetiva e ética, que confira maior autonomia e aptidão para tomada de decisões. • Oferta de alternativas ao uso de drogas – Como o tédio e a ausênRevista de Educação do Cogeime ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Pais de alunos e comunidade em geral são convidados a participar ○ ○ 90 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ cia de ocupações saudáveis são compreendidos como predisponentes ao uso indevido de drogas, oferece-se um conjunto de atividades que proporcionam desafios, excitação, crescimento pessoal e sentido existencial. Essas atividades podem ser campeonatos esportivos, organização de cooperativas de produtos e serviços, eventos artísticos nos quais os jovens sejam protagonistas ou apreciadores, alternadamente. A oferta de monitorias que colaborem com a obtenção de melhores resultados escolares também pode ser demandada. • Modificação das condições de ensino – O ser humano é aqui concebido como alguém a ser formado integralmente, não se tendo como meta apenas a refutação aos apelos eventuais para que consuma substâncias produtoras de alterações de consciência. Os resultados esperados relacionam-se com a prevenção da delinqüência, do surgimento de psicopatologias, da adoção de comportamentos de risco em geral. A educação é associada a imagens positivas de eficiência e satisfação, enfatizando-se o diálogo franco e aberto entre docentes e alunos, para a formação de vínculos afetivos e cognitivos mais estreitos. Pais de alunos e comunidade em geral são convidados a participar mais ativamente do planejamento e do cotidiano da escola. Espera-se, com a aproximação dos pais com a escola, que haja melhores perspectivas nas relações destes com seus filhos e que diminuam as probabilidades de comportamentos desviantes da parte dos adolescentes. Recebe Melhorar a autoestima, o amorpróprio é um desafio que está sempre na ordem do dia ○ ○ ○ Ano 12 - n 0 23 - dezembro / 2003 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ênfase especial o chamado ao altruísmo, à solidariedade e à formação de relacionamentos saudáveis entre os próprios alunos, de tal forma que a cooperação e o cuidado de uns para com os outros tome o lugar da competição e do individualismo, tão comuns na vida contemporânea. Pode-se organizar palestras e oficinas sobre doenças sexualmente transmissíveis, estresse na vida moderna, mudanças corporais e psicológicas pelas quais os adolescentes passam, só para mencionar algumas temáticas que possam vir a ser do interesse do grupo. A participação em eventos culturais deve ser encorajada e, quando possível, coordenada pela escola, que assim colabora para o refinamento da estética entre os estudantes. As ações comunitárias de apoio a grupos em situação de desamparo social ou vítimas de desastres naturais também podem contribuir para o desenvolvimento de sensibilidade social e o exercício da cidadania. • Educação para a saúde – A vida saudável ocupa o foco principal, nesta proposta. O incentivo ao cuidado com o corpo, com uma alimentação balanceada, o envolvimento em atividades que não produzam estresse ou minimizem as possibilidades de se chegar a ele, bem como o compromisso com uma vida sexual segura são aspectos vivenciais a ser enfatizados. A orientação sobre possíveis conseqüências para o uso de tabaco, bebidas alcoólicas e outras drogas assume um caráter mais educativo que repressor ou moralista. Uma das idéias centrais, neste modelo, é que o cérebro huRevista de Educação do Cogeime ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ A vida saudável ocupa o foco principal, nesta proposta ○ ○ 91 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ mano trabalha com afirmações, isto é, ele não funciona com frases negativas. Supondo que alguém pudesse dar uma ordem bizarra, durante uma palestra – mais ou menos assim “quero que vocês não pensem agora no Mickey Mouse” – fica fácil entender que o personagem criado por Walt Disney vai ocupar a mente dos participantes por uns bons momentos. Portanto, em vez de lançar os holofotes sobre as drogas, mesmo que com a boa intenção de que se diga “não” a elas, é mais importante dizer “sim” à vida com qualidade. A vida com prazer, com diversões saudáveis, sem que se recorra ao uso de “muletas químicas” para a produção da sensação de bem-estar, passa a ser um elemento poderoso na conquista das pessoas para que se envolvam com a construção de uma existência com mais sentido. Preserva-se, com isso, a energia, o vigor, o gosto pela vida entre os jovens, que compreendem que, com atitudes e comportamentos adequados, é possível aproveitar por mais tempo, e não apenas durante a juventude. A sensibilização e a utilização de métodos interativos, exemplificados nas discussões em grupo, costumam apresentar resultados melhores do que os que aparecem quando são usadas as técnicas tradicionais de ensino. É conveniente chamar a atenção do leitor para o fato de que a informação pura e simples não garante a eficácia de qualquer programa de prevenção. Isso pode ser constatado, por exemplo, no fato de que, mesmo tendo informações com relação aos malefícios à saúde causa- A vida com prazer, com diversões saudáveis passa a ser um elemento poderoso na conquista das pessoas ○ ○ ○ Ano 12 - n 0 23 - dezembro / 2003 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ dos pelo fumo, há muitos médicos fumantes. É imprescindível que a informação sobre drogas se transforme em conhecimento e que este se transforme em sabedoria, como se costuma falar atualmente. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ f) Ligações fortes com instituições como escola e organizações religiosas. g ) Adoção de normas convencionais sobre o uso de drogas. Apresentados esses modelos de ações preventivas, é bom salientar que um programa de prevenção deve comportar não apenas as drogas ilícitas. Discutir todas as formas de abuso de álcool, maconha, inalantes (“loló”, cola de sapateiro e assemelhados) e a invasão do espaço alheio, quando se fuma em ambientes fechados, por exemplo, configura-se como algo que merece alguma atenção, ao se pensar em apoio e valorização da vida humana e das demais espécies que habitam a Terra. Os riscos de beber e dirigir embriagado, a automedicação e outras formas de utilização indevida de drogas devem aparecer nas discussões e demais atividades previstas. Ainda que pareça ingênuo, já que foi feita uma crítica, neste texto, ao estabelecimento de relações entre fatores que não são necessariamente de “causa e efeito”, pode-se incluir como pano de fundo para a ação de educadores a existência de alguns elementos que geralmente são considerados como “protetores”, ou seja, que estão associados a uma menor probabilidade de uso de drogas: a ) Laços familiares fortes e positivos. b ) Monitorar as atividades das crianças e de seus colegas. c ) Estabelecer regras de conduta claras e que são constantemente reforçadas pela família. d ) Envolvimento dos pais com a vida dos filhos. e ) Bom desempenho escolar. Revista de Educação do Cogeime ○ Do mesmo modo, parece haver alguns fatores comumente associados com o aumento do risco ou da probabilidade de desenvolvimento de uso problemático de drogas. São eles: a ) Ambiente familiar caótico, particularmente aquele no qual os pais fazem uso abusivo de substâncias psicoativas ou sofrem de doenças mentais. b ) Função parental inefetiva, especialmente com temperamento difícil ou transtorno de conduta. c ) Perda da ligação parental. d ) Timidez inapropriada ou comportamento agressivo na sala de aula. e ) Desempenho escolar ruim. f) Habilidades sociais precárias. g ) Envolvimento com colegas que apresentam comportamento desviante. h ) Percepção de que o uso de drogas é aprovado na família, no trabalho, na escola, pelos colegas ou na comunidade. Um programa de prevenção deve comportar não apenas as drogas ilícitas Elementos “protetores”, estão associados a uma menor probabilidade de uso de drogas ○ ○ ○ 92 ○ ○ ○ Procurou-se apresentar, até aqui, alguns conhecimentos que podem ser úteis ao gestor de instituições educacionais interessado em criar ou mesmo garantir condições apropriadas para que a formação integral dos estudantes ocorra, no que concerne mais especificamente ao tema das drogas, não importando se são lícitas ou ilícitas. Ao se estruturar um programa de prevenção, entretanto, deve-se levar em conta o quadro inicial, como as coisas começaram, para Ano 12 - n 0 23 - dezembro / 2003 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ que, periodicamente, sejam feitas avaliações que colaborem para o exame do que foi proposto. Esse é o próximo passo da discussão. Avaliação de um programa de prevenção do uso de drogas Quando se planeja e realiza um programa de prevenção do uso de drogas, comumente se estabelece como objetivo geral que o públicoalvo não as use ou retarde um primeiro contato com elas. Devido às situações atuais, em que a oferta de drogas não é pequena, a redução do consumo e dos prejuízos relacionados com o uso indevido não é idéia a ser desprezada, para ser mais realista. Ao se definir com mais acuidade o quadro inicial, começam a ser visualizadas as ações que serão empreendidas. A avaliação periódica e sistemática mostrará se as várias etapas do programa correspondem ao que foi estipulado ou não, se os recursos foram bem empregados e o que eventualmente pode ser corrigido. Uma das principais razões para se avaliar é o aperfeiçoamento do que se faz, validando o que tem dado certo e dando nova orientação aos pontos em que equívocos ou falhas são evidentes. Em nome de uma maior objetividade, a avaliação deveria ser realizada por pessoas que não participam diretamente das atividades, mas isso é uma discussão que pode ser aprofundada, posteriormente, na instituição em que o programa venha a ser implantado. Pode-se dizer que os processos de avaliação se propõem a determinar pelo menos quatro conRevista de Educação do Cogeime A avaliação mostrará se as várias etapas do programa correspondem ao que foi estipulado ou não A avaliação deveria ser realizada por pessoas que não participam diretamente das atividades ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ceitos que devem estar presentes em um projeto ou programa de prevenção. São eles: • Eficácia: consiste em verificar se o programa tem sido bem sucedido quanto à realização dos seus objetivos. Se os objetivos gerais e específicos são alcançados, o programa pode ser considerado eficaz. • Eficiência: atesta-se, aqui, algumas relações entre os investimentos e os resultados obtidos, tomando-se em conta a “produtividade” do processo de implementação. Um programa pode ser considerado eficiente se há resultados positivos frente ao montante de recursos empregados. Entram nessa ponderação recursos humanos, materiais, financeiros, estrutura física e tempo. • Efetividade: demonstra a perenidade na aquisição de valores e atitudes, a partir das ações propostas. A manutenção de comportamentos e princípios obtidos com as intervenções, nos períodos subseqüentes, demonstrará se o programa é ou não efetivo. • Impacto: é a explicitação das alterações provocadas na sociedade, em geral, e sobre o grupo que se pretendeu alcançar, em especial. É fundamental identifica as mudanças ocorridas na coletividade, mesmo quando essas mudanças não são “para melhor”. A experiência do Instituto Metodista de Ensino Superior e o Grupo de Apoio e Valorização da Vida O Instituto Metodista de Ensino Superior (IMS), entidade mantenedora da Universidade Metodista de ○ ○ ○ 93 ○ ○ ○ Ano 12 - n 0 23 - dezembro / 2003 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ São Paulo (UMESP) e do Colégio Metodista em São Bernardo do Campo, SP e Bertioga, SP, criou, em 1993, o Grupo de Apoio e Valorização da Vida (GRAVV), para pesquisar e propor um trabalho de prevenção junto aos alunos, tanto da Universidade quanto do Colégio Metodista. Em 1995, foi iniciado um trabalhopiloto de prevenção com os alunos do Colégio Metodista. Desde então, professores e funcionários técnicoadministrativos têm sido capacitados para o trabalho, priorizando a valorização da vida como o mais forte ingrediente na prevenção do uso de drogas e incentivando o jovem a optar pela vida saudável. O GRAVV se constitui atualmente em um grupo de profissionais voluntários empenhados em discutir e implementar a qualidade de vida e em encontrar soluções específicas para colaboradores e estudantes que estejam envolvidos com alcoolismo ou dependência de drogas. Algumas outras iniciativas também têm surgido na UMESP, como se pode ler a seguir. Partindo do conceito de “promoção à saúde” e considerando que a educação e a comunicação social constituem a base para habilitar as pessoas a melhorar na saúde e adotar estilos de vida saudáveis, a Faculdade de Publicidade, Propaganda e Turismo desenvolveu projetos integrados, em 2001, no seu curso de Publicidade e Propaganda, em torno do tema do uso inadequado de drogas. Mais especificamente, todas as disciplinas ministradas no primeiro semestre daquele ano foram envolvidas na criação de campanhas publicitárias contra drogas lícitas. No segundo semestre, foram abordadas as drogas ilícitas. Os materiais a seRevista de Educação do Cogeime ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Em 1995, foi iniciado um trabalho-piloto de prevenção com os alunos do Colégio Metodista Professores e estudantes participaram de oficinas das quais saíram propostas para aproveitar melhor os recursos disponíveis na Universidade ○ ○ ○ 94 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ rem utilizados em campanhas de sensibilização sobre os malefícios advindos do uso impróprio das substâncias psicoativas foram produzidos pelos estudantes, tornando o ensino das disciplinas do curso mais conectado com situações concretas que ocorrem no cotidiano profissional. Em 2003, durante a II Jornada de Iniciação Científica e V Seminário de Extensão, foi realizado o I Fórum de Qualidade de Vida na UMESP, consistindo em uma palestra preliminar sobre o tema geral proferida pela professora Sueli Longo, seguida de oficinas sobre atividades físicas, atividades artístico-culturais, hábitos alimentares e educação para a saúde. Professores e estudantes participaram dessas oficinas, das quais saíram propostas para aproveitar melhor os vários recursos já disponíveis na Universidade e que servem para promover uma vida com mais satisfação e menos estresse. Uma pesquisa sobre hábitos e qualidade de vida entre estudantes da Faculdade de Ciências Administrativas está em desenvolvimento. Tal estudo se destina a identificar o panorama atual de consumo de substâncias psicoativas, associado aos outros aspectos usualmente presentes nas questões relacionadas à qualidade de vida. O propósito também é o de estabelecer um marco referencial que permita a avaliação do projeto-piloto de prevenção a ser implantado naquela unidade. Vale lembrar que é desenvolvida, no IMS, uma intensa campanha de conscientização quanto à inconveniência de fumar em ambientes fechados, como corredores dos prédios e salas de aula ou de trabalho adminisAno 12 - n 0 23 - dezembro / 2003 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ trativo. Cartazes produzidos por estagiários da Agência Experimental de Publicidade e Propaganda advertem que “junto com a fumaça, vai também a falta de respeito”, indicando que a ética é necessária para o estabelecimento de relacionamentos humanos socialmente responsáveis, mais do que a mera proibição sobre o fumo em locais fechados. No conjunto de estratégias adotadas para lidar com os estudantes, a ênfase se encontra na “educação para a saúde”, isto é, as drogas não ocupam o lugar central do palco, ainda que um dos objetivos do GRAVV seja exatamente a prevenção do uso indevido. A existência da Academia Escola da UMESP, sob a gerência da Coordenação de Esportes, com o oferecimento de uma gama significativa de atividades físicas aos estudantes e à comunidade, vem a calhar para o propósito de promover uma conscientização quanto aos benefícios da prática de hábitos saudáveis. A perspectiva interdisciplinar tem sido considerada pelo GRAVV, se bem que não há uma integração adequada, até o momento, de cursos que têm muito a contribuir na promoção de vida com mais qualidade, como é o caso de Nutrição, de Fisioterapia, de Farmácia, de Biomedicina, de Teologia e dos cursos da área de Comunicação Social, só para mencionar alguns. Na verdade, todas as áreas de conhecimento representadas na UMESP têm alguma contribuição a dar ao debate, bem como à produção de novos conhecimentos e novas estratégias para lidar com o crescente problema das drogas, na universidade, mais especificamente, e na sociedade, em geral. Revista de Educação do Cogeime ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ No segundo semestre de 2003, foi oferecida uma disciplina eletiva como título de “Drogas e Rock and Roll” A perspectiva interdisciplinar tem sido considerada pelo GRAVV ○ ○ ○ 95 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ A ênfase se encontra na “educação para a saúde”, isto é, as drogas não ocupam o lugar central do palco Há, na estrutura da UMESP, o Núcleo de Formação Cidadã, responsável pelo oferecimento de disciplinas como Filosofia, Ética e Cidadania e um leque considerável de matérias eletivas (algumas reúnem conhecimentos de uma determinada área e os associam às oportunidades de exercício da cidadania). No segundo semestre de 2003, foi oferecida uma disciplina eletiva com o título de “Drogas e Rock and Roll”, visando a atrair a atenção dos estudantes para as ligações entre música e apologia das drogas. Nessa disciplina, são estudados aspectos psicológicos, antropológicos e sociológicos presentes no uso e abuso de substâncias psicoativas, ao longo da história da humanidade e, mais especialmente, nos dias atuais. Discute-se a abordagem da temática pelo cinema, bem como são verificadas as principais ações em andamento, no Brasil, nas áreas de redução da demanda de drogas e redução de danos, como estratégias de prevenção e tratamento. O programa apresenta conceitos básicos relacionados ao tema das drogas, distinções entre experimentação, uso, abuso e dependência de drogas. A associação dessas discussões com o estudo da história do rock, sua importância na formação de uma cultura jovem mundializada, a partir do final dos anos 50 do século XX até os dias atuais, serve para tornar a disciplina atraente a um público mais refratário ao exame cuidadoso dos danos provocados pelas drogas. Ano 12 - n 0 23 - dezembro / 2003 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Conclusão Como já foi mencionado neste artigo, a humanidade conhece e utiliza substâncias capazes de produzir estados alterados de consciência há muito tempo. Alguns produtos sintéticos, contudo, têm surgido mais recentemente, passando a ser consumidos em situações em que não se verifica o controle da família e o uso ritual, como costumava ocorrer em épocas passadas. O conhecimento sobre o funcionamento cerebral do ser humano também tem aumentado, o que abre possibilidades para o desenvolvimento de substâncias com potencial para atuar nas situações de ansiedade, depressão e outros distúrbios comportamentais, largamente presentes nos tempos atuais. Tem diminuído, entretanto, a disposição de se estudar o ser humano na sua complexidade, sem privilégio dos aspectos fisiológicos em detrimento dos psicológicos, sociais, filosóficos e, por que não dizer, teológicos. A tendência a se abordar o ser humano como o resultado de combinações químicas, que podem passar por manipulações ou modificações quando o desconforto é experimentado, resulta no empobrecimento do sentido da vida. O papel dos educadores se configura, então, no reconhecimento de que dores e frustrações fazem parte da existência humana e na socialização do saber produzido e acumulado pela humanidade até hoje. Tornase de fundamental importância, além disso, a crítica à concepção artificial de que, nas escolas, os educadores são exclusivamente os professores. Mesmo entre os que se entendem como profissionais da educação deve haver abertura para perceber a participação que os colegas dos jovens e os funcio- Revista de Educação do Cogeime Alguns produtos sintéticos têm surgido mais recentemente O foco está em incentivar a descoberta de um jeito de viver que seja digno e até mesmo prazeroso para o indivíduo e para a coletividade ○ ○ ○ 96 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ nários técnico-administrativos da escola ou universidade têm na formação do caráter dos estudantes. Essa participação acontece não só na troca de informações como também nas atitudes e reações diante de determinados acontecimentos. Dentre esses acontecimentos, situam-se os episódios relacionados ao consumo de drogas, sejam elas lícitas ou ilícitas. Como este texto não se destina a profissionais que tratam de pessoas com dependências assim chamadas “químicas”, não se teve como objetivo exaurir o exame do tema. A partir desse mínimo de conteúdo aqui apresentado, todavia, procurou-se estimular o começo de um estudo e de um trabalho mais consistentes por parte de educadores e gestores educacionais, no tocante às substâncias psicoativas. A competência do profissional da educação, nesta questão, consiste primordialmente em enfatizar a educação para a saúde. Ou seja, é desejável conhecer as características das diferentes drogas e as possibilidades de tratamento para as dependências químicas. Porém, o papel principal de quem trabalha com educação é o de colaborar com a formação das pessoas com quem convive e colaborar para que aprendam a valorizar a vida. Valorizar a vida significa atribuir valor à sua própria vida, à vida dos outros seres humanos e à vida das demais espécies que compartilham o planeta com a humanidade. Quer dizer que o nosso foco não se deita sobre o negativo, sobre “não” consumir. O foco está em incentivar a descoberta de um jeito de viver que seja digno e até mesmo prazeroso para o indivíduo e para a coletividade. Isso está evidente no Metodismo e nos modelos de educação a ele ligados. Ano 12 - n 0 23 - dezembro / 2003 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Leituras sugeridas ARANTAGY, Lídia Rosenberg. Doces Venenos Venenos. 9ª ed. São Paulo: Olho d’água, 1998. CARLINI-COTRIM, B. “Drogas na escola: prevenção, tolerância e pluralidade”. In: ADIALA, J.G. (org.). Drogas na escola: alternativas teóricas e práticas práticas. São Paulo: Summus, 1998. REZENDE, Manuel Morgado. Curto-circuito familiar e drogas: estudo de relações familiares e suas implicações na toxicomania toxicomania. 2ª ed. Taubaté: Cabral, 1997. Referências bibliográficas ANDRADE, Afrânio Patrocínio de. O fenômeno do chá e a religiosidade cabocla – um estudo centrado na União do Vegetal Vegetal. São Bernardo do Campo: Metodista, 1997. 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