EDITORIAL
Há pouco ainda soavam cálices de champanha imaginária, agora
guardados no armário do pretérito. Houve uma sucessão de brindes enquanto se entoavam hosanas do empenho.
Que ora repousam como o troféu da conquista: mas, acima de
tudo, como compromisso: é necessário prosseguir e melhorar.
Na edição anterior todos festejaram a ascensão na escala da referência; ou mais um degrau no acatamento de normas respeitáveis: e
tudo graças ao fazer exemplar de nossos colaboradores, ao exame sério
dos conselheiros e ao operariado de servidores que se preocupam em criar
uma revista singular.
Cessam as fanfarras e todos se agregam para outra agenda de
composições selecionadas para o décimo volume, e que engloba dois
números.
1. Os negócios ancorados em contratos provêm do Direito Romano,
o que remete para as fontes peninsulares da antiguidade, aí residindo o
aparecimento da “fidúcia”, instituto que se projeta no tempo até nossos dias.
Dita modalidade é apreciada com rigor cirúrgico por FÁBIO QUEIROZ PEREIRA, em “Fidúcia: origem, estrutura e tutela no Direito Romano”, que aponta sua gênese e a relevância deste ajuste, embora depois
expurgado do ordenamento nominado.
2. Não é apenas o orgulho da natividade; nem a coragem dos feitos
antepassados que sedimentam a vaidade de uma nação; tampouco a beleza
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dos acidentes geográficos ou a presença de quem escreveu o decálogo de
autonomia e independência: não.
Há um repositório também no nome de uma cidade ou de um país,
a tanto que seja capaz de determinar disputa com contornos beligerantes
pela transcendência de um termo.
É o que mostra JOSUÉ SCHEER DREBES, ao discorrer em
“A disputa sobre o nome da Macedônia: a oposição da Grécia ao reconhecimento do nome constitucional da República da Macedônia”, em relação
ao conflito entre Grécia e Macedônia pelo emprego comum desta última
palavra, resultante da desagregação da antiga Iugoslávia (1991) e a existência
na terra da filosofia de acepção similar, o que faz desconfiar de possíveis
interesses territoriais quanto ao pedaço helênico.
A Macedônia está nas Nações Unidas, não como um ente solitário,
mas como “Antiga República Iugoslava”; por outro lado, a Grécia impediu
que aquela tivesse acesso à Organização do Tratado do Atlântico Norte
(2008), questão em discussão na Corte Internacional de Justiça.
3. A existência da escravidão é uma das páginas mais degradantes
do gênero humano, tema que permite, contudo, preclaros debates nacionais
e estrangeiros, sempre eruditos e originais.
Não foge à regra a situação brasileira, em que muitos pensadores
não aceitam a eternização da pena contra os brancos pelo acontecimento,
apontando até a contribuição negra no triste mercado: ao contrário, outros
não afastam a condenação ao fogo eterno a intervenção caucásica.
Na tradição processual brasileira, todavia, um dos mais relevantes
ritos, pela importância de seus efeitos, foi a “ação de liberdade”, que
possibilitava ao cativo exigir da autoridade judiciária o direito de ir e vir
sem discriminação ou anátema, seja quando o escravizado se munia de
recursos oriundos de seu trabalho ou economia, seja quando pertencesse
ao Estado ou fosse beneficiado por alguma disposição de última vontade,
entre outras hipóteses advindas do ventre livre.
Tudo isso se encontra na fotografia de GABRIELA BARRETO DE
SÁ, em “História do Direito no Brasil, Escravidão e Arquivos Judiciais:
análise da ação de liberdade de Anacleta (1849)”, que se aprofunda na
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pesquisa dos autos do “caso Anacleta”, um dos processos paradigmáticos
em acervo, o que acontece com a habitual maestria, mas também como
posições pessoais postas à discussão.
4. Segue a investigação de ARUANÃ ANTONIO DOS PASSOS,
“A criminalidade no Sudoeste do Paraná (1920-1940)”, que analisa como agricultores pobres, habitantes de determinada região paranaense, se relacionaram
com o aparato policial e a estrutura judicial da região, através de episódios
de violência; e como se manifesta o direito de punir em sociedade incipiente, vislumbrando-se na pesquisa a rede que se organiza, transparecendo um
desequilíbrio entre um sistema judiciário frágil e a criminalização crescente.
5. FABIAN FILATOW, em “(Re)significações do passado na obra
de Oliveira Vianna: produção intelectual de legitimação do Estado autoritário para a política nacional brasileira”, propõe um assunto instigante: a
influência de Oliveira Vianna na construção do pensamento conservador
brasileiro; como indicado, a produção intelectual daquele cientista especialmente se debruça no centralismo e autoritarismo, como vetores de um
projeto político contrário aos ventos republicanos liberais consagrados na
Constituição de 1891.
O que não se sedimenta em mera especulação, mas em discurso
calcado em reflexões histórico-sociológicas apropriadas da formação nacional e da ideologia que seduzia o sábio.
6. Debruça-se sobre o próprio conceito de política o texto “Ideologia Política e Discurso Partidário: os Libertadores no Parlamento Gaúcho
(1955-1959)”, de DOUGLAS STORCHI CARLO. O primeiro Governo Ildo
Meneguetti, no Estado do Rio Grande do Sul, entre 1955 e 1959, é o palco
de fundo dos discursos dos parlamentares do Partido Libertador e serve de
possível fonte das clivagens políticas no contemporâneo. O autor anota a ausência no País de uma tradição direitista relacionada intrinsecamente à defesa
das bandeiras liberais. O artigo incita a um maior conhecimento do contexto
político desse período e de suas relações com os acontecimentos atuais.
7. Finalmente, a publicação se encerra com trabalho percuciente,
atual, mas polêmico: a possibilidade de multa a ser aplicada ao genitor
que descumpra o direito-dever de visita.
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Não há – respeitosamente – entre os livros do direito privado um
que mais cuide dos sentimentos e dos dramas humanos que o do direito de
família; e entre seus capítulos um dos mais sensíveis é o trato das questões
referentes às crianças e adolescentes, especialmente quanto a sua proteção
(cláusula pétrea constitucional) e assistência moral e material, manifestada
pelos alimentos, educação e presença, mas acima de tudo, pelo afeto que
se lhes dedicar.
Para ADRIANE MEDIANEIRA TOALDO, CLAUDIA SCHMITT
RIEDER e ELIANE CELINA GOULART LEAL SEVERO, que redigem
tal sugestão, no artigo “O Direito à Convivência Familiar e a Possibilidade
Jurídica da Multa Cominatória”, a multa se transformará num importante
mecanismo a ser usado para o respeito à decisão judicial que oportuniza
a convivência familiar, essa fonte basilar de amor, respeito e solidariedade
entre pais e filhos.
Por tudo, não estranha que os agentes desta produção busquem os copos, como antes, para saudar mais uma conquista da família jurídico-histórica
na disseminação de estudos tão adequados para a intelectualidade pátria.
Porto Alegre, maio de 2013.
Desembargador José Carlos Teixeira Giorgis,
Coordenador do Memorial do Judiciário do RS.
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editorial - Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul