PROCURADORIA-GERAL DISTRITAL TRIBUNAL da RELAÇÃO de LISBOA PA nº.13/06 * Por despacho proferido em 03.02.06 (cfr. fls.14), o Exmº. Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal de Família e Menores de Vila Franca de Xira, invocando a incompetência territorial desse Tribunal para aplicação da medida tutelar educativa adequada ao caso, por força da estatuição contida no art.31º., nº.1 da Lei Tutelar Educativa, aprovada pela Lei nº.166/99. de 14 de Setembro, determinou a remessa dos autos de inquérito tutelar educativo 239/06.5TAVFX ao Tribunal de Família e Menores de Lisboa que, para tal efeito, entendeu ser territorialmente competente. Sustentou, em síntese, que: - o menor a que os autos se reportam tinha, à data da participação, a sua residência na área da comarca de Lisboa, colocado que estava então no Centro de Acolhimento de Emergência “Casa da Alameda” em Lisboa; - o T.F.M.Lisboa seria competente territorialmente, ao abrigo do disposto no art.31º., nº.1 acima mencionado, para tramitação e decisão do citado inquérito. Por despacho proferido em 03.04.06 (cfr. fls.32-36), o Exmº. Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal de Família e Menores de Lisboa, porém, declinou tal competência, atribuindo-a ao Exmº. Colega do T.F.M. Vila Franca de Xira. Sustentou, em síntese: - resultar do respectivo inquérito que o menor em referência fora colocado provisoriamente no Centro de Acolhimento “Casa da Alameda” em Setembro de 2005, tendo desde então aí pernoitado apenas cerca de 10 noites, por repetidas vezes empreender fugas de tal instituição; - no processo de promoção e protecção que corre termos pelo T.F.M. Vila Franca de Xira não ter sido ainda proferida decisão definitiva (não tendo também sido accionado o mecanismo a que alude o art.79º., nº.4 da L.P.C.J.P., seguramente por considerar que o menor não será residente em Lisboa, na linha do entendimento jurisprudencial que entende não configurarem as medidas de colocação em instituição uma alteração de residência relevante para efeitos de aplicação de tal dispositivo legal); 1 PROCURADORIA-GERAL DISTRITAL TRIBUNAL da RELAÇÃO de LISBOA - não existindo, em matéria de Direito de Família e Menores, uma definição ou critério legal de “residência”, mormente para efeitos do que se estabelece no art.31º., nº.1 da L.T.E., haverá que lançar mão das regras de interpretação do art.9º. do Código Civil, nomeadamente do seu nº.1; - porém, não sendo o conceito de “domicílio” coincidente com o de “residência” e parecendo pacífico que por esta última deve entender-se o local onde a criança vive habitualmente, com estabilidade e em que tem instalada e organizada a sua economia doméstica, será atendível, para efeito do disposto do art.31º., nº.1 acima citado, o local onde o menor se encontra em maior permanência e continuidade e não aquele onde num concreto momento ocasionalmente se encontre; - consequentemente, encontrando-se o menor confiado provisoriamente a um Centro de Acolhimento de Emergência – cuja natureza é a de assegurar a sua protecção enquanto não se encontra definida a sua situação jurídica -, sendo certo que da provisoriedade da medida decretada decorre um período máximo de vigência de 6 meses (cfr. art.37º. da L.P.C.J.P.), não é a morada onde se situam as instalações de tal Centro relevante para efeito de determinação do tribunal territorialmente competente; - aliás, o próprio menor, por duas vezes, surpreendido pela autoridade policial, referiu ter residência na Casa dos cantoneiros, em Alhandra. * Para a resolução do conflito e tendo em conta os elementos de convicção disponíveis, relevam os seguintes factos: - o menor X encontra-se acolhido, desde 07.09.05, no Centro de Acolhimento de Emergência “Casa da Alameda”, instituição sita em Lisboa, tendo-lhe sido aplicada, em 09.09.05, medida de acolhimento institucional, a título provisório, ao abrigo do disposto no art.92º. da L.P.C.J.P., aprovada pela Lei nº.147/99, de 1 de Setembro– cfr. fls.29 e 30; - desde essa altura, o menor empreendeu múltiplas fugas da citada instituição, sendo reconduzido às instalações da mesma pelas autoridades policiais; - à data em que ocorreram os factos participados , qualificados na lei penal como crime – 21.01.06 – mantinha-se em vigor a medida decretada, a título provisório, não tendo, portanto, sido proferida decisão de carácter definitivo, definidora da situação jurídica do menor. 2 PROCURADORIA-GERAL DISTRITAL TRIBUNAL da RELAÇÃO de LISBOA Cumpre decidir. Considerando que a menor foi alvo de medida protectiva de carácter provisório decretada pelo Tribunal de Família e Menores de Vila Franca de Xira (medida de acolhimento institucional prevista no art.35º., nºs.1, alínea f) e 2 da L.P.C.J.P., aprovada pela Lei nº.147/99 de 1/9), a questão essencial, subjacente ao presente conflito, consiste em saber qual é o tribunal territorialmente competente para conhecer os factos qualificados na lei penal como crimes que hajam sido pelo mesmo menor praticados após o decretamento de tal medida provisória. É sabido que, no sentido de que, para determinar a residência de um menor, se deverá atender ao local onde têm domicílio os seus pais ou representantes legais –, se podem citar várias decisões jurisprudenciais1. 1 Das quais seleccionamos, a título exemplificativo, as seguintes: - ACRP de 12.03.03 (P.0310530, Rel.:- Jorge Arcanjo), disponível em www.dgsi.pt e aí sumariado nos seguintes termos: “Para os efeitos do artigo 79 n.4 da Lei n.147/99, de 1 de Setembro, o tribunal competente é o da residência do menor, definindo-se esta em função dos seus progenitores que exercem o poder paternal e não o do local onde o menor temporariamente se encontra a cumprir medida que visa a sua promoção e protecção” (sublinhados nossos); - ACRP de 24.01.02 (P.0131544, Rel.:- Sousa Leite), disponível em www.dgsi.pt e aí sumariado nos seguintes termos: “É territorialmente competente para a tramitação de um processo de promoção e protecção de menor, que por decisão judicial foi confiado a um estabelecimento de educação e assistência, o tribunal da comarca na área da qual o menor tem domicílio legal, que é o mesmo do seu progenitor que exerça o poder paternal” (sublinhados nossos); - ACRP de 03.12.01 (P.0151277, Rel.:- Fonseca Ramos), disponível em www.dgsi.pt e aí sumariado nos seguintes termos: “Para efeitos do artigo 79 n.4 da Lei n.147/99, de 1 de Setembro, o tribunal competente é o da residência do menor, definindo-se esta em função da do(s) seu(s) progenitor(es) que exerce(m) o poder paternal, e não o do local onde o menor, temporariamente, se encontra a cumprir medida que visa a sua promoção e protecção” (sublinhados nossos). - ACRP de 05.11.01 (P.0150967, Rel.:- Pinto Ferreira), disponível em www.dgsi.pt e aí sumariado nos seguintes termos: “Para o efeito de determinação de competência territorial, a residência de um menor define-se em função da residência do seu progenitor que 3 PROCURADORIA-GERAL DISTRITAL TRIBUNAL da RELAÇÃO de LISBOA De acordo com tal entendimento, o local da residência do menor, elemento determinante da competência territorial, face ao disposto no art.79º., nº.1 da L.P.C.J.P. e no art.31º., nº.1 da L.T.E., não será o da instituição onde se encontra acolhido, mas o local da residência da sua progenitora (art.85 nº.2 do Código Civil). Conhecida é também a corrente que, assinalando que o local de residência de uma pessoa singular é aquele onde ela tem o centro da sua vida e onde, normalmente, vive e permanece, a ela regressando após uma eventual ausência breve ou mesmo mais prolongada2 3, defende que por residência se deverá entender o lugar onde o menor reside habitualmente, ou seja, o local onde de facto se encontra organizada a sua vida em termos de maior permanência e estabilidade (cfr. Rui Epifânio e António Farinha, Organização Tutelar de Menores, 196), não se identificando tal conceito com o de domicílio legal do menor, coincidente com o lugar de residência da família respectiva, com o do domicílio do progenitor a cuja guarda estiver, ou mesmo com o do domicílio do progenitor que sobre ele exerça o poder paternal, no caso de ter sido judicialmente confiado a terceira pessoa ou a estabelecimento de educação e assistência. Nessa linha de entendimento, acrescentam os mesmos autores que a razão de ser do preceito radica na constatação evidente de ser o tribunal em cuja área o menor se encontra, com maior frequência ou estabilidade, aquele que em melhores condições está para conhecer da realidade familiar, social e moral em que se encontra inserido e para aquilatar das respectivas necessidades e, finalmente, para adoptar a providência que se revelar mais adequada à sua situação. Residência será assim, nos termos do citado art. 79º nº 1 (e também para efeitos do art.31º., nº.1 da L.T.E., aprovada pela Lei nº.166/99, de 14 de Setembro, dado inexistir neste último diploma igualmente qualquer critério definidor do conceito de “residência”, exerce o poder paternal, e não do local onde o menor, temporariamente, se encontra a cumprir medida que visa a sua promoção e protecção” (sublinhados nossos). 2 Cfr. ACRE de 1.6.88, BMJ 378-809. 3 Entendimento que vem sustentando decisões como a constante do ACRP, de 18.03.04 (P.0430361, Rel.:- Pinto de Almeida), este disponível em www.dgsi.pt e aí sumariado nos seguintes termos: “Residência de um menor em processo de Promoção e Protecção de Menores é o local onde efectivamente o menor está radicado e desenvolve habitualmente a sua vida, onde ele vive com estabilidade”. 4 PROCURADORIA-GERAL DISTRITAL TRIBUNAL da RELAÇÃO de LISBOA conforme sublinhado pelo Exmº. Magistrado do T.F.M.L.), o local onde, efectivamente, o menor está radicado e desenvolve habitualmente a sua vida, onde ele vive com estabilidade. Sem embargo de reconhecermos a existência de algumas dificuldades práticas decorrentes da opção por um dos dois mencionados entendimentos, no caso que ora nos ocupa, parece inequívoca a justeza dos fundamentos adiantados pelo Exmº. Magistrado do T.F.M.L. para declinar a sua competência, argumentos esses que na íntegra subscrevemos e que, por razões de economia, nos dispensamos de reproduzir. Termos em que, decidindo o presente conflito, se atribui competência para os ulteriores trâmites processuais o Exmº. Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal de Família e Menores de Vila Franca de Xira. Para os devidos efeitos, dê conhecimento da presente decisão aos Exmºs. Magistrados em conflito. Oportunamente, arquive o P.A. * Lisboa, 27 de Abril de 2006 A Procuradora-Geral Adjunta (Processado em computador e revisto pela signatária) (Lucília Gago) 5