A memória como ferramenta para o diagnóstico
de mudança da paisagem
MEMÓRIA
“(...) a memória é como o ventre da alma.”
(Santo Agostinho)
A memória através dos tempos
A mudança do papel da memória no registro e
perpetuação da história dos povos
Sociedades sem escrita:
 identidade coletiva baseada em mitos;
 memória oral – poesias, canções, histórias,
lendas.
Grécia arcaica:
 memória era entendida como sagrada;
 histórias
menestreis.
transmitidas
pelos
bardos,
Grécia antiga:
 difusão da escrita;
 desvinculação
da
memória
ao
sagrado
(Platão);
 a memória é uma função da capacidade pelo
qual compreendemos o tempo (Aristóteles).
Idade Média:
 detenção do conhecimento intelectual pela
Igreja;
 absorção da memória pelo cristianismo (Santo
Agostinho);
 divisão da memória – memória religiosa
memória laica.
e
Tempos modernos:
 a revolução da imprensa;
 datas comemorativas
memória nacional
–
manutenção
da
 arquivos nacionais – bibliotecas;
 memória oral – retrato de um passado,
sociedades sem escrita, classes populares.
Tempos Atuais:
 importância científica da memória como parte
da história;
 re-valorização da memória oral;
 memória virtual.
Memória e História
História oral – relatos a respeito de fatos não
registrados por outro tipo de documentação, ou cuja
documentação se quer completar.
Colhida por meio de entrevistas – experiência de um
indivíduo ou de vários indivíduos de um mesmo
grupo.
O “outro lado” da história, uma visão diferente sobre
fatos já descritos por outras fontes.
Sujeitos que participam
participantes”.
do
fato
–
Complementação de fatores tradicionais.
“sujeitos
Memória Coletiva
As lembranças do grupo se afirmam umas nas
outras.
Sobrevivência da memória do grupo.
A memória é essencialmente coletiva.
É construída e “re-construída” a partir de elementos
da sociedade.
A memória individual é representativa do grupo
social em que se insere.
A memória de um grupo social é fonte legítima de
informação e reconstrução dos acontecimentos que
repercutem na história da sociedade.
Metodologia
Etapas metodológicas
Etapa 1: escolha da técnica de coleta a ser utilizada
1. Depoimento
2. História de vida
Etapa 2: escolha dos informantes, técnicas de
entrevista e de coleta
Critérios de seleção de informantes
 Identificação – redes de informantes.
 Número de informantes.
 Esgotamento da amostragem.
Técnicas de abordagem:
 informar sobre sua pesquisa;
 nomes verídicos ou fictícios;
 conforto do entrevistado;
 utilização do gravador;
 não insistir em obter informações;
 saber ouvir;
 saber conduzir a conversa.
Técnicas de coleta
 As entrevistas gravadas devem ser transcritas
em seguida.
 Anotar as emoções não verbalizadas.
 Falas podem ser “reescritas” pelo entrevistador
– esclarecer “explicitamente” – informantes e
leitores.
Técnicas de coleta
 Falas impressas em “itálico” e entre aspas.
 O teor das entrevistas pode ser complementado
por outras fontes.
Memória e Paisagem
O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia,
Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia
Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia.
(Fernando Pessoa)
Memória,
na paisagem ficam marcadas as tensões, sucessos
e fracassos da história de uma sociedade.
na paisagem, marcas significativas da evolução
histórica de um povo.
na paisagem, o filtro do tempo, através dela se
pode “re-ler” o mundo.
Memória,
na paisagem, o espaço ocupado por um grupo fica
demarcado.
na paisagem, apagam-se as marcas, ficam os
rastros, a memória do grupo permanece.
A pesquisa em arquivos documentais e a
memória...
Confronto? Complementaridade? Novas leituras?
O conhecimento dos velhos moradores permanece
conservado em suas memórias.
Através da fala desses sujeitos a história das
relações
econômicas,
culturais
e
ambientais
circunscritas à cidade poderá ser recuperada.
A memória de uma população é uma forma
relevante de avaliação da qualidade dos seus elos
com seu espaço.
A amplitude do conhecimento da comunidade sobre
a trajetória sócio-econômica de seu espaço.
E dos impactos ambientais decorrentes dessa
trajetória...
... diretamente relacionados com as
práticas/compromissos adotados em seu cotidiano.
São Carlos e a memória de
seus velhos
Modelo de desenvolvimento...
decorrente da afirmação do modo de vida urbano.
A memória coletiva pode trazer à tona o quanto o
desenvolvimento urbano acelerado impactou à
paisagem.
A
memória
histórico-social
é
registro
cientificamente válido para a compreensão:
 do processo de urbanização;
 dos impactos negativos ao meio ambiente.
O velho tem uma forte ligação com o seu lugar,
lembranças enraizadas no seu espaço, na sua
paisagem habitual.
A modificação da paisagem da qual faz parte a sua
vida...
... a modificação da paisagem da qual faz parte a sua vida.
“O Monjolinho foi um rio que no começo ele
servia muito para lazer, quando as suas águas
eram limpas ainda. Ali, atrás da Santa Casa,
(...) era uma fazenda, (...), chácara do Matos.
Inclusive existia uma mata, (...), uma mata
grande com muitos pinheiros, araucárias
nativas. E a gente ia nadar no rio, a água era
limpa, a gente era molecada né, (...).
Professor Mário Tolentino
... a modificação da paisagem da qual faz parte a sua vida.
“São Carlos era calçado de pedra, as pedras
compridas chamadas paralelepípedo. O mercado
era para cima do rio (...).
Ali na frente do mercado a cada distância tinha
um poste e cada poste era cheio de argola, para
amarrar os cavalos. Era cavalo menina e
aquelas carroça, blá, blá, blá... [faz som com a
boca], roda de ferro, trole de quatro rodas.”
Sr. José de Queiroz Matos
... as velhas árvores que ofereciam sombra e descanso.
“... essa mata ciliar que tinha aqui atrás da Santa
Casa, as araucárias, isso aí desapareceu faz muito
tempo. Eu vi essa mata quando eu era moleque,
quando eu atingi os 18 já não tinha mais. Quando a
cidade expandiu-se para trás, (...), já tudo isso foi
destruído. Havia um restinho de mata para o lado
de lá do rio, que depois foi destruído e plantado
pinheiro, que agora é da Castell (...) .Eu estou com
85 anos, faz uns 70 anos que não tem mais mata.”
Professor Mário Tolentino
... as velhas árvores que se enfileiravam na rua de sua
casa, onde ao entardecer os pássaros faziam algazarra.
“Aqui não existia, aqui Jardim Bandeirantes, aqui
era um campo. “(...) era tudo aquela árvore lá, o
trator arrancou um monte dessas árvores “pra
modo” de fazer o loteamento sabe. (...) quantas
vezes nós viemos apanhar gabiroba, às vezes
topava com veado sabe, o veado saía correndo
[imita som]. Tinha lobo, muitas vezes o lobo esteve
aqui. Tinha jaguatirica.
Sr. José de Queiroz Matos
... o velho rio, hoje morto, que dava boas pescarias e
boas prosas com os amigos aos finais de semana.
“Aqui, eu pescava ali quando era moleque com
peneira nós pegávamos os peixinhos.
Qualquer lugar do Monjolinho dava peixe. Ele era
empoçado assim, cada distância ele empoçava,
fazia como uma lagoa, mais para frente
empoçava, mais para frente tornava a empoçar,
então era naquela poça que a gente pescava,
nadava também”.
Sr. José de Queiroz Matos
... o velho rio, hoje morto, que dava boas pescarias e
boas prosas com os amigos aos finais de semana.
“(...) dois colegas e nós íamos pescar aí no rio
Gregório, na Chácara do Petroni, Chácara do
Lazarini. Lá para frente tinha uma outra
chácara que tinha um lago para gente nadar.
Para lá tinha o pântano do Jardim Ricetti, por
ali a gente pescava (...). (...), dava lambari,
bagre, traíra.”
Dr. Hugo Colin Ferreira
... o velho rio, hoje morto, que dava boas pescarias e
boas prosas com os amigos aos finais de semana.
“Você matava o peixe com espingardinha, a
água tão limpa que estava.
Agora um dia está azul, outro dia está verde,
outro dia está vermelha, dá dó de ver. Tem
peixe, mais do jeito que está a água né.”
Sr. Luis Brevilhieri
...lhe
causam
melancolia,
indignação,
resignação,
mas
as
lembranças continuam vivas, preservadas em sua memória.
“Mas São Carlos no meu tempo era bem mais gostoso,
(...), a cidade era mais sossegada, mais tranqüila.
Antigamente não tinha supermercado, era tudo
armazém, (...), os supermercados engoliram os
armazéns.
Antes era mais saudável, a gente via as famílias nas
praças. Por exemplo, tinha esses “footing”, a música
antigamente era mais gostosa, mais melodiosa. Eu
acho que antigamente a vida era mais saudável.”
Dr. Hugo Colin Ferreira
...lhe causam melancolia, indignação, resignação, mas
as lembranças continuam vivas, preservadas em sua
memória, na memória de seu grupo.
“Isso aqui, era muito mais bonito que uma vila
nova na cidade, todo domingo tinha missa. Eh...
aqui foi lugar bom, aqui foi lugar bom. Agora
hoje oh, está abandonado.”
Sr. Luis Brevilhieri
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