Estuário
Pantoja Ramos
1
Prefácio
Estuário do Rio Amazonas. Esse é o tema predominante dessa primeira
obra minha. Versos e dissertações iniciais sobre o que vi, conversei e
mentalizei sobre a natureza, homens, floresta e bichos das terras
estuarinas nestes vinte e nove anos de vida, intensificados pelas minhas
andanças quando dos trabalhos de manejo florestal comunitário, promovidos
por uma Organização Não Governamental a qual trabalhava. Um conjunto,
aliás, que vai além da definição direta de marajoara: pois o Amazonas é o
colosso que determina o padrão de vida existente, sua velocidade,
lançantes e pacuemas dos destinos.
Artefatos de tribos e aterros artificiais da ilha de Marajó e
cemitérios em escavações subterrâneos no rio Cunani no Amapá são mostras
que a região foco deste livro é muito mais do que simplesmente um grande
arquipélago. Trata-se de um berço amazônico. Belém e seus arredores,
Cachoeira do Arari, Gurupá, Breves, Portel na sua parte norte, São
Sebastião da Boa Vista, Curralinho, Afuá, Macapá, Santana e outras
localidades formam a cadeia humana e natural de um sistema único na
Amazônia e diversificado dentro de si, o Estuário. Certamente, estarei eu
equivocado sobre a abrangência real, numérica e geográfica da área que
estou me referindo, mas não me preocupo. Seria preciso n vidas e meia
para chegar à descrição total de seus valores. Alguns ilustres o fizeram
como Benedito Nunes, Paes Loureiro, Dalcídio Jurandir, etc. Eu só coloco
mais uma insignificante pá de terra nessa narrativa, nada mais.
As florestas das várzeas, um segredo. Os homens e mulheres nativos,
impressionantes. Os rios, trajetos e trajetórias de vida. A História,
inexorável aos povos que se deixaram humilhar pelos patrões, pois se
atrasou muito o despertar de um desenvolvimento comunitário e
sustentável; e punitivo certamente para os próprios coronéis, uma vez que
todos aqueles que oprimem são jogados no limbo divino e da espécie
humana, antiedificantes que são e foram para formar um mundo equilibrado.
Tentativa houve de minha parte de apimentar os versos com
filosofia, política e amor. Filosofia que justifico como importante para
os ribeirinhos e caboclos. Não me refiro naqueles sofismas insondáveis
aos plebeus, mas sim de fazer os simplórios reconhecerem o bom
significado de se fazer uma pergunta ou de olhar para os céus de vez em
quando. Os complicados que fizeram da filosofia uma coisa chata! Posso
não conseguir meu propósito, mas tive a intenção de provocar mais do que
tudo. Eis a máxima intenção.
O amor também fica guardado nas entrelinhas dos poemas. Espero não
ter sido piegas demais quando o homenageei. Acredito nas palavras mais
bonitas sobre o amor quando estas não são declamadas e sim subentendidas.
Confesso que a timidez também me joga para esse desfecho. E nesse
sentimento eu traduzo a minha vontade de escrever sobre algo que me
fascinou nestes anos: a constatação que ricos ou pobres, estudados ou
analfabetos, sortudos os desafortunados, somos parte de um mesmo todo e
assim mesmo, universos particulares, de Deus, da natureza, dos homens,
uma esculhambação misteriosamente organizada.
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Índice
João Ingá Pai, João Ingá Neto, João Ingá Incerto .............................. 4
A rede Rosada e a rede Xadrex ................................................. 8
Gurupá de São Benentônio ..................................................... 12
Para os meninos do Estreito de Breves ........................................ 20
Maria Nossa .................................................................. 23
Reflexão na Paixão ........................................................... 25
Estória de Ipê ............................................................... 28
Na tolda do barco, eu fico ................................................... 33
Tio Bel ...................................................................... 35
Estuário ..................................................................... 38
Certa vez uma valsa na comunidade ............................................ 43
Conhecimento sobre o peixe ................................................... 47
As seis pragas ............................................................... 48
Tem cutia pro almoço? ........................................................ 51
Canção do mururé ............................................................. 53
O Elias ...................................................................... 55
Casamento .................................................................... 57
O duelo entre Tio Bel e Seu .................................................. 58
Vinte e oito verões .......................................................... 60
Tio Chico do Bonzão .......................................................... 62
Pretensão de pintura por palavras ............................................ 63
Carreteiros .................................................................. 65
Marcha do Escoteiro .......................................................... 68
Às jovens mães ............................................................... 70
Geometria especial do traído ................................................. 72
A filosofia do abrir mão... .................................................. 73
Círculo da vida .............................................................. 75
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João Ingá Pai, João Ingá Neto, João Ingá Incerto
João Ingá Pai corria na faia,
juntar malhadeira e peixe jantar
cuidado com o casco,
o pau tá na praia
remendo carece pro ir labutar;
e a várzea que enche transborda pra depois quebrar.
E anda no mato
com facão na mão
eu vou jupati,
tu vais matapi,
pegar camarão,
zagaia
descalço
arraia
remorso
ferida
inflama
pinica
semana.
Machado
que bate,
o tronco é boiado
“e faço jangada
e firmo engate”.
Mulher de João o tempo que sobra
da bóia, da reza, da roupa que seca
catando semente, depura andiroba
e ensina à filha brincar de boneca.
Boneca de talho
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de um buriti,
na cara um olhão
de um caroção
bem preto açaí
e a filha
que brinca
enfilha
e trinca
os dentes
aos quinze
marido
ausente.
“ausente, mas crio”,
comenta o avô
“ispia, meu fio,
te cuido, te formo, te faço doutô”.
João Ingá Neto estudo não veio
motivo o avô Deus logo levou,
mantinha a casa, não via qual meio
de vir a ser lido, ainda mais professor;
e a esperança de dias melhores para ele acabou.
Andava no mato
com facão na mão
decepa palmito
lhe mandam no grito
humilha o patrão
os homens
no centro
mosquito
tormento
mutuca
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maruim
“dou tapas
em mim”.
“Açaí já não tenho,
então o que resta?
Andar bem distante
a léguas dali?
Matar minha fome
consigo, que festa!
Senão, o que faço?
É patrão seguir”.
“e corto madeira
no dia inteiro
no trampo, virola
às vezes, uma bola
e pego dinheiro”.
“e compro
farinha
tabaco
galinha
um tanto
eu guardo
pro feijão
um fardo”.
E bem fica nessa
não muda, não cresce,
a mata minguando
de tora, de caça,
barranco que desce.
João Ingá Incerto é neto do Neto
do primeiro Ingá da prosa que fiz
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e mais do que os outros, só vive quieto
e mora nas ruas, cidade infeliz.
Levou já três facas, um tiro, não morreu por triz.
Não tem um trabalho
qualquer em Santana
quer queira, não queira
só anda na feira
descuido, me afana.
Cordão
de ouro
puxão
no couro
soldado
que pega
“no olho
me cega”
e sonha
com mato
que a fonte não cessa...
x x x x x x x x x x x x x x x x
7
A rede Rosada e a rede Xadrex
A rede rosada
sublime
exalava
perfume
pra certa
rede Xadrex
que veio em balanço
bem calmo
e manso
cantando
cortejos
e assim o fez
“esta viagem é um sonho
pois você eu queria encontrar
te espana e encosta em meu punho
para que eu nunca mais possa acordar.”
a rede rosada
se viu
vermelhada
e deixou
o Xadrex
bem perto de si
e bem se tocando
foram
balançando
com aquele
Banzeiro
aplaudindo assim
“mas que ilusão venerada
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que eu nunca mais tinha avistado
que pena! a dona da Rosada
vai descer no primeiro aportado.”
a rede Xadrex
engatou
por sua vez
sua corda
pra amada
não ter que ir
a moça puxava
enfim
desatava
guardava
a rosada
e assim partir
“volta, ó minha adorada
então juro, eu vou te buscar
que seja minha derrocada
nós juntos vamos balançar!”
a rede Rosada
de dentro
chorava
da mala
se ouvia
um suspiro fino
e aí se separam
mas sempre
lembravam
dos bons
ventos-canto
o som do hino
9
“esta viagem é pra sempre
que eu nunca mais possa aportar
nos anos, que a gente se lembre
dos tempos de um lindo tocar”
a rede Xadrez
faz três anos
talvez
que procura
a Rosada
nos barcos afora
já toda puída
mas bem
destemida
enfrenta
as ondas
bradando agora
“ó maresia do mundo,
me ajuda e que eu possa encontrar
me veja como estou moribundo
sem rumo, sem força, sem lar.”
engata na franja
a Rosa
com mancha
a rede
perfume
a exalar
o Xadrez se espanta
feliz
é que espana
que acorda
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os outros
com seu gritar
“Esta viagem é de sorte!
Pois você, meu amor, encontrei!
e nem que eu rasgue pra morte!
minha vida valeu, eu bem sei...”
A dona da Rosada
e o moço do Xadrex
também ficaram engatados
para o fim da vida
o vento que os balança
é o mesmo que nos sopra
e lá na alma agitam
o Xadrex e a Rosada
não é Banzeiro?
“que os digam!!”
x x x x x x x x x x x x x x x x
11
Gurupá de São Benentônio
Canto I
São Benedito, olha por nós
Devota que sou, que sou a pedir
Tira-me o encosto, retira os nós
Daquela maldita, marido a fugir!
- Ó, minha filha
que pensas?
Eu vejo o absurdo
que fazes
com teu esposo
não pode nem o homem
jogar bola!
Repreende-o
Escroteia-o
briga por toda a parte da casa
alcunha de mole a ele tu oferece!
Só podia fugir.
E por tal eu digo sem pena
Verdade que vejo, só posso apontar
Humilha teu homem, futuro acena
De mulher sozinha, as coxas juntar.
São Benedito, olha por mim
Um homem de bem, piedoso que sou
As preces eu faço, as contas sem fim
Comércio quebrado, falência que vou!
- Escuta macho
já via tua laia
engana os outros
vende unidade
com preço de caixa
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de caixa
caixote
de fósforo molhado
farinha bolenta
conserva amassada
ninguém compra
e tu choras.
E agora eu falo sincero
Tu deves, os cheques voltaram
Maldade que tinhas, espero
Pobreza te estar, pra outros mostraram.
São Benedito, ó negro, bondoso que és
Santo Antônio, ó branco, me ouve momento
Me ajuda, eu juro, atiro-me aos pés
Me arruma uma coisa, quero casamento!
- Ô moça espivitada.
- Tu é doida ou o quê??!
- Te acalma.
- Enxerida!
- Tua hora chega.
- Toma teu termo!
- Balança a saia.
- Que nada! Reza três terço!!
- Achamos ser o teu acalanto
Amigos, vontade do bem a fazer
- Casa bem virgem, uns trinta e tanto!!
- O que importa é na hora o amor envolver.
Ó piedoso Benedito, te faço ofertório
Ainda bem que sou um senhor fiel
Um cabra de nome, de modo notório
Eu bem que mereço um lote no céu!
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- Ofensa!!
- Blasfêmia!!
- Um caboclo que reza
mas pisa fora da igreja
tá fuxicando
da vida
da morte
de tudo
- Todo alinhado
coração de pedra
dá cascudo em menino
que caiu no quintal
tirando manga.
- Senhores nós somos do que passa na Terra
- Por mais que se tente os crimes encobrir
- A hóstia não gera a paz, nem a guerra
- Mas diz que cristão é querer construir.
Me falem, ó Santos, me fala Antônio
Aconselha-me, por favor, São Benedito
Da morena eu tenho calmo matrimônio
Mas a branca me atiça aquele, o dito!
- Sem vergonha! Mulherengo!
- Peraí Antônio, eu digo.
Pecador,
depois do bem-bom
me fale:
quem lava tua tanga?
Cuida da tua moleza?
Te bota comida no prato?
Perceba!
- Salomão pede pra eu te falar:
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“ama a senhora da tua juventude
tão linda gazela, um zeloso olhar
o riso confiante, no deserto, açude!
Canto II
Fazendo uma prece pra São Benedito
Sentado na vala, um porre tão bonito
Andando que nem um velho periquito
Eu vejo Antônios, tipos esquisitos
“Que raio está na minha frente agora!
Um porre deitado na minha igreja, ora
Sai logo daqui ou eu te boto fora
Casa é de respeito, não onde bebum chora!
Eu olho chegar dois Beneditos escuros
Nem pisavam na terra, flutuavam, juro
Dançando contido, um movimento puro
“Me faz a promessa que eu garanto, curo!”
“Ó, Benedito, desse jeito não dá!
Arruma outro canto para tu ficar!
Tô cheio de festeiro que vem a deitar!
Na minha igreja feito a profanar!”
“Mas Antônio, que posso eu fazer?
Eu ralho com eles, eu faço chover
Porém, as festas não ficam a ceder
Quanto mais trovoada, mais tão a querer!”
“Não tem outro modo, te arruma daqui
Pra outra cidade, bem longe tu ir
Eu peço uma ordem, para permitir
Outro município pra tu residir.”
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Desculpa, Seu Antônio, escuto o fato
O seu esculhambo pro homi do lado
Me deixa um porre de sina, de fardo
Me meta entre os dois, um conselho dado?
- Tudo bem!
Que tem farreiro incomodando, que seja
Mas rezam fervorosos aos dois, eleja
Que Junho e Dezembro são cânticos, e veja
Quem arruma dinheiro pra sua igreja?
“Seu porre desaforado, o que estás a citar!
Não sou mercenário, sou santo de altar!
Mas concordo contigo, razão é que está
Milhares que vem, rezam, neste Gurupá!
Tá certo, fica Benedito, te dou permissão
Contudo, controla a farra desses beberrão
Não quero orgia, quero sossego então
A festa é religiosa, profana, não!!”
“Tá certo, Antônio, obrigado a chance
brigado seu moço, brilhante seu lance
que é isso, Antônio, que faz neste instante?”
“existe algum mal no fato que eu dance?!!”
Canto
III
Santo Antônio, indagaste
Santo Antônio, indagaste
O que é o gurupaense
Santo Antônio, indagaste:
Eu digo:
A maresia te bate!
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A maresia te bate!
Tens tanto para mostrar!
A maresia te bate!
Ao menos que mate!
Ao menos que mate!
As lições que tu fazes!
Ao menos que mate!
O patrão te maltrate!
O patrão te maltrate!
Teu grito de liberdade!
O patrão te maltrate!
O caminho ensinaste!
O caminho ensinaste!
Das matas, conservação!
O caminho ensinaste!
Os ribeirinhos embatem!
Os ribeirinhos embatem!
O poder que vem de cima!
Os ribeirinhos embatem!
Só admite empate!
Só admite empate!
Se os direitos também empatarem!
Só admite empate!
Só tem espírito de Marte!
Só tem espírito de Marte!
Que não abraça a causa comunitária!
Só tem espírito de Marte!
São Benedito, mostraste
São Benedito, mostraste
17
O que não havia entendido
São Benedito, mostraste.
Canto IV
O cantar da cigarra anuncia
Sol de tarde, que vamos louvar
Levantado o mastro no dia
As festanças do meu Gurupá
Foliões de estandarte erguido
E marchando num passo veloz
Nos olhares de São Benedito
No momento se eleva a voz
Glorioso Santo da terra
O Amazonas te abraça bem forte
Nos retira do espírito a fera
O pecado, o medo a morte
Nos dê força, coragem, o brio
Desafio que vamos vencer
Nossa matas, os bichos, o rio
Que juramos sempre proteger
A mulher que me cata à janela
E que amassa o meu açaí
E se banha, se mostra tão bela
Protegei, que sou grato a ti
Glorioso Santo da terra
O Amazonas te abraça bem forte
Nos retira do espírito a fera
O pecado, o medo a morte
Abençoa o pobre pescador,
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O roceiro, extrator de madeira
Do açaí, protegei coletor
As pessoas que fazem a feira
Os boa-noite, boa-tarde, bom-dia
Preservai quando vou perguntar
Aumentai a nossa simpatia
Que famosa já é no Pará
Glorioso Santo da terra
O Amazonas te abraça bem forte
Nos retira do espírito a fera
O pecado, o medo a morte
Carrazedo ao Itatupã
Damos graças, louvores a ti
Agradeço o sol da manhã
Do Flechal até o Marajoí
Benedito, o Santo, o negro
Um carinho a nós que encerra
Mas não diz e não fala o segredo
Do por que de amar nossa terra
Glorioso Santo da terra
O Amazonas te abraça bem forte
Nos retira do espírito a fera
O pecado, o medo da morte
x x x x x x x x x x x x x x x x
19
Para os meninos do Estreito de Breves
Meu Pai do Céu
Protegei pra engatar
O meu gancho no barco
Que lá vem a passar
Eu preparo a corda
A canoa aprumar
E eu miro certeiro
O pneu acertar
Meu Pai do Céu
Consegui engatar
Me agüenta irmãozinho
Que só falta amarrar
E eu pulo no barco
O palmito mostrar
É um conto cumpadre
Pra poder me ajudar
Cresço em fel
A tardinha chegou
Com o vento bem frio
E a noite um horror
E na volta pra casa
A tormenta pegou
E eu casco se vira
Irmãozinho quedou
Cresço em fel
O meu medo passou
Os meu doze inteiro
Mais vale um avô
20
Pois tem homem medroso
No escuro cegou
Que se liga no luxo
E os outros esnobou
Tiro o chapéu
Pra quem vem me ajudar
Que me tira da lida
Desse duro penar
Que me bota na escola
E que vem me ensinar
BE com A BE-A-BÁ
O que é manejar
Tiro o chapéu
Pra quem vem gargalhar
Duma prosa animada
Uma festa dançar
E esquece a má vida
O exemplo mostrar
Pro irmãozinho que tenho
O caminho guiar
A vida é mel
Brincadeira eu sou
Me divirto remando
Maresia pulou
Se errei no navio
E a canoa afundou
O balanço da bicha
Dou um tchás e voltou
21
A vida é mel
E o sol me queimou
Camarão que levei
Minha fome catou
O que vendo não rende
Minha mãe me avisou
Ela sonha de um dia
De me ver um dotô
Meu Pai do Céu
Vou me aventurar
Nesses rios do Senhô
O Riozão enfrentar
Pois eu sei que seu Porto
É um bom de abraçar
É a melhor esperança
Nesse mundo que há
Enquanto os homens
Não aprendem a brincar
Ser criança de engate
E um sonho atracar
Açaí uns paneiro
Umas vagens de ingá
É limão, é banana
Compre taperebá...
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
22
Maria Nossa
Vou pedir a Jesus Cristo e a Deus
-Licença.
Nossa Senhora de Nazaré.
Nossa!
Como és bonita
Acho bela sem maldade
Vestes brancas de paz, de infinitude
Ralha comigo com os olhos e eu nem reclamo
Reza por mim e eu nem reparo
Só vejo a pureza, a beleza
A advocacia.
Sonhei com ela quando criança
Mistério.
Percebo ela quando adulto
É serio.
Vejo-me comprando um caderno
Com seu rosto possível na capa
Não é a face
É o símbolo
É a alma
Serei devoto?
Estarei melhorando?
No caráter o voto?
Talvez eu esteja simplesmente
Entendendo o amor de Deus
E de seus mártires pela Causa
Tão Magníficos
Tão Donzela
23
Tão Bela
Tão Forte
Tão Mãe
Parabéns Jesus!
Sortudo Jesus!
xxxxxxxxxxxxxxxx
24
Reflexão na Paixão
Certa vez eu achei
Que poderia ser Jesus por um dia.
Blasfêmia!
Mal provocado e injustiçado
Praguejei
Briguei
Nada entendi.
Carreguei uma tira da madeira da Cruz
E não suportei.
Não mereço
Sou vil!
Acho que tenho que me virar no avesso
Olhar para dentro de mim
E ver o mundo
As pessoas
Os sentidos da vida.
Ele assim o fez.
Na ignorância que percebeu
Declamou
-Perdoa-os...
eles não sabem o que fazem.
Discordou dos olhos,
Ouvidos,
Sabores,
Prazeres,
Peles dos algozes seus.
Concluiu que eram apenas sentidos da carne.
E no sofrimento seu
De Corpo
Foi mais forte no Espírito
É o que vale, ensinaria
Afinal, o que fica para a eternidade
E para o Eterno?
XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX
25
Virola
Que o vento me sopra do Norte
e o sol me bate no chão,
meus braços se estendem, que porte!
Sou fino, malhado então.
Meu sangue escorrido é laranja,
não te aflijas, espinhoso não sou.
Me cortas, disfarço a mancha
do choro, dor, da mágoa que estou.
Do pesar que sinto,
dos tempos de era...
Meus pais, irmãos,
brincando na terra...
Na terra? Na várzea!
No barro, igapó!
Alvarães, Santarém,
tal Porto de Moz!
Gurupá, Almeirim,
Mazagão, Afuá!
Breves, Portel,
De Belém-Macapá!
Minha tribo saudava o Forte,
O Grande dos Rios, não vi dimensão.
Irmãos meus corriam na sorte
nos frutos, mudas, no cio, dispersão.
Do sexo das tribos, flechavam com beijos
besouros-cupidos, nas flores casal.
Misturam distâncias, perenes ensejos,
em novas colônias, que formam pontal.
26
E assim do que eu era gabava,
rei das várzeas, um onipotente,
Com outros, coitados, rivalizava
Um brilho, a mim, só era presente.
Não tão veloz quanto mulato,
não tão forte quanto pracuúba,
não tão duro quanto andiroba,
não tão raro quanto maúba.
Não, não sou tão adjetivo assim,
freqüente que posso, frequente vou ser.
Escapo das gulas, escapo do fim,
Das vis criaturas, que andam de pé.
Perseguem as tribos, existem ou ão.
Os tipos adultos, a dor se suporta.
Mas jovens de mim, coitados então,
me soam sinistro: espécie já morta?
Machados, motosserras,
compensados, vassouras,
conforto de uns,
para outros, vindoura?
Enquanto isso minha tribo escorre
da várzea, do barro barriga do soiá.
Adeus, besouros, marés, vento Norte.
À Deus, eu juro, eu vou reclamar...
x x x x x x x x x x x x x x x x
27
Estória de Ipê
Senhores, senhoras, meninos, meninas,
Que andam nas ruas desta cidade
Não olham pro nada, só olham de esquina
Não param pra ver do mundo a verdade.
Verdade de si, de criar, de pensar
Sair da TV, buscar solução
Segredos da terra, sequer indagar:
“existe loucura na imaginação?”
Permitam favor, poder lhes contar
Estória absurda que por mim passou
De um longínquo tempo, do tempo rimar
De era tão simples, tão louco supor.
Um homem distinto de seus semelhantes
Cuidava com zelo de sua floresta
As flores o tinham como tal amante
Os bichos, todinhos saudavam em festa
O zelador plantava, era esse o vício
Em época que árvores se viam montão
Angelim, mogno, cedro, que ofício!
Andiroba, copaíba e até fruta-pão.
Louro, que faia, que rosa, ingá
Guajará, quaruba, breu, cumaru
Cupiúba, anani, cajuí, piquiá
Cinzeiro, cedrorana, fava, acapu
Todas plantava, todas vingavam
Folhosas cresciam, sadias, mimosas
Em torres diversas se apresentavam
Esguias, posudas, grossas, vistosas
28
Cresciam traquinas, com ar natural
Namoros, de perto, de longe ocorriam
Mandavam bilhetes ao vento postal
Insetos-cupidos, respostas traziam
Faziam sua prole, espalham na terra
Mudas que o zelador um dia há de vê-las
Gratas ao mestre, as árvores encerram
Um laço perene, sem nunca perdê-las
Porém, uma delas, de folha pentada
Escondia o algo mais que ali sentia
E vezes tantas, se viu, vil, tentada
De contar ao mestre o que mesmo queria
Não desejava outras árvores, insistia
Às outras que no cochicho sempre estavam
Amava o zelador, para a morte iria
Se o mesmo a ordenasse, e disso pensava
Mas o dito homem, impassível, sereno
Um compromisso antigo, de moço, dispunha
De uma jovem loira de sorriso ameno
Cravou no peito da planta uma cunha
Motivo, ida embora do tal zelador
A noiva exigia morar em fazenda
Sem árvores, só pasto, só gado, que dor
De sua floresta, tornar-se uma lenda
“Vais daqui? Não vá!” Clama a arvoreta
que desponta como bela e esgalhada
“Suplico, tira-me do tronco esta seta
da alma a sensação do vazio, do nada!!”
29
o zelador, já saudoso, no momento da ida
Abraçou a arvoreta com fundo pesar
No caule, acariciou a mão já tremida
As manchas que tinha bem visto brotar
E foi-se. O fim de seu mundo surgiu.
As árvores as folhas, os lenços brandavam
“Adeus, nosso mestre, o futuro sorriu
Pra quem é cortês, a quem tantos amava!”
“Retornas, querido, pra sombra que tenho.
Não sou mulher, dizes, que posso fazer?
Nos teus sonhos, saio do solo e venho
Dizer que te quero, sua simples Ipê!!”
Os meses passaram, o choro mantinha
As folhas, já fracas, caiam, caiam
Magrela que estava, já estava varinha
Nem lembrava a bonita que o Sol reluzia
Os mais velhos, com Ipê preocupados
Decidiram tão logo um arauto enviar
Pro tal zelador em tão longe ducados
Que este necessário, precisa voltar
O mogno urgente mandou sua semente
Que o vento, urgente tratou de soprar
Procurando por toda a sorte de gente
O antigo mestre, por fim o encontrar
O zelador agora no seu pasto estava
Tedioso com o destino que era assim
Tão iguais entre si, diferentes da fava
Que o exemplo esnobava o ignóbil capim
Até que um dia, pra surpresa geral
30
Um mogno meteu-se no pasto a brotar
“Aqui esse tipo nascer não é normal
Me lembro da mata, eu vou é voltar...”
“Mulher! Eu desejo, quero regressar!
Pra minha floresta, pra minha hiléia
Me dá uma semana, eu vou retornar
Só quero a visão, rever a idéia!!”
O Angelim, que na mata olhava do alto
O zelador se chegando pra junto dos seus
Alertou esparrento que causara o salto
De um macaco assustado, que noção perdeu
“O mestre vem vindo, atenção, agora
Balancem os galhos, sussurrem olá
Cadê a arvoreta, ela acaso ainda chora
Por seu amor proibido, está? Está?”
A arvoreta, não estava preparada
Estava varinha, feiosa, magricela
“Tupã, me ajuda nesta hora esperada
que só quero a frase: me orgulho dela”
e num desses milagres do Supremo SER
Que mostra a grandeza da vida que é bela
Eis que desponta na sofrida Ipê
Dezenas da mais linda flor amarela
E ela si mostra um anjo na mata
Loirinhos tesouros que léguas se via
Surgiam mais flores, que bela, exata!
Caiam na terra, enfim, coloria
“Tupã! Ipê! Ipê! Como linda estás!!”
“Orgulho de mim!” – gritava o homem
31
“A minha presença não era demais,
te dar formosura, que digo sem nome!”
E assim o zelador feliz, um abençoado
E a arvoreta ditosa, sua majestade
Se viam de longe, do longe ducado
Colossal, sublime, radiante, beldade
Senhores, senhoras, aqui eu termino
Tais notas que foram, que são ou serão
Pergunto à moça, indago ao menino:
“Existe loucura na imaginação?”
x x x x x x x x x x x x x x x x
32
Na tolda do barco, eu fico
Estrelas tão perto,
tão perto de minhas mãos.
Não posso evitar:
ergo-as e seguro as luzes,
elas tentam fugir.
Opa! A Estrela D´Álva, não!
Quieto, menina!
Espalho-as no céu.
Agora tenho constelações
que eu quiser.
O cacho de açaí,
o camarão,
a rede com um menino dentro.
É só balançar, balançar.
Cadê a tesoura?
Ah, tá aqui!
Voa, tesoura, voa
pra rumo do mosquitinho
que vai em sua direção
lá longe...
como eles me vêem?
Sou velho ou sou novo?
Talvez eu nem brilhe tanto
aos seus olhos
e elas me espalham
como eu as trato,
me formam constelações de humildade,
pequenice,
dúvida
e infinito.
Afinal, quem será o eterno?
Acho que somente o Criador
que nos espalha.
Resolvo então cair pra junto delas.
33
Um só nós somos,
em todos os tempos,
em todos os cantos,
o cacho de açaí,
a paz,
a luz,
o olho,
o já era,
o agora,
o será,
a estrela,
a estrela...
- acorda, moleque,
desce daí,
que teu pai já vai ligar
o motor do barco!
Quer cair no rio???
- Já vou, mãe,
já vou pro sonho da rede.
x x x x x x x x x x x x x x x x
34
Tio Bel
“Tio Bel, Tio Bel!”
- Onde é que tu tá!
“Tio Bel, Tio Bel!”
- Vamu namorá??
“Não posso dizê
pois tenho vergonha,
mas sei que tu pensas
e comigo sonha.
Eu sei do vadio,
da peste que és,
do bicho remoso
dos choros que fez”.
- Meu bem, meu bem,
não olhe esse lado.
Meu bem, meu bem,
sou moço educado:
Eu busco donzelas,
pois esse é meu fraco,
mas todas eu trato
princesas de fato;
eu canto a beleza,
dedico seresta,
eu beijo a mão nua,
eu beijo na testa.
“Tio Bel, Tio Bel!”
- Aparece pra mim!
“Tio Bel, Tio Bel!”
- Me mata assim!
Eu corro pra fonte
pra num velhecer,
pra modi namoro
eu pudé fazer;
35
nos dia de festa
fico a cortejar,
convido donzela:
umbora furar??
“Tio Bel, Tio Bel!
Tu cria teu termu.
Tio Bel, Tio Bel!
Tá velho, né mermo?
Tu diz que ainda fura,
tu podi mentir,
a todos engana,
mas nunca a mim.
Seu peste sacana,
pinguço, vadio:
como podes ainda
ser puro, gentio?”
- Meu bem, meu bem,
eu vou te contá.
Meu bem, do céu
espero acertá.
Eu conto as coisa
que a mulhé bem qué.
Se minto, importa?
Mas vale a fé!
Tu és as estrela
do céu, a canção;
Tu és a envira
do meu coração:
rasgando meu peito
de cima pra baixu,
matandu de amor,
um pobri de um machu.
“Tio Bel, Tio Bel!
36
Eu vou revelar.
Tio Bel, Tio Bel!
Quem sou afinar.
Eu sou a menina
dos tempo de moço,
que morreu mais cedo
de puro remorsu.
Quandu ti deixei,
prucausa de um homi
que bate, feria,
metia-me fomi;
e logo aprendi
o bem que tu era:
espero ainda ser
a tua donzela”
- Tio Bel, Tio Bel!
Feliz é que está!
Tio Bel, eu sou!
Vamu namorá?
Perdôo minha filha,
tudo já passou,
me lembro da Dita,
que ali me deixou.
É o jeito te tê
pensando ao menos
e quando eu morrê,
me venha em aceno.
Te chamo querida,
te pego o céu,
te faço do eterno,
Um doce de mel.
“Tio Bel, ô Tio Bel...”
x x x x x x x x x x x x x x x x
37
Estuário
Que enche
Que vaza
Que vaza
Que enche
Preparo
Barquinho
Na água
Corrente
O óleo
Boroca
A rede
A corda
O filho
Maré
Parada
Já morta
A força
Motor
Fumaça
Volante
Beirada
De rio
Galhada
Errante
Que vaza
Que vaza
Melhora
Corrida
E anda
No meio
No rio
38
A partida
“Tão grandi,
Tão rio
Só Deus
A criar...
E dormi
Meu fio
Depois
Pilotá”
Escuro
E venta
Do Norte
Soprar
O raio
Aviso
A chuva
Chegar
“E fecha
Janela
Num molha
A rede
E tira
Farinha
Do lado
Parede”
Pilota
Barquinho
Pro rumo
Beirada
A chuva
Que pega
“Relampa
39
Vistada”
O vento
Bem forte
Ma-re-sia!
Ma-re-sia!
A água
Porão
É va-si-lha!
É va-si-lha!
Ba-lan-ça!
Ba-lan-ça!
Pro rumo
Bei-ra-da
O bar-co
Ga-ran-te?
Aposto:
Que nada!
Piloto
Sabido
Que sabe
Rumar
Me faz
Diretinho
A boca
Calar
Ba-lan-ça
Ba-lan-ça
Chegou
Na beirada
“A corda
Aperta
No ramo
40
Galhada!!”
E Raio!
E Chuva!
Trovão!
Assobio!
Cadê
A coragem
De ficar
No Rio?
Molhados
O pai
A rede
O fio
“Te enxuga
Toalha
Escapa
Do frio...”
E raio
E chuva
Afina
Afina
A nuvem
Estrela
Sozinha
Cortina
“Sumindo
A chuva
Já dá
Pra sair:
E troca
Comigo
Eu vou
41
É dormir!
E corre
No rio
No meio
Nem tanto
E toma
Café
Pro sono
Espanto...”
E pronto
No porto
“Chegamo!”
Atracar
A força
Do homem
Só Deus
A criar...
x x x x x x x x x x x x x x x x
42
Certa vez uma valsa na comunidade
Escuta, querida
Que vou te ensiná
Passinho pro lado
Passinho pra cá
Teu pai me vigia
Cum olho dali
Repara se eu fico
Se eu fico a bulí
Escuta, donzela
Respira então
Pertinho de mim
Bate um coração
Aperta teus dedos
Nos meus dedos vem
Que eu sinto, menina
Um lhe querer bem
Escuta, seu moço
Afasta teu peito
Num fala tal coisa
Me deixa sem jeito
Repara o meu pai
Que a cara tá feia
Me pega em namoro
Eu fico na peia
Escuta, seu homi
Até que lhe quero
Mas beijo na boca
Só em caso sério
Afasta tua fala
De perto do ouvido
Que fico sem graça
43
Seu grande atrivido
Pois olha, menina
Eu vou te contá
Que modo dirfíci
De te conquistá
Mas vale a pena
Menina prendada
Que vou te chamá
Minha namorada
Depois eu te pego
Da casa do pai
E mesmo pergunto:
Será que tu vai?
Eu faço uma casa
Madeira de fé
Te trato rainha
Te faço mulhé
Ispia, muleque
Que tô ti ouvindo
Tô só reparano
Teu jeito metidu
E chispa daqui
Pra fora e já
Que mandu dipressa
Dipressa capá!!
Perdôa, seu homi
Num faço mais issu
Num quiria tê
Nenhum rebuliço
Mas posso pedir
A mão da donzela?
Qui acho formosa
Qui acho tão bela!
44
Só podi casório
Quer queira, quer não
Se é homi di fatu
Di calo na mão
Eu mostro meu calo
Sou moço de bem
Não sou vagabundo
Recrama ninguém
Vem cá meu maridu
Pro cantu da festa
A filha, já moça
O rapaz bem presta
Tu diz desse jeito
Tu podis sabê?
Como é qui tu sabi?
Me lembra você...
Teu jeitu mi agrada
Eu vou conceder
Mas ficu di olho
Num pode mexê
Brigada, paizinho
Do moço eu gosto
Eu fico quietinha
Num causo desgosto
E vamu dançando
Teu pai já deixou
Que homi tão brabu
Até mi assustou!
45
Dançando nós vamu
A vela apagou?
Depressa, aproveita!
Um beijo tascou...
x x x x x x x x x x x x x x x x
46
Conhecimento sobre o peixe
O Filosófico é assim
Pro peixe, liberdade não há
Não alma, não começo , não fim
Existência finita que está
O Teológico, sagrado que diz
Multiplicados, milagre que foi
Pecado a gula que fiz
Na Paixão, não carne, não boi
O Científico supunha o ser
Estoque de peixes contar
Das teses, espécies de ter
Nas vitas, nas minas, gerar
O Popular, humilde, modesto
Responde ao repórter, abusivo
-
Você mata pirarucu pra comer?
-
Não dá pra comer bicho vivo!
x x x x x x x x x x x x x x x x
47
As seis pragas
O pium.
O suco
que puxa
da pele
do peão.
Do planalto,
Do igarapé,
que corre
na trompa
do Jari, Tê-um.
Praga de pretinho que prega no braço
picada de agulha que arranca aquele um!
A mutuca.
A fera
que mata
a moleza
da moleca.
Do molhado,
da maresia,
que fica
no trecho
de Santana, cutuca.
Meleca de moléstia que maçante maçarico
incomoda mexida a rede fura!
O maruim.
Coisinha
que mete
mal-estar
no namoro
Do menino.
Da mordida,
do vespertino
48
de Joanes, ruim.
Mazela de morte que maltrata maluco
deixa irritado a manha sem fim!
A caba.
O vôo
que pica
tal faca
na cara.
Da casa
esquecida,
do tronco
caído
de Curralinho, ferrada.
Cassete de coisa que em caçada espanta
até o cacique cadê a danada?!
O tachi.
O time
que trava
a luta
com o caboclo.
Da árvore,
que encostado
tremi, em Portel,bati.
Troço de tormenta que caiu da testa
ao tornozelo me tira daqui!
A carapanã.
A rainha
que cochicha
no ouvido da criança.
Do mosquiteiro,
do chuvisco
que caiu
no combu, de manhã.
49
Cambada de corno que castiga a costa
do cristão no sereno, campeã!
A carapanã.
que faz
o cavalo
se esconder
no córrego,
do samba.
Do cururu,
da SUCAM,
do Norte
que sangra.
Cruz-credo de comando cretino que faz
até o galo cantar: “carapanã pra caramba!!”
x x x x x x x x x x x x x x x x
50
Tem cutia pro almoço?
Ponhamos Descartes na mesa
Tem cutia pro almoço?
Procure as verdades,
problemas e soluções.
Pense que tu existe, varzeiro.
Logo, repare as certezas,
aquilo que não tenhas dúvida alguma,
sequer um pensamento titubeado:
“as cutias são roedores”;
“elas comem sementes de andiroba”;
“elas precisam roer”;
“as bichas são ariscas”.
“As andirobeiras são belas árvores”;
“se tira boa madeira da andirobeira”;
“as andirobeiras estão escasseando”;
“Dona Empresa já cortou muita andirobeira”;
“por nada”;
“virola, cedro e macacaúba também já foi muito tirado”.
“Preciso caçá pra comê”;
“o frango tá caro”;
“tenho seis muleques e uma menina pra criá”;
“vivo só de mata, não planto, só tiro”.
Agora, meu cabra, levante os problemas,
todos aqueles para saber se tem cutia.
“Tem que voltar as cutias”;
“tenho de dar de comê a meus fio”;
“tô com a menina prenha”;
“tem que voltar a tê muita andiroba
pra bichinha tê o que roê”;
51
“temu que pará com a tirada exagerada dos pau na mata”;
“tem que tê mais gente pra pensá comigo”.
Muito bem, macho:
Agora tente resolver tudo isso,
do fácil para o difícil,
como tu bem o sabes.
“vou chamar os cumpadi pra a gente trocá idéia”;
“vamo deixá de tirá andiroba
com menos de cento e cinqüenta de rodo”;
“vamo planta alguns pé
no quintal do terrenu da gente”;
“vamo abrir roça e cria frango, porco, pato,
pra num tê que caçá tanta cutia”;
“vamo ensiná pros fio da gente”.
Muito bem, só resta acompanhar tudo isso,
dia e noite, noite e dia.
“reunião, associação, mutirão,
viveiro, galinha, porco, milho, feijão,
ração, andiroba, mata, soiá,
guandu, preguiça, cutia,
eu quero, eu faço”.
x x x x x x x x x x x x x x x x
52
Canção do mururé
Se estiver
Sem esperança
Sinta a brisa
Na folha a dança
Se chorar
Se partir
Fica a alma
Um sorrir
Mururé
Vem a onda chegando
Mururé
Desespero tomando
Mururé
Tua vida balançando
Tua fé te segurando
E tudo vai se acalmando
Te deixaram
Olhe pra dentro
Estás saudável
Diga: enfrento
Tô sozinho
Tô sozinha
Um Pai-nosso
Um Salve-rainha
Mururé
Vem a onda chegando
Mururé
Desespero tomando
Mururé
53
Tua vida balançando
Tua fé te segurando
E tudo vai se acalmando
Estou doente
Estou me indo
Louvo a vida
O resto ainda
Vai o corpo
Fica o feito
Uma criança
Melhora o jeito
Mururé
Vem a onda chegando
Mururé
Desespero tomando
Mururé
Tua vida balançando
Tua fé te segurando
E tudo vai se acalmando...
x x x x x x x x x x x x x x x x
54
O Elias
Meu avô passara.
Passara por mim
e quase deu pra tocá-lo.
Homem bom, de Breves,
puro,
viúvo desde cedo na vida
e abdicado da sacanagem,
sua de direito.
Tocador de banda
daquelas que banjo e músicos
ficavam cansados nos piseiros
e dançarinos que eram vigiados pelos pais das moças,
ai de quem beijar.
Ia para a roça,
da roça para casa
pentear filha,
catava lêndea
“e continuava homi”.
Radinho de pilha,
jogo do Remo,
sete da noite,
“pára com a zoada, meninu”,
quando o conheci.
Seu Elias, velhinho,
não podia mais roçar.
Malmente escutar rádio.
Os nervos reclamaram:
“vou imbora daqui,
si não pudé mais passá
55
terçado no matu!”
E foi-se certa noite.
Não foi pro céu. Já era do céu.
Uma bonita jovem de sua mocidade o aguarda:
“cata meu piolhu, Elias,
faz tempu qui eu tô esperandu. Táqui a lata”.
Enquanto isso, aqui na terra,
nós continuávamos na sacanagem...
x x x x x x x x x x x x x x x x
56
Casamento
Teu riso é o sol que me ilumina.
Que duro admitir.
Que piegas pensar assim.
Quase um desaforo, eu diria.
Te amo e basta isso:
As brincadeiras,
O cheiro no rosto pela manhã,
Um mimo.
Perceber o infinito que és.
A onipotência.
O aconchego.
A formosura dos momentos
De Atena, Afrodite, Moira que vejo
E espero nunca ficar cego...
Ah, a propósito:
eu ainda preciso falar das flores, mulhé?
x x x x x x x x x x x x x x x x
57
O duelo entre Tio Bel e Seu
Tio Bel e Seu,
grandes amigos,
se viram em rixa.
A cachaça sumira.
Quem foi?
-
Foi tu?
-
Foi Tu!
Tio Bel, noventa anos,
Seu, Oitenta e poucos,
shorts acima dos umbigos,
peitos de frango estufados.
Porrada!
A remada de Tio Bel leva dez segundos
para malinar a costa de Seu.
Seu pega um pedaço de pernamanca
e deposita no ombro de Tio Bel.
Os dois batem cabeça com cabeça,
pelo tremelique.
Rangendo os restos de dente,
fedor de velho na flor da pele.
Se separam.
Um manca na direção do outro.
-
Corre, corre! Desatraca!
Os netinhos puxam os dois.
Solte-os. Solte-os.
Ai nas espinhelas deles.
-
Eu te pego, corno!
-
Eu te pego, frôxo!
Dois sábados depois,
amigos de volta.
Três meses após, Tio Bel se vai.
Seu resmunga, chorando:
-
Saudade de amigo.
Saudade de cachaçada.
58
- Fui eu que tomô a cachaça, Bel.
Pontada nas costas de Seu.
-
De atraição num vale!
Deixa eu te vê dinovo, peste!
x x x x x x x x x x x x x x x x
59
Vinte e oito verões
Que eu te conheça agora,
Vá lá.
Confesso que estou meio sem jeito, Portel.
Nasci de ti, mas que pena!
Tive cedo que deixar-te,
E vinte e oito verões após, cá estou.
Por outra fui criado,
Que me dera carinho, filosofia, infância;
Aposto que de ti também teria,
de outro ângulo.
Pelo que vejo és morena,
bronzeada, pé sujo da areia das ruas,
braços fortes de tanto agüentar
os verdes escuros rios que te empurram
e que te puxam pra junto deles,
não desistas!
Olhos e cabelos negros,
grossas pernas de tanto bicicletar,
seja de calça, seja de saia.
Sobrancelhas cheias,
largo e jocoso sorriso,
maçãs do rosto apetitosas,
brilhantes como a cuia,
água escorrida no corpo.
Beldade de quadros antigos.
Te observo sadia,
marajoara,
fofoqueira como eu imaginava bem ser.
Aparentas bem estar,
porém, sinto pesar do seu interior pobre.
Pobre de atitude,
de “eu tenho direito”;
teu lado pelego impera o que tem que ser.
Acorda!
60
Não te viras material,
respeita tua simplicidade,
tua caboclice,
a brisa que te amena a quentura.
Imaginei uma senhora alegre
e de pureza amazônica.
Não te desvies
e eu te chamarei orgulhosamente de minha mãe.
x x x x x x x x x x x x x x x x
61
Tio Chico do Bonzão
De onde tu veio?
Quando é que tu vai?
Quem é teu parente?
Quem é o teu pai?
Digo porque sei
Das paragens daqui
Dos dois Mazagões
Dos rios do Jarí
Das roças de jamelina
Das derrubas de machado
Mas dessa eu me tremo
Não agüento tal fardo
E fui lá pra beira
Ser desempregado
Acabei Trinta-e-sete
Zelando e levando recado
Me mandaram em frente
A febre me demitiu
Pra Gurupá ser patrão
De mim mesmo, um tio
Agora vivo a perguntar
E de saber do mais novo
De onde vem a experiência
Senão é que do povo?
Enquanto a conversa rolava
Um galo montava em uma pata
- esse mundo tá perdido, se tá
Aponta Tio Chico na lata!
x x x x x x x x x x x x x x x x
62
Pretensão de pintura por palavras
Segunda-feira de carnaval de dois mil e três.
Tempo nublado, preguiço, chuvoso.
Cidade de Breves.
As marias-bestas metem o bico
na terra arenosa e ao mesmo tempo
lamacenta das ruas.
Um bem-te-vi espreita a caça
das cabas e mosquitos que passeiam.
Todos concordam: não choverá mais, por enquanto.
Da sacada, vejo um estacionamento de barcos.
Um homem de calção verde
coça a costa no castilho da porta do porto
num sobe-desce agoniado, engraçado.
Se a coceira não sossegar,
o estrepe o sossega.
Santa Maria, Viking,
Ferreira Pena, Lucatelli,
Alex Roberto, Paulo Roberto.
Estes são os barcos que consigo ver os nomes.
Uns simples, outros com pavulagem.
Um barco começa a querer sair:
É a Santa Maria.
Popozando.
Deve ser um dezoito. Como sei?
Deve ser pelas conversas que tenho
com meus amigos de Gurupá.
“Lá vem o Barbudo”
“Como é que tu sabe?”
“É que ele tem um dezoito
que faz um barulho rasgado”.
Rasgado. Vai saber.
Quando a embarcação aponta
na ponta da ilha,
não é que é mesmo?!
63
E outros. E outros.
Tilintado. Assoviado.
Os motores, concordo, tem personalidade.
Passa agora um rabeta
com pai, filho, motorzinho.
Este é pequenino
mas saliente o suficiente
pra fazer da canoa um prodígio.
Sai o Paulo Roberto.
Deixa eu tentar: este tem
um motor com barulho... sufocado.
Casco grande, motor, um onze.
Não rende muito.
Dono e motor são deprimidos
e correm subindo o rio.
Agora vejo um casquinho de corrida.
Motor onze.
Equilibrado. Barulho alegre.
Atrás, ao fundo, observo
navios-elefantes enormes
puxando com a tromba pacotes de madeira.
Um caranguejo ziguezagueia para ajudar
a encher a barriga do bichão.
E lá se vão horas.
Árvores.
Dúvidas.
Será que alguém já tentou
plantar itaúbas para outros
pretensamente possam
versar sobre barcos no futuro?
x x x x x x x x x x x x x x x x
64
Carreteiros
Carreto que vai, que foi
que vem,
boné na cabeça, porto de
Belém
os pés já descalços, bermuda
velha
carrego empreita, mais mil
as telhas.
A tábua escorrida, descendo
o barco
a caixa desliza, farinha
o saco
bolacha, manteiga, biscoito
então
e cai dentro d’água, mas presta
atenção.
Olhando da rede,
um passageiro
escuta a apontada
de um carreiteiro:
“te cuida, ó macho, a faca
aqui
num é brincadeira, vou te
partir”.
O outro que ri, nem vai
ligar
só fica a jogar, pacote
no mar.
“Curralinho é o lote, e
Gurupá?
65
O tal babaçu, onde é
que tá?”
Tomate, cebola, alho
pepino
me passa a menina e o
menino.
E joga xarope de um
guaraná
“umbora dipressa vai
chuviscar”
“e manda a cachaça
a buchudinha
vou é tirar uma
põe na listinha”
“deixa isso aí, senão
senão
já vou te manjando
seu malandrão!”
E “vai tipraporra!”
E “vaitipramerda!”
“vou ti metê faca
nas tripa certa!”
E rola no chão, no punho
a faca
e um escorregão, cai na
estaca
e cai dois do porto, no sujo
a lama
“e vai ti embora, conheço
a fama”
“eu vou ti pegá, tu podes
crê
66
e reza pro Santo, que vais
morrê!!”
O dono do barco, enfim
apita
mulher perguntando, assim
aflita:
“Ô meu Pai, que mundo
louco
dois homi brigandu, motivo
pouco...”
E quando à noite, lá no
piseiro
os dois se encontram, lá vem
braseiro
é uma risada, de lá
de cá
é encarnação, de cá
de lá
e então os carretos já vão
eternos
e seus condutores, maus, vis
fraternos...
x x x x x x x x x x x x x x x x
67
Marcha do Escoteiro1
“O Brasil é maior
vai o escoteiro
o mundo é melhor
segue altaneiro”.
E começa a surgir mais um homem com caráter de
ferro,
puro de coração:
“A promessa já fez
segue adiante
esteja alerta,
adiante, avante!”.
E a certeza de poder contar você pode com um moço
de esmero,
bravo e de prontidão:
“Olhar para o ...ALTO!
Patrulhar a juventude!!
Gritar em coro aberto!!
Amor, paz e atitude!!!!!”
Vocês, ó moços que ainda tem muito o que aprender
sincero
disciplina e retidão:
“Prometo pela minha honra
o melhor possível fazer
por Deus e à pátria minha
digno dos céus ser”.
Então sigam marchando para vida que os aguarda de
punho cerro,
1
Uma homenagem à memória de Maurício Colares, meu eterno chefe escoteiro.
68
mas n’alma mansidão:
“Vai o escoteiro
altivo, arrebol
para o homem, menino
pra Deus girassol”.
E ao longe se avista ainda a tropa elite do futuro
que quero
perder-se na imensidão...
“Escoteiro, escoteiro
rataplã, escoteiro
escoteiro, escoteiro
rataplã, escoteiro...”.
x x x x x x x x x x x x x x x x
69
Às jovens mães
Que fizeste, mimosa?
És verde, despontavas
Pela manhã da vida
Chegando às dez horas, ainda
Tão nova
Tão nova
Teus risos ainda puros
Sem a malícia do meio-dia
Sem a força dos hormônios
Sem os monstros ou demônios
Apuros, apuros
Queres correr, não podes
Rebento tens que cuidar
Queres festejar, consciência
Te diz, subserviência
“Não foges, não foges.”
Tenha, peço, equilíbrio
As dez horas passarão
O fogo será controlado
Teu marido, não mais namorado
Alívio, suplício
Se ficas então solteira
Teu parceiro é um inútil?
Tua cria será a função
Força de si, superação
És primeira, primeira.
Mimosa, precisas, tu volta
O brilho que nunca perdeu
Pro teste de um novo amor
70
Suportas, se dane a dor
Revolta? Te solta!
O antigo te inveja? Que seja
Colossal teu espírito está
“Bem feito para toda a desdenha!
Incerto o futuro desenha?
Peleja! Peleja!”
x x x x x x x x x x x x x x x x
71
Geometria especial do traído
Deodato, o dado quadrado,
Casado, abastado,estudado
Simone, um cone,
De renome por fome de homem
Ângelo, um triângulo,
Tango,
fandango
e carango
Um quadrado que por base e altura iguais,
porém, de aparência, nem menos, nem mais.
Um cone que pratica os atos tão vis,
beijava o corpo dos homens, pueris
Um triângulo sacana no jeito de ser,
idolatra a aventura no seu conceber
Um triângulo enfiado
no cone moldado,
até que a geratriz,
quadrado feliz.
Um filho fornando,
o pai esperando,
O trair não é cisma.
Pois nasce um prisma.
Menino que cresce, bem forte está.
Ao pai já aparece, de um lado, de cá.
Mas vendo de cima, do alto um ângulo.
Precisa rimar? Tá bom, é triangulo!
x x x x x x x x x x x x x x x x
72
A filosofia do abrir mão...
Perceba como viver é abrir mão
Um abrir de sonhos,
De poesias, de chãos
Uma ação involuntária de se deixar algo
Desisto dos SIMs em favor dos NÃOs
Você larga o jovem,
Ainda com sede de querer ser jovem
E corre para o adulto,
Faz barba, faz filhos
Força o curso natural dos rios,
Sai dos trilhos
E arrepende-se depois do acidente
De não ter sido moço suficiente
Para ser longo e sinuoso
Ou rápido o bastante para enganar a inércia
Quando chega a hora
Das dores da vida adulta
Você se maltrata,
Pelo tempo se desculpa
E para distrair, usa seus sentidos para pensar
Guardando o encéfalo
Que inútil agora oculta
Tornando-se igual a todos
Perante o mundo
Abrindo mão de seus dogmas,
De seu pudor fundo
Caindo nas mesmices
Do competir sujo e tísico
Lembrando com remorso do resplandecer do sol
Cujo penetrante arrebol da janela te fazia anjo
E já não passas de um nome
Na lista de um estatístico
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Lançando mão da alma coletiva
E ainda assim singular
O homem velho procura dar
Para a prole de sua prole
Razão para amar, para bem fazer
Mas sua fôrma pura
Que antes exultava está manchada
Como aproveitar aos rebentos querer?
E no desgosto abissal de suas ilusões
Encontra a filosofia que universal se consagra
Que disciplina, que nos torna senhores
Do alfa, gama, beta
E cuidadosa alerta para os seres de amanhã:
Já que viver é abrir mão,
A quem puder estenda-a e abra-a.
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Círculo da vida
Amar
Gerar
Berrar
Ninar
Andar
Palmar
Palmar
Crescer
Querer
Por quê?
Saber
Reler
Correr
(correr, correr)
Pedir
Vestir
Mentir
Ouvir
Reunir
Curtir
Curtir
Calor
Sabor
Furor
Amor
Supor
Impor
Se for
Dor
Dor
Humor
Sentir
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Rever
Pensar
Amar
Gerar...
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