Debaixo do regime castrista, renunciou à fé de jovem «Voltei ao meu Deus católico», disse o premiado escritor cubano Luis Beiro, 48 anos depois Actualizado 2 de Abril de 2013 P. J. Ginés/ReL Cuba e São Domingos são duas ilhas das Caraíbas, separadas por apenas 90 quilómetros de mar, que partilham a herança hispânica e língua espanhola. E sem dúvida, enquanto a fé católica é intensa e firme em São Domingos, tanto na parte haitiana como na dominicana, em Cuba as décadas de socialismo e marxismo feriram a alma do povo. Esses 90 quilómetros que separam ambas as ilhas são um mar espiritual. É uma barreira que marcou a vivência do premiado poeta, jornalista e escritor cubano Luis Beiro Álvarez. Criado debaixo do regime hostil à fé, emigrou para a República Dominicana e explica agora, em 2013, desde a sua coluna no jornal Listín Diario, o seu regresso à fé católica. Uma infância católica "A minha vocação católica a herdei da minha mãe. Ela baptizou-me, inscreveume nas Escolas Pias de Víbora onde fiz a primeira comunhão e onde cursei até o quinto curso, altura em que “os padres” foram expulsos de Cuba. Depois mantive-me ligado à fé em baixo perfil até que chegou o tempo de continuar os meus estudos", recorda Beiro. Foi em 1964, ao matricular-se no Ensinamento Médio cubano, quando começaram as pressões. Havia um formulário para preencher com duas perguntas chave para o regime: "Você crê em Deus?" e "Tem você familiares no estrangeiro ou nos Estados Unidos?" Submisso à doutrina oficial "A minha mãe tinha-me alertado. Aos comunistas há que mentir-lhes, se queres ser alguém aqui terás que dizer sempre que não és crente e que nenhum parente teu reside fora. Recordei-me daquelas palavras da minha mãe que, com dor da sua alma, me sugeria esquecer-me da fé e recusar qualquer vínculo com os meus parentes norte-americanos para que ninguém se metesse comigo e deixaramme estudar em paz. A partir desse momento, fui um submisso da doutrina oficial". E assim, nos anos 60 começou a receber, como tantos jovens na ilha e também na Rússia e Europa Oriental, as "classes de Instrução Política (leia-se ateísmo científico) e a maldizer tudo o que significava a Igreja Católica. Em casa, queimei bíblias - excepto o livro da Primeira Comunhão que como sombra salvadora todavia conservo junto à minha cama -, escondi crucifixos, imagens sagradas e fotos de Jesus e seus discípulos". No princípio ainda lhe doía essa renúncia. Deixar de ir à igreja ao domingo, deixar de peregrinar a pedir milagres para os enfermos perante a imagem de São Lázaro no povoado de El Rincón, renunciar ao recolhimento da Semana Santa... Actividades juvenis para distrair Mas para ajudá-lo a romper com tudo isso estava a União de Jovens Comunistas (da qual foi membro durante uma década) e a sua grande quantidade de actividades, especialmente na Semana Santa e outras ocasiões festivas. "A União encarregava-se de levar-nos ao campo, à agricultura, já bem a cortar cana ou a recolher batatas, batata-doce e café. Era a desculpa que encontravam à mano para tirar-nos do meio social e dessa forma, intensificar as nossas classes de marxismo, tanto a nível teórico como literário. A leitura de novelas panfletárias como “Assim se temperou o aço” de Nikolai Ostrovski ou “A estrada de Volostomak” ocuparam espaços nocturnos naqueles acampamentos iluminados por lâmpadas amarelentas e velas que me rasgavam a visão". Passavam os anos, multiplicavam-se os questionários e formulários de papelada marxista, e uma e outra vez as perguntas: "Você crê em Deus?" e "Tem você familiares no estrangeiro ou nos Estados Unidos?" "De tanto mentir, fiz minhas as respostas" "No Serviço Militar Obrigatório, no Instituto Pré-universitário, na Universidade e no meu primeiro emprego como advogado, sempre apareciam as mesmas folhas com interrogações similares à maneira de armadilhas, para tratar de me enganar. Mas já tinha aprendido a lição. Não creio em Deus. Sou ateu. Não tenho família no estrangeiro... E de tanto mentir, cheguei a fazer minhas essas respostas. Só a minha mãe sofria em silêncio a máscara que ondeava sobre o meu rostro e que ela mesma me ajudou a esculpir para salvarme da perseguição política". Por suposto, o regime não se contentava com esses formulários, mas punha à prova os jovens, especialmente aos que pareciam poder chegar a formar parte da "intelligentsia", da classe cultural de um país sem classes. "Infinidade de “amigos” do último minuto e visitantes de todas as espécies começaram a rondar-me com diversos propósitos. Muitos levavam-me música americana, rádios portáteis, gravadores e além disso “aparelhos” próprios da sociedade de consumo. Namoradas por toda a parte, equipas de basebol, casas de veraneio, publicações estrangeiras, catecismos católicos e outras tentações correram pelos meus olhos em todos esses anos, provenientes de mãos provocadoras. Não sei como pude adivinhar aquelas armadilhas e seguir com o meu plano". Guerra psicológica "De tanta guerra psicológica, cheguei a crer-me ateu. Desafiei Deus, o seu filho Jesus e todo o Olimpo divino. Como bom idiota, fiz minha a doutrina de Darwin e esqueci-me de que a alma humana não vem do macaco, mas sim de algum lugar desconhecido. Pensei que tudo eram os ossos, a carne, a imortalidade das ideias políticas e deixei pouco espaço para sentir o mistério da criação, da fé divina, da omnipotência de Deus". Pouco a pouco abria passagem no mundo literário. Foi finalista do Premio de Poesia da revista mexicana "Plural" (1985). Anos depois, recebeu o Prémio Nacional de História "Primeiro de Janeiro" em Cuba pelo seu Luis Beiro com Mario Vargas Llosa em 2004 livro "Brisa Nova". Afiançou-se como um enamorado da poesia: Nicolás Guillén, José Lezama Lima, Dulce María Loynaz, Carilda Oliver Luis Beiro com Mario Vargas Llosa em 2004 Labra, Regino Boti, William Blake, Antonio Machado... E da narrativa: Fiodor Dostoievski, Honoré de Balzac, Víctor Hugo, William Faulkner, Chinguiz Aimatov, Guillermo Cabrera Infante, Alejo Carpentier... Entre os seus livros preferidos: “O Quijote” e “Cem anos de solidão”. Um padre, uma rádio, um programa de música Também era um entusiasta da música e crítico musical, e assim, estando em 1989 na República Dominicana, na Cidade de La Vega, almoçou com o padre Antonio Lluberes, naquele momento, director geral da Rádio Santa María. "O padre Ton convidou-me a percorrer as instalações e eu mostrei-me interessado em gravar ali alguns espaços de música cubana. Nada me disse então, mas no ano seguinte, chegou-me a Havana um convite para votar à La Vega dominicana para, entre outras coisas, trabalhar na emissora católica debaixo da sua direcção. Foram seis meses onde aprendi do seu exemplo a vocação humanista dos jesuítas. Com Ton Lluberes e a sua equipa de locutores e mestres radiofónicos percorri os campos do Cibao onde as pessoas, ao ver-nos, aglomeravam-se em nosso redor, ainda que fosse só para tocar-nos nas mãos". Conhecendo os filhos de Deus E começou a fazer mais amizades, como os sacerdotes e poetas Tulio Cordero e Fausto Leonardo Henríquez ou o padre Gustavo Carles, "esse cubano exemplar, lutador empedernido pela unidade, liberdade e a reinstauração da democracia na sua pátria". A longa doença da sua mãe, e a sua morte depois, foram ocasião para Luis Beiro experimentar a proximidade de muitas pessoas de fé, como Sor Bernardina Montero e Sor Clara Figueroa: "ambas alimentaram, medicaram e cuidaram da minha mãe durante mais de dois anos, enquanto eu cumpria os trâmites oficiais para trazê-la comigo para São Domingos". O padre Henríquez deu a extrema-unção à sua mãe antes dela morrer. O sacerdote salesiano Jesús Hernández fez o novenário pela defunta. O padre Esquivel conseguiu uma bolsa ao filho de Luis Beiro num grande colégio dominicano durante os seus estudos básicos. O padre Eduardo García Tamayo, substituto de Lluberes na direcção geral da Rádio Santa María, deu-lhe apoio intelectual e albergue e cuidados ao sair do hospital CEDIMAT em 2012. "Lanço, de joelhos, o meu tributo a Deus, o meu Deus católico, que nunca me abandonou e pôs no meu caminho os seus melhores filhos", agradece o escritor ao olhar os anos passados. Baptizando na mesma Cuba "Antes de emigrar para São Domingos, baptizei os meus filhos Roxana e Luis Ernesto. Foi o meu tributo a Deus, na própria Cuba. O meu filho Luis Ernesto, para orgulho meu, acaba de casar-se pela igreja. Fê-lo com plena consciência e em honra à sua avó porque o que une Deus, que não o separem os homens". Hoje, Luis Beiro Álvarez é uma figura intelectual reconhecida na República Dominicana. Recebeu o "Prémio Caonabo de Ouro" que outorga a Associação Dominicana de Escritores e Jornalistas ao melhor jornalista estrangeiro na República Dominicana (2000), e diplomas de reconhecimento do seu trabalho pela Secretaria de Estado da Cultura (2002) e o Centro Cultural de Espanha (2007), entre outros. E reflecte sobre o seu passado e a sua fé, que retomou 48 anos depois. "O homem sempre volta às suas origens por tortuosos que tenham sido os suores da sobrevivência. Faço-o porque necessito voltar a crer em mim. Porque jurei há minha mãe, no seu leito de morte, que retomaria a minha vocação católica. Voltei ao catolicismo convencido de que na minha longínqua adolescência não cometi o erro de trai-lo, mas sim de reafirmá-lo enquanto o meu corpo servia de escudo para que ninguém jamais me o ultrajasse. Deus não me exige o fanatismo, mas sim a entrega aos demais. Estes são os meus princípios católicos". Blogue de Luis Beiro (pouco actualizado) http://luisbeiroalvarez.blogspot.com.es in