DOMINGO de RAMOS e PAIXÃO DO SENHOR Salmo 21(22) “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” Ir. Sandra M. Pascoalato, sjbp Procuramos seguir o Mestre nos 40 dias da Quaresma e eis que agora este caminho vai chegando ao seu ponto culminante. Somos convidados a contemplar o acontecimento da cruz e a acompanhar Jesus no seu maior dom de amor. A semana que iniciamos, tão grande e tão importante ao ponto de ser chamada Semana Santa, é a pérola do Ano Litúrgico. Deus, o nosso Deus carrega a sua cruz, a abraça e nela morre pendurado. A Igreja toda para, estupefata, a meditar o incomensurável amor do seu Senhor. Silêncio! Deus se prepara para morrer. Da Liturgia deste Domingo de Ramos e Paixão do Senhor tomaremos, para nossa reflexão, o Salmo que a Liturgia nos propõe, em parte, como Salmo Responsorial. É o Salmo 21(22) que se abre com as palavras que Jesus pronunciou sobre a cruz quando, com voz forte, grita: “Eli, Eli, lamá sabachtháni?” – “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?”. Sobre a cruz Jesus reza, com grande probabilidade, o Salmo inteiro. Com voz forte o primeiro verso e, depois, murmurando-o e repensando-o dentro de si. Aqueles que assistem a cena não compreendem e pensam que Jesus esteja invocando Elias. Não compreendem! Porque, sobre a cruz, talvez Jesus não consiga nem mais pronunciar as palavras de modo correto, as mastiga, as sussurra quase sem fôlego. Mas ele reza e, depois, “dando um forte grito, expirou”. O Salmo 21 pode ajudar-nos a sentir com Jesus, a entrar no ânimo com o qual Jesus vive a sua paixão, a sua experiência dolorosa; pode ajudar-nos a entrar na oração de Jesus. O seu grito não é o de um homem desesperado. Olhando com mais atenção podemos perceber que, sim, o Salmo 21 é a oração de um homem que vive a experiência de um sofrimento terrível, mas que não cede ao desespero. É a oração de um pobre sofredor, mas é também a oração de um homem que encontra o sentido e o gosto de uma nova relação com Deus. O seu último grito antes de morrer é um grito de vitória. É a história de um homem que descobre um novo modo de estar em comunhão com o Senhor da sua vida. Três seções compõem o Salmo 21: a) 21,1-11. É o lamento que nasce da experiência de abandono e de solidão. A impressão é de que exista um abismo entre Deus e o homem; neste abismo o homem se sente como que golpeado por uma dor que o tritura. Além disso, o seu grito, as suas palavras parecem cair no vazio; ninguém o escuta. Ele se sente totalmente sozinho e totalmente abandonado. É rejeitado pelo seu povo, é um verme e não um homem. Mas, eis que, se os outros o rejeitam e o desprezam, “tu, Senhor, és o meu Pai! Desde o ventre materno, tu és o meu Deus!” (cf. vv.10-11). Na sua imensa dor o orante descobre que, enquanto não tem em quem confiar, permanece indefectível a paternidade de Deus: ‘Tu, Deus, és Pai para mim!’. b) 21,12-22. As imagens fortíssimas aqui utilizadas fazem pensar a alguém que está delirando. Animais ferozes que circundam a sua presa, a encurralam e estão prontos a atacá-la e a fazê-la em pedaços representam a feroz bestialidade que se esconde em muitos homens. O orante se sente como que desconjuntado, quebrado, à beira da morte. Por isso, abrindo e fechando esta seção, o pedido que nasce do mais profundo do coração é: “Mas tu, Senhor, não fiques longe! Minha força, vem socorrer-me depressa!” (cf. vv.12.20). c) 21,23-32. O v. 23 é um salto improviso e imprevisto: o homem rejeitado por todos, agora afirma decididamente de poder anunciar o nome novo, a sua nova relação com Deus. O que acontece é algo extraordinário: aquele pobre rejeitado e reduzido como um verme pelos homens morre, gritando: “Pai!”. Com o seu grito alcança todos os povos da terra, todos os tempos da história e faz de todas as criaturas uma única família. É o último grito de Jesus: ‘E eu viverei por Ele, o servirá a minha descendência; ao povo que nascerá dirão: Eis a obra do Senhor!’. ‘Viverei por Ele!’: na escuridão daquela morte já se anuncia a luz da Ressurreição. Textos consultados: BEAUCHAMP, P. Salmi notte e giorno. Cittadella, Assisi, 2004. MARTINI, C.M. Il Desiderio di Dio. Centro Ambrosiano, Milano, 2002.