Indústria nacional de gipsita e o impacto da globalização: qual a estrutura tarifária ótima? Francisco de Sousa Ramos Aline Gomes Coelho Ciarlini Universidade Federal de Pernambuco E-mail: [email protected] 1. Introdução O mercado brasileiro de gipsita e seus derivados está em expansão, sendo atendido basicamente pelos produtores do Araripe-NE e Europa. Apesar de possuir as maiores reservas conhecidas, o Brasil não se encontra nem mesmo entre os dez maiores produtores. A importância deste produto decorre de sua estreita vinculação com a indústria de construção civil, onde ocorre 90% de sua utilização. Tratase de uma indústria que ocupa o segundo lugar no Brasil em termos de participação no PIB (Scardoelli et al. 1994). Além disto, este setor absorve cerca de um terço da mão-de-obra envolvida em atividades industriais, a maior parte da qual sem qualificação. Dado o nosso déficit habitacional – em torno de 12 milhões -, o gesso, principal derivado da gipsita, apresenta-se como uma alternativa aos materiais de construção convencionais, devido ao seu menor custo relativo, bem como a algumas características particulares. Os nossos custos de produção se igualam aos dos maiores produtores, apesar de produzirmos em escala menor. Entretanto, dada a precária infra-estrutura de transporte, o produto chega aos principais centros consumidores brasileiros com baixa competitividade. Devido a uma mobilização do setor, em 1996 houve uma negociação com o Governo em que a alíquota de importação passou de 4 para 56%, prevendo-se no acordo uma redução progressiva até o ano 2002, tempo suficiente para que houvesse uma implementação das medidas visando melhoria da infraestrutura. Isto não ocorreu, e o setor foi novamente ao Governo renegociar o acordo. Evidentemente, numa situação deste tipo, o consumidor nacional arca com os encargos ao adquirir um produto a maiores preços. Em sua política, o Governo brasileiro deve efetuar uma escolha entre beneficiar os produtores nacionais – cuja principal produção ocorre em uma região em que outras oportunidades econômicas são bastante escassas -, em detrimento dos consumidores, e viceversa. Assim sendo, o Governo deve determinar qual a política tarifária ótima a ser adotada. Este trabalho tem como objetivo determinar qual política tarifária ótima. Neste sentido, é feita na seção 2 uma descrição do setor, e a seção 3 mostra a composição de custos da indústria. Em seguida, a seção 4 apresenta um modelo fundamentado na Teoria dos Jogos, em que se busca determinar a tarifa ótima. O propósito básico é de fornecer elementos a serem considerados na determinação de uma política tarifária ótima. 2. O mercado brasileiro de gipsita A gipsita é o mineral sulfatado de maior abundância em termos mundiais, e é utilizado, em mais de 90% dos casos, para a fabricação de cimento portland e calcinação de gesso, sendo o restante utilizado na agricultura (como corretivo, fertilizante, fonte de enxofre e outros). 2.1. Produção nacional Conforme citado, o Brasil possui as maiores reservas conhecidas, mas não se encontra nem mesmo entre os dez maiores produtores mundiais, em que os Estados Unidos lidera a lista (tabela 1). Tabela 1 - Reservas e produção mundial de gipsita – 1998* Discriminação Reservas(1) (103t) Produção (103t) Brasil 1.250.261 1.632 Estados Unidos 700.000 19.000 Canadá 450.000 8.500 China ... 8.000 Irã ... 8.500 Japão ... 5.500 México ... 5.900 Espanha ... 7.400 Tailândia ... 8.600 Outros países ... 31.968 Total 105.000 Fontes: DNPM ( 1999) Nota: (*) Dados preliminares (1) Reservas medidas + indicadas ... Não disponível No Brasil, o Estado de Pernambuco é responsável por cerca de 90% do total produzido. A área de exploração está localizada na região do Araripe, em pleno sertão nordestino, e sua abrangência compreende 12% da área total do Estado, com aproximadamente 260 mil habitantes. Sendo área de baixa pluviosidade e solo pobre, o que compromete seu desenvolvimento agrícola, esta região tem na atividade gesseira o seu principal motor econômico: ela é responsável por 12 mil empregos diretos e mais de 60 mil indiretos (SEBRAE, 1999) Figura 1 - Produção de gipsita no Brasil e em Pernambuco Produção BR (t) Fonte: DNPM Produção PE (t) 19 95 19 97 19 89 19 91 19 93 19 83 19 85 19 87 19 75 19 77 19 79 19 81 19 71 19 73 1.800.000 1.600.000 1.400.000 1.200.000 1.000.000 800.000 600.000 400.000 200.000 0 2.2. Mercado consumidor Além de ser o maior produtor mundial, os Estados Unidos – juntamente com a Europa - são também os maiores consumidores de gipsita, com um consumo per capita de 82 e 60 kg/ano, respectivamente. Na América do Sul, países como Chile e Argentina apresentam consumo de 40 e 21 kg/hab/ano, enquanto que o Brasil consome apenas 7 kg/hab/ano (figura 2). Isto se deve ao pouco conhecimento do potencial de utilização deste produto no Brasil. Vislumbrando o crescimento do mercado brasileiro, empresas estrangeiras vêm se implantando nas principais regiões produtoras e consumidoras. Figura 2 - Consumo per capita de gesso – (kg/hab/ano) 21 EUA 7 EUROPA 82 40 CHILE 60 ARGENTINA BRASIL Fonte: DNPM 3. Custos de produção da gipsita e competitividade nacional A gipsita do Araripe apresenta um alto grau de pureza e é encontrada na superfície, sendo produzida a um custo igual ao dos maiores países produtores, os quais se beneficiam ainda de economias de escala. Porém, a falta de uma infra-estrutura que permita a redução dos custos de escoamento faz com que este produto chegue aos principais mercados consumidores com o custo até nove vezes maior que seu custo de produção, perdendo, portanto, competitividade face ao minério originário de outros países. A tabela abaixo fornece uma composição dos custos para a gipsita entregue aos principais mercados consumidores brasileiros. Tabela 2 – Composição dos custos da gipsita entregue em São Paulo (US$/ton*) – 1999 Região de Origem País Tipo de transporte Sazonalidade Custo de produção Transp. rodoviário Frete internacional AFRMM Custos portuários Seguro/outros Total Halifax Almeria Canadá Espanha Marítimo Nenhuma 7,00 7,00 19,00 4,75 9,50 0,66 40,91 Fonte: SINDUSGESSO (*) ICMS, IPI, PIS e PASEP excluídos 17,00 4,00 9,50 0,66 39,16 Polo Gesseiro do Araripe Brasil - Pernambuco Rodoviário Baixa Estação Alta Estação 5,00 5,00 42,02 45,00 47,00 50,00 Em decorrência do elevado custo de transporte, bem como da baixa alíquota de importação, a competitividade nacional foi profundamente afetada. Na última década, com a abertura da economia e redução das alíquotas de importação, começaram a entrar no país a gipsita e seus derivados, bem como empresas estrangeiras produtoras de gesso e derivados (tabela 2). Consequentemente, o Pólo Gesseiro do Araripe enfrentou uma enorme crise devido a concorrência com a gipsita importada, com a desativação de várias empresas. Os produtores nacionais ficaram com um mercado consumidor restrito à região Nordeste. Entretanto, esta exposição dos produtores nacionais a uma acirrada concorrência fez com que adotassem uma estratégia de investimento em novas tecnologias de produção. Figura 3 - Comportamento da produção (em 105t) e preço da gipsita (por ton) 16,00 14,00 12,00 10,00 8,00 6,00 4,00 Preço em dolar 1998 1997 1996 1995 1994 1993 1992 1991 1990 1989 1988 1987 1986 1985 1984 1983 1982 1981 1980 1979 1978 1977 1976 1975 1974 1973 1972 0,00 1971 2,00 Prod.PE Fonte: DNPM Tabela 3 - Importação e consumo aparente de gipsita (em ton.) Discriminação 1987 1988 1989 1996 1997 1998 2.110 1.026 122 14.664 18.793 31.501 Importação Consumo aparente 803.748 788.674 799.737 1.138.663 1.412.240 1.662.848 Fonte: DNPM A gipsita e seus derivados importados, vindos de países norte americanos e europeus, representam uma constante ameaça para a gipsita nacional. Conscientes do potencial do mercado consumidor brasileiro e favorecidos pelo excelente sistema viário que possuem, chegam ao Brasil a um custo muito inferior ao que é possível de se obter com a gipsita nacional. Ao contrário do que ocorre nesses países, no Brasil a decadente estrutura portuária e o precário sistema hidro-rodoferroviário implicam em pesados ônus ao produto nacional. Em 1995,o governo, através do Ministério do Exterior, decidiu alterar a alíquota de importação, de 4 para 56%, montando uma tabela cujos valores aplicados decresceriam a medida que fossem implantados os projetos de infra-estrutura, chegando em 2002 ao seu valor original de 4%. Porém, a Ferrovia Transnordestina - que representa um desses projetos e que deveria ser concluída até 2000 -, ainda não saiu do papel. Além da ferrovia, outros projetos como a Hidrovia do São Francisco e a Adutora do Oeste, de vital importância não só para o setor gesseiro, como para o apoio às demais atividades econômicas do Estado, também não foram implantados. Pelo atraso nessa implantação, em janeiro de 2000, novamente o Governo teve que interferir no valor da alíquota, que passou de 16% para 29%, o que deu ao setor a possibilidade de continuar produzindo e comercializando seu produto. Tabela 4 - Tabela de redução da alíquota de importação - 1996 Ano Alíquota (%) 1996 56 1997 46 1998 36 1999 26 2000 16 2001 4 2002 4 Fonte: SINDUSGESSO Se, por um lado, atitudes deste tipo são justificadas com base em defesa da indústria nacional, é verdade que os encargos ficam com os consumidores nacionais. A política de concessão de um tempo para que a indústria gesseira possa efetuar modificações, aí incluindo a participação do Governo no que se refere ao estímulo de melhoria da infra-estrutura viária, deve ser acompanhada por atitudes do setor gesseiro em buscar melhorias tecnológicas a fim de que possa competir com as indústrias do exterior. 4. O modelo Na determinação da tarifa ótima, ocorre um problema: o Governo deve determinar uma tarifa que considere a competitividade da indústria nacional, mas não deve desconsiderar o seu impacto sobre os preços domésticos e, consequentemente, sobre os consumidores. Por outro lado, as empresas, tanto as domésticas como as estrangeiras, esperam pela determinação da tarifa para tomar decisão quanto à quantidade a ser produzida. Estas quantidades, por sua vez, têm impacto sobre o preço de mercado. Tem-se assim um problema de simultaneidade. A solução adotada faz uso do conceito de equilíbrio perfeito em subjogos: conhecendo a forma como as empresas decidem (maximizando lucros), o Governo maximiza uma função de bem-estar que envolve o lucro da empresa doméstica, o excedente do consumidor e a própria receita tarifária. Desta forma, determinando a tarifa ótima, as empresas determinam as quantidades produzidas, determinando consequentemente o preço de mercado. A demanda nacional por gipsita é suposta linear e dada por: p = a − bQ (1) onde Q, a quantidade total que chega ao mercado, é resultado da produção doméstica, qa, e da produção de empresas estrangeiras, qf, ou seja, Q = q a + q f . As empresas nacionais e estrangeiras produzem a um custo unitário c, e têm custos de transporte dados por ta e tf, respectivamente. Além disso, existe uma tarifa de importação θ . Portanto, os seus lucros são dados por: π a = pq a − cq a − t a q a π f = pq f − cq f − t f q f − θq f (2) (3) O Governo maximiza o bem-estar conjunto de consumidores – dado pelo excedente Ec - e produtores – dado pelo lucro π -, além da receita tarifária. Portanto, a função de bem-estar W é definida como: W = π a + Ec + θq f (4) A maximização dessa função fornece a alíquota ótima: 1 θ = (a − c − t f ) 3 (5) Pode-se observar que esta alíquota depende inversamente dos custos de transporte das empresas estrangeiras: quanto menores estes custos, maior a tarifa necessária para proteger os produtores domésticos, sem entretanto onerar muito os consumidores nacionais. De posse desta tarifa, os produtores domésticos e estrangeiros determinam a quantidade ótima a ser produzida, através da maximização de seus lucros. O resultado fornece: tf 3 4 − ta ) (a − c + 9b 2 2 1 (a − c + 3t a − 4t f ) qf = 9b qa = (6) (7) Substituindo na função demanda inversa, tem-se o preço de mercado: p= 1 (4a + 5c + 2t f + 3t a ) 9 (8) Portanto, pode-se visualizar em cada um destes componentes - quantidades produzidas, preço, tarifa, lucros -, qual o impacto de variações nos custos de transporte, nos custos de produção e no componente autônomo da demanda. 5. Notas conclusivas Este trabalho efetua uma pequena radiografia do setor gesseiro nacional, evidenciando sua importância tanto em termos de geração de empregos como em termos de estratégia para suprir o déficit de moradia no Brasil. O Brasil é beneficiado pela enormidade de suas reservas, cuja principal extração ocorre em uma região altamente carente de outras oportunidades econômicas. Esta importância faz com que empresas do setor busquem o apoio governamental no sentido de adoção de tarifas que possam dar um tempo para que a infra-estrutura viária, essencial ao escoamento da produção, possa ser melhorada. A imposição de tarifas traz transtornos para o mercado consumidor, e o Governo deve, portanto, buscar o nível ótimo que reduza ao mínimo possível o impacto sobre a economia. O modelo desenvolvido neste trabalho sinaliza no sentido de que, para determinar a estrutura tarifária, deve-se conhecer aspectos da demanda bem como a tecnologia utilizada pelas empresas. Assim sendo, deve-se investir em estudos que permitam orientar tanto as empresas nacionais quanto o Governo sobre a política ótima para o setor. Aqui, foi suposto que a informação é completa. Avanços adicionais podem ser feitos no sentido de que os custos das empresas não são conhecidos, sendo necessário, portanto, supor distribuições de probabilidades sobre os tipos de tecnologias utilizadas pelas empresas. Ainda, caso se disponha de informações sobre a demanda, pode-se testar as políticas tarifárias adotadas para o setor. 6. Referências bibliográficas Collier, M., Projeto Setorial Integrado – PSI para micro, pequenas e médias empresas do segmento de Gipsita – Gesso, na região do Araripe, Estado de Pernambuco, Relatório para o SEBRAE-PE, Recife, 1999 Departamento Nacional da Produção Mineral, DNPM, Anuário Mineral Brasileiro, diversos números, MME, Secretaria Nacional de Minas e Metalurgia, 1999. Departamento Nacional da Produção Mineral, DNPM, Boletim de Preços: bens mineirais e produtos metalúrgicos, diversos números, MME, Secretaria Nacional de Minas e Metalurgia, 1999. Departamento Nacional da Produção Mineral, DNPM, Sumário Mineral, diversos números, MME, Divisão de Economia Mineral, 1999. Gibbons, R., Game Theory for Applied Economists, Princeton University Press. Rocha, J. M. B., 1990, As Perspectivas da Gipsita para Pernambuco, Relatório Governo do Estado de Pernambuco, Recife, 1992. Santos, M. V. , Sardou, R., Diagnóstico das atividades econômicas do Polo Gesseiro do Araripe, Relatório Governo do Estado de Pernambuco, Recife, 1996. Scardoelli, L. S., Silva, M. F. S., Formoso, C. T., Heineck, L. F. M., Melhorias da Qualidade e da Produtividade: iniciativas das empresas de construção civil. Porto Alegre: Programa da qualidade e produtividade da construção civil no Rio Grande do Sul, 1994. Sindicato das Indústrias de Extração e Beneficiamento de Gipsita, Calcáreos, Derivados de gesso e de minerais Não-Metálicos do Estado de Pernambuco, SINDUGESSO, Carta ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Recife, 1999.