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5
Adelino Torres
NOVOS ELEMENTOS DO
MÉTODO NO ESTUDO
4ª edição revista e aumentada
vega
6
DO MESMO AUTOR
Livros:
- Horizontes do Desenvolvimento Africano no limiar do século XXI, Lisboa, Vega,
1998, 267 p.
- Demografia e Desenvolvimento, Lisboa, Gradiva, 1996, 168 p.
- O império português entre o real e o imaginário, Lisboa, Escher, 1991, 359 p.
- Portugal-PALOP: as relações económicas e financeiras (Coordenação e co-autoria),
Lisboa, Escher, 1991, 222 p.
- O Método no Estudo, Lisboa, A Regra do Jogo, 1.a e 2.' ed. Lisboa, Escher, 3.a ed.
1990, 112 p.
- Sociologia e teorias sociológicas, Lisboa, A Regra do Jogo, 4.a ed. 1985, 328 p.
- Estudos de Economia Portuguesa (em colaboração com Laura Veloso), Lisboa, A Regra
do Jogo, 1984, 2 vols., 410 e 320 p.
Textos nas revistas:
African Economic History (EUA, Universidade de Wisconsin).
Africana Studia (Porto, CEA-Centre de Estudos Africanos, Universidade do Porto).
Análise Social (GIS/Instituto de Ciências Sociais, Lisboa). Cadernos de
Economia (Lisboa, Ordem dos Economistas). Cultura (Revista da Sociedade
Cultural de Angola: anos 60). Economie et Humanisme (Lyon, Éditions
Ouvrières). Esprit (Paris, Seuil).
Estratégia (Lisboa, IEEI-Instituto de Estudos Estratégicos e Internacionais).
Estudos de Economia (Lisboa, ISEG/Universidade Técnica de Lisboa). Nação e Defesa
(Lisboa, Instituto de Defesa Nacional). Nouvelle Revue Française (Paris, Éditions
Gallimard).
Revista de Estudos Afro-Asiáticos, Rio, Universidade Cândido Mendes). Studia Africana
(Barcelona).
Outras publicações (jornais):
ABC Diário de Angola (Luanda: anos 60); Diário de Notícias (Lisboa); Diário Popular
(Lisboa); Expresso (Lisboa); La Croix (Paris); Témoignage Chrétien (Paris).
7
INDICE GERAL
INTRODUÇÃO ........................................................................................... …… 9
,
CAPITULO 1 - Indicações bibliográficas ......................................................... 11
Notas de rodapé e bibliografias ..................................................................... 11
Artigos .......................................................................................................... 13
Livros ............................................................................................................ 14
Referência bibliográfica de uma obra colectiva ............................................ 16
Outras situações de referência bibliográfica ................................................. 17
Dimensão dos livros ................................................................................
CAPÍTULO 2 - Como fazer um ficheiro ...........................................................23
Para que servem as fichas? ...........................................................................23
Modelos de fichas .........................................................................................25
Fichas bibliográficas .....................................................................................26
Fichas por autor ............................................................................................27
a) Fichas de livros ................................................................................... 27
b) Fichas de artigos .................................................................................36
Fichas por títulos ...........................................................................................38
"Constelação" de fichas ................................................................................40
Fichas ideográficas .......................................................................................42
Exercício de recapitulação ............................................................................49
Correcção do exercício .................................................................................50
CAPITULO 3 - "Radiografia" de um texto ......................................................53
Observação preliminar ..................................................................................53
Ideias principais e secundárias ................................................................…..53
Texto nº 1 (Adam Smith) ........................................................................…..56
Comentário ao texto n.° 1 ………………………………………………….57
Texto n° 2 (Gilberto Dupas) ................................................................. …...58
Comentário ao texto n.° 2 ...................................................................... …..58
Texto n° 3 (Documentation Française)…………………………………….58
Comentário ao texto n.° 3 ...................................................................... …..59
A clareza das ideias ................................................................................ …..61
CAPÍTULO 4 - Leitura de um texto: etapas metodológicas ................... …....66
Comentário do organograma ................................................................. …………67
1.' etapa: Leitura de texto ...................................................................... ………...70
2ª etapa: Análise (o esqueleto do texto) ................................................................72
3ª etapa: A infra-estrutura do texto (as partes constitutivas) .................................76
4ª etapa: O resumo ................................................................................................78
5ª etapa: A síntese .................................................................................................80
6ª etapa: A conclusão ............................................................................................81
7ª etapa: Exercício de recapitulação: método dedutivo e indutivo…………..
83
CAPITULO 5 - Como fazer um relatório .........................................................87
Documento n.' 1 (M. Parodi) .........................................................................88
Documento n.° 2 (A. Bienaymé) ...................................................................88
Documento n.'3 (A. Granou) .........................................................................89
Documento n.° 4 (F. Pereira de Moura) .........................................................89
Como explorar os documentos anteriores para elaborar um relatório……… 93
1.' fase: Leitura em "diagonal" ................................................................93
2° fase: Ordenar conceitos .......................................................................94
3° fase: Plano de leitura ..........................................................................94
4° fase: O fio condutor das ideias ............................................................95
5.' fase: Análise das ideias e comentários pessoais .................................96
8
6.' fase: O plano do relatório propriamente dito .....................................97
,
CAPITULO 6 - Três métodos prosaicos .........................................................101
1. Os cadernos de apontamentos .................................................................101
2. Arquivos de recortes de jornais ...............................................................103
3. A utilização da informática ......................................................................105
CAPITULO 7 - Elementos sobre a dissertação ......................................... ….106
A introdução ................................................................................................107
O desenvolvimento ......................................................................................107
A conclusão .................................................................................................108
Outras observações metodológicas úteis .....................................................109
ÍNDICE DE ILUSTRAÇÕES
1. "Constelação" de fichas ........................................................................................41
2. 0 "alvo" (para ler o texto de Adam Smith) ...........................................................55
3. Organograma da leitura de um texto ....................................................................69
4. Gráfico: do texto às fichas ....................................................................................84
5. Gráfico: das fichas ao texto ..................................................................................85
6. Arquivador e caderno de apontamentos .............................................................103
9
INTRODUÇÃO
A versão original deste livro teve três edições. As duas primeiras foram publicadas pela
editora A Regra do Jogo em 1980 e 1984 e a terceira pela Escher em 1990. Diga-se de passagem
que, feitas bem as contas, esta é, na prática, a 5 edição, pois em 1986, ao chegar a Maputo, tive a
surpresa de verificar que a Universidade Eduardo Mondlane tinha feito uma edição fac-simile da
2.' edição portuguesa, com larga difusão no meio. À míngua doutras compensações, resta-me o
consolo, ou pelo menos a esperança, de ter tido algum préstimo para os jovens moçambicanos de
quem guardo tão boa recordação...
À medida que o tempo passava o livro acabou por se esgotar. A sua reimpressão não foi
possível devido, em especial, ao percurso acidentado da edição portuguesa a que, bem
entendido, sou alheio.
Entretanto foram-me chegando notícias segundo as quais, ainda hoje, continuam a ser
feitas encomendas do velho Método no Estudo nas livrarias de Lisboa, embora tenham sido
publicados nestes últimos anos vários livros de valia sobre o assunto'.
Encorajamentos de amigos incitaram-me a retomar este projecto, conservando porém o
mesmo espírito e os objectivos de clareza e simplicidade que estiveram presentes nas anteriores
edições, as quais mereceram então de alguma imprensa (Semanário Expresso) um acolhimento
generoso.
Apesar de fiel a esse espírito, o Novos Elementos do Método no Estudo apresenta
diferenças em relação ao texto anterior, tanto nos exemplos como no conteúdo.
______________
' Entre a bibliografia disponível citam-se algumas obras, umas mais antigas e outras recentes. O Prof. A. da Silya
Rego foi talvez o autor português contemporâneo que mais se ocupou dos problemas de metodologia na investigação
científica em, pelo menos, dois livros importantes: Noções de Metodologia e Crítica Históricas. Lisboa, Centro
Universitário de Lisboa, 1951; e sobretudo: Lições de Metodologia e Crítica Históricas. Lisboa, J.I.U., 1963. De mérito
é igualmente a colectânea: AAVV, Colóquios Sobre Metodologia das Ciências Sociais, Lisboa, J.I.U., 1958. Na
perspectiva de um maior desenvolvimento destas questões consultar: ECO (Umberto), Como se Faz uma Tese, trad.
port., Lisboa, Presença, 1980; BACELLS e MARTIN, Los Metodos en Ia Ensenanza Universitaria. Pamplona, Ed.
Universidad de Navarra, 1978; DESROCHES (Henri), Apprentissage en Sciences Sociales et Éducation Permanente.
Paris, Ed. Ouvrières, 1981. Ver ainda: PEREIRA (Arnaldo António), Normas e Sugestões Metodológicas para a
Apresentação de Trabalhos Escritos de História. Lisboa, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 1986
(policopiado); PHILLIPS (Estelle M.) and PUGH (D.S.), How to Get a Ph. D. - A Handbook for Students and their
Supervisors, Buckingham, Open University Press, 1993, 161 p.; SOUSA (Gonçalo de Vasconcelos e), Metodologia da
investigação, redacção e apresentação de trabalhos científicos, Porto, Livraria Civilização Editora, 1998; WESTON
(Anthony), A Arte de argumentar, trad. port., Lisboa, Gradiva, 1996.
10
As questões essenciais continuam a ser: como organizar o trabalho intelectual? Como estudar? Procura-se responder sem pretensões, mas de maneira clara
e imediatamente aplicável, sobre a constituição de fichas de estudo, a tomada de
apontamentos de leitura, a análise de um texto, a preparação de um relatório
(académico ou profissional) e a redacção de uma dissertação a diversos níveis. Ao
mesmo tempo mostra-se a importância do rigor intelectual, o qual, não é de mais
insistir, se deve adquirir o mais cedo possível.
Em vários sectores da leccionação, mesmo naqueles onde seria possível empregar
este método, ainda se utiliza a avaliação tradicional com uma listagem de perguntas,
devendo o estudante responder a cada uma delas em poucas linhas. Este modo de
verificação do "saber" tem, é certo, as suas vantagens, mas receio bem que, em muitos
casos, ele induza hábitos "sebenteiros" de simples memorização, necessária mas
insuficiente, pelo menos no plano universitário. Duvido que esse caminho conduza ao
célebre "espírito crítico" que todos exigem do ensino, nomeadamente do ensino
universitário.
Seja como for, a verdade é que, numa etapa posterior, os resultados não são
animadores para todos aqueles que têm a seu cargo a orientação de dissertações de
mestrado.
Não é sem alguma surpresa que, mesmo a este nível, nos deparamos com
estudantes que nunca tinham feito até aí uma simples dissertação. Por vezes os
candidatos não possuem a mais remota noção do que é um trabalho de investigação a
este nível.
A situação é ainda mais grave quando isso acontece relativamente às teses de
doutoramento: delimitar uma problemática sem a diluir numa temática vasta que
remonte a Adão e Eva, é a dificuldade mais corrente. Mas estruturar um discurso
dispondo os argumentos em sequência lógica, interrogar as aparências e, sobretudo, as
falsas aparências, distinguir as fontes fidedignas das que o não são, saber elaborar
uma bibliografia e organizar as suas notas, são outros dos obstáculos mais correntes.
É certo que muitos métodos só podem ser abordados na pós-graduação. Mas é
falso que seja necessário esperar pela entrada no ensino universitário para formar
jovens com "espírito crítico", ou dar-lhes pelo menos hábitos sãos de interrogar "o
porquê" das coisas, ou a inquietação necessária para questionar os argumentos de
autoridade sem que isso traduza arrogância ou negativismo. O espírito crítico não é como alguns ainda pensam surpreendentemente - o "bota abaixo" clubista, paroquial e
barato, tão do agrado dos palavrosos de café. É a interrogação constante, inseparável
11
da humildade de um saber acerca de verdades sempre provisórias e incompletas.
Ontem como hoje a ambição deste livro permanece a mesma: ser útil. Uma
ambição menos modesta do que parece à primeira vista...
CAPÍTULO 1 - Indicações Bibliográficas
Notas de rodapé e bibliografias
Os estudantes universitários têm frequentemente de preparar trabalhos de
"investigação", tanto no âmbito de disciplinas como a nível mais avançado das
dissertações de mestrado e de doutoramento.
Seja qual for a sua dimensão, todos esses textos devem obedecer a regras
formais e de conteúdo, respeitando determinados parâmetros.
Uma das primeiras é a indicação das referências bibliográficas segundo usos
internacionais em vigor.
R. Ackoff, no seu Scientific Method citado por Leônidas Hegenberg2, estabelece
uma distinção entre "implementos, técnicas e métodos". O implemento seria qualquer
instrumento utilizado na investigação; a técnica equivaleria a uma forma de atingir
determinado objectivo, a um modo de utilização dos instrumentos; o método seria a
forma de seleccionar técnicas, de avaliar alternativas para a acção (científica).
Deste modo, prossegue Ackoff, "enquanto as técnicas utilizadas por um cientista
são fruto das suas decisões, o modo pelo qual tais decisões são tomadas depende de
suas regras de decisão. Métodos são regras de escolha; técnicas são as próprias
escolhas”3.
Outros autores, porém, utilizam o conceito de "métodos", no plural, integrando aí,
confundidos, "métodos" e "técnicas".
Não entraremos por agora nessa discussão e, para simplificar, utilizaremos o
conceito de "método" no seu sentido mais amplo, incluindo portanto procedimentos,
técnicas e métodos propriamente ditos.
_______________
2
3
Cf. L. Hegenberg, Etapas da Investigação Científica, S. Paulo, EDUSP, 1976, 2.º vol., p. 115.
Op. cit., p. 116.
12
Quanto às referências bibliográficas, é evidente que não só é indispensável citar
as fontes de que nos servimos (não estamos sempre a inventar a roda), mas devemos
igualmente fazê-lo de modo a que elas sejam facilmente consultáveis. Para Robert
Cresswell e Maurice Godelier, "toda a normalização puramente técnica é no interesse
da ciência". Isto aplica-se tanto às fontes informativas (fontes primárias ou
secundárias) como no que diz respeito à origem das ideias propriamente ditas.
Resumindo, devemos sempre deixar claro donde proveio tal ou tal informação,
hipótese ou relação causal.
Acrescente-se ainda que a compreensível procura de "originalidade" não deve
levar-nos a esquecer o que devemos a muitos dos autores que consultamos. Também
convém relembrar que não se é "original" apenas quando se teve uma ideia nova
(supondo que ela é de facto nova), mas também quando se dá um tratamento pessoal e
oportuno a uma ideia eventualmente "velha", rejuvenescendo-a ou dando-lhe um cariz
inovador num contexto apropriado. Há criatividade na "invenção", mas também a há
na "inovação" quando se encontram aplicações novas para "invenções" que pertencem
a outros.
Ideias velhas com roupagens novas, por assim dizer, não constituem plágio nem
perdem necessariamente as suas características de eventual "novidade" desde que se
diga claramente como se chegou lá...
As fontes devem ser referidas em notas de rodapé ou pé de página. Essas notas
são por vezes precedidas por "Cf." (confere), "V." (ver), ou "Vd." (vide), conforme os
casos ou as preferências, após os quais se menciona a referência bibliográfica.
Há duas maneiras de indicar as fontes: o sistema francês e o sistema anglosaxónico.
No primeiro é dada uma informação incompleta, mas suficiente para se encontrar
o texto citado na bibliografia final.
13
Por exemplo o seguinte artigo:
LOPES (A. Simões), "Dimensão e funções dos centros
urbanos: um apontamento de economia urbana",
Estudos de Economia (Lisboa), VIII, 2, Jan.-Mar.,
1988, pp. 173-180 4.
Em nota de rodapé pode aparecer apenas:
Vd. LOPES (A. S.), "As origens...", p. 176.
Desde que, bem entendido, venha na bibliografia, no final do texto, a referência
completa. As primeiras palavras do título permitem não o confundir com outro do
mesmo autor ou de outro autor eventualmente com o mesmo apelido.
Este método é aceitável mas mais trabalhoso do que o utilizado pelo chamado
sistema anglo-saxónico (apelido-data-página).
Neste último a menção de rodapé seria:
LOPES 1988: 176
ou: LOPES 1988, pág. 176
ou ainda: LOPES (1988), p. 176.
Como se vê é mais cómodo, sobretudo quando o texto tem muitas notas. Contudo
não há nenhuma regra absoluta. O que importa é adoptar um critério e seguir apenas
esse.
No caso de haver dois ou mais escritos do mesmo autor (ou de autores diferentes
com o mesmo apelido) que tenham a mesma data, para evitar confusões faz-se seguir
a data por uma letra.
Por exemplo:
LOPES 1988a:176 (ou: p. 176; ou: pág. 176)
LOPES 1988b:129
LOPES 1988c:283
O exemplo que demos acima referia-se a um artigo. As indicações bibliográficas
de artigos e de livros obedecem a regras ligeiramente diferentes que convém não
perder de vista.
____________________
4 O título da revista está em itálico. Estaria sublinhado se fosse escrito à mão ou numa máquina de
escrever. Os antigos tipógrafos quando compunham um manuscrito interpretavam o sublinhado como
significado de itálico. Os actuais computadores permitem fazer esse trabalho directamente.
14
ARTIGOS
As regras usuais são:
1. APELIDO do autor (é preferível em caracteres maiúsculos de imprensa);
2. Nome(s) (em letras minúsculas);
3. "Título do artigo" (título entre aspas);
4. Título da revista ou jornal (título sempre sublinhado ou em itálico);
5. (local da publicação): entre parênteses ou entre vírgulas
Exemplo: (Lisboa) ou (..., Lisboa, ...);
6. Série (se a revista a mencionar);
7. Volume (geralmente em algarismos romanos);
8. Número;
9. Data (com referência ao trimestre, se for caso disso. Por exemplo a revista Análise
Social indica que o número é do primeiro trimestre de 1978, logo: 1978-1º);
10. Páginas em que se encontra o artigo. No exemplo acima apresentado, da página 173
à página 180. Ou seja: "pp. 173-180" (indicação mais corrente), ou "173-180".
LIVROS
Vejamos um livro traduzido em português:
GUÉNON (René), Le règne de la quantité et les signes des temps (1945). Tradução
port., O reino da quantidade e os sinais dos tempos. Lisboa, Dom
Quixote, 1989, 269 p. [Tradução de Vítor de Oliveira. “Col. Tradição”]5.
Numa nota de rodapé a obra pode ser referenciada (se escolhermos o sistema
anglo-saxónico):
GUÉNON 1989:35
ou: GUÉNON 1989 p. 35
GUÉNON (1989): 35
GUÉNON (1989), p. 35
___________
5
A referência bibliográfica, se for completa, não deve esquecer o nome do tradutor.
15
Porém, na bibliografia (não nas notas de pé de página) devem ser proporcionados
todos os elementos que permitam identificar e encontrar facilmente essa fonte.
Tratando-se de uma tradução, convém mencionar o título original mesmo que só se
utilize a tradução.
Repare-se que, a seguir ao título em francês, está uma data entre parênteses
(1945). Significa que a primeira edição francesa é de 1945. É uma menção necessária
para que o leitor desprevenido não seja levado a pensar que se trata de um livro
inicialmente escrito em 1989. Este elemento pode ter importância.
Todavia, nas notas de rodapé deve ser indicada a data da edição consultada
e não a data da 1ª edição, quer se trate de uma tradução ou de um texto de um autor
português.
Por exemplo, há várias edições da História de Portugal de J. P. de Oliveira
Martins. Embora se trate de um livro por todos conhecido, se utilizamos a 16.a edição
e dela transcrevermos ou citarmos uma frase ou uma ideia, é indispensável indicá-lo,
pois a mesma frase pode estar em páginas diferentes nas várias edições.
MARTINS (J. P de Oliveira), História de Portugal (1879). Lisboa,
Guimarães Editores, 16ª ed., 1972, 611 p.
Geralmente utiliza-se o último apelido.
Em nota de rodapé a menção (no sistema saxónico) seria:
Cf. MARTINS 1972:18
ou: Cf. MARTINS 1972, p. 18.
O mesmo aconteceria com uma obra mais recente que conta com um número
importante de edições:
MOURA (Francisco Pereira de), Lições de Economia, (1964). Lisboa,
Cássica, 3ª ed. 1972, 516 p. (2ª reimpressão da 3ª ed.). [Col. "Estudos
de Economia Moderna". Edições anteriores a 1964 para uso exclusivo
dos estudantes: 1961-62 e 1963-64].
Neste caso há edições posteriores à referenciada (Ed. Almedina, Coimbra). Por
isso é indispensável mencionar expressamente, em nota de rodapé, que se trata da
16
edição de 1972 e proporcionar as informações complementares na bibliografia.
Quando uma obra tem vários autores, a referência bibliográfica obedece a
certas regras, como veremos.
Referência bibliográfica de uma
obra colectiva dirigida por um autor
Exemplo:
DAUMAS (Maurice), Sob a direcção de, As Ciências. Lisboa, trad. port.,
Arcádia, 1.° vol., 1966, 680 p. (Versão portuguesa orientada por Luís de
Albuquerque. Colecção "Enciclopédia da Plêiade").
Esta indicação bibliográfica sugere-nos que há vários autores embora só se refira
o nome daquele sob cuja responsabilidade ela foi elaborada. Poder-se-ia mencionar o
nome de todos os autores que participaram neste trabalho, mas essa tarefa é inútil
numa bibliografia (justificar-se-ia eventualmente numa ficha) e, se houvesse 10 ou 15
autores, tornar-se-ia particularmente fastidiosa.
Note-se igualmente que, contrariamente ao que dissemos antes, estamos agora
perante uma tradução que não nos diz qual o título e a data da edição original. É um
lapso, mas este deve-se ao editor português. Neste exemplo tais menções seriam
particularmente importantes, sobretudo a última, dado que se trata de uma obra que
faz o ponto da situação no que se refere ao conhecimento científico em várias áreas.
Se a primeira edição francesa tivesse sido de 1845 ou de 1945, a iniciativa de uma
tradução portuguesa poderia ter várias justificações, salvo a da actualidade da
informação.
Mais uma vez se verifica, pois, a utilidade de certas indicações aparentemente
supérfluas.
A referência à colecção em que está publicada a obra (neste caso a "Enciclopédia
da Plêiade") pode ser útil para mais facilmente encontrar o livro, sobretudo em
editoras com muitas centenas de títulos publicados, geralmente inseridos em múltiplas
colecções.
Como mencionar na bibliografia uma das colaborações contidas nessa obra:
LENOBLE (Robert), "As origens do pensamento científico moderno", in
DAUMAS 1966, pp. 411-572.
17
É claro que, nessas condições, teríamos que indicar igualmente na
bibliografia a referência completa de DAUMAS 1966. Assim, se só utilizássemos o
artigo de Robert Lenoble, deveríamos pôr:
LENOBLE (Robert), "As origens do pensamento científico moderno", in
DAUMAS (Maurice), Sob a direcção de, As Ciências, trad. port.,
Lisboa, Arcádia, 1966, pp. 411-572 [Versão portuguesa orientada
por Luís de Albuquerque. Col. "Enciclopédia da Plêiade "].
Outras situações de referência bibliográfica
de uma obra colectiva
a) Se a obra tem até 3 autores:
Em geral mencionam-se os nomes de todos os autores.
b) Se a obra tem mais de 3 autores:
Nesse caso indica-se o nome do primeiro autor seguido da menção "et alii" (e
outros). Tanto se pode escrever "et alii " como "et al. " ou "e outros ", mas a primeira
fórmula é mais frequente.
Também acontece, numa obra colectiva de mais de 3 autores, escrever-se apenas:
AAVV ("Autores Vários ") ou VVAA ("Vários Autores ").
c) Outros casos:
Por vezes aparecem obras em que um dos autores é organizador. Nesse caso o
livro é "organizado por", o que não é a mesma coisa do que "sob a direcção" ou
mesmo "coordenado por".
"Organizado por" (ou organização de) subentende antes de mais uma questão
técnica, meramente processual: um autor foi escolhido ou tomou a iniciativa de reunir
os textos dos outros autores (por exemplo no seguimento de um colóquio) sem todavia
ter sugerido um plano de trabalho prévio.
A "Sob a direcção de" supõe, pelo menos em princípio, uma hierarquização
científica entre os autores. Dificilmente um autor de nomeada internacional
integraria, como é óbvio, uma colectânea "dirigida" por um(a) jovem desconhecido(a). E se este, pretensiosa e abusivamente, o fizer sem conhecimento daquele,
18
não só está a demonstrar uma inadmissível falta de ética como se sujeita a uma
grave sanção. Já o mesmo não aconteceria se se tratasse de uma antologia
"organizada por", como é evidente. É óbvio que essa "organização" pressupõe o
consentimento prévio dos autores, se estes forem vivos, ou daqueles que detêm os
direitos da obra.
Por seu turno, o termo "sob a direcção de" ou "dirigido por" implica (em
princípio) uma autoridade que propõe um plano pré-definido (por aquele que "dirige"
a obra) ao qual os autores subordinam a orientação temática dos seus textos.
"Coordenado por" ou "coordenação de" é menos forte que "sob a direcção
de", mas admite igualmente a intervenção ou direcção do "coordenador ". Todavia, a
situação é por vezes ambígua: tanto pode tratar-se de um acto de modéstia do
coordenador (realmente "director") que, de facto, propôs o plano ao qual os autores
subordinaram a orientação temática da sua participação; como pode ser uma outra
forma de se referir ao "organizador" (e portanto sem intervenção prévia nas
orientações científicas ou temáticas dos trabalhos).
Encontram-se igualmente casos em que, por qualquer razão, não aparece nenhum
nome de autor. É aceitável utilizar-se então, em lugar do nome do autor, a palavra
"ANÓNIMO".
Subsiste porém uma dúvida: quando estamos perante um livro redigido por peritos
de um Ministério mas cujos nomes não aparecem em parte alguma, como referenciar
o autor na bibliografia: ANÓNIMO ou o NOME DO MINISTÉRIO?
Que saibamos, não há regra nenhuma sobre isso, mas em geral é preferível indicar
o NOME DO MINISTÉRIO em questão (a consulta posterior da bibliografia fica
facilitada).
É evidente que se, em qualquer parte da publicação (no prefácio, ao longo do
texto, incidentalmente numa simples nota de rodapé, ou por qualquer outra via
exterior à obra), tivermos conhecimento do nome do autor ou dos autores, devemos
indicá-lo na bibliografia, naturalmente depois de confirmar essa informação. Se os
organismos públicos nem sempre são agradecidos para com os que para eles
trabalham, não há nenhuma razão que nos obrigue a acompanhá-los calados nesses
"enterros" discretos...
O que se disse aplica-se igualmente às fichas, instrumento essencial de toda a
investigação. Nestas as referências podem, se necessário, ser mais completas como o
ensinam Robert Cresswell e Maurice Godelier no seu livro: Outils d'enquête et
d'analyse anthropologiques, Paris, Ed. Maspéro, 1976, p. 27.
19
Assim para o livro de P. W. JOYCE:
- APELIDO e nomes do autor;
- Título da obra;
- Número da edição;
- (Data da primeira edição);
- Local da edição;
- Editora;
- Data da edição consultada;
-(Neste caso: data da edição a partir da qual se fez a reimpressão da edição
consultada);
- Número de páginas (neste caso: introdução em algarismos romanos. Também se
indica em algarismos romanos, quando existe, o número de páginas dos anexos);
- Indicações suplementares eventuais, como a referência à existência de bibliografia,
figuras, quadros, fotos, mapas, etc. (No exemplo a seguir existem figuras e uma
bibliografia).
Ficha do livro de P. W. JOYCE:
20
Eventualmente poder-se-ia acrescentar a colecção em que o livro está publicado
(às vezes é muito útil).
Note-se ainda que no final do texto a listagem dos livros, artigos e outras obras
consultadas pode ser referida como:
- Bibliografia;
- Bibliografia seleccionada;
- Bibliografia sumária (ou resumida);
- Bibliografia consultada.
A maior parte das vezes os autores põem apenas "Bibliografia". Todavia, para
indicar claramente que se utilizou tão-somente um sector da bibliografia
eventualmente disponível, sobretudo em temas para os quais existe enorme massa de
fontes que não seria manifestamente possível consultar pela sua extensão, é preferível
escolher uma fórmula mais precisa.
Há ainda autores que utilizam a bibliografia numerada. É o caso de Carlos
OMINAMI, Le Tiers Monde dans Ia crise, Paris, Éd. de la Découverte, 1986, 251 p.
Na sua bibliografia, a que prefere chamar "Referências bibliográficas", os títulos
estão ordenados, como é usual, por ordem alfabética de apelido de autor, numerados
de [1] a [384].
Assim:
[1] ADELMAN I. et MORRIS C. T. - Economic Growth and Social Equity in
Developing Countries, Standford University Press, Standford, 1973.
[2] AGARWAL J. P. - "Determinants of Foreign Direct Investment:
a Survey", Weltwirtschaftliches Archiv, vol. 116, 1980.
Etc.
Repare-se, antes de mais, que as indicações bibliográficas deste último autor são
um pouco diferentes das que indicámos anteriormente e também mais incompletas.
Nos livros, o local de edição aparece depois do Editor, o que não tem importância
de maior. Mas, mais grave, nada nos é dito sobre o número de páginas. Quem não
conheça o título [11 fica sem saber se é uma obra volumosa ou uma brochura de
21
síntese, o que, em certas ocasiões, pode ser vantajoso.
Também no que se refere às revistas é ignorado o local da edição. Neste caso [2]
o estudante pode supor que se trata de uma revista publicada na Alemanha, mas
poderia sê-lo na Áustria ou mesmo em qualquer país onde resida uma comunidade
alemã que se predisponha a editar uma revista.
A falha seria ainda mais flagrante com uma revista pouco conhecida, publicada
em língua inglesa. O local de edição tanto poderia ser na GB, nos EUA, no Ghana, na
índia ou no Japão.
Um exemplo: a revista UNU - Travaux en Cours. Nada obriga um estudante a
saber de imediato que é, não uma revista francesa ou de um país francófone, mas uma
revista da Universidade das Nações Unidas publicada em Tóquio...
Voltando à bibliografia numerada, note-se que, normalmente, o número está entre
parênteses rectos.
O sistema pode ter algumas vantagens para o leitor. Em nome de rodapé, o
apelido-data (SILVA 1948) é substituído por um número ao lado do qual, na bibliografia, encontrará a referência procurada: [123] SILVA.... etc. A consulta é talvez
mais rápida, sobretudo se houver muitos autores com o mesmo apelido.
Para o autor do texto, porém, este sistema é muito mais trabalhoso:
1 - Tem que fazer, no rascunho, as suas notas normalmente;
2 - Depois deve preparar a bibliografia final por ordem alfabética de autor;
3 - Em seguida numerar cada uma dessas referências;
4 - E finalmente substituir, nas notas de rodapé, as indicações anteriores pelo
respectivo número da bibliografia.
As referências bibliográficas nas notas de rodapé seriam apresentadas,
suponhamos, por [47], ou, se se quisesse indicar a página da obra do n.° 47 da
bibliografia:
[47]: 13 ou:
►
[47], p. 13
Dimensão dos livros
Resta ainda dizer qualquer coisa sobre uma questão caída em desuso, mas que,
num trabalho científico tem sentido respeitar: a dimensão dos livros. Este elemento,
22
hoje raramente evocado, continua a ser pertinente.
Com efeito, mencionar um livro de bolso com 150 páginas mas com 10 centímetros
de lombada (in-quarenta e oito), não é necessariamente a mesma coisa do que uma
obra semelhante, com o mesmo número de páginas, mas que tem, porém, uma
dimensão muito maior, suponhamos 40 centímetros de lombada (in fólio), contendo,
em princípio, um texto três ou quatro vezes maior, o que implica, ceteris paribus,
bastante mais trabalho de leitura.
Antigamente este indicador era sempre referido nas bibliografias, o mesmo já não
acontecendo nos nossos dias. Alguns autores chegam mesmo ao exagero de nem
sequer indicar o número de páginas da obra consultada. É evidente que, pelo menos
nos trabalhos académicos, deveria ser obrigatório mencionar estes dados.
As dimensões dos livros referem-se à altura da lombada, não se levando em conta
a largura do volume. A tabela de equivalências é a seguinte6:
in fólio:
► mais de 30 cm
in-quarto:
► de 25 a 30 cm
in-oitavo:
► de 20 a 25 cm
in-doze:
► de 17,5 a 20 cm
in-dezasseis:
in-dezoito:
► de 15 a 17,5 cm
► de 12,5 a 15 cm
in-trinta e dois:
► de 10 a 12,5 cm
in-quarenta e oito:
► de 7,5 a 10 cm
in-sessenta e quatro: ►
menos de 7,5 cm
_______________
6
Cf. Frederico Porta, Dicionário e Artes Gráficas, Rio de Janeiro, Editora Globo,
1938.
23
CAPÍTULO 2 – Como fazer um ficheiro
Para que servem as fichas?
Qonstituir um ficheiro é uma das primeiras necessidades do estudante e,
evidentemente, do candidato a investigador.
Pode bem dizer-se que "a ficha é um instrumento fundamental de todo o
trabalho sério nas ciências sociais (...). O emprego de uma ficha normalizada
justifica-se por três razões:
- toda a normalização puramente técnica é no interesse da ciência;
- uma ficha modelo evitará buscas inúteis ao investigador e ao leitor eventual;
- as anotações permitem um controlo das fontes pelo leitor”7.
Já Wright Mills escrevia no seu A Imaginação Sociológica (título original: The
Sociological Imagination): "As fichas são para o sociólogo o que os cadernos são para
o escritor: indispensáveis".
Elas são de facto pontos de referência, pequenas malhas de uma longa teia que
vamos desdobrando ao longo dos anos.
Há no entanto duas dificuldades: por um lado os critérios de normalização são
por vezes díspares; por outro lado a elaboração de um ficheiro apresenta-se aos
estudantes menos experientes como uma tarefa complicada e fatigante que conduz
muitos à desistência.
Procurarei ajudá-los esboçando alguns métodos elementares de trabalho,
sugerindo hipóteses e pistas a desenvolver na prática. Não se trata, evidentemente, de
abrir caminho a uma qualquer retórica ou de formular um conjunto de regras
sacrossantas. Cada qual terá de fazer o seu próprio esforço de criatividade para
encontrar as soluções mais adequadas aos problemas que se lhe deparam.
As sugestões que apresento são em grande parte baseadas numa experiência
pessoal, semeada de erros que fui procurando corrigir ao longo do tempo.
Hoje já é possível encontrar em Portugal excelentes livros dedicados a este
assunto, o que não acontecia aquando da primeira edição do Método no Estudo,
___________________________________
7
CRESSWELL (Robert) et GODELIER (Maurice), Outils d'enquête et d 'analyse anthropologique,
Paris, Maspero, 1976, 292 p.
24
que foi, de algum modo, um modesto pioneiro em 1980. Em contrapartida, há muito
que em França, Inglaterra, Estados Unidos, Canadá ou Brasil, pelo menos, esta
matéria é objecto de múltiplas publicações, mas creio que é sobretudo em França e no
Brasil onde se regista o maior número de edições de livros consagrados a métodos e
técnicas de trabalho intelectual.
Também a divulgação de computadores pessoais facilitou imenso, entre outros, a
constituição de ficheiros bibliográficos. Programas como Dbase, Access, etc., são
preciosos para construir bases de dados. No entanto, ainda se está longe de uma
divulgação
ampla
dos
computadores,
apesar
de
o
seu
número
crescer
exponencialmente.
Aliás não é indispensável que o utilizador individual médio (ou até mesmo o
investigador profissional) recorra às técnicas de computação quando se trata de gerir
apenas as suas leituras ou organizar uma biblioteca pessoal. As fichas manuais
(manuscritas) podem continuar a prestar bom serviço, nada impedindo que se
transponham para disquete os dados recolhidos, o que será certamente muito útil,
talvez mesmo indispensável, quando o ficheiro atingir um certo volume.
Reduzi ao mínimo indispensável os tipos de fichas a elaborar. Não se trata de
formar arquivistas nem "ratos de biblioteca", pelo que são mencionadas apenas as
fichas mais correntes: as fichas bibliográficas e as fichas ideográficas, "temáticas" ou
"por assunto", como se queira chamar-lhes.
Praticamente estas fichas obedecem, grosso modo, quando se trata de fazer
referência a um título (livro, artigo) ou autor, às mesmas regras codificadas que já
referi a propósito das "indicações bibliográficas" do capítulo precedente.
25
Falar-se-á igualmente do velho "caderno de apontamento', talvez fora de moda
mas frequentemente indispensável a menos que se ande sempre com um computador
debaixo do braço, até para ir ao café...
O boneco anterior ilustra o procedimento das fichas separadas por divisórias.
Modelos de fichas
Sugere-se a utilização de fichas em cartolina com um formato que pode ser de 7,5
cm x 12,5 cm a integrar no ficheiro8.
As fichas lisas (sem linhas) oferecem a meu ver maior liberdade de acção.
E claro que existem no comércio fichas de vários tamanhos e cada um poderá,
evidentemente, adoptar o formato que mais lhe convier em função das suas próprias
necessidades. Mas as fichas maiores (por exemplo 10,5 cm x 14,8 cm) têm
inconvenientes por duas razões pelo menos:
1º) Para as fichas bibliográficas não é de modo algum necessário um formato
maior do que indiquei anteriormente (7,5 x 12,5). Quanto mais não seja porque se
poupa espaço e dinheiro.
2º) Por outro lado, e, sobretudo, com as fichas ideográficas há sempre a tentação
(refiro-me aos menos experientes) de escrever muito, redigir resumos excessivamente
longos, recopiar citações nem sempre indispensáveis ou, pior ainda, transcrever
extensos períodos deste ou daquele texto onde tudo parece fundamental...
Se o jovem estudante animado de louvável zelo neófito não tiver em conta este
perigo, depressa será asfixiado pelo enciclopedismo e invadido pelo cansaço. Pouco a
pouco habituar-se-á a subordinar as suas próprias ideias às ideias dos outros, o que
não é aconselhável. Não se trata de negar a dívida que, quer queiramos quer não,
sempre teremos para com os autores que lemos. E com todos se aprende. Com os
bons, os exemplos a seguir. Com os maus, o que não se deve fazer. Mas nada impede
que procuremos sempre, obviamente com prudência e modéstia, "pensar com a nossa
própria cabeça" por assim dizer.
Evidentemente que todos nós, quando começámos a tentar organizar as nossas
leituras, perdemos horas e horas de labor, acumulando fichas "cheias de ciência" e
também de falso saber, esvaziando tinteiros na época não muito longínqua em que
esse digno apêndice escolar ainda se usava e, como os pobres copistas de outros
tempos, transcrevendo, anotando, sublinhando, num esforço tantas vezes infrutífero
onde faltava a capacidade de resumir e, mais ainda, de sintetizar, quer dizer de
encontrar a fórmula que exprimisse o "centro nevrálgico" de um discurso
26
frequentemente prolixo e disperso'. Mais tarde, ao consultar os resultados, perdia-se
de novo um tempo precioso (quando não se esgotava a paciência) a ler páginas
intermináveis para finalmente recolher um magro espólio. Até era mais prático reler
directamente as obras do que as fichas que amontoámos a partir delas...
Se se insiste portanto nas fichas de pequeno formato é porque, para além do
mais, no caso das fichas ideográficas, estas funcionam como "condicionantes",
obrigando-nos, pelas suas dimensões reduzidas, ao hábito salutar da expressão
essencial, precisa, que traduz o máximo no mínimo de palavras.
Na redacção da “síntese”10 somos coagidos a procurar o "cerne" do texto, o ponto
de encontro do maior número possível de "diagonais" por assim dizer, numa
dissecação metódica. Por outras palavras, precisamos de encontrar as "ideias-chave" e
os conceitos nevrálgicos que as veiculam, aprendendo a distinguir as "ideias
principais" das "ideias secundárias", a evitar as notas demasiado extensas, as reflexões
desnecessárias e as tentações prosadoras. Para tudo isto dispomos, se necessário for,
dos "cadernos de apontamentos" já referidos, onde, aliás, também teremos que
aprender a ser comedidos, e, enfim, numa fase ulterior, das fichas de maior formato
que só são aconselháveis quando se tiver um certo treino.
________________
8
Um simples ficheiro de cartão (à venda em qualquer livraria) serve perfeitamente. Mas se é poupado e quiser
aproveitar uma caixa de sapatos, também não viola nenhuma lei da natureza...
9
Quem não se lembra, depois de ter lido um artigo qualquer, de chegar ao fim e perguntar a si próprio: afinal
quais são as ideias essenciais? Como exprimi-las em meia dúzia de linhas?
10
Noutro capítulo faremos a distinção entre análise, síntese, resumo e conclusão.
27
Fichas bibliográficas
As fichas bibliográficas são essenciais, em particular para aqueles que enveredam
pelo Ensino Superior. Mas os estudantes do Secundário ou o leitor médio nada
perdem em adquirir "bons hábitos" que são internacionalmente codificados.
Propõe-se três tipos de fichas:
- por autor;
- por assunto;
- por título.
Os dois primeiros são imprescindíveis. O terceiro nem sempre se justifica (no
caso de pequenas bibliotecas particulares de algumas centenas de volumes). É claro
que o mesmo já não acontece numa biblioteca de vários milhares de tomos onde um
ficheiro por títulos pode prestar serviços. Ocupar-nos-emos dos dois primeiros tipos,
que estão, aliás, estreitamente ligados: a ficha por autores, constituindo em geral a
"ficha-base", e a ficha por assunto, a "ficha-ramificação" que reenvia sempre à fichabase onde estão consignadas as informações completas.
Fichas por autor
As fichas a partir do apelido do autor subdividem-se em fichas de livros (ou
outra publicação isolada, quer dizer não integrada noutra) e fichas de artigos (artigos
de revistas, de jornais, inseridos em antologias, verbetes de enciclopédias, etc.).
a) Fichas de livros (autor)
Suponhamos o livro de Fernando Medeiros, A sociedade e a economia portuguesas nas origens do Salazarismo (título em itálico ou sublinhado), publicado em
Lisboa pela editora A Regra do Jogo em 1978. A sua ficha bibliográfica seria:
MEDEIROS Fernando
A sociedade e a economia portuguesas nas origens do Salazarismo,
Lisboa, A Regra do Jogo, 1978, 420 p.
(Quadros, bibliografia)
V. fichas PORTUGAL, SALAZARISMO
28
Podemos considerar esta a "ficha-base" - chamemos-lhe assim - a partir da qual
faremos todas as outras, em sucessivas "ramificações" sem que, ao mesmo tempo,
haja necessidade de repetir todos os dados ali contidos. O número dessas
"ramificações" varia naturalmente não só com os temas contidos na obra, mas
essencialmente com os assuntos que nos interessam e acerca dos quais pretendemos
conservar elementos arquivados, ou seja pistas para em qualquer momento
retomarmos o fio à meada.
Assim, por exemplo, seria possível construir "fichas-ramificações" a partir de
vários conceitos ou temas tratados na obra indicada:
- SALAZARISMO (Origens do)
- PORTUGAL (Agricultura em)
- PORTUGAL (Sindicalismo em)
- SINDICALISMO (em Portugal)
etc.
A escolha e o número de fichas bibliográficas (e ideográficas, como veremos
adiante) depende daquilo que se procura investigar e da complexidade do trabalho que
se pretende levar a cabo. De qualquer modo, mais vale ser prudente e começar por
fazer o menor número possível de fichas. Com o tempo, à medida que retomamos o
livro para uma segunda ou uma terceira leitura, iremos enriquecendo o ficheiro com
novos temas se a necessidade se fizer sentir.
Vejamos dois exemplos de fichas-ramificações a partir da ficha-base precedente:
PORTUGAL (Sindicalismo em)
No período pré-salazarista
ver ficha MEDEIROS 1978
SALAZARISMO, (Origens do)
Sobre as causas económicas e sociais do Salazarismo,
ver ficha MEDEIROS 1978
Certos autores aconselham a "evitar a todo o transe a classificação alfabética" e a
apontar para a "classificação metódica", utilizando em particular a "classificação
decimal". Sem dúvida que o conselho se justifica. Não obstante, a nossa finalidade é
29
aqui extremamente modesta e destina-se fundamentalmente a ajudar os estudantes e
o leitor médio a constituir uma pré-organização relativamente elementar, mas, se
possível, funcional e imediatamente operacional. Numa fase mais avançada
aconselhamos os estudantes a informar-se, com efeito, sobre a "classificação
decimal", por exemplo11.
Estas fichas a que chamamos por comodidade "fichas-ramificações" (terminologia que nada tem de oficial, entenda-se) não precisam indicar todos os
elementos já contidos na ficha-base (MEDEIROS). No caso de o mesmo autor ter
publicado dois livros no mesmo ano, a menção 1978 não chega. Nesse caso há duas
possibilidades:
a) Ou se reproduzem as primeiras palavras do título, seguidas de pontos de
suspensão (assinalando que o título não está completo. Com efeito, quando os títulos
são extensos não interessa recopiá-los integralmente). Exemplo:
MEDEIROS, A sociedade e a economia..., 1978
b) Ou se utiliza o sistema de fazer seguir a data por uma letra, diferente para
cada título, quer se trate de um só autor com várias obras publicadas no mesmo ano,
quer sejam vários autores que, por acaso, tenham o mesmo nome e apelido e tenham
os seus livros publicados todos no mesmo ano. Para os distinguir:
MEDEIROS 1978a
MEDEIROS 1978b
Repetimos que as referências indispensáveis são dadas uma vez por todas na
ficha-base inicial. As "fichas-ramificações" têm de ser feitas rapidamente, digamos
nalguns segundos, para facilitar o trabalho e evitar sobrecargas que só serviriam para
desencorajar os mais aplicados.
______________________________________
11
Para uma informação complementar ver: REGO (A. da Silva), Noções de metodologia e críticas
históricas, Lisboa, Centro Universitário de Lisboa, 1951, 143 p.
30
As "fichas-ramificações" reenviam sempre à "ficha-base". Esta última é
completa mas é feita uma vez por todas. As primeiras só precisam ter os elementos
indispensáveis para encontrar a "ficha-base".
Notemos agora as regras gerais da feitura de uma ficha, preconizadas por autores
como Henri Desroches ou Maurice Godelier, conforme exemplo já anteriormente
dado:
APELIDO12 (nome)
Título (sublinhado ou em itálico)" se se trata de um livro, ou entre aspas se
se trata de um artigo. Quando nos referimos a um artigo: sublinha-se o título
da revista, jornal ou livro onde o tal artigo está inserido. Número da edição
citada (data da 1 e edição entre parênteses), local da edição, editor e, eventualmente, data da impressão da edição citada se for diferente da data em que o
livro ou artigo saiu pela primeira vez.
▼
Exemplo 14:
JOYCE (P. W.
A social History of Ancient Ireland. Treating of the Government Military and Law;
Religion, Learning and Art: Trades, Industries and Commerce; Manners. Customs
and Domestic Life of the Ancient Irish People. 2ª ed. rev. (1903), Dublin, M. H. Gill,
1920 reimpressão da ed. de 1913).
Ilust., biblio. XXIII, 652, 651
_______________
12
Antigamente o "apelido" era sempre em caracteres de imprensa maiúsculos. Hoje muitos
autores já não aplicam essa regra. A lógica era que as maiúsculas indicavam que se tratava de um
APELIDO e não de um nome (na medida em que há muitos nomes que são, ou podem, ser apelidos).
Evitava-se a confusão.
13
Relembra-se que as palavras sublinhadas à mão ou à máquina de escrever aparecem, em
caracteres tipográficos, impressas em itálico. Quando não havia computadores para fazer directamente
os itálicos, os autores sublinhavam as palavras que queriam em itálico. Os tipógrafos seguiam essa
instrução sem que o autor precisasse de fazer qualquer nota à margem.
14
Cf. CRESSWELL (Robert) et GODELIER (Maurice), Outils d'enquête et d'analyse
anthropologique, Paris, Maspéro, 1976, p. 27.
31
O interesse da normalização das fichas é aqui patente. Mesmo sem conhecermos
a obra mencionada, sabemos:
a) APELIDO do autor (e iniciais dos seus nomes);
b) Título da obra (em itálico ou sublinhado);
c) Edição: utilizou-se a 2.a edição (entre parênteses indica-se a primeira edição,
que é de 1903);
d) Local da edição: Dublin;
e) Editor: M. H. Gill;
f) Data de impressão da edição utilizada: 1920;
g) Refere-se a título de informação que a cópia utilizada (saída da tipografia em
1920) é, por sua vez, uma reimpressão da edição de 1913;
h) Contém ilustrações e uma bibliografia;
i) A edição está publicada em 2 volumes, o 1.° com uma introdução de XXIII
páginas mais 632 páginas de texto propriamente dito e o 2.° com 651 páginas.
Esta minúcia não é, bem entendido, indispensável para o estudante ou para aquele
que pretende apenas introduzir uma certa ordem nas suas leituras. Mas sê-lo-á no caso
de um trabalho científico de mais responsabilidade, sobretudo quando o conteúdo da
ficha deve ser transcrito na bibliografia do texto.
Infelizmente muitos autores continuam a não prestar a devida atenção a estes
"pormenores", não fazendo sequer o esforço, nas bibliografias dos seus livros, para
fornecer as indicações mínimas, dificultando a tarefa daqueles que, por exemplo,
pretendem cotejar uma citação com o texto original. Quando o texto referenciado é de
um autor com múltiplas edições em vários formatos e casas editoras (por exemplo
Alexandre Herculano ou Oliveira Martins), é óbvio que uma determinada passagem
do mesmo texto pode estar em páginas bastante diferentes nas diversas edições...
Outros exemplos relativamente mais simples de ficha bibliográfica - de um livro
e de um artigo - regra geral suficientes para o nosso objectivo:
32
1º) Exemplo de livro:
SMITH (Adam)
Inquérito sobre a natureza e as causas da riqueza das nações (1776)
Trad. port., Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2 vols., 1.0 vol. 1981, 2.°
vol. 1983
(Trad. e notas de Teodora Cardoso e Luís Cristóvão de Aguiar, prefácio de
Hermes dos Santos)
VI, 824, 815
Apêndice, índices, biblio.
Também esta ficha nos fornece informações essenciais: apelido e nome do autor,
título (sublinhado se a ficha for escrita à mão, ou em itálico eventualmente se for
elaborada em computador), data da edição original (1776), referência ao facto de
estarmos a utilizar uma tradução portuguesa e não uma edição na língua original,
editor (Fundação C. Gulbenkian), indicação que são dois volumes (indicação essa que
poderia ser dispensável), com a menção da data de publicação do 1.° volume (1981) e
do 2.° volume (1983). Informa-se igualmente que a tradução e notas são da
responsabilidade de T. Cardoso e L. C. Aguiar e que o livro conta com um prefácio da
edição portuguesa escrito por H. dos Santos e que esse prefácio vai até à página VI
(em algarismos romanos), tendo o resto do livro 824 páginas no 1.° volume e 815
páginas no 2.° volume (conta-se até à página onde está a referência "Este livro foi
composto e impresso em..., por ... na data tal... ").
Outro caso de ficha de livro:
HENRIQUES (Isabel Castro),
Percursos da modernidade em Angola - Dinâmicas comerciais e
transformações sociais no século XIX, Lisboa, Instituto de Investigação
Científica Tropical/Instituto da Cooperação Portuguesa, 1997, 836 p.
(Tradução de Alfredo Margarido, prefácio de Jean Devisse)
Cartografia, cronologia geral, cronologia dos governadores de Angola, anexos,
glossário, bibliografia, índice dos mapas, índice das ilustrações.
O livro de Isabel Castro Henriques resulta de uma tese de doutoramento,
apresentando desde logo um extenso e completo aparelho crítico (cartografia,
cronologia, etc.) que é indispensável referir na ficha para posterior consulta.
33
2°) Exemplo de artigo de revista:
MARGARIDO (Alfredo)
"Incidences socio-économiques sur la poésie noire d'expression portugaise"
Diogène, Paris, Gallimard, 37, 1962, 53-80,
Gallimard/Unesco
Os elementos da ficha bibliográfica
Há um certo número de elementos que devem figurar nas fichas e nas listagens
bibliográficas no fim de uma obra. Eles têm a sua razão de ser e não relevam apenas
de uma mentalidade "coca-bichinhos " como à primeira vista alguns poderiam pensar.
E certo que há uma certa margem de manobra na feitura de uma ficha ou uma
bibliografia. Pode-se, por exemplo, pôr o "editor" antes ou depois do "local" da
edição, ou por o "local" entre parênteses e não entre vírgulas, etc. O importante, uma
vez um critério escolhido, é que este deve ser seguido de maneira uniforme em todos
os casos.
Importa sublinhar, todavia, que há elementos indispensáveis que não devem ser
esquecidos, em especial a data da publicação e o local da edição, se não queremos
gerar confusões que podem acarretar alguns prejuízos. Nunca esquecer que se fizer
uma ficha pode perfeitamente só voltar a consultá-la anos depois. Nessa altura poderá
não se lembrar da obra referenciada. Nesse caso a ficha deverá dar-lhe todas as
indicações necessárias.
DATA DA PUBLICAÇÃO - A data da publicação não é um pormenor gratuito
como se disse. No caso de Adam Smith relembra que se trata de um autor do século
XVIII e não do século XVII ou XIX e que a edição consultada já é contemporânea.
No exemplo do artigo de Alfredo Margarido, revela que se trata de um autor
contemporâneo.
LOCAL DA EDIÇÃO - Também não é uma indicação que se deva
menosprezar. A prestigiada Fundação Calouste Gulbenkian é suficientemente
conhecida entre os portugueses para se presumir que a edição é portuguesa e feita em
34
Lisboa, que é o local da sede da Fundação. O mesmo se passaria com a editora
Vega (de Lisboa) ou Lello (do Porto). Mas imagine que se trata de um livro menos
conhecido, editado por uma casa já desaparecida de que não resta lembrança. Por
exemplo,
quem
se
recorda
da
"Editora
Marítimo-Colonial",
da
"Empresa
Contemporânea de Edições" ou da "Renascença Portuguesa"? Quantos conhecem a
editora "Mame" ou "Zed Books"? Sem falar das recém-fundadas, mesmo em
Portugal?
É evidente que a ligação entre o local da edição e o nome da editora pode ser em
muitas circunstâncias um elemento orientador na busca de uma referência, na
verificação de uma fonte, etc.
Suponhamos que um investigador estrangeiro faz uma pesquisa sobre as crises
económicas em Portugal. A determinada altura chega-lhe às mãos, por vaga
informação oral, através da leitura de um artigo de jornal ou ao reencontrar um velho
apontamento tomado à pressa, a seguinte referência: José Bento Gomes, Crise
económica - Alguns meios de a atenuar. Ponto final.
Para começar, não estando o título nem entre aspas nem sublinhado, fica sem
saber se está em presença de um artigo de jornal ou de revista (e qual?) ou de um livro
(publicado onde? e quando?). Aliás, a que crise se refere? Em que país? Na hipótese
de ser um livro: estudo desenvolvido ou mero opúsculo? Tais dúvidas ficariam
contudo imediatamente desvanecidas se o interessado possuísse as indicações
bibliográficas completas:
GOMES (José Bento)
Crise Económica - Alguns meios de a atenuar, Lisboa,
Minerva Peninsular, 1898, 120 p.
Estas indicações, em vez de estarem já nesta forma de ficha poderiam muito bem
figurar num caderno de notas, não tão bem apresentadas mas com o mesmo efeito:
GOMES (José Bento), Crise Económica - Alguns meios de a atenuar, Lisboa,
Minerva Peninsular, 1989, 120 p.
Em todo o caso o referido investigador saberia desde logo que, caso viesse a
Portugal, só lhe restariam dois caminhos: ou mergulhar na poeira dos alfarrabistas (os
"sêbos ", como lhes chamam evocadoramente os brasileiros) ou enfrentar, com uma
boa dose de resignação, a burocracia de uma qualquer biblioteca pública.
Antes de terminar este ponto, relembramos uma vez mais que, quando se trata de
35
uma obra várias vezes editada, convém sempre indicar o número da edição
consultada para facilitar a utilização posterior da ficha. Uma frase ou uma ideia
tomada na 3.a edição pode não estar na mesma página nas edições seguintes. Por
exemplo, o capítulo "Teoria das crises" do livro A Circulação Fiduciária de Oliveira
Martins, começa, na 3.' edição de 1923, na página 47. Na 4.' edição de 1995 principia
na página 50. O editor também não é o mesmo. No primeiro caso tratava-se da
Parceria António Maria Pereira. No segundo da Guimarães & Ca Editores.
Também já assinalámos que o apelido do autor deve ser de preferência escrito em
maiúsculas. Isso para distinguir o apelido do nome de baptismo: Robert e Michel
tanto podem ser apelidos como nomes, do mesmo modo que, em português, André ou
Maria.
b) Fichas de artigos
Como para os livros, também os artigos merecem uma ficha (ou uma referência
bibliográfica) especial.
Um título de artigo nunca é sublinhado mas sempre posto entre aspas. Sublinhase, isso sim, o título da revista ou do jornal onde ele está inserido.
Para maior comodidade ainda, há quem utilize fichas de várias cores15:
- Ficha bibliográfica de livros (ficha branca);
- Ficha bibliográfica de artigos (ficha verde);
- Ficha ideográfica (ficha amarela).
Escusado será dizer que as cores são arbitrárias. Aconselhamos todavia as fichas
brancas para os livros: são as que se fazem mais frequentemente e também as que se
encontram mais facilmente nas papelarias...
FERREIRA (Manuel Ennes) e ALMAS (Rui)
"Comunidade económica ou parceria para o desenvolvimento: o
desafio do multilateralismo na CPLP"
Política Internacional, Lisboa, Vol. 1, n.° 13, Outono-Inverno
1996,35-71
_________________
15
Como por exemplo: RODRIGUES (A. Jacinto), Frente Cultural, Porto, 1976.
36
Ou seja:
- "Título" do artigo (entre aspas);
- Publicado na revista Política Internacional (sublinhado ou em itálico); -Volume 1;
- Número 13;
- Datado de Outono-Inverno de 1996;
- O artigo começa na página 35 e termina na página 71.
Por vezes pode ser muito útil anotar num canto da ficha a cota da biblioteca onde
a revista (ou o livro) se encontra. Em particular para uma publicação rara ou de difícil
acesso.
Também é importante referir o número internacional normalizado do livro
(ISBN), que é quase sempre mencionado na contracapa dos livros. Por exemplo:
BOUDON (Raymond), O lugar da desordem (1984), trad. port., Lisboa,
Gradiva, 1990, 332 p. ISBN 972-662-181-X.
Regressando ao artigo de M. Ennes Ferreira e Rui Almas que mencionámos
anteriormente, é conveniente relembrar que, tal como qualquer livro, a ficha-base do
artigo pode também dar lugar a uma desdobragem em fichas-ramificações.
Exemplo de "ficha-ramificação":
PORTUGAL (Cooperação de)
Ver ficha FERREIRA e ALMAS, "Comunidade económica...", 1996
Seria aliás suficiente se na "ficha-ramificação" acima puséssemos apenas: "V.
ficha FERREIRA e ALMAS 1996".
Note-se que este desdobramento pode ser muito grande, dependendo das
necessidades de cada um. Conforme se acaba de fazer uma ficha "PORTUGAL
(Cooperação de)", pode-se construir outras como "CPLP", "Espaço de língua portuguesa", "Brasil (na CPLP)", etc.
Como só a primeira ficha é completa, sendo as outras sintéticas e de feitura muito
rápida (tanto em fichas manuais como num programa adequado de computador), o
desdobramento não dá muito trabalho.
37
Esta "ramificação" é importante.
Suponhamos que meses ou anos depois o estudante que tenha feito a ficha-base e
as correspondentes fichas-ramificações procura elementos para um trabalho sobre
problemas da cooperação portuguesa, a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa
(CPLP), o lugar de Angola ou do Brasil no espaço de língua portuguesa, etc.
É possível que não se lembre exactamente do artigo de M. Ennes Ferreira e Rui
Almas. Mas, consultando o ficheiro, ocorrer-lhe-ão certamente alguns conceitos como
"Portugal", "Cooperação", "CPLP", etc., mas não necessariamente "Ferreira e Almas".
Sobretudo se apenas "leu" o artigo em diagonal limitando-se a fazer uma ficha-base e
algumas fichas-ramificações dela decorrentes.
Ora as "fichas-ramificações" funcionam um pouco como um "investimento" a
longo prazo. Podem não ter rentabilidade imediata, mas revelam-se frequentemente
produtivas mais tarde, quando se perderam ou esqueceram as referências iniciais
("Ferreira e Almas").
É portanto essencial partir sempre do princípio de que só consultará o ficheiro
anos depois. As "fichas-ramificações" são de certo modo o rasto que ajuda a percorrer
caminhos esquecidos.
Fichas por títulos
Vimos rapidamente os principais títulos de fichas bibliográficas por autor e por
assuntos.
As fichas "por títulos" de obras têm, na minha opinião, menos interesse (estamos
a falar de uma biblioteca particular). Salvo quando se trata de obras muito conhecidas
ou cujo título é suficientemente frequente.
Exemplo: História de Portugal (de Oliveira Martins, de Alexandre Herculano, de
Oliveira Marques, etc.). Em tais casos nada nos impede (a não ser a falta de tempo
disponível ou a inutilidade prática) de constituir fichas de títulos:
HISTÓRIA DE PORTUGAL
MARTINS (Oliveira)
História de Portugal (1879), Lisboa, Guimarães, 16ª ed. 1972, 611 p.
[Crono., quad., notas]
38
Pensamos, todavia, que seria mais prático fazer a ficha-base unicamente a partir
do apelido do autor. Naturalmente que as bibliotecas públicas têm sempre ficheiros
por autores, assuntos e títulos. A informatização dos últimos anos conserva esse
princípio e facilita o acesso muito mais rápido a qualquer obra do que os antigos
ficheiros manuais.
Mas, na perspectiva que aqui nos interessa, não parece necessário levar a
perfeição tão longe. As fichas por autor e por assunto chegam perfeitamente na
maioria dos casos. De qualquer maneira um programa informático de base de dados
(como o Dbase, por exemplo) permite resolver esse problema com uma única fichabase por autor.
Para os que não dispõem ainda de computador, o ficheiro manual resolve todos os
problemas, embora mais lentamente. Nesses casos o ficheiro "por títulos" seria até
relativamente pouco cómodo. Por exemplo, o livro de Jacinto Baptista (historiador e
antigo director do Diário Popular, infelizmente já falecido): Surgindo vem ao longe a
nova aurora - Para a história do diário sindicalista A Batalha/1919-1927, Lisboa,
Bertrand, 1977, 214 p.
Uma ficha "Surgindo", primeira palavra do título, como é usual, não se afigura
muito vantajosa tendo em conta as limitações que voluntariamente nos impusemos. E
como este exemplo pode ser multiplicado por muitas centenas, à medida que o tempo
passa e o ficheiro engrossa os inconvenientes parecem óbvios. O estudante (ou
investigador) não pode ser escravo do ficheiro, e, salvo se pertence à minoria
privilegiada dos que podem ter um(a) secretário(a) particular, perder mais tempo a
constitui-lo do que aquele que ganha a consultá-lo seria notoriamente um absurdo! No
exemplo acima apontado impõe-se antes de mais a "ficha de autor":
BAPTISTA (Jacinto)
Surgindo vem ao longe a nova aurora Para a história do diário
sindicalista A Batalha/1919 1927.
Lisboa, Bertrand, 1977, 214 p.
39
E eventualmente desdobramentos como:
- BATALHA (Diário Sindicalista, A)
- SINDICALISMO (em Portugal)
- ANARQUISMO
etc.
Não é de mais repetir: uma vez redigida a ficha-base, compreendendo todas as
referências úteis, as outras fichas fazem-se rapidamente reenviando sempre à
primeira. A ideia é justamente essa: poupar tempo.
"Constelação" de fichas
Vejamos, para terminar este ponto, o que chamamos uma "constelação" de fichas
(vd. gráfico página seguinte), ou seja um conjunto de fichas interligadas que se
constrói à medida que vamos avançando na leitura de um determinado texto
importante.
O gráfico é um tanto grosseiro mas permite ter uma ideia rápida da maneira como
a leitura de um livro (ou artigo) pode dar lugar a muitas fichas que são outros tantos
marcos que deixamos pelo caminho e que, posteriormente, nos podem ser preciosos.
É igualmente possível verificar que as fichas-ramificações são, em muitos casos,
fichas ideográficas ("Subdesenvolvimento", "Pólos de crescimento", etc.). Os dois
tipos de fichas estão intimamente ligados.
Mas deixemos as fichas ideográficas para o ponto seguinte e acrescentemos uma
última observação de carácter geral.
Numa primeira fase as fichas (ideográficas e bibliográficas) podem ficar todas
indistintamente num só ficheiro (um ficheiro normal pode conter vários milhares de
fichas).
Mais tarde, quando a necessidade se fizer sentir, nada nos impede de ter dois
ficheiros: um para as referências bibliográficas (por autores) e outro para as
referências ideográficas (assuntos, citações...).
40
41
Fichas ideográficas
O professor A. da Silva Rego considerava que as fichas ideográficas se destinam
"a apontamentos, transcrição da passagens e anotações de ideias próprias que possam
surgir, mas provocadas pela leitura" (opus cit., p. 49).
Assim é de facto. Parece-me todavia altamente provável, no caso dos mais
jovens estudantes sobretudo, que muito rapidamente se correria o risco de cair
essencialmente em extensíssimas transcrições de passagens, deixando para
segundas núpcias os "apontamentos pessoais" e as anotações de "ideias
próprias"...
É a razão porque se insiste nas fichas de pequeno formato (7,5x12,5 cm) que,
pelas suas dimensões, obrigam, pelo menos, a uma selecção rigorosa das transcrições
que devem ser o mais curtas possível, incentivando de preferência as anotações de
síntese.
Vejamos um caso de transcrição possível:
I) Ficha bibliográfica (ficha-base):
ERASMO
ERASMO DE ROTERDÃO
O elogio da loucura, Lisboa, Cosmos, 1945, 224 p.
(Trad. de Berta Mendes. Prefácio de Manuel Mendes)
42
II) Ficha ideográfica (ficha de transcrição):
ERASMO (Uma frase actual de Erasmo)
"Nada é mais singular do que a susceptibilidade do nosso século, que não se
conforma com os privilégios consagrados. Há mesmo pessoas cujos escrúpulos são tão
estranhos que prefeririam ouvir blasfémias sobre Jesus Cristo à mais leve graça sobre
os Papas ou sobre os Grandes, principalmente quando deles dependem os seus
interesses"
Vd. ficha ERASMO 1945.
Vejamos agora tentativas de fichas ideográficas a partir de dois curtos textos, o
primeiro de Geoffrey M. Hodgson sobre o estado actual da teoria económica acessível
a todos.
TEXTO N.° 1
"Ao analisarmos as revistas académicas, somos confrontados com uma grande
quantidade de complexas teorizações e de técnicas econométricas. Contudo, as políticas
que os economistas conseguiram delinear a partir do seu arsenal teórico são, por norma,
simplistas e dominadas, acima de tudo, pela ideologia política que tem prevalecido até hoje.
Consciente ou inconscientemente, esta atitude é adoptada em geral pela maior parte dos
economistas. Apesar do alto grau de sofisticação formal, a carroça ideológica segue
quase sempre à frente dos bois teóricos.
Por exemplo, nos debates sobre propriedade pública versus privada, e sobre planeamento
versus mercado, a teoria económica pouco mais é, normalmente, que uma ténue cobertura
para um posicionamento ideológico muito convencional da esquerda, centro ou direita. O
invólucro teórico serve, em muitos casos, para dar uma cobertura de legitimidade e como
atractivo para o consumidor influente de pareceres económicos. É desta forma que certos
políticos, no poder ou na oposição, conseguem dar mais consistência aos seus preconceitos e
envolvê-los em roupagens académicas.
Os economistas nunca se podem libertar completamente da ideologia, nem sequer é
desejável que tentem fazê-lo, mas não podemos considerar satisfatória a situação actual em
que a ciência é posta a reboque da moda política do momento; além disso, o facto é ainda
menos aceitável quando as ideologias são tão toscas e tão gastas. Muitas delas já foram
criticadas, com efeito destrutivo sobre as suas ideias centrais, mas estas críticas são
alegremente ignoradas por muitos desses especialistas.
43
Juntamente com a manipulação abertamente ideológica da teoria económica, verificase uma tendência constante para não se atribuírem recursos académicos suficientes à
elaboração de novas soluções para problemas económicos óbvios, não obstante a falência
das políticas económicas anteriormente postas em causa" (...) (a seguir o autor refere-se ao
desemprego e à pobreza que assolam a Europa e o mundo subdesenvolvido). (...) "Contudo,
estes problemas não figuram entre as principais preocupações da maioria dos economistas.
Pelo contrário, a corrente dominante da teoria económica funciona muitas vezes para os
teóricos, sobretudo, como um jogo estético que premeia com o avanço na carreira aqueles
que se tomam peritos no desenvolvimento das suas técnicas e conseguem produzir artigos
para as revistas, segundo um modelo e um estilo tantas vezes estultos. Um trabalho desse
género tem mais hipóteses de ser publicado e de se tornar `célebre' se estiver recheado de
formalismos matemáticos e de terminologia obscurantista do que se abordar, directa e
abertamente, os problemas prementes da actualidade".
Cf. G. Hodgson, Economia e instituições, 1994, pp.XII-XIII.
É naturalmente absurdo fazer uma ficha com a transcrição integral deste
texto. Mais vale, depois de fazer a ficha bibliográfica de base, elaborar uma ficha
ideográfica.
Comecemos pela ficha bibliográfica:
HODGSON (Geoffrey M.)
Economics and Institutions -A Manifesto for a Modern Institucional
Economics (1988), trad. port., Economia institucional - Manifesto para
uma economia institucional moderna, Lisboa, Celta, lª ed. 1994, 340 p.
(Trad. de Ana Barradas)
Notas, bibliografia.
A partir daqui podemos preparar as fichas ideográficas que a leitura do livro
revele necessárias, as quais funcionam como "apontamentos" ordenados por
assuntos e ordem alfabética, ou seja de fácil consulta posterior.
44
TEORIA ECONÓMICA DOMINANTE (Crítica da)
G. Hodgson (1994) critica as teorias económicas dominantes, quer dizer as
teorias liberais neoclássicas, demasiado preocupadas com uma grande
sofisticação formal (matemática) e dominadas por ideologias políticas na
moda. A sua utilidade social é tanto mais discutível que os mais
urgentes problemas económicos e sociais (desemprego, pobreza, etc.)
continuam por resolver na própria Europa.
Cf. G. HODGSON, Economia e instituições, 1994, pp. XII-XIII
O mesmo exercício com outro texto:
TEXTO N.° 2
"(...) Os governos que são obrigados a recorrer ao FMI (fazem-no porque, previamente),
aplicaram a maior parte do tempo em políticas desastrosas, em geral em proveito de uma
pequena minoria (e não se tornam) `virtuosos' de um dia para o outro. Não nos enganemos de
objectivo! Em contrapartida se o objectivo actual do FMI é criticável, é por uma razão
completamente diferente. Ao intervir, sob forma de concessão de empréstimos, para evitar o
afundamento do sistema bancário de um país emergente, quem é que, na verdade, o FMI
salva? Os que, bancos e investidores internacionais, emprestaram a esse sistema
bancário, a taxas em geral vantajosas porque, justamente, esse sistema apresentava riscos
elevados. Há aí, de facto, um escândalo do próprio ponto de vista da moral capitalista. Os
actores financeiros, que aceitam investir capitais com rentabilidade elevada mas com
risco elevado, deveriam eles próprios sofrer as perdas se o risco se manifestar.
Evidentemente, se o FMI intervém assim, é porque a falência desses actores
poderia gerar reacções em cadeia devastadoras para o sistema financeiro mundial no seu
conjunto. E em nome desse `risco sistémico' que o FMI tenta apagar o incêndio logo que
ele aparece, mesmo se para isso é preciso salvar os incendiários. Mas ao actuar deste modo,
uma vez que ele pede emprestado para poder emprestar, provoca o aumento das taxas de
juro e penaliza todos aqueles que têm necessidade de recorrer a empréstimos. Graças a
esse mecanismo, os ganhos, quando tudo vai bem, permanecem privados; mas as perdas,
quanto tudo vai mal, são socializadas."
Cf. GIRAUD (Pierre-Noel), Economie, le grand Satan?, Paris, Ed. Textuel, 1999, pp.
59-60.
45
a) Ficha bibliográfica de base:
GIRAUD (Pierre-Noel)
Economie. le grand Satan?,
Paris, Editions Textuel, 1999, pp. 59-60
(Bibliografia)
A partir daqui é possível fazer (tal como anteriormente) várias fichas, consoante
o que nos parece mais importante no discurso ou segundo a problemática que mais
nos preocupa no momento da sua leitura. A construção da ficha ideográfica é,
deste modo, em grande parte subjectiva, como já se observou.
FMI (Sobre a natureza das intervenções do)
A crítica principal às intervenções do FMI é de não sancionar as actividades
especulativas dos bancos e investidores internacionais. Quando estes
ganham os lucros são privatizados, mas quando perdem as perdas são
públicas, ou seja, oneram o contribuinte, o que é uma imoralidade do
próprio ponto de vista capitalista.
Vd. ficha GIRAUD 1999
Naturalmente que esta última ficha teve em conta unicamente o fragmento que
transcrevemos, e não todo o texto. Fizemos, por conseguinte, um corte artificial,
destinado tão-somente a ilustrar o nosso propósito. Por outro lado, em vez do título
"FMI" era perfeitamente possível ter escolhido "SISTEMA BANCÁRIO
INTERNACIONAL", "EMPRÉSTIMOS INTERNACIONAIS", "DÍVIDA
INTERNACIONAL", etc., ou ainda fazer "desdobramentos" em várias fichas (o
que acontece sobretudo com um texto mais longo onde são tratadas diversas
temáticas).
46
EXERCÍCIO DE RECAPITULAÇÃO
Das sete referências bibliográficas abaixo indicadas, quatro estão incorrectamente elaboradas.
Diga quais são e porquê (correcção nas páginas seguintes).
1) LUTZ (Mark), Economiques for the Common Good - Two Centuries of Social
Economic Thought in the Humanistic Tradition, London, Routledge, 1999, 302 p.
2) MOURA (Francisco Pereira de), "Problemas do ensino da economia no primeiro ano da
Universidade", Separata do livro Nova Economia em Portugal, Lisboa, Faculdade de
Economia, Universidade Nova de Lisboa, 1989: 35-52.
3) VENÂNCIO (José Carlos), "A economia de Luanda e Hinterland no século XVIII: um
estudo de sociologia histórica", Lisboa, Estampa, 1996, 227 p.
4) MARGARIDO (Alfredo), Estudos sobre literatura das nações africanas de língua
portuguesa, A Regra do Jogo, 1980, 562 p.
5) GONÇALVES (António Custódio), Kongo, le lignage contre l'État, Lisboa, Instituto de
Investigação Científica Tropical/Universidade de Évora, 1985, 266 p. (Prefácio do
Prof. Albert Doutreloux. Inclui: léxico. bibliografia, anexo, mapas, fotos).
6) ROMÃO (António), Coordenação de, Comércio Internacional - Teorias e técnicas,
Lisboa, ICEP-Instituto do Comércio Externo de Portugal, 1991, 294 p.
7) CASTRO (Armando Antunes de), Quadros institucionais do comércio internacional: o
GATT e a CNUCED, in ROMÃO 1991: 105-134.
47
CORRECÇÃO
As referências erradas são as dos números 2, 3, 4 e 7.
Referência N.° 2:
MOURA (Francisco Pereira de), "Problemas do ensino da economia no
primeiro ano da Universidade", Separata do livro Nova Economia em
Portugal, Lisboa, Faculdade de Economia, Universidade Nova de Lisboa,
1989: 35-52.
Dissemos anteriormente que os títulos de livros, revistas e jornais devem estar
sublinhados ou itálico. Esta regra aplica-se, de uma maneira geral, a todas as
publicações autónomas ou isoladas (quer dizer, que não estejam inseridas noutras).
O texto do Prof. Francisco Pereira de Moura foi inicialmente publicado num
livro colectivo. Neste caso, porém, não estamos perante o artigo a partir do livro (o
título estaria de facto entre aspas) mas confrontados com uma separata, ou seja com
uma publicação autónoma, o que impõe que o título seja sublinhado ou em itálico.
Logo a seguir vem a indicação do título do livro (Nova Economia em
Portugal) que não está nem sublinhado nem em itálico, como deveria, o que é
igualmente um erro.
Correcção (da referência nº 2):
MOURA (Francisco Pereira de), Problemas do ensino da economia no
primeiro ano da Universidade, Separata do livro Nova Economia em Portugal,
Lisboa, Faculdade de Economia, Universidade Nova de Lisboa, 1989: 35-52.
48
Referencia N.° 3:
VENANCIO (Jose Carlos), "A economia de Luanda e Hinterland no
seculo XVIII: um estudo de sociologia hist6rica", Lisboa, Estampa, 1996,
227 p.
Trata-se, como é evidente, de um livro (o número de páginas mostra-o).
A indicação bibliográfica está errada uma vez que o título se encontra entre aspas.
Correcção (da referência nº 3):
VENANCIO José Carlos), A economia de Luanda e Hinterland no século
XVIII.• um estudo de sociologia histórica, Lisboa, Estampa, 1996, 227 p.
Referencia N.° 4:
MARGARIDO (Alfredo Estudos sobre literatura das nações africanas de
língua portuguesa, A Regra do Jogo, 1980, 562 p.
Aqui as referências estão correctas mas falta uma indicação indispensável: o local
da edição.
Correcção (da referência nº 4):
MARGARIDO (Alfredo Estudos sobre literatura das nações africanas de
língua portuguesa, Lisboa, A Regra do Jogo, 1980, 562 p.
Referencia N.° 7
CASTRO,(Armando Antunes de), Quadros institucionais do comércio
internacional: o GATT e a CNUCED, ROMAO 1991: 105-134.
0 erro no caso da referência nº 7 provem do facto de o texto de Armando
49
Antunes de Castro não estar em itálico nem entre aspas. Ficamos sem saber o que é
exactamente, embora adivinhemos que se trata de um artigo inserido num livro colectivo coordenado ou dirigido por Antonio Romão. Podemos indicar a fonte como
ROMÃO 1991: 105-134, desde que, evidentemente, na mesma bibliografia ponhamos
igualmente a referência numero 7 completa.
Correcção (da referência nº 7):
CASTRO Armando Antunes de "Quadros institucionais do comércio
internacional: o GATT e a CNUCED", ROMÃO 1991: 105-134.
Uma última menção sobre bibliografias
Chamo a atenção para um último pormenor que, embora não sendo muito importante,
é aconselhável observar:
•
Os títulos das bibliografias de obras em língua inglesa têm geralmente (é
certo que nem sempre) todos as palavras, salvo as proposições, em
maiúsculas:
Exemplo: Uma S. Kambhampati, Development and the Developing World,
Cambrige, Polity Press, 2004, 296 p.
•
As bibliografias em línguas francesa e portuguesa têm todas as palavras,
salvo a primeira, em minúsculas:
Exempos:
1. Jacques Sapir, Quelle économie pour le XXIe siècle?, Paris, Odile Jacob,
2005, 491 p.
2. B. Nicolescu, Nós, a partícula e o universo, Lisboa, Esquilo, 2005, 247 p.
50
CAPÍTULO 3 - "Radiografia" de um texto
• Observação preliminar:
Chamamos "radiografa" de um texto uma operação global que consiste em pôr em
relevo os conceitos principais e secundários, situando imediatamente o sentido do discurso.
Para maior clareza utiliza-se o gráfico de circunferências concêntricas - espécie de alvo dividido em zonas numeradas a partir do centro.
Na zona 1 estão teoricamente os "conceitos-chave ", ou seja as ideias principais às quais
o discurso está em parte ou totalmente subordinado. À medida que nos afastamos do centro
do "alvo", caminhamos para ideias cada vez mais "secundárias " em relação ao cerne do
texto (zonas 2, 3, 4, etc.).
É um exercício útil. Ajuda-nos a adquirir o hábito de situar os limites exactos do que
queremos discutir, evitando que nos dispersemos em várias direcções.
Saber distinguir, numa determinada situação e em relação a um objectivo bem
definido, o que é "principal" e o que é "secundário", não é uma questão de somenos
importância mas um verdadeiro aferidor de rigor intelectual.
• Ideias principais e secundárias
TEXTO N.° 1
"Nesse primeiro estádio informe da sociedade, que precede a acumulação dos
capitais e a apropriação do solo, a única circunstância que pode fornecer uma
regra para as trocas é, segundo parece, a quantidade de trabalho necessário para
adquirir os diferentes objectos de troca. Por exemplo, se num povo de caçadores
se despende habitualmente duas vezes mais de esforço para matar um castor do que para
matar um gamo, naturalmente um castor trocar-se-á por dois gamos, ou valerá dois
gamos. É natural que o que é ordinariamente o produto de dois dias ou de duas horas
de trabalho, valha o dobro do que é em geral o produto de um dia ou de uma hora
de trabalho.
Se um género de trabalho for mais penoso do que outro, tomar-se-á evidentemente em consideração o aumenta da fadiga, e o produto de uma hora desse
trabalho poderá trocar-se, em regra, pelo produto de duas horas de outro trabalho.
Do mesmo modo, se um trabalho exige um nível elevado de qualificação ou de
destreza, a estima que os homens têm por essas qualidades acrescentará sem dúvida
ao seu produto um valor superior ao que seria devido pelo tempo empregue na
51
execução. É raro que tais capacidades se adquiram doutro modo que por uma
longa prática, e o valor que se atribui ao seu produto não é, muitas vezes, mais do
que uma compensação justa do tempo e do esforço empregues a obter essas
capacidades.
No estado avançado da sociedade, toma-se em regra em conta, nos salários dos
trabalhos, o que é devido à superioridade de habilidade ou de fadiga, e é verosímil
que se tenha agido mais ou menos da mesma maneira nos primórdios da nossa era.
Nestas circunstâncias, o produto do trabalho pertence por completo ao trabalhador, e a quantidade de trabalho em geral empregue a adquirir ou a produzir um
objecto é o único factor que pode medir a quantidade de trabalho que este objecto
deverá comprar, encomendar ou obter em troca.
Quando houver capitais acumulados nas mãos de certos particulares, alguns
deles utilizarão sem dúvida esses capitais para empregar trabalhadores, a quem
fornecerão ferramentas e materiais, a fim de obter um lucro com a venda dos seus
produtos, ou com que o trabalho desses operários acrescenta ao valor dos materiais.
Quando a obra acabada é trocada por dinheiro, por trabalho ou por outras mercadorias, é
necessário que, para além do que poderia bastar para pagar o preço dos materiais e os
salários dos operários, haja ainda qualquer coisa em suplemento para os lucros do
empresário que arrisca os seus capitais no investimento. Assim, o valor que os
operários acrescentam à matéria, divide-se em duas partes: uma paga os salários, a
outra os lucros que obtém o empresário das somas que lhe serviram a adiantar esses
salários e o material para trabalhar. O empresário não teria interesse em empregar
operários se não esperasse da venda do produto qualquer coisa mais do que a
substituição do seu capital, e não teria incentivo em investir um grande capital em vez
de um pequeno, se os lucros não estivessem relacionados com o montante investido.
Os lucros, dirão alguns, não são mais do que um nome diferente dado ao
salário de uma espécie particular do trabalho: o trabalho de inspecção e de
direcção. Contudo, eles são de uma natureza absolutamente diferente dos
salários; regem-se por princípios distintos e não estão de modo algum relacionados
com a quantidade e a natureza desse pretenso trabalho de inspecção ou de direcção. Os
lucros são determinados inteiramente pelo valor do capital investido, e são mais
ou menos elevados proporcionalmente ao seu montante".
52
Este texto encontra-se em:
- Edição inglesa: SMITH (Adam), The Wealth of Nations, Londres (1776), Penguin
Books, 1974, pp. 150-151.
- Tradução francesa: SMITH (Adam), Recherches sur la nature et les causes de la
richesse des nations - Les grands themes, Paris, Gallimard, 1976, pp. 71-73.
53
COMENTÁRIO AO TEXTO N° 1 (Adam Smith):
Recapitulemos:
Imagine o leitor que é jornalista e deverá publicar este extracto no seu jornal. Para
esse efeito terá de dar-lhe um título que o resuma ou que vá o mais possível à essência
do seu conteúdo. Evidentemente que se um tal título utilizasse fundamentalmente a
palavra-chave emprego (suponhamos: "O problema do emprego para Adam Smith ")
estaria desde logo bastante longe da sua compreensão exacta (estaria na ZONA 7,
por hipótese).
Já a utilização da palavra valor e sobretudo do conceito valor-trabalho provaria
que tinha captado o "conceito-intersecção", chamemos-lhe assim, verdadeiro lugar
geométrico
do
discurso
apresentado
(na
ZONA
1).
Numa
palavra,
teria
compreendido o sentido do raciocínio.
Em contrapartida o conceito de trabalho (sozinho), embora estivesse ainda muito
próximo da ZONA 1, não teria o mesmo impacto porque a sua significação (enquanto
conceito isolado, repete-se) é mais "aberta" ou, se quisermos, susceptível de vários
sentidos e não na acepção mais particular do texto. Por isso o conceito trabalho
estaria quando muito na ZONA 2.
EM RESUMO: quanto mais nos aproximamos da ZONA 1, mais próximos
estaremos dos "conceitos-chave", das ideias principais e, por conseguinte, da
interpretação fiel do discurso. Quanto mais nos afastamos dessa zona (6, 7, 8... por
exemplo), mais a nossa "leitura" vai perdendo rigor em relação ao que é fulcral na
exposição.
O exercício é, naturalmente, um pouco simplista, mas creio que não deixa de ter
sentido pois tem aplicações constantes na prática de todos os dias e, evidentemente,
nos trabalhos académicos.
Um dos problemas mais correntes e que todos os estudantes conhecem, é o
da distinção entre o que é essencial e o que é secundário. Quanto menos se conhece
a matéria ou menos experiência se tem, maior é a dificuldade em separar
os dois níveis. Quando isso acontece, por exemplo quando o estudante prepara
um relatório que implica uma análise de factos e problemáticas, se dominar mal
a questão que está a tratar, irá provavelmente consagrar uma página a uma
questão fundamental e igualmente uma página (ou mais) a uma questão perfeitamente subsidiária, caindo desde logo numa amálgama sem uma hierar
54
quização lógica e equilibrada. Mostra desde logo que não domina minimamente
a problemática que está a analisar, confundindo o "essencial" e o "secundário".
A um outro nível, imagine alguém - um dirigente, empresário ou político,
por exemplo - cuja função é nomeadamente tomar decisões com consequências
empresariais ou sociais importantes. A despeito das muitas qualidades que o
possam eventualmente caracterizar, a verdade é que se não for capaz de distinguir
entre o "essencial" e o "secundário" não se vê muito bem que orientações
estratégicas minimamente lógicas poderão advir das suas decisões. É claro que pode
sempre atirar uma moeda ao ar, comprar uma rifa da sina na Feira Popular ou
consultar um astrólogo, mas é duvidoso que isso tenha qualquer coisa a ver com
racionalidade ou que as perspectivas propostas por esse dirigente com tais bases de
decisão sejam particularmente fiáveis...
TEXTO Nº 2
"A partir da década de 1980, observamos uma intensificação do processo de
internacionalização das economias capitalistas que se convencionou chamar de
globalização. Algumas das características distintivas desse processo são a enorme
integração dos mercados financeiros mundiais e um crescimento singular do comércio
internacional - viabilizado pelo movimento de queda generalizada de barreiras
proteccionistas - principalmente dentro dos grandes blocos económicos. Um dos traços
mais marcantes e que será crucial à análise apresentada é a crescente presença de
empresas transnacionais. Estas diferem bastante das corporações multinacionais típicas
dos anos 60 e 70, constituindo um fenómeno novo.
Neste contexto de internacionalização das decisões e de incrível mobilidade de
grandes massas de capitais - que têm, em larga medida, lógicas autónomas em relação
às decisões dos Estados nacionais - o espaço para a operação de políticas públicas vêse sensivelmente diminuído. A manipulação das próprias políticas monetárias é
afectada pela imensa massa de recursos que circula no mercado financeiro
internacional, cruzando as fronteiras nacionais. As políticas fiscais e os gastos
governamentais, por sua vez, encontram novos limites por ocasionarem efeitos
inflacionários que poderiam minar a competitividade dos produtos nacionais.
Por outro lado, a grande mobilidade das transnacionais gera um menor
compromisso (para) com os países (onde se encontra a sede das) suas actividades,
o que aumenta (o) seu poder de barganha vis-à-vis os Estados. Por outro, a
55
necessidade de elevar as competitividades sistémicas nacionais para garantir a
sobrevivência nesse mundo mais integrado acrescenta restrições para a obtenção de
recursos tributários adicionais. O processo de globalização, por essa e outras vias,
constrange o poder dos Estados, restringindo a sua capacidade de operar (os) seus
principais instrumentos discricionários".
Fonte: DUPAS (Gilberto), Economia global e exclusão social, S. Paulo, Paz e Terra, 1999, p. 14.
1º) Exemplo de livro:
SMITH (Adam)
Inquérito sobre a natureza e as causas da riqueza das nações (1776)
Trad. port., Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2 vols., 1.0 vol. 1981, 2.°
vol. 1983
(Trad. e notas de Teodora Cardoso e Luís Cristóvão de Aguiar, prefácio de
Hermes dos Santos)
VI, 824, 815
Apêndice, índices, biblio.
Também esta ficha nos fornece informações essenciais: apelido e nome do autor,
título (sublinhado se a ficha for escrita à mão, ou em itálico eventualmente se for
elaborada em computador), data da edição original (1776), referência ao facto de
estarmos a utilizar uma tradução portuguesa e não uma edição na língua original,
editor (Fundação C. Gulbenkian), indicação que são dois volumes (indicação essa que
poderia ser dispensável), com a menção da data de publicação do 1.° volume (1981) e
do 2.° volume (1983). Informa-se igualmente que a tradução e notas são da
responsabilidade de T. Cardoso e L. C. Aguiar e que o livro conta com um prefácio da
edição portuguesa escrito por H. dos Santos e que esse prefácio vai até à página VI
(em algarismos romanos), tendo o resto do livro 824 páginas no 1.° volume e 815
páginas no 2.° volume (conta-se até à página onde está a referência "Este livro foi
composto e impresso em..., por... na data tal... ").
Outro caso de ficha de livro:
56
HENRIQUES (Isabel Castro),
Percursos da modernidade em Angola - Dinâmicas comerciais e transformações
sociais no século XIX, Lisboa, Instituto de Investigação Científica Tropical/Instituto
da Cooperação Portuguesa, 1997, 836 p.
(Tradução de Alfredo Margarido, prefácio de Jean Devisse)
Cartografia, cronologia geral, cronologia dos governadores de Angola, anexos,
glossário, bibliografia, índice dos mapas, índice das ilustrações.
O livro de Isabel Castro Henriques resulta de uma tese de doutoramento,
apresentando desde logo um extenso e completo aparelho crítico (cartografia,
cronologia, etc.) que é indispensável referir na ficha para posterior consulta.
2°) Exemplo de artigo de revista:
MARGARIDO (Alfredo)
"Incidences socio-économiques sur la poésie noire d'expression portugaise"
Diogène, Paris, Gallimard, 37, 1962, 53-80,
Gallimard/Unesco
Os elementos da ficha bibliográfica
Há um certo número de elementos que devem figurar nas fichas e nas listagens
bibliográficas no fim de uma obra. Eles têm a sua razão de ser e não relevam apenas
de uma mentalidade "coca-bichinhos " como à primeira vista alguns poderiam pensar.
E certo que há uma certa margem de manobra na feitura de uma ficha ou uma
bibliografia. Pode-se, por exemplo, pôr o "editor" antes ou depois do "local" da
edição, ou por o "local" entre parênteses e não entre vírgulas, etc. O importante, uma
vez um critério escolhido, é que este deve ser seguido de maneira uniforme em todos
os casos.
Importa sublinhar, todavia, que há elementos indispensáveis que não devem ser
esquecidos, em especial a data da publicação e o local da edição, se não queremos
gerar confusões que podem acarretar alguns prejuízos. Nunca esquecer que se fizer
57
uma ficha pode perfeitamente só voltar a consultá-la anos depois. Nessa altura
poderá não se lembrar da obra referenciada. Nesse caso a ficha deverá dar-lhe todas as
indicações necessárias.
DATA DA PUBLICAÇÃO - A data da publicação não é um pormenor gratuito
como se disse. No caso de Adam Smith relembra que se trata de um autor do século
XVIII e não do século XVII ou XIX e que a edição consultada já é contemporânea.
No exemplo do artigo de Alfredo Margarido, revela que se trata de um autor
contemporâneo.
LOCAL DA EDIÇÃO - Também não é uma indicação que se deva
menosprezar. A prestigiada Fundação Calouste Gulbenkian é suficientemente
conhecida entre os portugueses para se presumir que a edição é portuguesa e feita em
Lisboa, que é o local da sede da Fundação. O mesmo se passaria com a editora Vega
(de Lisboa) ou Lello (do Porto). Mas imagine que se trata de um livro menos
conhecido, editado por uma casa já desaparecida de que não resta lembrança. Por
exemplo,
quem
se
recorda
da
"Editora
Marítimo-Colonial",
da
"Empresa
Contemporânea de Edições" ou da "Renascença Portuguesa"? Quantos conhecem a
editora "Mame" ou "Zed Books"? Sem falar das recém-fundadas, mesmo em
Portugal?
É evidente que a ligação entre o local da edição e o nome da editora pode ser em
muitas circunstâncias um elemento orientador na busca de uma referência, na
verificação de uma fonte, etc.
Suponhamos que um investigador estrangeiro faz uma pesquisa sobre as crises
económicas em Portugal. A determinada altura chega-lhe às mãos, por vaga
informação oral, através da leitura de um artigo de jornal ou ao reencontrar um velho
apontamento tomado à pressa, a seguinte referência: José Bento Gomes, Crise
económica - Alguns meios de a atenuar. Ponto final.
Para começar, não estando o título nem entre aspas nem sublinhado, fica sem
saber se está em presença de um artigo de jornal ou de revista (e qual?) ou de um livro
(publicado onde? e quando?). Aliás, a que crise se refere? Em que país? Na hipótese
de ser um livro: estudo desenvolvido ou mero opúsculo? Tais dúvidas ficariam
contudo imediatamente desvanecidas se o interessado possuísse as indicações
bibliográficas completas:
GOMES (José Bento)
58
Crise Económica - Alguns meios de a atenuar, Lisboa, Minerva
Peninsular, 1898, 120 p.
Estas indicações, em vez de estarem já nesta forma de ficha poderiam muito bem
figurar num caderno de notas, não tão bem apresentadas mas com o mesmo efeito:
GOMES (José Bento), Crise Económica - Alguns meios de a atenuar, Lisboa,
Minerva Peninsular, 1989, 120 p.
Em todo o caso o referido investigador saberia desde logo que, caso viesse a
Portugal, só lhe restariam dois caminhos: ou mergulhar na poeira dos alfarrabistas (os
"sêbos ", como lhes chamam evocadoramente os brasileiros) ou enfrentar, com uma
boa dose de resignação, a burocracia de uma qualquer biblioteca pública.
Antes de terminar este ponto, relembramos uma vez mais que, quando se trata de
uma obra várias vezes editada, convém sempre indicar o número da edição consultada
para facilitar a utilização posterior da ficha. Uma frase ou uma ideia tomada na 3.a
edição pode não estar na mesma página nas edições seguintes. Por exemplo, o
capítulo "Teoria das crises" do livro A Circulação Fiduciária de Oliveira Martins,
começa, na 3.' edição de 1923, na página 47. Na 4.' edição de 1995 principia na
página 50. O editor também não é o mesmo. No primeiro caso tratava-se da Parceria
António Maria Pereira. No segundo da Guimarães & C.a Editores.
Também já assinalámos que o apelido do autor deve ser de preferência escrito em
maiúsculas. Isso para distinguir o apelido do nome de baptismo: Robert e Michel
tanto podem ser apelidos como nomes, do mesmo modo que, em português, André ou
Maria.
b) Fichas de artigos
Como para os livros, também os artigos merecem uma ficha (ou uma referência
bibliográfica) especial.
Um título de artigo nunca é sublinhado mas sempre posto entre aspas. Sublinhase, isso sim, o título da revista ou do jornal onde ele está inserido.
Para maior comodidade ainda, há quem utilize fichas de várias cores15:
- Ficha bibliográfica de livros (ficha branca);
- Ficha bibliográfica de artigos (ficha verde);
- Ficha ideográfica (ficha amarela).
59
Escusado será dizer que as cores são arbitrárias. Aconselhamos todavia as fichas
brancas para os livros: são as que se fazem mais frequentemente e também as que se
encontram mais facilmente nas papelarias...
FERREIRA (Manuel Ennes) e ALMAS (Rui)
"Comunidade económica ou parceria para o desenvolvimento: o
desafio do multilateralismo na CPLP"
Política Internacional, Lisboa, Vol. 1, n.° 13, Outono-Inverno
1996,35-71
Ou seja:
- "Título" do artigo (entre aspas);
- Publicado na revista Política Internacional (sublinhado ou em itálico);
- Volume 1;
- Número 13;
- Datado de Outono-Inverno de 1996;
- O artigo começa na página 35 e termina na página 71.
Por vezes pode ser muito útil anotar num canto da ficha a cota da biblioteca onde
a revista (ou o livro) se encontra. Em particular para uma publicação rara ou de difícil
acesso.
Também é importante referir o número internacional normalizado do livro
(ISBN), que é quase sempre mencionado na contracapa dos livros. Por exemplo:
BOUDON (Raymond), O lugar da desordem (1984), trad. port.,
Lisboa, Gradiva, 1990, 332 p. ISBN 972-662-181-X.
Regressando ao artigo de M. Ennes Ferreira e Rui Almas que mencionámos
anteriormente, é conveniente relembrar que, tal como qualquer livro, a ficha-base do
artigo pode também dar lugar a uma desdobragem em fichas-ramificações.
Exemplo de "ficha-ramificação":
PORTUGAL (Cooperação de)
Ver ficha FERREIRA e ALMAS, "Comunidade económica...", 1996
_______
15
Como por exemplo: RODRIGUES (A. Jacinto), Frente Cultural, Porto, 1976.
Seria aliás suficiente se na "ficha-ramificação" acima puséssemos apenas: "V.
ficha FERREIRA e ALMAS 1996".
60
Note-se que este desdobramento pode ser muito grande, dependendo das
necessidades de cada um. Conforme se acaba de fazer uma ficha "PORTUGAL
(Cooperação de)", pode-se construir outras como "CPLP", "Espaço de língua portuguesa", "Brasil (na CPLP)", etc.
Como só a primeira ficha é completa, sendo as outras sintéticas e de feitura muito
rápida (tanto em fichas manuais como num programa adequado de computador), o
desdobramento não dá muito trabalho.
Esta "ramificação" é importante.
Suponhamos que meses ou anos depois o estudante que tenha feito a ficha-base e
as correspondentes fichas-ramificações procura elementos para um trabalho sobre
problemas da cooperação portuguesa, a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa
(CPLP), o lugar de Angola ou do Brasil no espaço de língua portuguesa, etc.
É possível que não se lembre exactamente do artigo de M. Ennes Ferreira e Rui
Almas. Mas, consultando o ficheiro, ocorrer-lhe-ão certamente alguns conceitos como
"Portugal", "Cooperação", "CPLP", etc., mas não necessariamente "Ferreira e Almas".
Sobretudo se apenas "leu" o artigo em diagonal limitando-se a fazer uma ficha-base e
algumas fichas-ramificações dela decorrentes.
Ora as "fichas-ramificações" funcionam um pouco como um "investimento" a
longo prazo. Podem não ter rentabilidade imediata, mas revelam-se frequentemente
produtivas mais tarde, quando se perderam ou esqueceram as referências iniciais
("Ferreira e Almas").
É portanto essencial partir sempre do princípio de que só consultará o ficheiro
anos depois. As "fichas-ramificações" são de certo modo o rasto que ajuda a percorrer
caminhos esquecidos.
Fichas por títulos
Vimos rapidamente os principais títulos de fichas bibliográficas por autor e por
assuntos.
As fichas "por títulos" de obras têm, na minha opinião, menos interesse (estamos
a falar de uma biblioteca particular). Salvo quando se trata de obras muito conhecidas
ou cujo título é suficientemente frequente.
Exemplo: História de Portugal (de Oliveira Martins, de Alexandre Herculano, de
Oliveira Marques, etc.). Em tais casos nada nos impede (a não ser a falta de tempo
disponível ou a inutilidade prática) de constituir fichas de títulos:
61
HISTÓRIA DE PORTUGAL
MARTINS (Oliveira)
História de Portugal (1879), Lisboa, Guimarães, 16ª ed.
1972, 611 p.
[Crono., quad., notas]
Pensamos, todavia, que seria mais prático fazer a ficha-base unicamente a partir
do apelido do autor. Naturalmente que as bibliotecas públicas têm sempre ficheiros
por autores, assuntos e títulos. A informatização dos últimos anos conserva esse
princípio e facilita o acesso muito mais rápido a qualquer obra do que os antigos
ficheiros manuais.
Mas, na perspectiva que aqui nos interessa, não parece necessário levar a
perfeição tão longe. As fichas por autor e por assunto chegam perfeitamente na
maioria dos casos. De qualquer maneira um programa informático de base de dados
(como o Dbase, por exemplo) permite resolver esse problema com uma única fichabase por autor.
Para os que não dispõem ainda de computador, o ficheiro manual resolve todos os
problemas, embora mais lentamente. Nesses casos o ficheiro "por títulos" seria até
relativamente pouco cómodo. Por exemplo, o livro de Jacinto Baptista (historiador e
antigo director do Diário Popular, infelizmente já falecido): Surgindo vem ao longe a
nova aurora - Para a história do diário sindicalista A Batalha/1919-1927, Lisboa,
Bertrand, 1977, 214 p.
Uma ficha "Surgindo", primeira palavra do título, como é usual, não se afigura
muito vantajosa tendo em conta as limitações que voluntariamente nos impusemos. E
como este exemplo pode ser multiplicado por muitas centenas, à medida que o tempo
passa e o ficheiro engrossa os inconvenientes parecem óbvios. O estudante (ou
investigador) não pode ser escravo do ficheiro, e, salvo se pertence à minoria
privilegiada dos que podem ter um(a) secretário(a) particular, perder mais tempo a
constitui-lo do que aquele que ganha a consultá-lo seria notoriamente um absurdo! No
exemplo acima apontado impõe-se antes de mais a "ficha de autor":
BAPTISTA (Jacinto)
Surgindo vem ao longe a nova aurora Para a história do diário
62
sindicalista A Batalha/1919 1927.
Lisboa, Bertrand, 1977, 214 p.
E eventualmente desdobramentos como:
- BATALHA (Diário Sindicalista, A)
- SINDICALISMO (em Portugal)
- ANARQUISMO
etc.
Não é de mais repetir: uma vez redigida a ficha-base, compreendendo todas as
referências úteis, as outras fichas fazem-se rapidamente reenviando sempre à
primeira. A ideia é justamente essa: poupar tempo.
"Constelação" de fichas
Vejamos, para terminar este ponto, o que chamamos uma "constelação" de fichas
(vd. gráfico página seguinte), ou seja um conjunto de fichas interligadas que se
constrói à medida que vamos avançando na leitura de um determinado texto
importante.
O gráfico é um tanto grosseiro mas permite ter uma ideia rápida da maneira como
a leitura de um livro (ou artigo) pode dar lugar a muitas fichas que são outros tantos
marcos que deixamos pelo caminho e que, posteriormente, nos podem ser preciosos.
É igualmente possível verificar que as fichas-ramificações são, em muitos casos,
fichas ideográficas ("Subdesenvolvimento", "Pólos de crescimento", etc.). Os dois
tipos de fichas estão intimamente ligados.
Mas deixemos as fichas ideográficas para o ponto seguinte e acrescentemos uma
última observação de carácter geral.
Numa primeira fase as fichas (ideográficas e bibliográficas) podem ficar todas
indistintamente num só ficheiro (um ficheiro normal pode conter vários milhares de
fichas).
Mais tarde, quando a necessidade se fizer sentir, nada nos impede de ter dois
ficheiros: um para as referências bibliográficas (por autores) e outro para as
referências ideográficas (assuntos, citações...).
63
Fichas ideográficas
64
O professor A. da Silva Rego considerava que as fichas ideográficas se destinam
"a apontamentos, transcrição da passagens e anotações de ideias próprias que possam
surgir, mas provocadas pela leitura" (opus cit., p. 49).
Assim é de facto. Parece-me todavia altamente provável, no caso dos mais
jovens estudantes sobretudo, que muito rapidamente se correria o risco de cair
essencialmente em extensíssimas transcrições de passagens, deixando para
segundas núpcias os "apontamentos pessoais" e as anotações de "ideias
próprias"...
É a razão porque se insiste nas fichas de pequeno formato (7,5x12,5 cm) que,
pelas suas dimensões, obrigam, pelo menos, a uma selecção rigorosa das transcrições
que devem ser o mais curtas possível, incentivando de preferência as anotações de
síntese.
Vejamos um caso de transcrição possível:
I) Ficha bibliográfica (ficha-base):
ERASMO
ERASMO DE ROTERDÃO
O elogio da loucura, Lisboa, Cosmos, 1945, 224 p.
(Trad. de Berta Mendes. Prefácio de Manuel Mendes)
II) Ficha ideográfica (ficha de transcrição):
ERASMO (Uma frase actual de Erasmo)
"Nada é mais singular do que a susceptibilidade do nosso século, que não se
conforma com os privilégios consagrados. Há mesmo pessoas cujos escrúpulos são tão
estranhos que prefeririam ouvir blasfémias sobre Jesus Cristo à mais leve graça sobre
os Papas ou sobre os Grandes, principalmente quando deles dependem os seus
interesses"
Vd. ficha ERASMO 1945.
Vejamos agora tentativas de fichas ideográficas a partir de dois curtos textos, o
primeiro de Geoffrey M. Hodgson sobre o estado actual da teoria económica acessível
65
a todos.
TEXTO N.° 1
"Ao analisarmos as revistas académicas, somos confrontados com uma grande
quantidade de complexas teorizações e de técnicas econométricas. Contudo, as políticas
que os economistas conseguiram delinear a partir do seu arsenal teórico são, por norma,
simplistas e dominadas, acima de tudo, pela ideologia política que tem prevalecido até hoje.
Consciente ou inconscientemente, esta atitude é adoptada em geral pela maior parte dos
economistas. Apesar do alto grau de sofisticação formal, a carroça ideológica segue
quase sempre à frente dos bois teóricos.
Por exemplo, nos debates sobre propriedade pública versus privada, e sobre planeamento
versus mercado, a teoria económica pouco mais é, normalmente, que uma ténue cobertura
para um posicionamento ideológico muito convencional da esquerda, centro ou direita. O
invólucro teórico serve, em muitos casos, para dar uma cobertura de legitimidade e como
atractivo para o consumidor influente de pareceres económicos. É desta forma que certos
políticos, no poder ou na oposição, conseguem dar mais consistência aos seus preconceitos e
envolvê-los em roupagens académicas.
Os economistas nunca se podem libertar completamente da ideologia, nem sequer é
desejável que tentem fazê-lo, mas não podemos considerar satisfatória a situação actual em
que a ciência é posta a reboque da moda política do momento; além disso, o facto é ainda
menos aceitável quando as ideologias são tão toscas e tão gastas. Muitas delas já foram
criticadas, com efeito destrutivo sobre as suas ideias centrais, mas estas críticas são
alegremente ignoradas por muitos desses especialistas.
Juntamente com a manipulação abertamente ideológica da teoria económica, verifica-se
uma tendência constante para não se atribuírem recursos académicos suficientes à elaboração
de novas soluções para problemas económicos óbvios, não obstante a falência das políticas
económicas anteriormente postas em causa" (...) (a seguir o autor refere-se ao desemprego e
à pobreza que assolam a Europa e o mundo subdesenvolvido). (...) "Contudo, estes
problemas não figuram entre as principais preocupações da maioria dos economistas.
Pelo contrário, a corrente dominante da teoria económica funciona muitas vezes para os
teóricos, sobretudo, como um jogo estético que premeia com o avanço na carreira aqueles
que se tomam peritos no desenvolvimento das suas técnicas e conseguem produzir artigos
para as revistas, segundo um modelo e um estilo tantas vezes estultos. Um trabalho desse
género tem mais hipóteses de ser publicado e de se tornar `célebre' se estiver recheado de
formalismos matemáticos e de terminologia obscurantista do que se abordar, directa e
abertamente, os problemas prementes da actualidade".
Cf. G. Hodgson, Economia e instituições, 1994, pp.XII-XIII.
66
É naturalmente absurdo fazer uma ficha com a transcrição integral deste
texto. Mais vale, depois de fazer a ficha bibliográfica de base, elaborar uma ficha
ideográfica.
Comecemos pela ficha bibliográfica:
HODGSON (Geoffrey M.)
Economics and Institutions -A Manifesto for a Modern Institucional
Economics (1988), trad. port., Economia institucional - Manifesto para
uma economia institucional moderna, Lisboa, Celta, lª ed. 1994, 340 p.
(Trad. de Ana Barradas)
Notas, bibliografia.
A partir daqui podemos preparar as fichas ideográficas que a leitura do livro
revele necessárias, as quais funcionam como "apontamentos" ordenados por
assuntos e ordem alfabética, ou seja de fácil consulta posterior.
TEORIA ECONÓMICA DOMINANTE (Crítica da)
G. Hodgson (1994) critica as teorias económicas dominantes, quer dizer as
teorias liberais neoclássicas, demasiado preocupadas com uma grande
sofisticação formal (matemática) e dominadas por ideologias políticas na
moda. A sua utilidade social é tanto mais discutível que os mais
urgentes problemas económicos e sociais (desemprego, pobreza, etc.)
continuam por resolver na própria Europa.
Cf. G. HODGSON, Economia e instituições, 1994, pp. XII-XIII
O mesmo exercício com outro texto:
TEXTO N.° 2
"(...) Os governos que são obrigados a recorrer ao FMI (fazem-no porque, previamente),
aplicaram a maior parte do tempo em políticas desastrosas, em geral em proveito de uma
pequena minoria (e não se tornam) `virtuosos' de um dia para o outro. Não nos enganemos de
objectivo! Em contrapartida se o objectivo actual do FMI é criticável, é por uma razão
completamente diferente. Ao intervir, sob forma de concessão de empréstimos, para evitar o
67
afundamento do sistema bancário de um país emergente, quem é que, na verdade, o FMI
salva? Os que, bancos e investidores internacionais, emprestaram a esse sistema
bancário, a taxas em geral vantajosas porque, justamente, esse sistema apresentava riscos
elevados. Há aí, de facto, um escândalo do próprio ponto de vista da moral capitalista. Os
actores financeiros, que aceitam investir capitais com rentabilidade elevada mas com
risco elevado, deveriam eles próprios sofrer as perdas se o risco se manifestar.
Evidentemente, se o FMI intervém assim, é porque a falência desses actores
poderia gerar reacções em cadeia devastadoras para o sistema financeiro mundial no seu
conjunto. E em nome desse `risco sistémico' que o FMI tenta apagar o incêndio logo que
ele aparece, mesmo se para isso é preciso salvar os incendiários. Mas ao actuar deste modo,
uma vez que ele pede emprestado para poder emprestar, provoca o aumento das taxas de
juro e penaliza todos aqueles que têm necessidade de recorrer a empréstimos. Graças a
esse mecanismo, os ganhos, quando tudo vai bem, permanecem privados; mas as perdas,
quanto tudo vai mal, são socializadas."
Cf. GIRAUD (Pierre-Noel), Economie, le grand Satan?, Paris, Ed. Textuel, 1999, pp.
59-60.
a) Ficha bibliográfica de base:
GIRAUD (Pierre-Noel)
Economie. le grand Satan?,
Paris, Editions Textuel, 1999, pp. 59-60
(Bibliografia)
A partir daqui é possível fazer (tal como anteriormente) várias fichas, consoante
o que nos parece mais importante no discurso ou segundo a problemática que mais
nos preocupa no momento da sua leitura. A construção da ficha ideográfica é,
deste modo, em grande parte subjectiva, como já se observou.
FMI (Sobre a natureza das intervenções do)
A crítica principal às intervenções do FMI é de não sancionar as actividades
especulativas dos bancos e investidores internacionais. Quando estes
68
ganham os lucros são privatizados, mas quando perdem as perdas são
públicas, ou seja, oneram o contribuinte, o que é uma imoralidade do
próprio ponto de vista capitalista.
Vd. ficha GIRAUD 1999
Naturalmente que esta última ficha teve em conta unicamente o fragmento que
transcrevemos, e não todo o texto. Fizemos, por conseguinte, um corte artificial,
destinado tão-somente a ilustrar o nosso propósito. Por outro lado, em vez do título
"FMI" era perfeitamente possível ter escolhido "SISTEMA BANCÁRIO
INTERNACIONAL", "EMPRÉSTIMOS INTERNACIONAIS", "DÍVIDA
INTERNACIONAL", etc., ou ainda fazer "desdobramentos" em várias fichas (o
que acontece sobretudo com um texto mais longo onde são tratadas diversas
temáticas).
EXERCÍCIO DE RECAPITULAÇÃO
Das sete referências bibliográficas abaixo indicadas, quatro estão incorrectamente
elaboradas.
Diga quais são e porquê (correcção nas páginas seguintes).
1) LUTZ (Mark), Economiques for the Common Good - Two Centuries of Social
Economic Thought in the Humanistic Tradition, London, Routledge, 1999, 302 p.
2) MOURA (Francisco Pereira de), "Problemas do ensino da economia no primeiro ano da
Universidade", Separata do livro Nova Economia em Portugal, Lisboa, Faculdade de
Economia, Universidade Nova de Lisboa, 1989: 35-52.
3) VENÂNCIO (José Carlos), "A economia de Luanda e Hinterland no século XVIII: um
estudo de sociologia histórica", Lisboa, Estampa, 1996, 227 p.
4) MARGARIDO (Alfredo), Estudos sobre literatura das nações africanas de língua
portuguesa, A Regra do Jogo, 1980, 562 p.
5) GONÇALVES (António Custódio), Kongo, le lignage contre l'État, Lisboa, Instituto de
Investigação Científica Tropical/Universidade de Évora, 1985, 266 p. (Prefácio do
Prof. Albert Doutreloux. Inclui: léxico. bibliografia, anexo, mapas, fotos).
6) ROMÃO (António), Coordenação de, Comércio Internacional - Teorias e técnicas,
Lisboa, ICEP-Instituto do Comércio Externo de Portugal, 1991, 294 p.
69
7) CASTRO (Armando Antunes de), Quadros institucionais do comércio internacional: o
GATT e a CNUCED, in ROMÃO 1991: 105-134.
CORRECÇÃO
As referências erradas são as dos números 2, 3, 4 e 7.
Referência N.° 2:
MOURA (Francisco Pereira de), "Problemas do ensino da economia no
primeiro ano da Universidade", Separata do livro Nova Economia em
Portugal, Lisboa, Faculdade de Economia, Universidade Nova de Lisboa,
1989: 35-52.
Dissemos anteriormente que os títulos de livros, revistas e jornais devem estar
sublinhados ou itálico. Esta regra aplica-se, de uma maneira geral, a todas as
publicações autónomas ou isoladas (quer dizer, que não estejam inseridas noutras).
O texto do Prof. Francisco Pereira de Moura foi inicialmente publicado num
livro colectivo. Neste caso, porém, não estamos perante o artigo a partir do livro (o
título estaria de facto entre aspas) mas confrontados com uma separata, ou seja com
uma publicação autónoma, o que impõe que o título seja sublinhado ou em itálico.
Logo a seguir vem a indicação do título do livro (Nova Economia em
Portugal) que não está nem sublinhado nem em itálico, como deveria, o que é
igualmente um erro.
Correcção:
MOURA (Francisco Pereira de), Problemas do ensino da economia no
primeiro ano da Universidade, Separata do livro Nova Economia em Portugal,
Lisboa, Faculdade de Economia, Universidade Nova de Lisboa, 1989: 35-52.
Referencia N.° 3:
VENANCIO (Jose Carlos), "A economia de Luanda e Hinterland no
70
seculo XVIII: um estudo de sociologia hist6rica", Lisboa, Estampa,
1996, 227 p.
Trata-se, como é evidente, de um livro (o número de paginas mostra-o).
A indicação bibliográfica está errada uma vez que o título se encontra entre aspas.
Correcção:
VENANCIO José Carlos), A economia de Luanda e Hinterland no século
XVIII.• um estudo de sociologia histórica, Lisboa, Estampa, 1996, 227 p.
Referencia N.° 4:
MARGARIDO (Alfredo Estudos sobre literatura das nações africanas de
língua portuguesa, A Regra do Jogo, 1980, 562 p.
Aqui as referências estão correctas mas falta uma indicação indispensável: o local
da edição.
Correcção:
MARGARIDO (Alfredo Estudos sobre literatura das nações africanas de
língua portuguesa, Lisboa, A Regra do Jogo, 1980, 562 p.
Referencia N.° 7
CASTRO,(Armando Antunes de), Quadros institucionais do comércio
internacional: o GATT e a CNUCED, ROMAO 1991: 105-134.
0 erro neste caso provem do facto de o texto de Armando Antunes de Castro
não estar em itálico nem entre aspas. Ficamos sem saber o que é exactamente, embora
adivinhemos que se trata de um artigo inserido num livro colectivo coordenado ou
dirigido por Antonio Romão. Podemos indicar a fonte como ROMÃO 1991: 105-134,
71
desde que, evidentemente, na mesma bibliografia ponhamos igualmente a referência
numero 6 completa.
Correcção:
CASTRO Armando Antunes de "Quadros institucionais do comércio
internacional: o GATT e a CNUCED", ROMÃO 1991: 105-134.
CAPÍTULO 3 - "Radiografia" de um texto
• Observação preliminar:
Chamamos "radiografa" de um texto uma operação global que consiste em pôr em
relevo os conceitos principais e secundários, situando imediatamente o sentido do discurso.
Para maior clareza utiliza-se o gráfico de circunferências concêntricas - espécie de alvo dividido em zonas numeradas a partir do centro.
Na zona 1 estão teoricamente os "conceitos-chave ", ou seja as ideias principais às quais
o discurso está em parte ou totalmente subordinado. À medida que nos afastamos do centro
do "alvo", caminhamos para ideias cada vez mais "secundárias " em relação ao cerne do
texto (zonas 2, 3, 4, etc.).
É um exercício útil. Ajuda-nos a adquirir o hábito de situar os limites exactos do que
queremos discutir, evitando que nos dispersemos em várias direcções.
Saber distinguir, numa determinada situação e em relação a um objectivo bem
definido, o que é "principal" e o que é "secundário", não é uma questão de somenos
importância mas um verdadeiro aferidor de rigor intelectual.
• Ideias principais e secundárias
TEXTO N.° 1
"Nesse primeiro estádio informe da sociedade, que precede a acumulação dos
capitais e a apropriação do solo, a única circunstância que pode fornecer uma
regra para as trocas é, segundo parece, a quantidade de trabalho necessário para
adquirir os diferentes objectos de troca. Por exemplo, se num povo de caçadores
se despende habitualmente duas vezes mais de esforço para matar um castor do que para
matar um gamo, naturalmente um castor trocar-se-á por dois gamos, ou valerá dois
72
gamos. É natural que o que é ordinariamente o produto de dois dias ou de duas horas
de trabalho, valha o dobro do que é em geral o produto de um dia ou de uma hora
de trabalho.
Se um género de trabalho for mais penoso do que outro, tomar-se-á evidentemente em consideração o aumenta da fadiga, e o produto de uma hora desse
trabalho poderá trocar-se, em regra, pelo produto de duas horas de outro trabalho.
Do mesmo modo, se um trabalho exige um nível elevado de qualificação ou de
destreza, a estima que os homens têm por essas qualidades acrescentará sem dúvida
ao seu produto um valor superior ao que seria devido pelo tempo empregue na
execução. É raro que tais capacidades se adquiram doutro modo que por uma longa
prática, e o valor que se atribui ao seu produto não é, muitas vezes, mais do que
uma compensação justa do tempo e do esforço empregues a obter essas
capacidades.
No estado avançado da sociedade, toma-se em regra em conta, nos salários dos
trabalhos, o que é devido à superioridade de habilidade ou de fadiga, e é verosímil
que se tenha agido mais ou menos da mesma maneira nos primórdios da nossa era.
Nestas circunstâncias, o produto do trabalho pertence por completo ao trabalhador, e a quantidade de trabalho em geral empregue a adquirir ou a produzir um
objecto é o único factor que pode medir a quantidade de trabalho que este objecto
deverá comprar, encomendar ou obter em troca.
Quando houver capitais acumulados nas mãos de certos particulares, alguns
deles utilizarão sem dúvida esses capitais para empregar trabalhadores, a quem
fornecerão ferramentas e materiais, a fim de obter um lucro com a venda dos seus
produtos, ou com que o trabalho desses operários acrescenta ao valor dos materiais.
Quando a obra acabada é trocada por dinheiro, por trabalho ou por outras mercadorias, é
necessário que, para além do que poderia bastar para pagar o preço dos materiais e os
salários dos operários, haja ainda qualquer coisa em suplemento para os lucros do
empresário que arrisca os seus capitais no investimento. Assim, o valor que os
operários acrescentam à matéria, divide-se em duas partes: uma paga os salários, a
outra os lucros que obtém o empresário das somas que lhe serviram a adiantar esses
salários e o material para trabalhar. O empresário não teria interesse em empregar
operários se não esperasse da venda do produto qualquer coisa mais do que a
substituição do seu capital, e não teria incentivo em investir um grande capital em vez
de um pequeno, se os lucros não estivessem relacionados com o montante investido.
Os lucros, dirão alguns, não são mais do que um nome diferente dado ao
73
salário de uma espécie particular do trabalho: o trabalho de inspecção e de
direcção. Contudo, eles são de uma natureza absolutamente diferente dos
salários; regem-se por princípios distintos e não estão de modo algum relacionados
com a quantidade e a natureza desse pretenso trabalho de inspecção ou de direcção. Os
lucros são determinados inteiramente pelo valor do capital investido, e são mais
ou menos elevados proporcionalmente ao seu montante".
Este texto encontra-se em:
- Edição inglesa: SMITH (Adam), The Wealth of Nations, Londres (1776), Penguin
Books, 1974, pp. 150-151.
- Tradução francesa: SMITH (Adam), Recherches sur la nature et les causes de la
74
richesse des nations - Les grands themes, Paris, Gallimard, 1976, pp. 7173.
COMENTÁRIO AO TEXTO N.° 1 (Adam Smith):
Recapitulemos:
Imagine o leitor que é jornalista e deverá publicar este extracto no seu jornal. Para
esse efeito terá de dar-lhe um título que o resuma ou que vá o mais possível à essência
do seu conteúdo. Evidentemente que se um tal título utilizasse fundamentalmente a
palavra-chave emprego (suponhamos: "O problema do emprego para Adam Smith ")
estaria desde logo bastante longe da sua compreensão exacta (estaria na ZONA 7,
por hipótese).
Já a utilização da palavra valor e sobretudo do conceito valor-trabalho provaria
que tinha captado o "conceito-intersecção", chamemos-lhe assim, verdadeiro lugar
geométrico
do
discurso
apresentado
(na
ZONA
1).
Numa
palavra,
teria
compreendido o sentido do raciocínio.
Em contrapartida o conceito de trabalho (sozinho), embora estivesse ainda muito
próximo da ZONA 1, não teria o mesmo impacto porque a sua significação (enquanto
conceito isolado, repete-se) é mais "aberta" ou, se quisermos, susceptível de vários
sentidos e não na acepção mais particular do texto. Por isso o conceito trabalho
estaria quando muito na ZONA 2.
EM RESUMO: quanto mais nos aproximamos da ZONA 1, mais próximos
estaremos dos "conceitos-chave", das ideias principais e, por conseguinte, da
interpretação fiel do discurso. Quanto mais nos afastamos dessa zona (6, 7, 8... por
exemplo), mais a nossa "leitura" vai perdendo rigor em relação ao que é fulcral na
exposição.
O exercício é, naturalmente, um pouco simplista, mas creio que não deixa de ter
sentido pois tem aplicações constantes na prática de todos os dias e, evidentemente,
nos trabalhos académicos.
Um dos problemas mais correntes e que todos os estudantes conhecem, é o
da distinção entre o que é essencial e o que é secundário. Quanto menos se co
nhece a matéria ou menos experiência se tem, maior é a dificuldade em separar
os dois níveis. Quando isso acontece, por exemplo quando o estudante prepara
75
um relatório que implica uma análise de factos e problemáticas, se dominar mal
a questão que está a tratar, irá provavelmente consagrar uma página a uma
questão fundamental e igualmente uma página (ou mais) a uma questão per
feitamente subsidiária, caindo desde logo numa amálgama sem uma hierar
quização lógica e equilibrada. Mostra desde logo que não domina minimamente
a problemática que está a analisar, confundindo o "essencial" e o "secundário".
A um outro nível, imagine alguém - um dirigente, empresário ou político,
por exemplo - cuja função é nomeadamente tomar decisões com consequências
empresariais ou sociais importantes. A despeito das muitas qualidades que o
possam eventualmente caracterizar, a verdade é que se não for capaz de distinguir
entre o "essencial" e o "secundário" não se vê muito bem que orientações
estratégicas minimamente lógicas poderão advir das suas decisões. É claro que pode
sempre atirar uma moeda ao ar, comprar uma rifa da sina na Feira Popular ou
consultar um astrólogo, mas é duvidoso que isso tenha qualquer coisa a ver com
racionalidade ou que as perspectivas propostas por esse dirigente com tais bases de
decisão sejam particularmente fiáveis...
TEXTO Nº 2
"A partir da década de 1980, observamos uma intensificação do processo de
internacionalização das economias capitalistas que se convencionou chamar de
globalização. Algumas das características distintivas desse processo são a enorme
integração dos mercados financeiros mundiais e um crescimento singular do comércio
internacional - viabilizado pelo movimento de queda generalizada de barreiras
proteccionistas - principalmente dentro dos grandes blocos económicos. Um dos traços
mais marcantes e que será crucial à análise apresentada é a crescente presença de
empresas transnacionais. Estas diferem bastante das corporações multinacionais típicas
dos anos 60 e 70, constituindo um fenómeno novo.
Neste contexto de internacionalização das decisões e de incrível mobilidade de
grandes massas de capitais - que têm, em larga medida, lógicas autónomas em relação
às decisões dos Estados nacionais - o espaço para a operação de políticas públicas vêse sensivelmente diminuído. A manipulação das próprias políticas monetárias é
afectada pela imensa massa de recursos que circula no mercado financeiro
internacional, cruzando as fronteiras nacionais. As políticas fiscais e os gastos
governamentais, por sua vez, encontram novos limites por ocasionarem efeitos
76
inflacionários que poderiam minar a competitividade dos produtos nacionais.
Por outro lado, a grande mobilidade das transnacionais gera um menor
compromisso (para) com os países (onde se encontra a sede das) suas actividades,
o que aumenta (o) seu poder de barganha vis-à-vis os Estados. Por outro, a
necessidade de elevar as competitividades sistémicas nacionais para garantir a
sobrevivência nesse mundo mais integrado acrescenta restrições para a obtenção de
recursos tributários adicionais. O processo de globalização, por essa e outras vias,
constrange o poder dos Estados, restringindo a sua capacidade de operar (os) seus
principais instrumentos discricionários".
Fonte: DUPAS (Gilberto), Economia global e exclusão social, S. Paulo, Paz e Terra, 1999, p. 14.
COMENTÁRIO AO TEXTO Nº 2:
Quais os conceitos e ideias que colocaríamos nas diversas zonas do "alvo" atrás
definido? Sem perder de vista que este exercício não escapa a uma certa
subjectividade, parece que poderíamos colocar nas diversas "zonas":
- ZONA 1:
- Internacionalização;
- Globalização.
- ZONA 2: Neste caso as ideias que colocamos na Zona 2 também poderiam estar
na Zona 1. Escolhemos pô-las aqui na medida em que (parece-nos)
contextualizam e explicam os primeiros, sendo-lhes todavia subordinadas:
- integração dos mercados financeiros mundiais;
- comércio internacional (crescimento exponencial);
- empresas transnacionais (expansão recente).
- ZONA 3:
- Menor compromisso das transnacionais para com os países;
- Enfraquecimento dos Estados.
TEXTO N.'3
(NOTA: Este texto, que faz hoje sorrir talvez, foi inicialmente publicado pela Documentation
Française da Direcção de Documentação do Secretariado Geral do Governo Francês. Foi
mais tarde reproduzido por J. Anciant e M. Germann como texto de trabalhos práticos do
seu livro Initiation aux faits économiques et sociaux (Paris, Ed. Masson), todavia com um
objectivo completamente diferente do nosso. Para Anciant e Germann tratava-se de suscitar
a discussão sobre a actualidade deste texto no início dos anos 70. Para nós interessa apenas
pôr em relevo as ideias "principais" e "secundárias", procurando situá-las nas zonas do
"gráfico-alvo" que apresentámos acima).
G. Ordjornikidzé (1886-1937) foi nomeado Presidente do Conselho Supremo
77
Económico Soviético em 10 de Novembro de 1930. Durante a preparação do
projecto do segundo plano quinquenal em 1932 e 1933, o objectivo da produção de
ferro fundido foi fixado em 18 milhões de toneladas. Perante o 17.° Congresso do
Partido Comunista, em Fevereiro de 1934, Ordjornikidzé defende os objectivos
propostos (extractos dos debates):
"... O camarada Estaline disse aqui que a nossa indústria siderúrgica está
atrasada, pois bem, se ela está atrasada, dirão alguns tipos astuciosos,
estabeleçamos um plano enorme, não fixemos o nosso objectivo a 18 milhões, mas
a 25 ou 30 milhões de toneladas. E pronto! Camaradas, a nossa ideia é que devemos
estabelecer para a indústria siderúrgica um plano que possa ser executado. E eu peço
que, em vez de 18 milhões de toneladas de ferro, o nosso objectivo seja de fundir 16
milhões em 1937 (Vozes na assistência: Apoiado! Apoiado!).
"Isso comparado com os 6,2 milhões produzidos em 1932 dá uma percentagem
de aumento de 260 %. Será uma percentagem desprezível?
"Molotov: Não, não é desprezível.
"Vorochilov, Vareikis, Kirov: Apoiado! Apoiado!
"Ordjonikidzé: Acho que este crescimento, estas taxas de crescimento são
leninistas-estalinistas, sem dúvida nenhuma. Não ultrapassamos o objectivo, não
propomos números exageradamente empolados: baseamo-nos na situação real e
poderemos realizar o plano a cem por cento (aplausos).
"Vozes na assistência: Apoiado! Apoiado!..."
COMENTÁRIO AO TEXTO Nº 3:
O texto é talvez um pouco insólito (alguns, com a distância no tempo, achá-lo-ão
mesmo divertido por outras razões que não interessam aqui), mas o exercício não
deixa de ser pertinente: encontrar a "ideia-chave" (ou as "ideias-chave") e, por
ordem de importância, as restantes, cada vez mais "secundárias" (em relação ao fio
condutor do discurso).
É uma tarefa importante, pois é a partir desse enquadramento e escalpelização que
se poderá passar à tarefa seguinte, que é a síntese.
Deste modo, colocar as ideias "principais" e "secundárias" no gráfico é como
plantar bandeirolas num campo aparentemente sem fronteiras.
Note-se no entanto que se o exemplo dado é relativamente simples, há casos
em que a sua dificuldade é considerável, especialmente quando pressupõem
78
leituras a vários "níveis" de complexidade. Note-se não obstante que a dificuldade
de interpretação de certos textos não deriva tanto da profundidade das ideias
expressas mas da falta de clareza dos autores (que estes confundem com
"profundidade" ou pretendem fazer passar por tal). Este último caso é menos
frequente do que se pensa. As razões podem ser de vária ordem mas, nalgumas
ocasiões, elas podem mesmo atingir os limites da desonestidade intelectual, o que é
ainda mais lamentável.
Voltando ao texto n.° 3: quando certo dia o propusemos a uma turma de
estudantes universitários, estes indicaram (após uns minutos de reflexão) uma lista de
ideias-chave que, na sua opinião, sintetizavam (ou correspondiam ao essencial) o
texto em causa. A ideia era a seguinte: supondo que cada um dos estudantes era um
jornalista e pretendia publicar o texto tal e qual no seu jornal, que título lhe daria?
Partia-se do princípio de que esse título, independentemente da "técnica" jornalística,
deveria ser conciso mas, ao mesmo tempo, traduzir o mais fielmente possível a
questão central ("ideia-chave" principal) do caso exposto.
Numa primeira fase, a lista apresentada foi a seguinte (sem hierarquização
alguma):
- A indústria soviética;
- A indústria siderúrgica;
- Basear-se sobre a produção da indústria siderúrgica;
- O estabelecimento de um plano para a siderurgia;
- Pôr de pé a indústria siderúrgica para poder fazer arrancar a planificação; - É
necessário basear-se na situação real para realizar de facto o Plano;
- É necessário aumentar a produção siderúrgica para restabelecer o equi
líbrio;
- Mais vale atingir integralmente os objectivos com um Plano modesto, do
que apenas uma pequena parte com números demasiado ambiciosos.
Finalmente chegou-se a um consenso. Por ordem:
ZONA 1 - "É preciso fazer uma planificação realista que esteja correlacionada com
as possibilidades e os recursos" (é a relação teoria/prática);
ZONA 2 - "Dificuldades da planificação siderúrgica na URSS";
ZONA 3 - Planificação da siderurgia na URSS";
ZONA 4 - "Indústria siderúrgica soviética";
ZONA 5 - "Indústria soviética".
Com efeito, "dificuldades" (Zona 2) está de facto mais perto do cerne do
79
texto do que a mera "planificação" (Zona 3), conceito relativamente mais aberto.
Por sua vez, "indústria siderúrgica" (Zona 4) é ainda menos preciso (em
relação ao que parece ser o sentido do texto, claro está) do que "planificação da
siderurgia" (Zona 3).
A ideia "indústria soviética" (Zona 5) encontra-se ainda mais afastada da
substância do discurso. Podemos considerar que, em si, esta Zona 5 abrange
todas as outras mas é a que menos especifica...
Em resumo: quando estiver a ler um texto, pergunte sempre a si próprio:
que título lhe poderia dar se quisesse que ele exprimisse, no menor número possível tle
palavras, o máximo da sua essência? Ou então: qual é a ideia-chave, a "diagonal
invisível" que atravessa este trecho e o define?
Não tenha receio: são raros os autores que nos submergem pela abundância
de ideias e (salvo em matérias especializadas nas quais devemos ter a
preparação técnica preliminar, como é óbvio) pela profundidade "inalcançável" das
mesmas.
A clareza das ideias
A hierarquização de ideias e conceitos de um texto está intimamente ligada à
sua inteligibilidade.
O que se disse anteriormente preocupa-se essencialmente com a leitura e
interpretação, mas, é claro, serve igualmente quando temos que expor por
escrito as nossas próprias opiniões. É implícito, quer numa simples carta particular
quer num texto de mais responsabilidade, que não podemos dispersarmo-nos em
considerações laterais, pouco relevantes para o assunto que queremos realmente
tratar. Devemos, pelo contrário, procurar a concisão e hierarquizar os conceitos, as
temáticas e, dentro destas, as problemáticas. Se se é jornalista e se está a noticiar um
acidente rodoviário, o que interessa ao leitor é conhecer as circunstâncias, o que
aconteceu, como aconteceu, quais as consequências e, eventualmente, quais as
ilações que se podem tirar do caso, e não ser informado que estava uma manhã
primaveril e que o sol despontava suavemente no horizonte...
Quanto à "clareza da exposição de ideias" a sua necessidade é evidente...
Não me refiro à Estilística literária, matéria que confio à competência dos
especialistas da literatura, sobre a qual não quero pronunciar-me. Limito-me a
reenviar os mais jovens para a leitura de um livrinho interessante: Elementos de
composição literária, de Abel-Guerra, publicado pela velha Livraria Apostolado da
80
Imprensa, do Porto, e cuja 4.' edição data de 1956.
O meu propósito é apenas chamar a atenção para a necessidade de se escrever
com clareza, não apenas abdicando de figuras de estilo desnecessárias fora do
campo propriamente literário, mas procurando que a análise, mesmo quando a
problemática tratada impõe maior densidade ou abstracção, preserve a inteligibilidade
da demonstração.
A clareza depende igualmente do rigor conceptual. Não pretendendo
desenvolver aqui este ponto, permito-me aconselhar a leitura do livro de Nadir
Domingues Mendonça".
Este autor relembra que "os conceitos são construções lógicas estabelecidas
de acordo com um quadro de referências", e adquirem o seu significado dentro do
esquema de pensamento no qual são colocados, usando cada ciência os seus
próprios conceitos para a comunicação dos conhecimentos. Assim, o conceito é
uma palavra que expressa uma abstracção formada pela generalização a partir dos
particulares. Uma exposição clara "requer que se utilize o termo mais adequado, capaz
de expressar através do seu significado o que realmente ocorre na realidade
empírica". O mesmo autor nota que "quanto maior a distância entre o que se quer
representar e o conceito empregado, maior o perigo de ser o conceito mal
compreendido e maior a necessidade de se cuidar a clareza e a precisão da definição"
(Mendonça 1985: 17-18).
Contudo, a leitura de certos textos pode revelar-se difícil ou mesmo tormentosa sem que a "culpa" seja necessariamente nossa como muitos leitores
(especialmente entre os mais jovens) são por vezes levados a pensar, atribuindo a
causa ao facto de os autores serem demasiado "profundos"...
Isso também acontece, sem dúvida. Há em todas as áreas do conhecimento
autores importantes considerados, a justo título, de abordagem mais ou menos
difícil, quer pela natureza das problemáticas quer pela subtileza das suas análises.
_______________
16
MENDONÇA (Nadir Domingues), O uso dos conceitos: uma tentativa de interdisciplinaridade, Petrópolis, Editora Vozes, 2.' ed. 1985, 177 p.
Por vezes a dificuldade de compreensão advém igualmente (pelo menos em parte)
da utilização de conceitos particulares ou adoptados num determinado sentido (por
exemplo termos como juízo "analítico ", "sintético ", "a priori " " a posteriori ",
etc., utilizados por Kant).
81
Também pode resultar de um estilo "literário" obscuro, ou de uma
exposição em que o pensamento se "desdobra" em níveis distintos, significantes para o
autor mas não perceptíveis, a uma primeira leitura, pelo estudante.
Há ainda casos em que o recurso abusivo a terminologias artificiais é merecedor de
reparo, sendo por vezes fustigado por alguns cientistas, como acontece com Jean
Hamburger, que escreve a propósito de certos dos seus colegas médicos:
"Para falar de etiologia, acontece empregar-se esse termo de maneira totalmente errada. A etiologia é a
ciência da causa, não a própria causa. É impróprio dizer que uma doença não tem aparentemente etiologia
(querendo dizer que ela não tem causa aparente), como seria impróprio dizer que a Holanda não tem
enologia para exprimir que não produz vinho. É muito mais simples comunicar ao paciente: `Não encontrei a
causa da doença', do que dizer: `Não encontrei a sua etiologia'. Yves Jeanneret comenta que o que é aqui
criticado é o abuso do jargão do duplo ponto de vista da clareza do pensamento e da sociabilidade da
conversação".
Evitemos as dicotomias quase sempre falaciosas: nem a obscuridade é
sinónimo de profundidade, nem a clareza quer dizer superficialidade.
Sem perder tempo com exemplos do primeiro tipo - a obscuridade do pensamento ou do estilo pode simplesmente ser uma forma hábil de esconder a falta
de ideias - limitemo-nos a relembrar que, no segundo tipo, Bertrand Russel expõe
sempre o seu raciocínio de maneira clara, mesmo em matérias de maior dificuldade,
sem que os seus leitores tenham a sensação de estar perante um filósofo superficial.
Infelizmente não é raro que em determinados círculos intelectuais ou profissionais se
confunda uma coisa com a outra:
Obscuridade = profundidade e clareza = superficialidade.
17
HAMBURGER (Jean), Introduction au langage de la médecine, Paris, Flammarion, 1982, p. 5, citado por
JEANNERET (Yves), Écrire la Science, Paris, PUF, 1994, p. 93.
Nos anos 60 era corrente em certos meios intelectuais parisienses considerar
Raymond Aron como um autor em certa medida "superficial", uma vez que o que
escrevia era entendido por "qualquer pessoa" (sic.). Em contrapartida, Jean-Paul
Sartre era levado muito mais a sério, em parte talvez por os seus escritos -
82
nomeadamente os filosóficos - serem de acesso mais difícil (se fizermos
abstracção dos parti pris políticos do momento ou da visão do mundo que cada
leitor tivesse). Mesmo se, na época, essa não era obviamente a razão principal da
maior ou menos notoriedade desses autores, não deixava de desempenhar um certo
papel em determinados círculos prejudicando - por razões diferentes - uma maior
divulgação do que então publicavam...
♣
A clareza é justamente uma das características da obra de Karl Popper, cuja
preocupação é constante nesta matéria. Cito, por exemplo, o famoso comentário que faz
de um texto de T. Adorno retomado por J. Habermas.
Nesse pequeno texto Popper não pretende negar o interesse destes filósofos (ou
pelo menos de Habermas), mas, tão-somente, pôr em evidência que um autor deve
"expressar-se de um modo claro e simples - de um modo que permita que seja
compreendido e avaliado - e de que esteja ciente da nossa ignorância fundamental e
responsabilidade para com os outros ".
Por outras palavras, a análise científica séria deve "incluir um esforço para
expressarmos as nossas ideias em linguagem simples e acessível, em vez de
jargão sonante. Este é um esforço que os afortunados que são capazes de se
dedicar ao estudo devem à sociedade "18.
O artigo foi publicado pela primeira vez em português no Brasil (em 197819), e,
mais recentemente (1999), em Portugal20. O excerto alvo da crítica de Popper é
apresentado no quadro a seguir, em duas colunas.
18
19
20
POPPER (Karl), O mito do contexto - uma defesa da ciência e da racionalidade, Lisboa, Edições 70, 1999,
pp. 101-102.
In POPPER (Karl), Lógica das ciências sociais, Brasília, Editora Universidade de Brasília, 1978, pp. 35-49
(capítulo "Razão ou revolução?").
In POPPER (Karl), O mito do contexto, op. cit., pp. 91-108, capítulo "Razão ou revolução?"
(tradução de Paula Taipas e de Artur Mourão).
Na primeira coluna está a tradução do original e na segunda "uma
paráfrase em linguagem simples daquilo que parece ser afirmado".
83
Clarificação de um texto
Tradução do texto original
Paráfrase em linguagem
simples
(proposta por K. Popper)
A totalidade social não possui uma
vida própria independentemente
daquilo que une e de que, por seu
lado, é composta.
A sociedade consiste em relações
sociais.
Produz-se e reproduz-se através dos
seus momentos individuais...
As várias relações sociais produzem
de algum modo a sociedade...
Essa totalidade já não pode mais ser
separada da vida, da cooperação e do
antagonismo dos seus elementos,
Entre estas relações encontram-se a
cooperaçãQ e o antagonismo; e visto
que a sociedade consiste nestas
relações é impossível separá-la delas.
do que um elemento pode ser
entendido apenas quando funciona
sem uma visão do todo que contém a
sua origem (Wesen, essência) no
movimento da própria entidade
individual.
O oposto também é verdadeiro: não
podemos compreender nenhuma das
relações sem a totalidade de todas as
outras.
K.Popper conclui que o conteúdo do texto original "é de uma trivialidade
absoluta", e Adorno, em particular, é acusado de se opor "conscientemente à
clareza" (Popper 1999: 106).
Esta severidade sobre a falta de clareza na exposição não é acidental na
medida em que constitui um dos pilares da metodologia de Popper.
Bryan Mage destaca bem este aspecto: "Raros (...) são os pensadores que se
deram ao trabalho, como Popper, de escrever de maneira clara. As ideias são tão
claramente apresentadas que chegam a mascarar a sua profundidade. Alguns leitores
foram a ponto de admitir que os escritos de Popper eram simples, talvez até um pouco
óbvios. Não perceberam a emoção e a excitação que deles podem ser retiradas. A
prosa de Popper é peculiar: magnânima e humana, com um misto de carga intelectual e
emocional que nos recorda o próprio Marx. Sob os argumentos esconde-se uma
força orientadora, a mesma grandiosidade e autoconfiança que se acha em Marx, a
mesma penetração e o mesmo alcance - mas um rigor lógico mais intenso".
____________
21
AGEE (Bryan), As ideias de Popper (1973), trad. port., S. Paulo, Cultrix, s/d, p. 17.
84
CAPÍTULO 4 - Leitura de um texto: etapas metodológicas
Há várias maneiras de "ler" um texto. Tudo depende daquilo que se procura. Para
uma simples tomada de conhecimento das linhas gerais de um livro, procede-se por
exemplo a uma leitura "em diagonal", folheia-se a obra, toma-se conhecimento do
conteúdo da introdução e da conclusão que são, em geral, curtas, utiliza-se o índice das
matérias ou ainda, para o esclarecimento de um ponto particular, o índice analítico,
sempre muito útil e, em certas obras, imprescindível.
O que vamos tentar aqui é a "desmontagem" de um processo de leitura,
analisando, dissecando, "espremendo" mesmo um pequeno texto, para extrair dele
o máximo possível de informações e de reflexões.
É um exercício - previno imediatamente - talvez excessivamente "perfeccionista", que não interessa muito aplicar tal e qual na prática mas que parece útil
para demonstrar "ao retardador", por assim dizer, a passagem da simples "leitura"
usual a uma leitura um pouco mais aprofundada, onde se capta não só o que o texto
diz, mas aquilo que sugere, permitindo até encadeamentos novos, contraditórios ou
não.
Ao dizer "um pouco mais aprofundada" estou, naturalmente, a colocar-me
dentro de determinados limites impostos pelos objectivos deste capítulo. Em certos
casos é evidentemente possível demonstrar que uma interpretação é parcelar,
superficial, discutível e até errónea à luz da filosofia, da psicanálise ou de qualquer
ciência particular. Mas mais vale ter um método com insuficiências do que não ter
método algum. O resto pode vir por acréscimo...
É evidente que ninguém passa directamente da leitura de uma obra (sobretudo
quando se trata de um trabalho dificil ou cuja matéria se conhece mal) a uma
conclusão ex-cátedra, como se milagre fosse. Quem acredita em tal ilude-se a si
próprio. Por detrás de cada observação, argumento ou tese, há um esforço intelectual
obscuro, longo e quase sempre penoso.
Podemos admitir, como aqueles que foram (e são) nossos mestres, que a
metodologia é a infra-estrutura da investigação, por muito modesta e limitada que
esta seja. É uma verdade conhecida, mas não será nunca inútil relembrá-la...
Este exercício dá, ao mesmo tempo, o ensejo de separar quatro coisas diferentes,
mas que nem sempre os estudantes ou os leitores em geral distinguem
perfeitamente: a ANÁLISE, o RESUMO, a SÍNTESE e a CONCLUSÃO.
Estes diferentes processos estão expressos no organograma a seguir. Antes de
85
passar à exemplificação do método enunciado neste capítulo, importa explicar o
organograma em causa.
Comentário do organograma
As figuras geométricas utilizadas no organograma têm, para melhor clareza do
nosso exercício, uma forma intencional.
Note-se que o gráfico está dividido em 7 colunas, cada uma preenchida por uma
figura.
A primeira coluna representa o texto integral, em "bruto", tal como se
transcreve a seguir.
A segunda coluna simboliza já o resultado de uma ou, de preferência, várias
leituras feitas de "caneta na mão", onde são anotadas as ideias principais e
secundárias do texto, as observações relevantes, etc., enfim o que nos permite fazer
uma desmontagem cuidadosa, ponto por ponto, do discurso. Operação essencial
que pode revelar ideias surpreendentes ou descobrir por detrás da retórica
simplesmente o vácuo. É a análise.
A terceira coluna corresponde a uma ordenação do discurso, destacando as
ideias fundamentais e as acessórias, pondo em relevo a sequência dos factos ou dos
argumentos segundo o plano do próprio autor ou em função de uma hipótese que
queremos destacar do seu texto.
A quarta coluna corresponde ao resumo, que é uma espécie de compressão do
texto. Quer dizer, a reprodução em miniatura das ideias principais (e mesmo das
secundárias) do autor.
A quinta coluna corresponde outra operação: a síntese, que é diferente do
resumo (daí termos representado o resumo e a síntese por duas formas geométricas
distintas) na medida em que aqui não se trata de realçar todas as ideias do texto,
nem mesmo as principais, mas tão-somente pôr em relevo a "ideia-chave" (ou "ideiaschave") do discurso naquilo que ele tem de fundamental (uma espécie de "moral da
história").
É evidente que a síntese é uma operação mais dificil e delicada do que o
resumo. Quase que poderíamos dizer que se o resumo é uma reprodução, a síntese será
uma recriação interpretativa, isto sem querer solenizar de mais uma tal definição...
A sexta coluna corresponde à conclusão, que deve ser cuidadosamente
distinguida da síntese, embora se possa confundir com esta. Mas só em parte,
porque na realidade vai mais além. Enquanto que a síntese punha em relevo o
86
essencial, a conclusão propõe uma resposta, anuncia uma tomada de posição, uma
escolha.
É por isso que, se no ensino, um professor pode (e deve) acompanhar os
estudantes em todas as etapas, da leitura à síntese, a sua missão termina (na
minha opinião) nesta última fase. Há quase sempre várias conclusões possíveis
segundo a visão pessoal que se tiver do problema. Por isso cada qual deverá tirar a
conclusão que lhe parecer mais adequada desde que disponha das informações e
elementos contraditórios suficientes. É evidente que nem o estudante (ou o leitor)
é um "robot" nem o professor é um domador de circo. O papel deste último não é ensinar
"o que pensar" mas, quando muito, "como pensar" com o rigor possível mas sem perder
de vista a autonomia e a liberdade de cada um, aluno ou leitor.
Evidentemente que está tudo ligado - por isso se disse que a imagem era
grosseira - e muitas vezes estamos em presença de um processo falsamente
objectivo, onde o estudante/leitor, julgando optar livremente, se move apenas num
espaço previamente delimitado, subtilmente enquadrado por uma metodologia
condicionante, onde a "liberdade" tem a rédea curta... Mas prolongar esta
discussão seria afastarmo-nos demasiado dos limites deste trabalho. Aqui fica
todavia a prevenção...
Enfim, na sétima coluna do organograma está a etapa das fichas que se
entender necessárias, tal como exemplifiquei anteriormente.
87
88
1ª Etapa: LEITURA DE TEXTO
(O texto a partir do qual faremos o exercício deste capítulo, foi publicado no jornal
francês Le Monde em 20 de Setembro de 1977. É uma crónica redigida pelo Professor
Dominique Desanti a propósito de um livro intitulado Travailler deux heures par jour
de Adret (pseudónimo de um colectivo de trabalhadores) publicado nesse mesmo ano.
Apesar de antigo, este escrito serve o nosso propósito de exemplificação sobre as etapas de
"desmontagem" de um texto. Mas, diga-se de passagem, também não perdeu
actualidade se tivermos presente o debate sobre "o fim do trabalho " que tem lugar
actualmente em toda a Europa.)
"Trabalho duas horas por dia. Título-choque, título-provocação. Tranquilizamnos: duas horas por dia é um símbolo, uma linha de horizonte. Há já bem quatro
gerações, Paul Lafargue, genro de Marx, publicava O direito à preguiça, e os seus
amigos censuravam-no por um título que tornava as suas reivindicações suspeitas.
Esse direito arrancámo-lo em parte: férias pagas, baixas por doença ou por
maternidade, “part-time”, horários “à lista”. Estas grandes vitórias deixavam inteiro
o carácter sagrado do trabalho. Contudo, a Bíblia tratou-o como uma maldição ligada à
exclusão do paraíso, lugar de eterno lazer. O que não impede que o progresso, o
crescimento, deidade nova, exijam o rendimento...
Mas se hoje os países industrializados já não podem fornecê-las, essas oito horas de
trabalho? Subsídio de desemprego alargado, codificado; pré-reforma; reforma
avançada; escolaridade, aprendizagem prolongada... Outras tantas confissões.
Quantas
máquinas
não
funcionam
a
pleno
rendimento;
quanto
pessoal
subempregado para não aumentar o desemprego. Em 1973, durante a greve dos
mineiros em Inglaterra, fábricas e escritórios, para economizar a energia, só abriam três
dias por semana; a produção não baixou ao mesmo ritmo. Um operário têxtil conta
que em França, em 1973, a sua fábrica, por falta de encomendas, tinha suprimido o
esgotante rolamento das equipas, os 3 x 8: os assalariados, libertos do trabalho da
noite, reviveram. Mas os velhos sindicalistas hesitavam perante o panfleto dos jovens
“Com trinta e duas horas vive-se melhor”: não seria expor-se ao eterno insulto
dos patrões: a “preguiça”?
O desperdício favorece o crescimento.
Sabemo-lo por economistas, como Ralph Nader: o desperdício está organizado
para favorecer o “crescimento”. Embalagens e impressos publicitários
enchendo os caixotes do lixo, fragilidade deliberada dos aparelhos electrodo-
89
mésticos, calculados para não serem reparados, nylon “fragilizado”, móveis e
imóveis fabricados para não durar. Falsas necessidades suscitadas, psicologicamente
impostas. Prestígio ligado não à posse de um meio de transporte mas à cilindrada
e à carroçaria dos automóveis, à marca do vestuário, ao equipamento em “gadgets”.
Os lazeres obtidos não dão "direito à preguiça": fizeram deles uma indústria.
Empregando assalariados, movimentando capitais, o lazer deixa de ser um pecado e
toma-se uma obrigação do "standing": os deveres do turista e do veraneante.
Falar do crescimento “ano zero”? É, no pior dos casos, um pecado contra a
expansão, grandeza da pátria, ou, no melhor, uma utopia. A França continua o país
industrializado da Europa, onde os horários são os mais longos e as desigualdades de
salários as mais fortes.
Contudo a ideia progride: porque é que os computadores e a automatização não
aliviaram os horários em vez de reforçar o esgotamento dos assalariados? Neste
livro, empregados e operários ousam confessar que preferem restringir o seu
consumo para ter tempo de viver. E perguntam porque é que os computadores e a
automatização, em vez de estafar os que os servem, não serviriam para aliviar os
horários?
Este livrinho onde os trabalhadores reflectem ao mesmo tempo que
descrevem o seu trabalho, e onde os intelectuais “cimentam” os exemplos, é
talvez a andorinha duma nova tomada de consciência".
(Dominique Desanti, Le Monde, 20/09/77)
2.a Etapa: ANÁLISE
(o esqueleto do texto)
Depois da reprodução do texto e da sua leitura (coluna 1 do organograma)
passamos agora à análise propriamente dita (que se pode observar na
coluna 2):
A análise do texto de D. Desanti consiste em pôr em relevo as ideias principais,
acompanhando-as eventualmente, ao mesmo tempo, de comentários ou reflexões
pessoais, e em certos casos de referências bibliográficas, na hipótese de nos
socorrermos doutros autores.
Referimo-nos a uma análise "não formalizada", para uso pessoal e não ainda
90
sob forma de um texto estruturado e devidamente redigido. Neste último caso a
apresentação seria diferente.
Vejamos agora o esquema proposto, o "esqueleto" do texto, digamos,
relembrando de novo que se trata de uma sugestão entre outras possíveis:
1. "Trabalhar duas horas por dia": título insólito exprimindo uma ideia que já era
defendida no fim do século XIX (ver também Thomas More) por Paul Lafargue.
Curiosamente ela nunca encontrou muito eco junto dos sectores da esquerda política,
ditos "progressistas". Nos nossos dias a situação não é radicalmente diferente e a
questão pode considerar-se "controversa" 22.
2. 0 trabalho reveste-se assim de um carácter "sagrado", não completamente
desprovido de ambiguidade. É necessário enquadrar o conceito numa perspectiva
histórica, já que na escala de apreciação “moral”, a noção passou de um extremo ao
outro: outrora o trabalho “aviltava”, hoje “enobrece”. Vitória das ideias burguesas a
partir sobretudo do século XVIII23.
3. Contradição todavia: o crescimento económico e o "progresso" (conceito a redefinir)
exigem uma melhoria da produtividade, ou seja uma determinada intensidade de
trabalho por unidade de tempo ou unidade produzida, o que coloca o problema da
tecnologia e dos progressos tecnológicos. O que acontece porém se a tecnologia,
em vez de permitir mais lazer (como se esperava), contribui para o aumento de
___________
22
Ver FERRAROTTI (Franco), Uma sociologia alternativa. Trad. port., Porto, Afrontamento, 1976
(em particular os capítulos 10 a 17); LAFARGUE (Paul), Le droit à la paresse, Paris, Maspéro, 1970
(há uma tradução portuguesa); BERGER (Claude), Marx, l'association, l'anti-Lénine - Vers l'abolition
du salariat, Paris, Payot, 1974; TOURAINE (Alain), La société post-industrielle, Paris, Dentel, 1969
(em particular o capitulo IV. Há uma tradução portuguesa). Outros títulos: REICH (Robert B.), O
trabalho das nações, Trad. port., Lisboa, Quetzal, 1996; RIFKIN (Jeremy, The End of Work - The
Decline of the Global Labor Force and the Dawn of the Post-Market Era, New York, 1995; MEDA
(Dominique), Le travail, une valeur en voie de disparition, Paris, Aubien, 1995 (há uma tradução
portuguesa); CASTEL (Robert), Les métamorphoses de la question sociale - Une chronique du
salariat, Paris, Fayard, 1995; LARROUTUROU (Pierre), Pour la semaine de quatre jours - Sortir du
piège des 35 heures, Paris, La Découverte, 1999.
23 À volta deste tema ver eventualmente: SOMBART, Le Bourgeois, Paris, Payot, 1966; BESNARD
(Philippe), Protestantisme et capitalisme, Paris, Colin, 1960; SMITH (Adam), Riqueza das nações, trad.
port., Lisboa, Gulbenkian, 2 vols., 1980 e 1983; SMITH (Adam), The Theory of Moral Sentiments,
Indianopolis, Liberty Fund, 1984 (há uma tradução espanhola: La Teoria de los Sentimientos Morales,
Madrid, Alianza Editorial, 1997, com uma introdução de Carlos Rodriguez Braun. Mais recentemente
saiu igualmente uma tradução francesa: Théorie des sentiments moraux, Paris, PUF, 1999).
91
desemprego
dos
trabalhadores
“dispensáveis”
(como
parece
acontecer
actualmente), segundo certos autores? As várias medidas sociais - pré-reforma,
escolaridade... - estão entre as possibilidades de resolução das contradições do
sistema ou são, como pretende o autor, outras tantas "confissões" de impotência?
(Ver Illich, por exemplo)24.
4. 0 que leva a colocar o problema seguinte: é possível diminuir o número de horas de
trabalho sem diminuir o rendimento? Para muitos, a tecnologia moderna permite
responder afirmativamente a esta questão. Se assim for, a contradição (ou o
“estrangulamento”) reside não no plano económico e técnico mas no plano político25.
5. Daí a reivindicação das novas gerações: trabalhar menos para viver melhor. A
“preguiça”, entendida como o direito a usufruir a sua própria vida, quer dizer, autorealizar-se, é desde logo assumida como uma arma contra as instituições
bloqueadoras, públicas ou privadas.
6. Um dos absurdos em que teria caído o sistema económico estaria expresso no
ilogismo: organizar o desperdício para favorecer o crescimento. Ter-se-á assim caído
no "crescimento pelo crescimento" onde o homem é um meio e não um fim,
negação dos princípios por que se rege a sociedade democrática e mesmo dos
próprios valores religiosos.
7. Em vez de assumir essa contradição em termos económicos, políticos e sociais
num projecto global, o sistema apresenta uma contraproposta parcial, quase
exclusivamente preocupada com o sector económico, que é considerada como uma
“fuga para a frente” e que se poderia resumir na palavra integração (ou
recuperação).
8. A própria “ideologia” do lazer, no início reivindicação daqueles que subordinam o
trabalho ao modo de vida (ligada à qualidade de vida) e não o inverso, é
transformada numa "indústria" que a reproduz sob forma de “modelos culturais
standardizados” como qualquer outra mercadoria.
_______________
24 ILLICH (Ivan), Celebration of Awareness, Deschooling Society, ou ainda: Tools for
Conviviality, entre outros trabalhos deste autor estimulante.
25 Vd. por exemplo: HUSSON (Michel), Miséria do capital - Uma crítica do neoliberalismo,
Lisboa, trad. port., Terramar, 1999.
92
9. Do mesmo modo, o “crescimento zero” (ver trabalhos do Clube de Roma), ideia
que obedeceria a um sentimento similar de instintiva revolta, antes mesmo de traduzir
a possibilidade sócio-económica de uma resposta política (no sentido amplo do termo),
encontra na sociedade uma recusa brutal (“pecado” contra o crescimento) ou subtil
(“utopia”) que é a expressão de um desajustamento bloqueado. Para muitos, se essa
sociedade não consegue resolver a contradição, é porque tenta "recuperar"
economicamente sem reformar social e politicamente ou, por outras palavras,
porque não é capaz de pôr em causa certos princípios que atingem os seus alicerces:
atitude conservadora.
10. Todavia a ideia “contestatária” permanece viva. O livro a que Desanti faz referência
era de facto um sinal nos anos 70. 0 autor, Adret, era um colectivo onde se
encontrava um empregado dos correios, uma secretária, um operário do têxtil, um
operário reformado, um estivador, um professor e um investigador científico.
Passaram-se mais de 20 anos depois dessa publicação e há lugar para reflectir
sobre a sua actualidade. Nos últimos anos autores prestigiosos continuam a
levantar esses mesmos problemas. Tudo indica que o século XXI será o palco de
novas e cada vez mais aceradas controvérsias sobre a questão do trabalho.
Observações finais:
Acabámos de ver que esta 2.' etapa (ANÁLISE) é uma interpretação ou,
mesmo, uma reinterpretação do texto. Nela "vasculhamos" o pensamento do
autor, anotando, paralelamente, reflexões nossas e, se possível, novas pistas. Numa
palavra, procedemos a uma desmontagem/remontagem...
Se a simples leitura é o ver fazer, a análise consiste no ver-se fazer, fazendo: a
fórmula é um tanto rebuscada, reconheço, mas a operação teórico-prática que
implica é afinal relativamente simples e pode ser considerada como uma base
privilegiada do conhecimento26.
______________
26
Note-se, aliás, quanto é vão pretender "conhecer" uma obra - sobretudo quando ela ultrapassa
uma certa dimensão e é rica em ideias - "lida" uma só vez, apressadamente se não superficialmente. É
uma presunção lamentável que inquieta pela sua frequência. Uma obra lê-se ou, o que vem ao mesmo,
medita-se de caneta na mão.
93
Pouco a pouco as “partes constitutivas” do texto assim dissecado aparecem mais
nitidamente (ver etapa 3, a seguir) com os seus defeitos e qualidades. A “infraestrutura” torna-se cada vez mais clara e evidente. É-nos então mais fácil arrumar
ideias, demarcar limites, assinalar transições. Já não estaremos submergidos pelo
discurso: dominamo-lo. E dominando-o, podemos até impor-lhe (ou propor) o nosso
próprio discurso...
3ª Etapa - A INFRA-ESTRUTURA DO TEXTO
(as partes constitutivas)
A análise favoreceu um conhecimento do texto que permite agora uma mais
fácil divisão em partes, visualizando, como diria um músico, a sua orquestração.
Quando o autor não teve a preocupação de introduzir subdivisões (por exemplo
subtítulos) ou de estruturar um plano claro e perceptível, anunciado na introdução e
aplicado no desenvolvimento, este exercício de desmontagem e remontagem é
imprescindível: clarifica as ideias e estabelece a plataforma sobre a qual se construirá
posteriormente a síntese.
Relembro todavia que tal prática não se impõe necessariamente, em especial
num texto tão curto como o que foi apresentado. Convém entendê-la neste caso
como um exemplo cómodo a aplicar a textos longos, nomeadamente quando a sua
estrutura não é evidente. Do mesmo modo a divisão que se propõe no quadro junto
(ver quadro “A infra-estrutura de um texto”) é uma mera hipótese que não pretende
ser a única possível nem mesmo a melhor.
Podemos admitir, no entanto, que agora temos uma melhor visão de conjunto
do discurso utilizado (e do “infra-discurso” subjacente), um pouco como se,
instalados num avião, avistássemos o campo inteiro sem nos perdermos em
obstáculos secundários.
Assim: temos uma divisão do trecho em três partes (coluna 3 do organograma), cada uma delas assentando numa espécie de plataforma teórica (extraída
da coluna 2):
1ª PARTE - Constatação e delimitação do campo exploratório
(posição do problema);
2ª PARTE - Defesa do sistema vigente (tese);
3ª PARTE - Crítica do sistema (antítese).
94
95
4ª Etapa - O RESUMO
A prático do resumo é útil, em particular no caso de determinadas fichas ou na
tomada de apontamentos completos. Fazer um "resumo de texto" é uma prova que
existe nos países europeus em determinados exames e concursos com um forte
coeficiente de valoração27. Não vamos tão longe. Basta - e é com essa intenção que o
introduzo aqui - mostrar a diferença entre o resumo e a síntese, objecto de tantas
confusões entre os estudantes (e não só).
O resumo não é uma análise crítica, nem um comentário de texto, mas também não
é uma "redução mecânica proporcional" 28. Nele o estudante tenta estabelecer o
difícil equilíbrio entre a fidelidade absoluta à sua fonte e determinada autonomia
pessoal que escolhe e distingue entre o que é mais ou menos relevante.
Vamos tentar dar um exemplo a partir de um resumo do texto de Desanti.
________________
27
28
CAILLARD (P.) et LAUNAY (C.), Le résumé de texte, Paris, Hatier, 1975. 28 Ibidem, p. 12
Ibidem, p. 12
96
Resumo
do artigo de D. Desanti
"Trabalhar duas horas por dia" é menos um plano rígido do que um símbolo
revelador de uma constatação fundamental, na linha de ideias há muito defendidas
por autores como P. Larfargue, mal aceites, aliás, tanto pelas instituições vigentes
como pelos seus críticos. Assim, até aos nossos dias, o trabalho mantém o seu carácter
"sagrado" necessário à acumulação e crescimento da economia.
Necessidade transformada em imperativo moral, ao mesmo tempo dever e
direito, revela uma contradição: as economias industrializadas, mesmo em crise,
mantêm o dever sem garantir todavia o direito...
As reformas revelaram-se insuficientes para resolver a contradição, falhando na
harmonização pretendida entre os fins (qualidade de vida) e os meios (trabalho),
mesmo quando o avanço científico oferece às
sociedades instrumentos tecnológicos poderosos.
Para não pôr em causa os fundamentos da sua própria estrutura (mercadoria,
propriedade, lucro, trabalho assalariado, etc.), a economia moderna procurou uma
resposta no ciclo: desperdício-crescimento-desperdício. Uma tal solução começa a
ser fortemente contestada pelos grupos sociais que, ao discurso tradicional do
homem ao serviço da máquina, opõem o contradiscurso da máquina ao serviço do
homem, numa sociedade com menos necessidades artificialmente criadas e maior
equilíbrio nas suas finalidades.
O livro de Adret é um dos sinais anunciadores, nos anos 70, dessa tomada de
consciência colectiva. Os anos posteriores vieram confirmar essa contestação.
97
5ª Etapa - A SÍNTESE
(Diferente do resumo, a SÍNTESE preocupa-se apenas com a
ideia-chave do discurso, a que poderíamos chamar "a moral
da história ").
O carácter "sagrado" do trabalho não é uma fatalidade "natural" mas o resultado do
advento da burguesia a partir do século XVIII. A sua transformação do estatuto de
"necessidade" ao estatuto de "imperativo absoluto" decorre, antes de mais, da lógica de
acumulação e do crescimento do capitalismo comercial e industrial e da percepção que
se tem do "trabalho" em cada época.
Mas a nova situação conduz a uma tomada de consciência colectiva que põe em
causa a nova "sacralização": o homem deve trabalhar para viver melhor e não
viver para o trabalho.
O progresso científico e tecnológico toma teoricamente possível essa exigência, a
qual esbarra com a resistência dos interesses e das mentalidades. Se os obstáculos
são económicos e técnicos, são também políticos e sistémicos. Deste modo a questão
do "trabalho" permanece central no debate sobre a concepção de sociedade.
98
6. 8 Etapa - A CONCLUSÃO
A conclusão é uma tomada de posição, um ponto de vista que decorre da
argumentação precedentemente desenvolvida. Ela distingue-se, por consequência, do
resumo e da síntese. Tratando-se de uma "opção", é naturalmente possível chegar a
várias conclusões diferentes, as quais dependem da "linha de demonstração"
escolhida. De certo modo este ponto está normalmente fora das atribuições do
professor: o estudante deve tirar, autonomamente, as suas próprias conclusões desde
que fundamentadas.
A proposta apresentada a seguir é, desde logo, meramente indicativa.
Conclusão
A sacralização do trabalho, que acompanhou a ascensão da burguesia, é em grande
parte o véu ideológico que justifica a acumulação, cujos principais beneficiários são as
classes dominantes.
O desperdício racionalizado, que resulta de um crescimento visto cada vez mais como
fim em si, conduz a um círculo vicioso económico (e ambiental) e a um impasse social.
Contudo o desenvolvimento científico e tecnológico permite reduzir o tempo de trabalho
e melhorar a qualidade de vida. Esse resultado, apesar dos progressos registados nas
últimas décadas, só será plenamente atingido se vencer as resistências e interesses
organizados, ou seja quando o trabalho deixar de ser uma mercadoria para se transformar num
meio de realização do homem.
♣
Terminadas as várias etapas da "leitura" do texto, podemos agora mais
facilmente distinguir cada uma delas em função dos seus objectivos próprios.
Notemos, porém, que não é imprescindível percorrer todas as etapas. Quanto
maior for a prática e a maturidade do estudante, mais facilmente passará da ANÁLISE
à SÍNTESE e mesmo, eventualmente, à CONCLUSÃO.
Neste exemplo, o intuito principal foi, para empregar uma imagem, abrir o
relógio e espreitar para o interior para ver como funciona o mecanismo.
Uma vez essa operação concluída, mais facilmente se procederá à elaboração
de fichas.
99
Veremos a seguir um exercício global de recapitulação do que atrás foi dito.
Este exercício está expresso em dois gráficos:
1.° gráfico - "Do texto às fichas ";
2.° gráfico - "Das fichas ao texto".
A este exercício de recapitulação chamarei (sem grande rigor, diga-se de
passagem) o MÉTODO DEDUTIVO E INDUTIVO.
7ª Etapa - Exercício de recapitulação:
método dedutivo e indutivo
Do texto às fichas (gráfico)
Este gráfico representa esquematicamente o processo de conciliação do trabalho
"em casa" com o trabalho na aula.
Por exemplo: discussão, na aula, de um texto.
Em geral o que acontece é que os estudantes lêem (rapidamente!) o texto em
questão e tomam, na melhor das hipóteses, algumas notas.
Não somente ele é inevitavelmente mal dissecado mas, sobretudo, os
respectivos argumentos (já que vai haver uma discussão da aula) não são coordenados num plano onde as ideias se encadeiam como seria recomendável.
O resultado é uma discussão caótica onde toda a gente diz o que lhe passa pela
cabeça, ultrapassando raramente o nível da simples "opinião", embora essa opinião
possa ser muitas vezes interessante.
Não se pratica o diálogo concertado para tentar chegar, se não a uma conclusão
pelo menos a uma síntese com o mínimo de rigor. Pelo contrário, demasiadas vezes
os monólogos cruzam-se sem encontrarem uma plataforma comum e a discussão
perde-se nos detalhes, nada se construindo...
Todos os professores conhecem esse tipo de situação reveladora de uma
desesperante falta de método. Se não se chega ao caos do antigo e popular programa
televisivo: "Conversa da treta", o resultado pode não ser muito melhor...
O ponto de partida (o texto) tem de ser claro, os conceitos perceptíveis (ou
previamente explicados), os objectivos definidos e a metodologia a adoptar evidente
100
para todos. Em seguida deve-se proceder por fases (ideias principais, explicitação
das ideias, divisão do discurso, etc.).
O gráfico a seguir tenta mostrar um caminho viável que vai do texto às
fichas:
Flecha 1 - Postos perante um texto, os estudantes devem proceder à sua "leitura", quer
dizer lê-lo pelo menos duas ou três vezes segundo a sua dificuldade,
sublinhando-o e anotando-o (estas últimas operações somente após a segunda
leitura).
Flecha 2 - Em seguida é preciso analisar ("dissecar") o discurso, procurar se
possível um complemento bibliográfico para esclarecer dúvidas (conceitos mal
explicados, referências a autores ou teorias citados mas não analisados, etc...).
Esta fase da análise permite construir depois um plano mínimo de discussão,
onde as ideias, teorias, interrogações, são arrumadas com cabeça, tronco e
membros...
Flecha 3 - Esta flecha marca, grosso modo, a passagem do trabalho "feito em casa" a
trabalho a efectuar na aula (discussão, análise, crítica, síntese, conclusões).
101
Naturalmente que há uma ligação em sentido inverso (flecha a tracejado)
entre a DISCUSSÃO e a ANÁLISE, na medida em que esta última é revista,
sopesada, à luz da discussão. Desde que este trabalho (em casa e na aula) seja feito
metodicamente, a discussão será muito mais proficua, e mesmo criadora, porque
terá mais probabilidades de obedecer a um plano estruturado, permitindo
ultrapassar a simples "opinião" pessoal para se colocar ao nível da construção
de um aparelho conceptual mais elaborado.
Flecha 4 - Do trabalho de análise (geralmente após a discussão) pode-se passar, se
necessário, à elaboração das fichas.
Flecha 5 - Naturalmente a discussão deve, sempre que possível, permitir a síntese, quer
dizer o apanhado sucinto do que é verdadeiramente crucial no discurso ("a moral
da história"!).
Flecha 6 - A síntese, por sua vez, pode servir de apoio indirecto à construção de fichas,
reforçando a flecha 4.
Em suma: passamos dos textos às fichas, ou seja, grosso modo, do GERAL ao
PARTICULAR.
Das fichas ao texto (gráfico seguinte)
No gráfico anterior tentei mostrar a passagem do geral ao particular. Neste o
processo é inverso: passamos do particular ao geral.
102
Uma vez as fichas feitas, esforçamo-nos, através delas, por "ler" o texto, o que
aliás é a verdadeira função das fichas.
Temos de nos lembrar sempre que elas poderão ser consultadas um ou dois anos
(ou mais) após terem sido feitas aquando da leitura do livro ou do artigo. É evidente
que nessas condições não nos lembramos de todas as ideias de que tomámos nota.
E, ou lemos a obra toda de novo, o que muitas vezes é uma perda de tempo excessiva,
senão inútil, ou consultamos as fichas que fizemos há muito tempo atrás, para
procurarmos rapidamente o essencial (FLECHA 2).
A isto chamamos, de um modo um tanto impreciso, claro está, uma "leitura
indirecta" (ou "mediata") do texto.
Este trabalho será facilitado com as pequenas fichas ideográficas de que já
falámos antes, onde apenas se inscrevem os temas, conceitos, ideias ou teorias, etc.,
com uma brevíssima anotação pessoal e a referência da obra onde as questões são
tratadas, ou a página do caderno de apontamentos onde eventualmente os
resumimos.
Com o tempo, e se a necessidade se fizer sentir, podem adaptar-se fichas de maior
tamanho, subdividindo-se em fichas ideográficas, fichas-resumo, fichas de
transcrições (eventualmente cada tipo com a sua cor), e por aí fora...
Importa frisar uma vez mais que, no caso das fichas de pequeno formato (7,5
cm x 12,5 cm) que já foram sugeridas, estas são apenas marcos ou flechas
indicadoras, embora preciosas. Num trabalho mais aprofundado vão sempre
juntamente com as notas em "cadernos de apontamento" manuais ou feitos num
programa de computador.
Isto no que se refere aos principiantes. Numa fase mais adiantada convirá optar
por fichas de maior formato, tal como recomendava o professor A. da Silva Rego. Mas
isso já ultrapassaria os limites e objectivos deste pequeno trabalho.
As fichas (FLECHA 1) e as anotações da análise permitem então, em conjunto,
uma "leitura" mais completa do texto, a que chamarei por convenção "leitura
directa" (FLECHA 3).
De qualquer modo é um procedimento sempre muito mais rápido do que reler
o livro todo, sobretudo quando ele é volumoso...
Quer ligando as fichas directamente ao texto (FLECHA 2), quer articulando-as
com os apontamentos tomados (FLECHA 1), é possível reconstituir rapidamente o
essencial do discurso e passar directamente à síntese (FLECHA 4).
Neste gráfico encontramos, pois, a exemplificação do mesmo processo, mas em
103
sentido inverso, do gráfico anterior.
Para fixar as ideias, e de um modo abreviado, digamos que, no
primeiro, fôramos de certo modo do geral ao particular (método dedutivo). Enquanto
que o segundo percorreu o caminho no sentido que vai do particular ao geral
(método indutivo).
CAPÍTULO 5 - Como fazer um relatório
Esta questão interessa não apenas os estudantes, mas todos aqueles que
desempenham uma actividade profissional com responsabilidades: como estruturar um relatório a partir de um dossier, quer dizer, de um conjunto de documentos sobre uma determinada temática ou problemática.
Este ponto também tem aplicação em muitos exames e concursos. Em vez de
utilizar os célebres testes que o sociólogo americano William Whyte
desmistificou ferozmente29, onde, num cientismo duvidoso, se faz apelo a determinados modelos sócio-culturais, tal prova, na aparência fácil, “é particularmente delicada porque exige, devido à extensão dos textos, muito domínio e
qualidades de rapidez na assimilação e de inteligência na apresentação”30.
Em lugar de dispor apenas de uma folha de papel em branco e da sua memória,
quantas vezes para repetir mecanicamente discursos pré-estabelecidos, o candidato
encontra-se face a face com uma multiplicidade de informações que tem de
analisar, descodificar, escolher, sintetizar e, por fim, pronunciar-se sobre elas.
___________
29
WHYTE (William H.), The Organization Man, New York, 1956. (Há uma tradução francesa:
L'homme de l'organisation, Paris, Plon, 1959, 570 p.).
30
RINAUDO (Jean) et COSTE (Roger), L'épreuve d'économie aux examens et concours, Paris,
Nathan, 1969, p. 149 e sgs.
É uma prova sem dúvida mais complexa e significativa do que o simples
"despejar" de uma sebenta. Significativa porque, para além do "saber", ela implica o
"saber fazer" (o que não é tão simples como isso) e não deixa de revelar
determinadas qualidades que são fundamentais na actividade profissional, qualquer
que ela seja.
De facto, muitos dos leitores que já exercem (ou que irão exercer) uma
actividade profissional - funcionários, bancários, técnicos em qualquer ramo, etc.
104
- recebem dos seus superiores hierárquicos dossiers sobre os quais deverão
apresentar um resumo, análise ou parecer.
Têm por conseguinte interesse em habituar-se a organizar métodos de trabalho próprios que lhes permitam, em poucas páginas, apresentar uma nota clara e
pessoal sobre o conteúdo de uma profusão de documentos diversificados. E, é claro,
essa nota deverá ser devidamente estruturada.
Os verdadeiros dossiers dos concursos são, em geral, mais volumosos do que
apresentamos aqui e os documentos bem mais extensos e em maior número. Mas o
nosso intuito é esboçar simplesmente o princípio, da maneira mais funcional e
imediata. Por isso optámos por textos curtos, claros e em reduzido número (4
somente) que fossem ao mesmo tempo o menos "técnicos" possível.
DOCUMENTO Nº l
"Se a inflação pode ser considerada como um meio de financiamento de uma
economia em crescimento rápido, é porque opera vastas transferências de rendimentos entre
os grupos sociais. Por outras palavras, no decurso de um processo inflacionista, certos grupos
sociais ganham e outros perdem. Se a transferência se opera em beneficio de grupos que
utilizam essa tributação disfarçada de maneira produtiva, quer dizer para a modernização do
aparelho produtivo, então favorece o crescimento, mesmo se, num primeiro tempo, ela cria uma
situação pouco equitativa".
Cf. PARODI (M.), L'économie et la société française de 1945 à 1970, Paris, p. 77.
O essencial é pôr em evidência o método. Uma vez este compreendido, cada
qual poderá adaptá-lo, interpretá-lo ou alterá-lo como lhe parecer mais conveniente
em função das circunstâncias.
DOCUMENTO Nº 2
"A inflação é nociva e será necessário combatê-la mesmo com sacrifícios? Ou é um
movimento normal com o qual se poderia pactuar porque constituiria aquela parte do
´sonho do crescimento'?... A inflação parece benigna a muitos e beneficia de um preconceito
favorável. As razões dessa familiaridade cúmplice são três:
- a inflação é um facto de todos os tempos e de todos os países, contemporânea da
monetarização das trocas: ela não é aniquilada mas quase perpetuada pelo
desenvolvimento;
- em segundo lugar, os agentes económicos que participam na vida activa já não suportam
passivamente a inflação mas sabem, pelo contrário, defender-se e tirar dela vantagens
105
para as categorias sócio-económicas;
- em terceiro lugar, a abertura das economias ocidentais às trocas internacionais contribuiu para
divulgar a ideia de que a inflação era um elemento crónico da vida económica de qualquer
nação, bastando, para se proteger do risco de desequilíbrio externo, `fazer menos asneiras
do que o vizinho'."
Cf. A. BIENAYMÉ, Le Monde (Paris), 19-12-1972 (extractos).
DOCUMENTO N°3
"A análise permite distinguir na inflação, as causas devidas, por um lado, à circulação
das mercadorias e, por outro lado, à formação dos preços de produção.
A parte do aumento devido à circulação das mercadorias depende evidentemente da
maneira como a distribuição e o aparelho de Estado se articulam concretamente com a
produção, e vai por conseguinte variar muito sensivelmente de país para país. A circulação
das mercadorias liga-se igualmente à especulação fundiária, presente em todos os países
capitalistas... Estes fenómenos não são, aliás, novos...
Desde logo, a aceleração da inflação não pode encontrar explicação senão nos preços
de produção. Aí encontramos, evidentemente, os salários e as matérias-primas... No
caso das matérias-primas, a dominação dos grupos internacionais é evidente, já que os
aumentos foram quase exclusivamente devidos à especulação internacional: os países
exportadores não viram praticamente os seus rendimentos seguirem tais aumentos enquanto
que suportavam de chofre os aumentos dos produtos manufacturados importados dos países
capitalistas. A inflação mundial das matérias-primas permitiu assim aos grupos americanos
incrementar as suas produções e obter importantes recursos financeiros".
Cf. A. GRANOU, Le Monde Diplomatique (Paris), Novembro 1974 (extractos).
DOCUMENTO Nº 4
"...É por via da inflação dos custos (entenda-se salários) que agora se raciocina, e
vamos ver como é límpido.
Os salários são elementos básicos dos custos de produção, directamente em cada empresa e
fase do processo e, também, indirectamente, através dos preços de matérias-primas e outros
meios produtivos, todos esses, por sua vez, baseados nos custos, em que imperam os salários.
Houve (e há) a emigração; também houve (e há) a mobilização, mas dessa fala-se menos nestes
contextos; houve (e há) embora não venha nos jornais, ou só muito limitadamente, uma
106
tendência para reivindicar maiores salários e ordenados por parte dos trabalhadores. Mas
tudo isso faz crescer, pelo que as empresas têm de ajustar os preços, entrando-se em inflação.
Logo são comidos, nesta voragem inflacionista, os ganhos em salário monetário; e ante a
subida subsequente dos preços e perda dos salários reais, novamente os trabalhadores
reivindicam. Se acaso triunfam, tomam a subir os custos e os preços - e repete-se e
aprofunda-se o ciclo infernal da ´espiral inflacionista salários-preços-salários´.
Compatibilização entre alta de salários e estabilidade dos preços só se vê por uma via:
o aumento da produtividade. E fica completada a imagem do processo, melhor diríamos, a
culpa formada contra os trabalhadores, que aparecem no esquema como o ´vilão da peça´
do teatro moralizante. Se pretendem ganhar mais sem se esforçar, desequilibram a
sociedade e são, logo eles, as primeiras vítimas da sua acção; esforçando-se, podem então
melhorar de posição em equilíbrio social.
Esta teoria da inflação pelos custos ocupa espaço cada vez maior dos manuais
universitários de origem norte-americana; e logo isso será razão para aguçarmos o espírito
crítico, tão interessada na defesa do sistema se afigura a vetusta instituição quando
transposta para Além-Atlântico - e, às vezes, também nas margens de cá. Todavia, como
tratamos do assunto em Portugal, há umas observações prévias acerca de produtividade que se
impõe apresentar e que seriam desnecessárias em outras longitudes.
Propor aumentos de produtividade, em Portugal, é ´condenar´ os trabalhadores a maior
esforço, mais horas na fábrica, menos férias, feriados e repousos, mais intensos ritmos nas
cadeias de montagem, normas mais altas quando operam à peça. Raciocinamos ainda
sobre a imagem da sociedade pré-industrial.
Ora pode perguntar-se como é possível que os trabalhadores portugueses, e até os menos
preparados, recém-saídos dos campos e da construção, atinjam instantaneamente as altas
produtividades que permitem aos empresários franceses e alemães pagar-lhes salários várias
vezes múltiplos dos de cá. Muito esforço e vida dura? Sem dúvida, mas não será pior do
que as condições em que andavam antes de partir. Níveis de preços mais altos, na
Europa, tornando ilusório parte do maior salário? Também é assim, mas ainda fica muito do
aumento real. Ou já estaria estancada a emigração, o que não se afigura ser o caso!
A verdadeira resposta está na qualidade dos equipamentos com que operam os
trabalhadores, e, mais ainda, na capacidade de direcção de quem os orienta e comanda.
Planear actividades, prospectar mercados, ajustar operações, motivar os intervenientes,
facilitar o esforço de grupo - tudo são coisas básicas de produtividade, mas praticamente
ignoradas entre nós.
Quando nos disserem que os salários só poderão subir se aumentar a produtividade, já
sabemos o que realmente há a exigir: competência dos administradores e directores das
empresas, assim como de quem orienta a política económica nacional. E quanto aos
trabalhadores, se às vezes não se esforçam suficientemente, é por falta de estímulos - em
107
que convém pôr a par o salário, o ambiente do grupo e a competência das orientações
recebidas. Outras vezes não é a falta de esforço, mas sim de instrução básica; e não vamos
condená-los por não a terem ou por nada se fazer para compensar deficiências já antigas.
Mas toda esta anotação sobre a produtividade equivale a retirar dos trabalhadores o ónus da
baixa produtividade e responsabilizar por ela outros grupos que intervêm na vida
económica, social e política. Há, pois, palavras e teorias aparentemente técnicas e
neutras, mas que a uma observação mais atenta se revelam carregadas de valoração e de
interesses menos confessáveis. Será assim com a inflação pelos custos?"
Cf. MOURA (Francisco Pereira de), Por onde vai a Economia Portuguesa?, Lisboa, Seara Nova,
4ª ed. 1974, pp. 279-282.
108
COMO EXPLORAR OS DOCUMENTOS ANTERIORES
PARA ELABORAR UM RELATÓRIO
Suponhamos que, com base nos quatro documentos anteriores, o leitor tem de
apresentar um relatório ao seu professor (se for estudante), ou ao seu superior
hierárquico (se for empregado, quadro técnico ou funcionário).
Para simplificar, escolhemos apenas quatro textos curtos, mas na prática tais
documentos podem facilmente atingir dezenas ou mesmo centenas de páginas, o que supõe
um esforço por vezes considerável, pois não basta conhecer os assuntos tratados: é também
indispensável saber sintetizá-los indo ao essencial.
Um relatório desse tipo terá que ser sucinto (em geral uma, duas ou três páginas,
raramente mais).
Quais as fases que deveriam ser observadas para a elaboração desse relatório?
1.° FASE: Leitura em "diagonal"
A primeira operação que se impõe é a de tomar conhecimento do conjunto do
dossier, dando uma vista de olhos rápida (leitura dita em diagonal) sobre o todo,
anotando em margem de cada documento os conceitos ou ideias essenciais.
Dessa primeira "leitura" ficamos a saber de imediato que os quatro textos
abordam uma questão comum a todos eles: a inflação.
Como já se disse, este dossier está muito simplificado. Poderíamos ter integrado,
por exemplo, nove documentos: quatro sobre inflação, três sobre agricultura e dois
sobre assuntos diversos. Conforme as circunstâncias poderíamos então redigir um
relatório integrando os vários temas, ou dois (ou mais) relatórios, cada um sobre
um tema específico. Também poderia haver a possibilidade de apresentar um só
relatório se encontrássemos um fio condutor que pudesse articular de maneira
lógica os diversos assuntos subordinados então a uma única problemática. Tudo
depende dos documentos disponibilizados e dos objectivos propostos...
De qualquer modo esta primeira fase é somente uma "tomada de conhecimento"
e uma tentativa para situar os documentos: simples (mas útil) vista panorâmica de
conjunto, suporte provisório destinado a fixar as ideias e a revelar, se possível, o
ponto de ligação entre elas.
109
2ª FASE: Ordenar conceitos
A segunda fase corresponde a uma leitura mais atenta de cada texto, constituindo, ao mesmo tempo, o quadro que apresentámos anteriormente. A primeira
coluna desse quadro refere-se aos conceitos encontrados em cada documento. Em
primeiro lugar aquele a que poderíamos chamar o "conceito comum" que é,
neste caso, a inflação.
A seguir vem o "CONCEITO PRINCIPAL" ou conceito-chave. É evidente que
no texto n° 1 está integrado na frase: "transferências de rendimentos entre os
grupos
sociais".
Plantemos,
pois,
no
terreno
uma
pequena
bandeirola:
transferências.
Mas para além desse conceito há outros, subjacentes ou complementares.
Digamos que vamos chamá-los "CONCEITOS SECUNDÁRIOS".
No texto n° 1 encontramos vários conceitos secundários, embora seja necessário
sublinhar que esta operação tem necessariamente uma quota-parte de subjectividade:
- rendimentos (imediatamente complementar de transferências);
- grupos sociais (aos quais esses rendimentos se referem);
- tributação produtiva (tributação que apesar de representar um sacrifício
imediato para determinados grupos ou classes pode ter, na óptica
do autor, efeitos positivos a prazo para o conjunto da sociedade);
- financiamento (porque essas transferências de rendimentos, ainda que
possuam aspectos negativos, oferecem eventuais contrapartidas
positivas que se traduzem, por exemplo, no crescimento económico do
país).
Vimos assim a aplicação da 1ª coluna do quadro ao documento nº 1 (coluna 2).
Observa-se o mesmo princípio quanto aos restantes documentos, preenchendo assim
as outras três colunas.
3ª FASE: Plano de leitura
Uma vez o quadro terminado, temos diante de nós uma espécie de radiografia
de cada texto tomado isoladamente. Esta operação foi necessariamente rápida
(digamos um quarto de hora). Fase essencial mas ainda embrionária. Não há ainda o
que se pode chamar um plano. Nem temos, por assim dizer, um 'filme", mas uma
série de fotografias estáticas (salvo no caso do conceito comum: inflação) sem
110
ligação aparente.
No caso de um exame ou concurso, subentende-se, obviamente, que os documentos não são entregues devidamente ordenados ao candidato. É a ele que
compete descobrir um fio condutor em função daquilo que pensa poder demonstrar
com o material disponível e os seus próprios conhecimentos.
Impõe-se desta vez uma leitura mais cuidadosa ainda dos documentos com a ajuda
das tais "bandeirolas" plantadas no quadro.
4ª FASE: O fio condutor das ideias
Chegámos assim a uma encruzilhada onde é possível tomar várias pistas. As
interpretações e as preferências subjectivas têm agora, mais do que nunca, um
papel primordial, sobretudo se o que se pede ao candidato não é fazer um simples
resumo neutro - mesmo que submetido a uma sequência planificada - mas uma
tomada de posição sobre o problema.
Escolhamos, entre as várias pistas possíveis que vão servir de fio condutor, o
tema seguinte (no caso de ele não ter sido dado previamente):
TEMA: "A inflação será um fenómeno pernicioso que começa bem e
acaba mal? "
É evidente que este tema/fro condutor põe a questão das causas e das consequências económicas e sociais da inflação e solicita, ao mesmo tempo, uma
tomada de posição por parte do candidato.
Antes de dissecar seriamente os textos e de esboçar um plano que servirá de
base ao posterior relatório (ou dissertação) é necessário reordenar os documentos
para lhes dar uma sequência que facilitará o trabalho seguinte.
Admitamos uma sequência que tivesse a seguinte reordenação dos
documentos:
DOCUMENTO nº 3 - Causas da inflação ligadas à especulação fundiária e
internacional.
DOCUMENTO n º 1 - A inflação favorece o financiamento do crescimento.
DOCUMENTO n º 2 - A inflação é um fenómeno "natural" que a economia
moderna integrou.
DOCUMENTO nº 4 - Reflexão crítica sobre a inflação pelos custos no caso
português.
111
5ª FASE: Análise das ideias e comentários pessoais
Após termos reordenado os documentos para, nessa sequência, confirmarmos
o fio condutor que buscávamos, vejamos as ideias essenciais de cada um deles.
Para o efeito deve evitar-se a fraseologia e proceder a anotações muito breves.
DOCUMENTO N° 1:
- A inflação como meio de financiamento do crescimento económico.
- A inflação opera transferências de rendimento entre as classes sociais (visão não
crítica: raciocina-se como se se tratasse de simples compensações
equivalentes, quer dizer "neutras").
- Reconhece-se (implicitamente) o prejuízo de certas classes sociais ("tributação
disfarçada") mas considera-se que os efeitos negativos (considerados
provisórios), se utilizados produtivamente, acabam por criar uma situação
favorável ao crescimento (de certo modo assimilado aqui a
"desenvolvimento", o que é discutível). Em consequência tal evolução é
considerada positiva para toda a sociedade.
- Visão fundamentalmente optimista e algo mecanicista.
DOCUMENTO Nº 2:
- Inevitabilidade e vantagens da inflação.
- A inflação é um fenómeno de todos os tempos (leia-se "natural"... ).
- O desenvolvimento favorece e perpetua a inflação.
- Os seus inconvenientes são minimizados: as economias capitalistas modernas
dispõem de mecanismos de defesa que lhes permitem tirar vantagens a partir
dos seus inconvenientes.
- Na medida em que todas as economias abertas modernas são atingidas pela
inflação, a prioridade não é eliminá-la em termos absolutos (os economistas não
saberiam como, pelo menos com 100% de probabilidades), mas atenuá-la em
termos relativos.
DOCUMENTO Nº 3
- As causas da inflação: circulação de mercadorias e preços de produção.
- A circulação está ligada à articulação do aparelho de Estado e distribuição com
a produção.
- A responsabilidade da especulação fundiária é considerada como um dado
(concepção positivista).
- A "verdadeira" explicação da inflação encontra-se nos custos de produção:
salários e matérias-primas (mas só o último factor é discutido no documento).
- Responsabilidades da especulação das multinacionais nas matérias-primas, em
112
detrimento do Terceiro Mundo.
DOCUMENTO Nº 4:
- Crítica da assimilação da "inflação dos custos" aos salários.
- A "espiral inflacionista salários-preços-salários " é um falso problema que implica
uma falsa resposta: o "aumento de produtividade" entendido exclusivamente como
aumento de trabalho.
- Daí decorre a unilateral culpabilização do trabalhador, a qual se transforma, na
prática, em justificação ideológica da classe dirigente.
- O mesmo trabalhador português, quando emigrante, atinge de imediato altas
produtividades. A explicação reside, pois, não no homem, mas nas condições
materiais (equipamentos, direcção...).
- Há por conseguinte que analisar as condições sócio-económicas da sociedade
portuguesa e, em função dessa análise, introduzir modificações fundamentais (de
estrutura). O aumento de produtividade passa, não pelo factor trabalho (no sentido
de mais horas de trabalho) mas pelo factor capital (neste caso, mais equipamentos e
mais capacidades de gestão).
- As justificações ideológicas (culpar o trabalhador) escondem ou servem para
escamotear as responsabilidades da classe dirigente. Essas responsabilidades são
económicas, sociais e políticas.
6ª FASE: O plano do relatório propriamente dito
O plano do relatório não se diferencia do plano de uma dissertação, como
veremos mais à frente.
Tem uma introdução destinada a pôr o problema e a anunciar o plano nas suas
grandes linhas.
A introdução é necessariamente curta mas não há regras absolutas numa
matéria em que o bom senso e a lógica são os melhores indicadores. Mas digamos que para um texto de 3 ou 4 páginas ou pouco mais, a introdução deverá ter
em princípio meia página. Numa dissertação de mestrado com umas 100 páginas a
introdução não ultrapassará normalmente meia dúzia de páginas ou cerca do dobro
se se tratar de uma tese de doutoramento com 300 ou 400 páginas. Mas, repete-se,
não há regras rígidas. O que se pode dizer é que, de maneira geral, a introdução mais
curta é a melhor.
Segue-se o desenvolvimento: onde são analisadas e discutidas as problemáticas em causa. O desenvolvimento pode ser subdividido em duas, três ou
quatro partes. Mas mais vale dar preferência a um plano em duas ou três partes.
Há enfim uma conclusão: ou seja a afirmação de um resultado, a apresentação
113
de uma tese (e não um simples resumo do que se analisou anteriormente).
Proposta de plano esquemático:
INTRODUÇÃO:
- Apresentação da problemática a estudar. Plano.
DESENVOLVIMENTO:
Parte I
- Causas e consequências da inflação;
- Breve comparação entre Portugal e a Europa; - O que é a inflação?
Parte II
- Argumentos em defesa da inflação;
- Estudo dos inconvenientes da inflação;
- Crítica dos argumentos apresentados nos documentos.
Parte III
- Discussão de síntese e aplicação ao caso português;
- Desmistificação das "responsabilidades": classes sociais e estrutura
económica, social e política;
- A inflação, instrumento de transferência de poder?
CONCLUSÃO:
Balanço e tese pessoal (confirmando ou não a interrogação que serviu de
tema).
RESUMINDO:
A elaboração de um relatório (ou uma dissertação), a partir de documentos,
revela apesar de tudo certas dificuldades.
A prova - tratando-se de um exame ou concurso - supõe, bem entendido, um
conhecimento prévio do assunto a tratar. É evidente que os documentos em si não
permitem ir além de um simples resumo se o estudante estiver "em branco" nessa
matéria e não possuir outros elementos mais substanciais que lhe permitam enquadrar
a problemática e filtrar as informações que tem à sua disposição. A matéria bruta
precisa de um revelador, ou seja uma formação preliminar que lhe permite uma
reflexão autónoma. De nada serve ter muita documentação se o tema não lhe for
familiar.
Quanto ao processo por nós seguido até à constituição do plano de relatório (que
114
o candidato redigiria em seguida com o seu próprio estilo), relembra-se mais uma
vez:
A construção do quadro de conceitos (conceito comum, conceito principal e
conceitos secundários), para além de obedecer a normas em grande parte subjectivas,
deve ser vista como uma simples referência recapitulativa, uma série de luzinhas,
digamos, que plantamos num mapa confuso para nos orientarmos num itinerário
ainda provisório. Esse quadro não se destina a substituir a leitura dos documentos,
mas, pelo contrário, a prestar ajuda na sua releitura.
A "leitura" do quadro da pág. 92 faz-se verticalmente, coluna por coluna, e não
horizontalmente. Por exemplo: o conceito "FINANCIAMENTO" (doc. n° 1, coluna
2, alínea d) nada tem a ver com o conceito "EMIGRAÇÃO" (doc. n° 4, coluna 5,
mesma alínea), embora estejam na mesma linha. Assim, a única "leitura" do quadro é
vertical. No documento n° 3, por exemplo, será: inflação, causas, circulação... etc.
Quanto ao plano que propomos, trata-se, uma vez mais, de uma proposta entre
outras igualmente possíveis. Três candidatos com formação distinta fariam
provavelmente outros tantos planos diferentes uns dos outros, todos eventualmente
aceitáveis. Desde logo, não se veja na proposta apresentada a "única" possibilidade,
mas uma possibilidade entre outras e, em consequência, uma hipótese susceptível
de discussão.
Na elaboração do plano final, o estudante terá de tirar o maior partido possível
da documentação, como é evidente. Convém todavia preservar uma certa liberdade
de manobra pessoal (um método não é um colete de forças!). Por exemplo, a
prévia reordenação dos documentos (no nosso caso a sequência: doc. 3 - doc. 1 - doc. 2
- doc. 4) é tão-somente uma orientação básica, mas nada impede, na feitura do
plano (que será, como vimos, o esqueleto do relatório), ir buscar para a primeira
parte do desenvolvimento elementos dos documentos n.° 3 e n.° 4; para a segunda
parte, dados dos documentos n.° 2 e n.° 4, etc.
115
CAPÍTULO 6 - Três métodos prosaicos
Os métodos de que vamos falar neste curto capítulo não apresentam qualquer
dificuldade. São conhecidos, banais e até prosaicos. Mas, embora à primeira
vista não pareça, merecem duas palavras que se destinam, em particular, aos
estudantes mais jovens. Os dois primeiros são o caderno de apontamentos e os
arquivos de recortes de jornais. O último concerne à utilização da informática.
1. Os cadernos de apontamentos
Longe de mim insinuar que o caderno de apontamentos é a última maravilha
da técnica moderna! O sistema é mais velho do que o próprio papel e comporta, é
claro, inconvenientes.
A. da Silva Rego escrevia já nos anos 50 que "vão longe os tempos - felizmente em que se anotavam no mesmo caderno ou códices, apontamentos dos mais variados
assuntos: históricos, literários, artísticos, etc. Hoje reconhece-se a absoluta
necessidade de colocar as notas em folhas volantes, em fichas, fáceis de distribuir e de
classificar"31.
Embora essa "facilidade" seja relativa, tem sem dúvida razão quando se trata
de estudiosos que acumulam e seleccionam, em anos e anos de labor, materiais de
investigação. Mas nós dirigimo-nos neste ponto específico aos estudantes do fim do
Secundário e dos primeiros anos do Ensino Superior, bem como ao leitor médio.
Não desprezaremos, portanto, o modesto caderno de apontamentos. É legítimo
considerá-lo como um bom complemento das pequenas fichas de que já se falou
neste livro. Nada nos impede de, mais tarde, o ultrapassar em favor das fichas
ideográficas mais elaboradas a que nos referimos de passagem.
É todavia útil seguir algumas regras para aproveitar o caderno o melhor
possível:
a) Deve escrever-se unicamente na página direita e de um só lado da folha. A
consulta é mais fácil e se for preciso acrescentar mais tarde observações ou
notas pessoais, é sempre possível fazê-lo na página esquerda, que ficará
disponível.
___________
31
Op. cit., p. 45.
116
b) Utilizar vulgares cadernos escolares com lombada, de preferência aos cadernos
com espirais em arame: assim poder-se-á escrever na lombada a indicação do
conteúdo e arrumá-lo na prateleira como qualquer livro. É um pormenor útil quando
se tem vários cadernos com assuntos diferentes.
c) Numerar as páginas do caderno (só na página direita). Quando se começa a
tomar notas sobre uma obra qualquer, transcrevem-se primeiro as indicações
bibliográficas, tal como numa ficha. Convém deixar uma margem do lado direito da
página com, digamos, uns três centímetros. Pode ser útil para posteriores anotações
ocasionais.
d) Reservar as 3 ou 4 primeiras folhas do caderno para um índice das matérias (é
para isso que a numeração é útil). O índice é precioso quando se quer relembrar
o conteúdo ou consultar rapidamente os apontamentos.
e) Há cadernos em papel quadriculado, com linhas e liso. É uma questão de gosto pessoal,
mas julgo mais aconselhável este último por proporcionar maior liberdade "de
manobra" (permite tanto escrever como desenhar, é mais "arejado"...).
f)
Evitar
as
transcrições
demasiado
longas
que
não
sejam
absolutamente
imprescindíveis. Dar a preferência a resumos ou, melhor ainda, a sínteses: é mais
difícil mas mais instrutivo. Sempre que possível, substituir, ao menos, a transcrição
por uma nota do género: "ver tal passagem, sobre tal assunto, no livro ....
página...". É indispensável habituar-se a escrever as suas próprias reflexões
pessoais, mas fugir do estilo alambicado e dos floreados tagarelas. Quando se pode
dizer uma coisa em meia dúzia de linhas, escrever uma página é geralmente disparate.
g) Consagre um caderno por assunto ou por grupos de assuntos afins.
117
CADERNO DE APONTAMENTOS
ARQUIVO
DOSSIER
2. Arquivos de recortes de jornais
Os arquivos de jornais (e revistas) constituem por vezes um excelente
material que merece ser seleccionado e, em parte, conservado. O que é preciso é
descobrir um método funcional que permita arquivá-los rapidamente e proporcione
uma consulta cómoda e eficaz. Cada pessoa tem o seu sistema - também neste campo
o empirismo é quase absoluto - mas, para ganhar tempo, sugiro um que me parece
viável.
a) Escolher um jornal que publique frequentemente artigos documentados
sobre assuntos que lhe interessam directamente.
b) Aquando da leitura, marcar com um lápis de cor os artigos que pretende
guardar (uma cruz ou um traço no canto do artigo). Se não recortar
o artigo imediatamente e acumula os jornais para fazer essa tarefa de
uma só vez no final da semana, por exemplo, então deve marcar
igualmente com uma cruz o cimo da página onde ele está inserido.
Será prudente marcar igualmente a primeira página com uma cruz e
anotar as páginas.
Por exemplo: 12, 35, 67. Passado algum tempo bastará pegar na pilha
de jornais e ver que este número tem artigos a serem recortados nas
páginas 12, 35 e 67. Ganha tempo e não esquece.
c) No momento de recortar um artigo, não se esquecer nunca de escrever
nele o título da publicação e data. Meses ou anos mais tarde, ao consultar o
118
dossier, a falta desses elementos, sobretudo do último, pode tornar o
documento completamente inútil. Por exemplo, as informações económicas desactualizam-se rapidamente: determinado défice na balança de
pagamentos não tem forçosamente o mesmo significado em 1979 e em
1999...
d) Recortar e colar o artigo numa folha de papel de máquina (A4). Ou em
várias agrafadas se o formato do artigo for maior. Também pode colar
apenas a parte superior do artigo e dobrar o resto de modo a utilizar uma só
folha (mas é de consulta mais incómoda e dificulta as fotocópias).
e) Seleccionar esse material por temas. Os artigos metem-se dentro de
capas/dossiers (uma folha de papel almaço pode fazer uma capa barata).
Escrever no canto superior direito o tema: Agricultura, Empresas,
Moeda, Desenvolvimento, etc. Teremos assim dossiers arrumados por
assuntos.
f) Adquirir arquivos de cartão e integrar em cada um deles vários dossiers,
seleccionados por afinidades. Esses arquivos são simples caixas de
cartão com uma tampa numa das lombadas. Há arquivadores a diferentes
preços. Os mais baratos, de cartão prensado, são desmontáveis e quando
completamente desdobrados transformam-se em simples placas. Não são
uma formosura, mas servem perfeitamente.
g) Esses arquivadores cujas dimensões são mais ou menos 35 x 25 cm
põem-se ao alto na prateleira da biblioteca. Na lombada escreve-se com
uma caneta de feltro cada um dos temas dos dossiers nele contidos. Para
maior facilidade de utilização, pode colar-se na lombada uma bolsinha em
plástico transparente (essas "pochettes" vendem-se nas papelarias e são em
geral autocolantes), onde se introduz uma ficha em cartolina. Os títulos dos
dossiers inscrevem-se nesta. Assim, no caso de mudar um dossier de um
arquivo para outro, basta substituir a ficha.
h) Numerar eventualmente o arquivo e os dossiers adoptando um critério
simples. Por exemplo: o Arquivo II contém os dossiers: Problemas
monetários, África, Educação, etc., numerados respectivamente 1, 2, 3.
Um artigo sobre "Educação" estaria referenciado no ficheiro: "Arquivo
II - 3".
i) O número dos dossiers pode ainda ser desdobrado: A) Teoria da moeda, B)
Moeda única, etc.
119
Uma colecção de arquivos não se faz em dois dias. Mas pelos serviços que
presta, vale a pena o esforço de organização, sobretudo se se é jornalista, investigador, etc.
3. A utilização da informática
Há outra maneira de fazer arquivos de recortes, mais moderna e ainda mais eficaz
e que tem enormes vantagens: textos publicados na Internet, por instituições
internacionais, associações privadas, organizações não governamentais, jornais,
revistas, etc., ou textos que se guardam em casa, passando os artigos dos jornais
directamente para disquete por intermédio de um scanner.
Evidentemente que é necessário dispor dos meios materiais adequados
(computador, impressora, acesso à Internet e, eventualmente, de um scanner).
Estes meios nem sempre estão, infelizmente, ao alcance de todos, situação
agravada pelo facto de as comunicações em Portugal serem ainda excessivamente
caras.
De qualquer maneira o chamado multimedia é um óptimo auxiliar. Basta gravar
em disquete os textos que interessam e imprimi-los em papel quando necessário. Há
até a vantagem de poderem ser enviados por correio electrónico (e-mail) em
intercâmbio com outros correspondentes, evitando-se as fotocópias, os faxes ou o
correio postal.
É pois possível ter um considerável arquivo de textos gravados em disquete ou
mesmo CD-ROM (este último sistema com a vantagem de cada disco dispor de
muito mais espaço).
É igualmente viável "scannar" os artigos e guardá-los nos sistemas indicados,
mas para isso é indispensável dispor de um scanner, aparelho que hoje já se vende a
preços muito acessíveis. Perde-se, é certo, por vezes um pouco de tempo a reformatar
os textos, mas vale a pena.
120
CAPÍTULO 7 - Elementos sobre a dissertação
Objectivos da dissertação
Referimo-nos essencialmente à dissertação que tanto pode corresponder a uma
dissertação (de Mestrado) ou a uma tese (de Doutoramento), como a relatórios
ou mesmo às exposições orais que também devem, em regra, obedecer a uma
estrutura.
A dissertação é, antes de mais, a demonstração de uma problemática e não uma
listagem de ideias preconcebidas, de teses pretensamente incontestáveis ou de
afirmações axiomáticas.
Pode dizer-se que demonstrar significa definir e sopesar conceitos e indicadores,
testar hipóteses, analisar factos e ideias, comparar ou encadear argumentos, delimitar
parâmetros, periodizar a investigação, etc.
Tudo isso deve caber no que chamamos a dissertação (de mestrado, de
doutoramento, ou para outros fins) e ser formalizado na estrutura do plano.
Antes de começar a pensar em escrever uma dissertação, o estudante deve
definir previamente o que é que vai demonstrar. Isso é preliminar à própria
investigação, pois de nada serve acumular observações e dados se não dispuser de
uma hipótese (ou de uma bateria de hipóteses) sobre uma problemática determinada.
De certo modo, podemos dizer que, no processo de investigação científica, a teoria
precede a observação.
Voltaremos a este assunto mais adiante.
O plano de uma dissertação é constituído por 3 "blocos" nitidamente separados:
1. Introdução
2. Desenvolvimento
3. Conclusão
É indispensável ter-se uma ideia clara das funções e objectivos próprios de cada
um desses "blocos".
A introdução
Embora seja uma tautologia, não é inútil insistir que a "introdução introduz".
121
Pretende-se significar com isso que a introdução não explica, não define, não
elucubra por assim dizer.
A introdução tem uma única finalidade: pôr o problema e indicar (sinteticamente) o caminho que se vai seguir para o tratar.
A definição de conceitos, exposição de factos e ideias, discussão de argumentos,
etc., tudo isso terá o seu lugar no "desenvolvimento" propriamente dito e não na
"introdução".
Nesta, importa apenas deixar claro ao leitor qual o problema que se vai tratar
e como.
Digamos que numa dissertação de 20 páginas, a introdução poderá ter meia ou
uma página, mais ou menos. Numa dissertação de mestrado que atinja as 100 páginas,
uma introdução de meia dúzia de páginas é, na maioria dos casos, amplamente
suficiente.
Na introdução o leitor tem apenas que ficar com uma perspectiva clara dos
objectivos (o que é que se vai demonstrar) e dos meios que se vão utilizar para os
atingir (nas suas linhas gerais, bem entendido).
Se, logo a seguir, ler a conclusão, deverá ficar com uma ideia global do trabalho:
objectivos, meios e resultados a que se chegou. No desenvolvimento encontrará então
as fundamentações desse trajecto.
Em suma, não será provavelmente muito exagerado dizer que "a introdução mais
curta é geralmente a melhor".
O desenvolvimento
No desenvolvimento é analisada a problemática em questão, comparados os
argumentos, discutidas as posições eventualmente diferentes.
É conveniente evitar deixar-se embrenhar em discussões paralelas que constituam
um factor de dispersão relativamente ao problema central. Deve tratar-se todo o tema
mas só o tema.
Para isso é indispensável começar por definir os conceitos-chave do tema que
eventualmente nos tenha sido proposto.
Por exemplo, o tema:
"Em que medida a expansão de uma economia é favorecida pelo desenvolvimento dos investimentos?"
Os conceitos-chave seriam, neste caso:
•
122
- "expansão"
• - "investimentos"
mas também, o que nem sempre é notado:
• - "em que medida..."
Com efeito, a presença do "em que medida..." é um alerta: deixa entender que
o desenvolvimento dos investimentos, se é em geral desejável, pode, em certas
situações que importa precisar, não ser automaticamente favorável à expansão de
uma economia (por exemplo numa economia subdesenvolvida caracterizada pela
ausência ou insuficiência de qualificação da mão-de-obra activa).
Não atender a esta condicionante e construir uma análise baseada apenas em
parte do tema (por exemplo, incidindo exclusivamente sobre os benefícios dos
investimentos para a expansão económica, como se as circunstâncias fossem
invariáveis e uniformes) equivaleria a construir um trabalho parcelar e incompleto.
O professor estaria no direito de entender que o estudante não compreendera o que
lhe era pedido.
É obvio que o resultado poderia ser desagradável para o candidato, pois, num
teste ou exame, a temática proposta define sempre objectivos e fronteiras que é
necessário respeitar: estes não só fazem parte da avaliação como são uma questão
central do próprio espírito da prova.
A conclusão
Tal como a introdução, a conclusão deve ser sucinta. Não interessa perder
tempo a explicar o que deveria ter sido explicado no "desenvolvimento". Para usar
uma expressão de senso comum: "a conclusão conclui".
A conclusão também não é nem um resumo nem uma síntese.
O resumo faz o apanhado, por assim dizer em "linguagem telegráfica" de
todas as ideias do texto, ou pelo menos das mais relevantes.
A síntese apreende as ideias-chave ou as ideias essenciais do texto, quer estas
estejam explícitas ou implícitas.
A conclusão não é nem uma coisa nem outra: vai além da síntese e muito para
além do resumo. Melhor ainda: é de natureza diferente.
A conclusão é um resultado. Uma resposta clara a um problema claramente
estudado. É, se possível, a afirmação de um ponto de vista, uma escolha ou uma
decisão. Pode (e deve) ser formulada com tanto maior prudência quanto maior for a
complexidade da questão analisada, mas essa prudência não deve conduzir a um
123
resultado nebuloso diluído num pensamento ambíguo que se compraz em
incógnitas de profundidade duvidosa...
Outras observações metodológicas úteis
Estas regras básicas da dissertação podem aplicar-se, bem entendido, a todo o
género de redacção, desde a simples carta particular a um trabalho académico.
Em geral, se se pretende expor um assunto, toda a estrutura da composição deve
estar subordinada a esse objectivo, devendo ficar claro para o leitor, desde o início, o
que é que se vai tratar e como.
É claro que numa carta informal - de que não nos ocuparemos aqui - as coisas
são bastante mais simples. Diga-se apenas que, ao lado da clareza, deve preservar-se
a naturalidade do tom e este varia conforme o assunto e o grau de familiaridade que
se tem com o destinatário. Também é útil, sempre que possível, não tratar vários
assuntos de desigual importância no mesmo texto ou, se isso não puder ser evitado,
focalizar a atenção sobre o principal e, só depois, expor os temas secundários ou
complementares de maneira sucinta e por ordem decrescente de oportunidade.
Convém igualmente respeitar uma pequena regra elementar: um assunto por
parágrafo. Se se muda de assunto, muda-se igualmente de parágrafo.
Por outro lado, se a questão puder ser exposta numa página (estou sobretudo a
pensar em ofícios ou circulares), redigir duas ou três só porque o seu autor se julga
com veia "literária" é um disparate por dois motivos pelo menos: faz perder força
à mensagem e cansa as pessoas. Ou seja, o resultado é contraproducente e poderá
ter mesmo consequências exactamente opostas às pretendidas pelo "prosador"...
Num texto doutro tipo, por exemplo relatório académico ou profissional,
dissertação de mestrado ou tese de doutoramento, importa observar certos
parâmetros.
Estes trabalhos, de mais responsabilidade, estão condicionados por muitas regras
- escritas e não escritas - a que importa estar atento. Umas parecem insignificantes
(mas isso pode ser enganador), outras são óbvias, outras ainda fazem parte da própria
avaliação que se faz da qualidade do candidato.
Vejamos algumas.
A mais elementar de todas é a apresentação do trabalho. Hoje os com-
124
putadores facilitam enormemente essa tarefa, evitando garatujas à mão, tinta
correctora, títulos ou subtítulos que não se distinguem dos caracteres utilizados no
texto, etc. Permitem igualmente a inserção de quadros e gráficos, de notas de rodapé e
por aí fora. O que contribui decisivamente para uma apresentação mais agradável.
Outra regra óbvia é o cuidado que se põe na expressão escrita ou, se se quiser
dizer assim, no estilo e legibilidade em que o português está escrito. Não falo
sequer dos erros de ortografia, claro! Desiludam-se aqueles que pensam que é
necessário ser um estudante de letras para ser obrigado a escrever num português
escorreito. Para além do facto de a incultura ter sempre um preço, seja-se
economista, engenheiro ou farmacêutico, esse factor conta na apreciação de um
candidato em qualquer matéria e situação32.
O Curriculum Vitae (CV) é uma peça que acompanha o mestrado ou o
doutoramento, e que terá de ser apresentada em várias ocasiões, desde a candidatura
a inscrição ao curso até ao pedido de provas (e igualmente quando se pretende um
emprego).
Este documento é importante e, muitas vezes, em concursos documentais, pode
ser decisivo. É por isso merecedor de especial atenção. Felizmente já existem muitos
livros que dão indicações suficientes sobre o assunto33, pelo que me limitarei a
chamar a atenção sobre alguns pontos apenas.
Em primeiro lugar deve ter-se em atenção o objectivo do CV que vai redigir. Se
ele vai acompanhar uma dissertação de mestrado em Economia com vista a requerer
provas para o grau de Mestre, por exemplo, é óbvio que esse CV se destina ao júri
das referidas provas. A sua finalidade é proporcionar uma visão de conjunto do
itinerário e perfil do candidato nesta área do conhecimento.
É totalmente absurdo, para não dizer mais, referir que é coleccionador de
borboletas (o que até poderia ser desconfortável se um dos seus opositores for
membro da Sociedade Protectora dos Animais). Não é que as borboletas não possam
ter o maior interesse para a economia - ao fim e ao cabo há quem diga que a teoria do
caos começa pelo bater de asas de uma borboleta! Ver o interessante: Paul Ormerod,
A economia borboleta – Uma nova teoria do comportamento sócio-económico,
Lisboa, Europa-América, 2000 - mas, apesar disso, pode causar uma impressão
desagradável no júri, quanto mais não seja porque este pode muito bem ter o
sombrio pensamento que o candidato encontra dificuldade em distinguir o essencial
do secundário, o que é um mau prenúncio...
125
_________________
32
Ver por exemplo SANTOS (Fernando), Saber escrever - A arte e a técnica da escrita, Queluz,
Ed. Chambel, 1998.
33
A título de exemplo: HUGUET (Catherine), Como redigir um Curriculum Vitae (1985),
trad. port., Lisboa, Europa-América, 3.' ed., s/d.
E o que vale para esse caso vale para outros igualmente patéticos, como ser
sócio do grupo de festividades da freguesia de X, pertencer à direcção de uma
associação desportiva e outras coisas que, às vezes, como dizia em certa ocasião
um presidente de júri bem humorado, "nem lembram ao Menino Jesus ".. .
Numa prova de mestrado em Economia, o objectivo do CV só pode ser o de
esboçar o perfil do estudante em Economia ou áreas afins, mostrar o que fez nesse
campo, quais são as suas potencialidades e objectivos nessa área. Tudo o resto é mais
ou menos irrelevante.
O CV deve ser dividido em pontos distintos, geralmente numerados, cada um
deles consagrado a um tema, eventualmente subdividido. Por exemplo: 1
1) Identificação
2) Habilitações literárias (evite remontar ao infantário...)
3) Publicações
4) Experiência profissional
Etc.
Geralmente começa-se pela identificação:
1) Identificação:
1.1. Nome
1.2. Endereço
1.3. Contactos (telefones, etc.)
Quanto ao ponto da "Identificação", já agora que me seja permitida uma pequena
observação entre parênteses: há quem embirre solenemente com o costume,
largamente partilhado, em despejar aqui quase todo o Bilhete de Identidade
português (os B.I. dos outros países europeus são muito mais sucintos e respeitadores
da privacidade e liberdade individuais). Por exemplo: para que é que o júri precisa
saber que o estado civil do candidato é solteiro, casado, viúvo ou separado? Que
importa que ele tenha um descendente ou uma filharada com idades e tudo?
Infelizmente o júri empedernido nem sequer quer saber do nome das criancinhas! Já
agora, por que não indicar a altura, o peso e a situação do registo criminal ou a raça?
Bastaria que o CV se limitasse, neste ponto, a indicar o nome e, quanto muito, o
endereço para qualquer contacto.
No que se refere às publicações, é desnecessário (no contexto que estamos a
referir) mencionar pequenas "crónicas", poemas ou desabafos publicados no jornal
126
de uma distinta paróquia. São coisas que fazem manifestamente o orgulho do
candidato, mas é duvidoso que entusiasmem os membros do júri...
Por outro lado, se o CV se destina a concorrer a um emprego numa empresa
comercial, industrial ou da maioria do sector dos serviços, o ponto "publicações"
é menos relevante (o que não quer dizer que seja inútil). Não é preciso suprimi-lo
mas apenas redigi-lo de maneira mais sucinta e encará-lo como uma informação
complementar ou meramente subsidiária.
Normalmente a firma procurará sobretudo saber se a sua formação escolar pode
ser aproveitada na actividade que desenvolve e se a experiência profissional
eventualmente já adquirida pode valorizar as funções que pretende desempenhar.
Se acontecer que alguém da entidade patronal se interessa por este aspecto - por razões
profissionais ou particulares -, não deixará certamente de o esclarecer em entrevista
oral.
♣
Ao nível da investigação propriamente dita há igualmente aspectos que é
indispensável ter presentes.
Um deles é a questão dos prazos. De uma maneira geral, terminada a chamada
"parte escolar do mestrado" (1 ano de cursos em várias matérias), o candidato
pode ser admitido à "segunda parte", dispondo então de mais um ano para preparar a
dissertação. Só depois de ter defendido o seu trabalho de investigação é que terá
direito ao grau de Mestre.
Um ano é tempo suficiente para redigir uma dissertação de mestrado e três anos
chegam para uma tese de doutoramento se houver dedicação a tempo inteiro e o
empenhamento necessário.
Infelizmente, na prática, nem sempre tais prazos são respeitados. É impossível
enumerar todas as razões, mas a mais corrente é a dispersão dos estudantes em várias
actividades - quase sempre legítimas, como garantir o emprego quando se trata de
estudantes-trabalhadores - mas que implicam atrasos por vezes irrecuperáveis.
Em certas circunstâncias (frequentes) isso também resulta de uma falta de
disciplina intelectual e de método. É certo que há igualmente imprevistos, tais como
demoras em obter autorização na consulta de determinados arquivos, documentação que
não se encontra, viagens indispensáveis para ir ver, "no terreno ", como é que as
127
coisas se passam realmente, etc.
No caso de uma dissertação de mestrado é vantajoso esboçar as linhas gerais de
um calendário cujo fio condutor vai do geral ao particular ou, como dizem Phillips e
Pugh, parte-se do "máximo de incerteza" (procura da problemática) para o
"mínimo de incerteza" (redacção propriamente dita)",.
Numa dissertação de mestrado o melhor é dividir esse calendário em períodos
de um mês durante o qual deverão ser atingidas determinadas metas.
O período total é, portanto, de 9 meses. Por hipótese, de Outubro de 1999 a
Junho de 2000.
O mês de Outubro corresponde na maioria das faculdades ao início do ano
lectivo. O ano consagrado à redacção da dissertação é então de Outubro de 1999 a
Outubro de 2000.
O nosso calendário destina-se assim a prever uma "folga" de Junho a
Outubro do ano 2000: três meses para afinar análises, proceder a correcções, rever
a redacção e a estrutura do texto, etc.
A divisão por etapas é precária, mas serve para ajudar a arrumar as ideias e não para
definir um calendário rígido.
No primeiro mês a temática e, dentro desta, a problemática, devem ficar
128
definidas. É grosso modo o que Phillips e Pugh34 chamam “field of interest” e
“possible topics”. Não é irrealista, pois muitos estudantes de mestrado já pensaram
antes em assuntos que gostariam de tratar.
A temática é um campo ou área ainda sem objecto determinado.
A "economia portuguesa", o "institucionalismo " na teoria económica, a
"teoria quantitativa da moeda ", o "intervencionismo estatal na obra de Keynes
" ou as "teses de Hayek sobre o liberalismo " não constituem, por si só, orientações
claras.
Estes enunciados são temáticas que pouco nos dizem ainda sobre o que pode,
ou vai ser, o rumo a seguir e para quê. Balizam, quanto muito, o campo onde
precisa ser instalada a construção propriamente dita da pesquisa.
Logo que ele esteja definido, a questão central tem de responder a uma
interrogação.
"A economia portuguesa", tanto pode ser a história da economia portuguesa
de Afonso Henriques até aos nossos dias (escusado será dizer que se trata de um
tema escorregadio), como "Aspectos da economia portuguesa desde o 25 de Abril de
1974 ", mais prudente na periodização.
O primeiro tem pouco sentido, pelo menos neste plano, e é praticamente
inexequível.
O segundo pude merecer que o orientador faça a pergunta sacramental: "Para
demonstrar o quê? ".
Ou seja, dentro dessa temática - supondo que ela pode ser tratada dentro de
uma calendarização determinada - qual é a problemática a demonstrar?
Colocando as coisas mais simplesmente: é preciso levantar uma hipótese e tentar
responder, confirmando-a ou refutando-a.
Em vez de "Aspectos da economia portuguesa.... ", mais vale descobrir uma
pista. Por exemplo: "A integração de Portugal na Comunidade Económica Europeia
contribuiu positivamente (ou negativamente) para o fortalecimento e modernização
do sector A ou B da economia portuguesa".
_________________
34
PHILLIPS (Estelle M.) and PUGH (D. S.), How to Get a Ph.D., op. cit., 1993. 0 gráfico que apresento
a seguir é, em parte, inspirado num gráfico destes autores reproduzido na página 74 da obra
referenciada.
129
Neste segundo caso já estamos numa direcção mais precisa do que o da
simples "temática" inicial. Podemos agora traçar o rumo de uma investigação
circunscrita no espaço e no tempo, onde se testam factos e hipóteses.
Em consequência, a afirmação provisória inicial é submetida à análise teórica ou
empírica, ou a ambas, confrontando teses de vários autores, filtrando argumentos à
luz de fontes diversas.
A ponte que permite passar da simples descrição à análise (crítica) é
cimentada por dois conceitos que dão ao trabalho a sua principal característica de
trabalho académico: como e porquê.
Os próximos 3 meses são passados a recolher dados para a elaboração de um
plano provisório, por enquanto um simples esboço de orientação que pode ser
alterado de caminho se novos elementos de informação proporcionarem um outro
rumo, mais interessante ou mais inovador. A conjugação da análise teórica com
o trabalho empírico é da maior importância. Se os dados recolhidos vierem a refutar a
pré-teoria ou a teoria que guiava a investigação é indispensável fazer uma paragem e
perguntar porquê.
Se, após cuidadosa verificação, os dados estiverem certos, ou a teoria falhou
ou foi mal interpretada. Parece indispensável repensar o enquadramento sob um
novo ângulo, e não distorcer os factos para se adaptarem à teoria, o que revelaria ou
uma desonestidade inadmissível ou uma confusão igualmente inaceitável entre
ideologia e trabalho científico. Que isso aconteça voluntária ou involuntariamente o
resultado é o mesmo: desastroso.
É evidente que se o candidato estiver a ser orientado por um professor atento a
quem é colocado o problema ou dele se apercebe, o assunto pode ser resolvido a tempo
e de maneira adequada. Se se encontrar a preparar a dissertação por sua conta e risco
(essa possibilidade legal existe) e não tiver o cuidado de consultar alguém, as
consequências podem ser catastróficas no dia das provas...
Outra matéria em que é necessário ser extremamente cauteloso refere-se à
utilização de fontes.
"Inspirar-se" noutros autores é perfeitamente natural. Que o candidato utilize os
trabalhos desses autores para construir o seu também não tem mal, desde que cite
convenientemente as suas fontes. As transcrições ipsis verbis são legítimas desde que
entre aspas e referenciadas em nota de rodapé, mas não convém abusar de tal
método. Páginas e páginas de transcrições podem levar o júri a dar-lhe a triste
notícia que aprova os autores citados mas o reprova a si por estar ausente do texto.
130
Quanto ao candidato pilha-galinhas que enche páginas com trechos literalmente (e conscientemente) copiados, sem aspas nem referências de espécie alguma
(já aconteceu!), nem vale a pena insistir.
Direi apenas que os júris universitários são sempre impiedosos quando
descobrem tais façanhas (diga-se em abono da justiça: muito raras). Mas quando elas
acontecem, não há salvação possível para o seu autor...
Existe, no entanto, uma forma mais subtil de plágio, a maior parte das vezes
involuntário, é verdade, a que os mestrandos e doutorandos deveriam estar
igualmente atentos.
Trata-se de utilizar a ideia de um autor reescrevendo-a com palavras nossas.
Não custa nada ser mais atento e proceder como mandam as regras. Basta
escrever: "Como disse o autor X" e depois, sem necessidade de utilizar aspas, o
mestrando escreve o texto da sua lavra mencionando, porém, em nota de rodapé a
fonte (escrita ou meramente oral) onde o "autor X" enunciou a tal ideia.
Esse modo de trabalhar inspira confiança e é, em geral, muito apreciado pelos
júris atentos.
O mestrando (ou o doutorando) pode e deve adoptar esse procedimento, ainda
que as opiniões sejam divergentes. Mas se, mesmo indirectamente, serviu de
inspiração, porque não indicá-lo? Por exemplo:
"Entendo que o conceito X nesta fase do crescimento económico só pode ser
interpretado no sentido Z".
Mas pode-se (e deve-se) acrescentar, no texto ou em nota de rodapé:
"O autor A também utiliza o conceito X, mas num contexto económico e
social completamente diferente. A sua leitura sugeriu-me, no entanto, outra
possibilidade que corresponde à sua inserção no sentido que adoptei na minha
análise..."
Ou:
"O conceito X também foi utilizado pelo autor A. Retomo a sua ideia no
seguinte contexto: (etc.).."
Ou ainda:
"Concordo com o autor A, que também utilizou o conceito X. É nesse sentido
que o emprego para demonstrar que..."
Lendo um autor, acontece por vezes que, ao virar de página, um conceito, ideia
131
ou imagem despertam uma intuição que podemos desenvolver. Não fora a
centelha desencadeada por essa leitura talvez não tivéssemos tido "intuição"
alguma...
Será excessivo "pagar" essa dívida com uma simples menção?
O que acabamos de dizer cobre afinal todo o período da investigação e não se
situa nesta ou naquela etapa. Se teoricamente a redacção propriamente dita está
assinalada no gráfico relativamente ao período de Março a Junho (período 6-9), nada
impede que, desde o início, possamos ir redigindo notas de leitura ou bocados de
capítulos à medida que vamos avançando. O que é indispensável é ter, desde
Novembro (período 2), um guião ou plano ainda que precário e sujeito a alterações. Por
outras palavras, precisamos de saber à partida o que procuramos e o que queremos
dizer, mesmo se, repito, essa orientação pode mudar a qualquer momento.
É no entanto conveniente ter um plano "definitivo" tão cedo quanto possível.
Indicamos no gráfico o período 5 (Fevereiro), mas se conseguirmos obtê-lo mais
cedo tanto melhor. Este "definitivo" não significa naturalmente que não possam ser
feitos ajustamentos ao longo de toda a investigação.
A dissertação de mestrado não é nenhum "bicho de sete cabeças" como
alguns por vezes crêem.
Ao fim e ao cabo, trata-se de colocar um problema, examiná-lo e dele
extrair uma conclusão minimamente fundamentada. Deve-se ter em conta o que já
foi dito por outros sobre essa mesma questão sem ser necessariamente exaustivo,
bem entendido, saber colocar o problema num enquadramento teórico adequado
(pelo menos em termos da sua completa inteligibilidade), e argumentar
suficientemente para poder ter direito a chegar a um resultado convincente.
Evidentemente que é necessário dar alguma coisa de si próprio, discutir,
interrogar, comparar, deduzir. Como já se disse, o como e o porquê são os dois
motores da pesquisa.
Não interessa passar o tempo todo a dizer "aconteceu isto, aconteceu aquilo,
aconteceu aqueloutro... ".
Essa metodologia descritiva, só aceitável em pequenas doses, não leva a parte
alguma. Se "aconteceu isto e aquilo " a questão é saber como e porquê, ou o que
teria resultado se não fosse assim, ou que possíveis interpretações se podem fazer
do fenómeno, etc.
Na medida do possível o fio condutor do trabalho segue, desde o princípio até ao
fim, um objectivo, que é de demonstrar, suponhamos, que A é igual (ou desigual) a
132
B.
A conclusão pode confirmar ou infirmar o pressuposto (hipótese) inicial desde
que haja argumentos (na demonstração) suficientes.
Um investigador não deve encaixar "a martelo", por assim dizer, os factos na
teoria (com o perigo de cair na ideologia) mas procurar conjunções e disjunções
entre teoria e empiria até chegar a um resultado que pareça aceitável. Nesse plano o
orientador tem um papel decisivo quanto à validação da meta atingida.
Evidentemente que a dissertação de mestrado não precisa de constituir um
contributo absolutamente inovador para a ciência.. Deixemos essa ambiciosa meta
para outras lides.
Uma honesta monografia pode constituir uma boa dissertação de mestrado desde
que, como dissemos, ela não se limite a uma chã e insípida descrição de factos, a
uma subserviente cópia do que já foi dito mil vezes, ou a um amontoado de
afirmações axiomáticas que nada. provam.
A investigação - mesmo a este nível relativamente modesto - é um caminho
semeado de dúvidas. Os que já sabem tudo e não duvidam de nada não precisam de ser
investigadores. Basta-lhes ser profetas...
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Este livro “on line” começa na página 5, uma vez que foi necessário