SOCIOECONOMIA A seca na Foto: Acervo SEAGRI Bahia Luiz Miranda1 1 – Engenheiro Agrônomo, Diretor de Pecuária da Superintendência de Desenvolvimento Agropecuário – SDA/ SEAGRI, Salvador – BA; e-mail: [email protected] ais uma vez a Bahia enfrenta uma seca. Compreender o fenômeno das secas é necessário para o uso sustentável dos limitados recursos hídricos da região semiárida do Estado. Nesse contexto, estudos para a melhoria da previsão de secas, com base nos dados meteorológicos disponíveis e, em tempo hábil, de forma que medidas possam ser tomadas, no sentido de minorar seus efeitos, torna-se crucial. M pre foi abordado sob viés técnico. Em alguns casos, são estudados os aspectos relativos aos seus impactos econômicos e sociais. Neste estudo, contudo, analisamos do ponto de vista conceitual, bem como sua variabilidade espacial e temporal. Além desses aspectos, buscamos descobrir, com os erros e acertos do passado, um caminho seguro para nortear as ações que permitam produzir com segurança no Semiárido nordestino. Na Região Nordeste do Brasil, o fenômeno das secas nem sem- Grande parte de nosso planeta pertence à denominada área de 38 Foto: Heckel Júnior risco à seca. São regiões onde a precipitação aproxima-se do limite permitido à prática agrícola. Exemplos são o Sahel na África, o Nordeste do Brasil, grande área da China, o platô Dekkan, na Índia, e parte da África do Sul. Tratam-se, portanto, de áreas de enorme vulnerabilidade para a agricultura (BARROSO, 2012). Consideráveis áreas das Américas do Norte e do Sul, Austrália, Europa e Ásia foram atingidas por secas severas, acarretando prejuízos econômicos, sociais e ecológicos. A gravidade das secas está ligada com a duração, que pode atingir um ou até cinco anos consecutivos. CARACTERIZAÇÃO DA REGIÃO NORDESTE Além dos estados que compõem a Região Nordeste, essa região ainda é subdividida em quatro sub-regiões de acordo com características climáticas e de urbanização (IBGE, 2012): Zona da Mata É a sub-região mais populosa e urbanizada. Compreende a faixa litorânea (aproximadamente 200 km de largura) que vai do Estado do Rio Grande do Norte à Bahia (litoral leste da região Nordeste) e é caracterizada pelo clima tropical úmido, presença de mata atlântica, pluviosidade bastante regular, principalmente na região sul da Bahia, e solo bastante fértil. Agreste É a sub-região de transição entre a Zona da Mata, bastante úmida, e o Semiárido, região bastante seca, acompanhando a faixa da Zona da Mata do Rio Grande do Norte ao sul da Bahia. No Agreste, predominam os minifúndios dedicados à produção de subsistência e a pecuária leiteira, sendo o excedente comercializado na região da Zona da Mata. Sertão vai desde o litoral do Ceará e Rio Grande do Norte (neste último, até próximo a cidade de Natal), até a região sudoeste da Bahia. As chuvas são escassas e, por isso, a pecuária e agricultura são atividades bastante difíceis na região. O único rio perene do sertão é o São Francisco do qual é desviada água para irrigação em alguns locais e que também é fonte de energia através de hidrelétricas como a de Sobradinho (BA). A vegetação típica dessa sub-região é a caatinga. Meio-Norte Sub-região de clima semiárido que compreende o centro da região Nordeste, em uma extensão que 39 Esta sub-região já apresenta uma pluviosidade maior conforme se afasta para oeste, em direção aos Estados do Norte e compreende o Estado do Maranhão e grande parte do Piauí. Nesta região é comum a presença das “matas de cocais”. As principais atividades praticadas são a criação de gado, o cultivo de algodão e arroz. Em 10 de março de 2005, o Ministério da Integração Nacional publicou Portaria que instituiu a nova delimitação do Semiárido brasileiro, resultante do trabalho que atualizou os critérios de seleção e os municípios que passam a fazer parte dessa região. A nova delimitação tomou por base três critérios técnicos, a saber: 1) precipitaMapa 1 ção pluviométrica média anual inferior a 800 milímetros; 2) índice de aridez de até 0,5, calculado pelo balanço hídrico que relaciona as precipitações e a evaporação potencial entre 1961 e 1990; 3) risco de seca maior que 60%, tomando por base o período entre 1970 e 1990. Baseado nesses novos critérios, a área classificada como Semiárido brasileiro aumentou de 892.309,4 km2 para 969.589,4 km2 (BRASIL, 2005). Esta área integra parte de oito estados nordestinos (Alagoas, Bahia, Ceará, Minas Gerais, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe) e parte do norte de Minas Gerais (Mapa 1). NOVA DELIMITAÇÃO DO SEMIÁRIDO BRASILEIRO Nova delimitação do Semiárido Estados da Região Nordeste Minas Gerais Fonte: Ministério da Integração 40 Todos esses Estados compreendem uma área de 1.108.434,82 km², o que equivale a 10,5% do território nacional e 53,9% do território nordestino englobando 1.348 municípios, distribuídos pelos Estados do Piauí (214), Ceará (180), Rio Grande do Norte (161), Paraíba (223), Pernambuco (145), Alagoas (51), Sergipe (32), Bahia (256) e Minas Gerais (86), cujas populações totalizam 20.858.264 pessoas, sendo 40% residindo na área rural. A Insolação média é de 2.800 h/ano, com evaporação média de 2.000 mm/ano e umidade relativa do ar média em torno de 50% (BRASIL, 2005). O FENÔMENO DA SECA O conceito de seca varia segundo o ponto de vista. Para um Hidrogeólogo pode ser entendida como a insuficiência de recursos hídricos. Esta seca pode ser causada por uma sequência de anos e tem como consequência o colapso nos sistemas de abastecimento de água. Para o Engenheiro Agrônomo assim como para o agricultor e o pecuarista, a seca altera a produção agrícola de sequeiro e a pecuária provocando grandes transtornos sociais a exemplo da fome, migração e desagregação familiar. Para o Meteorologista é enxergar o futuro para subsidiar tomadas de decisões fundamentais para todas as áreas que dependem das chuvas, até mesmo o turismo. Finalmente, para o nordestino significa risco de vida (WILHITE; GLANTZ, 1987 apud VALADÃO et al., 2010). CLASSIFICAÇÃO DAS SECAS As secas podem ser classificadas em (BRASIL, 2005a): Hidrológicas – Caraterizam-se por uma pequena, mas bem distribuída, precipitação. As chuvas são suficientes apenas para dar suporte à agricultura de subsistência e às pastagens; Agrícolas – Também conhecida como seca verde, acontecem quando há chuvas abundantes, contudo mal distribuídas em termos de tempo e espaço; se estabeleceram provavelmente há 20.000 anos, no fim da última grande era glacial. O primeiro e mais importante é composto pelas áreas de baixa e alta pressão atmosférica no Pacífico equatorial (MARENGO, 2006). Na década de 1920, o inglês Gilbert Walker descobriu que o padrão meteorológico do Oceano Pacífico equatorial contém uma área de baixa pressão atmosférica sobre a Indonésia e o norte da Austrália e uma área de alta pressão no oceano, próximo à costa da América do Sul, resultado da lei física de que o ar quente tende a subir e o ar frio tende a descer (MARENGO, 2006). De maio a setembro, as águas quentes do Oceano Índico e do Mar da China provocam a ascensão de um vento quente e úmido, criando o que os meteorologistas chamam de área de baixa pressão. A ascensão desse vento úmido, também chamada de convecção, leva à formação de nuvens e chuvas, no fenômeno conhecido no Sudeste asiático como monções. Livre da água, o vento viaja sobre o Pacífico a uma altura de 15 quilômetros em direção ao leste. Nesse trajeto, o vento se resfria e tende a descer sobre o oceano, próximo à costa oeste da América do Sul, criando uma área de alta pressão atmosférica (MARENGO, 2006). Em ciclos de três e sete anos, nos meses de setembro, outubro e novembro, por motivos que ainda não se consegue determinar com cer- Efetivas – Ocorrem quando há baixa precipitação e má distribuição de chuvas, tornando difícil a alimentação das populações e dos rebanhos e impossibilitando a manutenção dos reservatórios de água para consumo humano e animal. CAUSAS DA SECA Foto: Heckel Júnior O fenômeno das secas do Nordeste tem origem em lugares tão distantes quanto o Sudeste asiático e o círculo polar ártico. É provocado por dois mecanismos de circulação de ventos no planeta. São fenômenos que 41 Ainda assim, as chuvas da terceira semana de março, no Nordeste, dependem muito mais de fatores físicos, que da esperança em São José, cuja data comemorada pelos devotos é dia 19 de março. Elas são consequência de outro fenômeno meteorológico conhecido desde o século XVIII e chamado pelos climatologistas de Zona de Convergência Intertropical (ZCIT), um anel de ar úmido que envolve a Terra próximo à linha do Equador. A ZCIT oscila entre as latitudes de 10° ao Norte e 5° ao Sul, a região onde os ventos alísios dos hemisférios norte e sul se encontram. Esse fenômeno também é chamado de “célula de Hadley”, devido ao meteorologista inglês George Hadley (1685-1768) que, em 1735, descreveu seu funcionamento. Dependendo da localização, a zona de convergência intertropical pode amenizar ou agravar as secas provocadas pelo El Niño (MARENGO, 2006). As nuvens de chuva da zona de convergência intertropical são alimentadas, em boa parte, pelo sistema de baixa pressão atmosférica da região da Terra Nova, no Canadá, próximo ao círculo polar ártico. Quando a baixa pressão é mais forte na Terra Nova, o ar úmido engrossa a ZCIT que se desloca em direção às águas Foto: Heckel Júnior teza, uma grande massa de água quente vinda da Austrália avança pelo Pacífico equatorial em direção ao leste além da Ilha de Taiti, no fenômeno conhecido como El Niño. A água quente cria nova zona de convecção, deslocando as chuvas do meio do Oceano Pacífico para a costa oeste da América do Sul, na altura do Peru, e levando a corrente de ar vinda do Sudeste asiático a cair diretamente sobre o Nordeste brasileiro, impedindo a formação de nuvens de chuva (MARENGO, 2006). mais quentes próximas ao Equador, acompanhando com um pequeno atraso o movimento do Sol. Assim, quando o Sol atravessa a linha do Equador no equinócio de outono do hemisfério sul, entre os dias 20 e 21 de março, a zona de convergência intertropical atinge sua posição mais ao sul, provocando as chuvas do dia de São José (MARENGO, 2006). Às vezes, a chuva não chega. O movimento da zona de convergência intertropical depende da temperatura das águas no oceano, que na região equatorial varia entre 26° e 29°. E uma variação de um a meio grau entre as águas do Atlântico Norte e do Sul é a diferença entre um “inverno” chuvoso ou seco. Com as águas do Atlântico Norte mais frias, a ZCIT desloca-se para o sul, trazendo suas nuvens carregadas. Se as águas do Atlântico estiverem mais frias no sul, entretanto, as chuvas serão despejadas na Amazônia. Para o nordestino será a seca (MARENGO, 2006). O Mapa 2 representa o regime de chuvas na Bahia. A HISTÓRIA DAS SECAS A história das secas no Nordeste relata a saga de um povo em busca de sobreviver no mais inóspito dos climas deste país. A ausência de regularidade de chuvas e de políticas públicas voltadas para resolver a situação agrava um quadro assustador: 42 Mapa 2 REGIME DE CHUVAS DA BAHIA ITCZ A Frentes frias+umidade da Amazônia (nov/dez/jan/fev) Zona de convergência intertropical (dez/jan/fev/mar) Frentes frias Alta Subtropical do Atlântico (abr/mai/jun/jul) Fonte: SOMAR Meteorologia fome, sede, migração desenfreada, epidemias e miséria (MEDEIROS FILHO; SOUZA, 1988). O registro da primeira seca é anterior à colonização portuguesa, e é relatada por Fernão Cardin: “houve uma grande seca e esterilidade na província (Pernambuco) e desceram do sertão, ocorrendo-se aos brancos cerca de quatro ou cinco mil índios” (MEDEIROS FILHO; SOUZA, 1988). A SECA DE 1700 Até a primeira metade do século XVII as áreas secas do interior do Nordeste de Pernambuco ao Ceará eram ocupadas exclusivamente pelos índios. A seca foi o motivo pela ocupação tardia do interior do Nordeste. A colonização do interior foi intensificada após uma Carta Régia que proibia a criação de gado em uma faixa de dez léguas desde o litoral em direção ao interior. Esta ação provocou a ocupação do que hoje é Bahia, Alagoas, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Sergipe e também Norte de Minas Gerais. Esta medida acelerou o crescimento dos rebanhos e, consequentemente, o populacional. Assim, sem uma seca mais severa, a população e os rebanhos cresceram rapidamente (CAMPOS; STUDART, 1997). 43 Apesar desse crescimento, não houve investimento em infraestruturas de água, meios de transportes e sanidade. Por trás de todo o crescimento estava o esquecimento dos efeitos da seca. As fazendas não tinham infraestrutura para a quantidade de escravos. Há quem diga que ocorreu a morte de aproximadamente oito mil escravos (CAMPOS; STUDART, 1997). A seca mais severa desse século atingiu em cheio o frágil modelo de exploração e a sociedade despreparada. Foi a seca de 1777-1779. Há quem estime que “morreram mais de 500.000 pessoas no Ceará e cercanias”. Mesmo considerando o exagero da estimativa, esse foi realmente um grande desastre. Talvez o maior desastre que já atingiu uma região brasileira. Há quem garanta que o Ceará perdeu 80% do rebanho (CAMPOS; STUDART, 1997). A GRANDE SECA A “Grande Seca”, como ficou conhecida, teve início em 1877 e durou pouco mais de dois anos. Os efeitos foram catastróficos. Há quem estime que doenças, fome e sede dizimaram, somente, no Ceará, mais de 500 mil habitantes. Antônio Conselheiro percorreu as regiões afetadas pela seca para socorrer os flagelados. Passou a ser considerado um santo, aumentando o número de pes-soas que o acompanhavam. surgiram os estudos para encontrar uma solução para o problema. Surgiram basicamente três linhas: armazenamento de água e irrigação, transposição do rio São Francisco e irrigação e mudanças no perfil econômico da Região. A SECA DE 1897 Neste ano, os habitantes do Arraial de Canudos foram massacrados. Crianças, mulheres e idosos foram mortos sem piedade. Antônio Conselheiro foi assassinado em 22 de setembro de 1897. Há quem atribua a seca deste ano ao castigo dos céus pela morte do beato (SECA..., 2012). Foto: Heckel Júnior A SECA DE 1915 A PRIMEIRA PROVIDÊNCIA Após a catástrofe de 1877, pela primeira vez, as autoridades do Império começaram a ter uma maior preocupação com o assunto. O imperador D. Pedro II cunhou a célebre frase: “Não restará uma única jóia na Coroa, mas nenhum nordestino morrerá de fome”. Criou-se então a comissão imperial para desenvolver medidas que pudessem atenuar futuras secas. Da adaptação de camelos, construção de ferrovias e açudes e a abertura de um canal para levar água do Rio São Francisco para o Rio Jaguaribe, no Ceará. Contudo muito pouco foi feito (SECA..., 2012). A SECA DE 1888 Uma década depois, outra severa e duradoura seca atingiu o Nordeste brasileiro. Foi a seca de 1888, conhecida como a seca dos três oitos. A partir de então, 44 Esta seca foi marcada pelo movimento de fuga para as regiões litorâneas, em especial as cidades, – o início do êxodo. Este período foi imortalizado por Rachel de Queiroz, em seu livro “O quinze” escrito durante a seca de 1932, quando a escritora tinha apenas 20 anos (SECA..., 2012). A seca de 1915 provocou fortes rotas migratórias. Os retirantes invadiam as cidades, provocando bolsões de miséria. O governo do Ceará criou uma espécie de campo de concentração, nas margens das grandes cidades para impedir a entrada dos retirantes. A fome, aliada a total ausência de esgotamento sanitário provocou um quadro trágico de doença e morte (SECA..., 2012). “Eram locais para onde grande parte dos retirantes foi recolhida a fim de receber comida e assistência médica. Não podiam sair sem autorização dos inspetores do campo. Ali ficavam retidos milhares de retirantes a morrer de fome e doenças”, relata a professora Kênia Rios, doutora em História pela Pontifícia Universidade (PUC) de São Paulo (BARRETO, 2007). A SECA DE 1931–1932 A seca de 31 trouxe o maior prejuízo para a Bahia. Foi nessa época que se tornou conhecida a expressão “indústria da seca”. Os poderes econômicos e políticos da região usavam recursos do governo em benefício próprio, com o pretexto de combater as mazelas, transformando o fenômeno climático em fenômeno político (BARRETO, 2007). SECA DE 1951–1953 A expressão “pau-de-arara” surgiu nessa época motivada pelo transporte de nordestinos sertanejos no desconfortável caminhão, quando milhares de flagelados do Nordeste foram transportados de forma desumana para outras regiões do país, especialmente São Paulo e estados circunvizinhos. Ainda em 1951, Luiz Gonzaga e Zé Dantas eternizaram a seca em Vozes da Seca: “Mas doutô uma esmola a um homem qui é são. Ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão”. A SECA DE 1992–1995 A seca de 1992 a 1995 trouxe o maior prejuízo para a pecuária do A falta de água no Nordeste coincidiu com a crise de energia elétrica que colocou em risco todo o País. A estiagem tornou-se ainda mais preocupante, pois Estados vizinhos também estavam assolados pela seca. As obras de combate às secas, iniciadas e abandonadas pelo governo federal antes da conclusão, já haviam provocado, entre 1978/1993, prejuízos de CR$ 6,7 trilhões. O escândalo das obras inacabadas deu origem até mesmo a uma Comissão Parlamentar de Inquérito – CPI, no Congresso Nacional, para apurar responsabilidades (SECA..., 2012). Foto: Heckel Júnior A agropecuária crescia e a Bahia se estabelecia como maior polo do Nordeste. A dicotomia entre a agricultura e a pecuária promovia a sustentação do binômio. Assim, a cultura do cacau garantia o sucesso da pecuária do Sul da Bahia. O café e o algodão eram a mola propulsora do Sudoeste. A cana e a mandioca no Recôncavo e esse clima de crescimento esbarrou em mais uma seca. A ausência de estradas e sobretudo meios de transportes impediam as rotas migratórias e a morte do rebanho foi significativa (BARRETO, 2007). Estado da Bahia, para o rebanho bovino houve a redução do efetivo de 14 para 8 milhões de cabeças (IBGE, 2012). 45 A SECA DE 2012 É considerada a seca mais severa dos últimos 50 anos. Segundo dados da Secretaria Nacional de Defesa Civil, 1.171 municípios estão em situação de emergência por conta da prolongada estiagem na Região Nordeste. Queima de petróleo no oceano atlântico para aumentar o índice pluviométrico; Construção de açudes nas nascentes das bacias hidrográficas. SOLUÇÕES NÃO CONVENCIONAIS: SOLUÇÕES CONVENCIONAIS: A solução proposta foi trazer camelos do deserto e adaptá-los ao Nordeste Semiárido. A idéia foi proposta pelo Governo Federal em 1859, para ser testado no Estado do Ceará e teria como finalidade suprir a necessidade de um meio de transporte, para enviar alimentos e água, além de transportar as pessoas do interior para as cidades do litoral, para atendimento médico; Construção de açudes e adutoras; Transposição de bacias; Construção de poços tubulares. Promover fratura de rochas no cristalino, através de explosão, para armazenamento de águas subterrâneas; Foto: Heckel Júnior Muitos municípios nordestinos estão enfrentando colapso no abastecimento de água, e cresce o número de comunidades nas zonas rurais que recebem carros-pipa. Por conta da falta de alimentos e água, muitos animais estão morrendo nos pastos, assim como produções inteiras foram perdidas nos últimos meses. Segundo a Federação da Agricultura e Pecuária do Estado da Bahia (FAEB), a queda da produção chega a 100% em algumas lavouras e a 60% nos rebanhos. ESTRATÉGIAS HISTÓRICAS DE COMBATE ÀS SECAS AÇUDAGEM: A implantação de açudes teve início no período do Império no ano de 1877, ano em que a região foi assolada por uma grande seca. Daquela data até a metade do atual século, a política de combate às secas contemplava, principalmente, a formação de uma infraestrutura hidráulica e a implantação de postos agrícolas como indutores da irrigação na Região. O período em que predominou essa política foi posteriormente denominado de período da solução hidráulica (SECA..., 2012). Na segunda metade de século teve início a política do aproveitamento intensivo do potencial hidráulico por meio dos grandes projetos de irrigação. Tratava-se de uma Política delineada pela Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste – SUDENE (SECA..., 2012). O regime de construção de açudes em cooperação, desativado em 1967, pretendia melhor distribuir, sob o ponto de vista espa- 46 cial, a oferta d’água e subsidiava a construção de açudes particulares de capacidade máxima de três milhões de metros cúbicos. Não havia desapropriação de terras. O projeto e o orçamento eram fornecidos gratuitamente pela Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas (IFOCS)/Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS) e um prêmio, equivalente à metade do orçamento, era concedido no fim da construção ou, a título de adiantamento, quando metade da obra estivesse pronta. Os proprietários, em contrapartida, comprometiam-se a fornecer água para as necessidades domésticas das populações circunvizinhas. Nem sempre a construção atendia a interesse da população. O século XX foi o século da açudagem no Semiárido, por todo um período de 100 anos. Quando da “grande seca” de 1877/79, o Semiárido não possuía mais que seis açudes. O Governo Imperial autorizou o início do grande açude do Cedro, em Quixadá, Ceará, que só foi concluído no ano de 1906, já no Governo Republicano. Cem anos de construído, este açude, armazenando 126 milhões de m³, continua prestando seus serviços a milhares de nordestinos (SECA..., 2012). Foi o início do programa de construção da grande rede de açudes espalhados pelo Semiárido. Chegando ao final do século XX com a construção, de cerca, de 70.000 açudes, públicos e particulares. Mais de 10% são açudes construídos para suportar os grandes períodos de estiagem, projeta- dos, alguns, com capacidade para geração de energia hidrelétrica e muitos outros com projetos de irrigação. São açudes que não secam, apesar da fortíssima e drástica evaporação promovida pela radiação solar nesta região. Reduzem em até 60% do seu volume, mas renovam, quase sempre nos anos subsequentes. No Vale do Jaguaribe, Ceará, o açude Orós, construído, em 1960, acumula 2,5 bilhões de m³ de água. O Açude Armando Ribeiro Gonçalves, construído no Rio Grande do Norte, em 1983, com um volume de 2,4 bilhões de m³ de água. O Banabuíu e o Araras, ambos no Ceará, que juntos somam 2,7 bilhões. O Castanhão, no Vale do Jaguaribe CE, concluído no ano de 2003, é o maior do mundo, construído pelo homem. Com capacidade de 6,7 bilhões de m³. Os pequenos e médios açudes, com volumes compreendidos entre 10.000 e 200.000 m³, representam 80% das coleções de água nos Estados do Nordeste e são objetos de preocupação. Esses açudes, por apresentarem formas geométricas variadas devido à falta de planejamento inicial no momento da sua construção, em que o principal fator levado em consideração sempre foi a vontade de se fechar uma pequena bacia, trazem inevitáveis problemas de dimensionamento, não sendo raro açudes que nunca vieram a sangrar. Esse aspecto, ao contrário do que muitos imaginam, traz problemas muito sérios de salinização, pois as águas ficam su47 jeitas à concentração salina devido ao fenômeno da evaporação intensa. Com esse fenômeno, a água se evapora, mas o sal permanece no açude e a sua concentração é progressiva. Assim o fato de não sangrar constitui-se em um grande mal para os açudes (GASPAR, 2012). INDÚSTRIA DA SECA A região Nordeste sofre com dois fenômenos: um político chamado “indústria da seca” e outro natural chamado “seca” propriamente dita. A tragédia que atinge grande parte da região Nordeste brasileira e parte da região norte de Minas Gerais costuma ser utilizada (e supervalorizada) para justificar a fome e o subdesenvolvimento econômico e social da região em nome de erros cometidos no passado e que faz fracassar qualquer tentativa de reverter este quadro (GASPAR, 2012). Em 1909, foi criado o primeiro órgão de combate à seca, com o nome de Inspetoria de Obras Contra as Secas (IOCS). Em 1919 passou a ser Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas (IFCOS). Em 1945, Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS) (GASPAR, 2012). A ideia central era definir metas e solucionar o problema com obras para armazenar e transportar a água para a população e assim atender a agricultura, a pecuária e a utilização humana. Pode se notar, pelo aumento da área atingida pela seca, que as ações foram insuficientes. A seca do Nordeste está ligada à falta de políticas que realmente funcionem em benefício da população. Durante as longas estiagens, o governo federal socorre os Estados atingidos, com ações emergenciais, como: envio de recursos para ser aplicado nessas áreas; cestas básicas para a população; perdão total ou parcial das dívidas de empréstimos tomados por agropecuaristas. A “indústria da seca” se utiliza da situação de emergência para conseguir mais verbas, incentivos fiscais, concessões de crédito e perdão de dívidas valendo-se da fome e da miséria pela qual passa o nordestino. CONSIDERAÇÕES FINAIS Seca de 2012, um drama que atinge milhões de baianos e produz efeitos devastadores na economia da atividade de maior geração de emprego no país: a agropecuária. O Nordeste brasileiro vive mais uma daquelas secas históricas e a Bahia é um dos Estados mais atingidos. Mais da metade dos municípios decretou situação de emergência. O regime pluviométrico do inverno (junho e julho) de 2011 abaixo do normal provocou uma diminuição das reservas hídricas na Bahia. Os reservatórios estavam secos, as pastagens abaixo de suas reservas e o produtor descapitalizado. A esperança eram as trovoadas (chuvas de novembro de 2011 a março 2012). Com a ausência de chuva a natureza entra em colapso, é a seca de 2012. Essa é tida por muitos como a pior seca dos últimos anos. Podemos medir os efeitos da estiagem prolongada através de índices pluviométricos, da mortalidade do rebanho, do êxodo rural e da mortalidade do homem, entre outros. Neste ano, enfrentamos índices de 50 mm, onde o normal é de 500 mm e 100 mm em regiões que chovem 1.000 mm. Com a evolução das práticas agronômicas de irrigação, produção de feno, silo, os recursos de meios de transporte e pelas medidas empreendidas pelo governo do Estado para amenizar os efeitos da seca, a mortalidade animal não causou o mesmo prejuízo que em secas anteriores. 48 “Quando a seca chega no sertão” o pecuarista procura, no município as propriedades que ainda dispõem de forragem para alugar pasto. Quando esta alternativa não dá mais certo, a saída é “recursar” o gado para municípios vizinhos. A terceira opção é mudar de bioma, a quarta é mudar de Estado, a quinta é vender. Assim surgem as rotas migratórias. Contudo, “a esperança é a última que morre”. Os melhores animais e as vacas produtoras de leite são mantidos na propriedade a fim de promover o sustento da família. Surge a inexorável “Lei de mercado” muita oferta e os preços despencam, O preço da arroba despencou de R$ 100,00 para R$ 70,00. Em alguns lugares os animais eram comercializados como peça. Uma peça variava de R$ 350,00 a R$ 500,00. Essa agonia dura de dois a três anos, a expectativa da chuva que não vem gera um clima de sofrimento e dor. Os poucos recursos são investidos até o fim. É necessário desfazer de animais para alimentar os que ficam. Diante deste quadro o baiano enfrenta outras dificuldades. O preço do milho e da soja duplicou por conta da seca nos Estados Unidos. O produtor do Sul prefere exportar a vender para o Nordeste. A Barragem do Sobradinho recebe hoje 800 m³ por segundo e libera 1.200 m³ por segundo, com esse déficit o nível chegou a 25% de sua capacidade. Afirma-se, com frequência, que o problema do Semiárido não é a falta de água durante as secas, mas a falta de gerenciamento das águas, o que dá a falsa impressão de que a seca é uma simples questão de gestão das águas (CAMPOS, 1999). Gerir num contexto de incerteza elevada é proporcionar esperança sem base sólida, especialmente porque a gestão implica em guardar água para o futuro, com alta probabilidade de perdê-la. Não se trata apenas de armazenar água em reservatórios, é necessário distribuir essa água. O Semiárido exige um conjunto de mecanismos para melhor aproveitar as oportunidades hídricas. Inclui desde construção de açudes, integração de bacias, construção de poços e cisternas. Observa-se que cerca de 60% das águas públicas armazenadas Tem se cobrado dos especialistas um modelo semelhante ao do Ceará, que em 1925 tinha a mesma quantidade de água armazenada que a Bahia tem em 2012. Pelo estudo das secas é nítida a confirmação que o Estado do Nordeste que mais foi assolado pela seca foi o Ceará. Pelo número de mortos da população, pelas incontáveis perdas agrícolas e pela própria produção pecuária do Estado, podemos entender o porquê dessas ações. Bahia tem 13 Bacias Hidrográficas, sendo a maior delas a Bacia do Rio São Francisco, com uma área de 304.421,4 km². Nessa bacia, encontram-se usinas de grande importância como as de Sobradinho, Paulo Afonso e Itaparica. As bacias dos rios Itapicuru, Contas e Paraguaçu destacam-se por serem exclusivamente baianas. Na última, localiza-se a Barragem de Pedra do Cavalo, responsável pelo abastecimento de água de 60% da população de Salvador e Região Metropolitana, além de Feira de Santana e outras cidades próximas à barragem. Ora, a Bahia vive uma realidade edafoclimática significativamente diferente do Ceará. A Bahia tem 6% do seu território com 143 municípios inseridos no bioma Mata Atlântica; 27,3% com 17 municípios no Cerrado e 68,7%, sendo 257 municípios na Caatinga. A Mesmo com essa situação privilegiada, este ano, na Bahia, a estiagem secou barragens, açudes e rios, devastou pastos e lavouras e provocou escassez de alimento para os rebanhos, que morrem de inanição e sede. O clima na Bahia é de apreensão. em reservatórios construídos pelo DNOCS, no Nordeste, estão localizadas no Ceará. Referências BAHIA. Secretaria de Infraestrutura. Plano Estadual de Recursos Hídricos. Salvador: SEINFRA/SRH. BARRETO, P. H. Seca, fenômeno secular na vida dos nordestinos. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&view =article&id=1214:reportagens-materias&Itemid=39>. Acesso em: out. 2012. BARROSO, M. Cada vez mais seco! Disponível em: http://almacks.blogspot.com.br/2012/09/cada-vez-mais-seco.html. Acesso em: out.2012. BRASIL. Ministério da Integração. 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