SOCIOECONOMIA
A seca na
Foto: Acervo SEAGRI
Bahia
Luiz Miranda1
1 – Engenheiro Agrônomo, Diretor de Pecuária da Superintendência de Desenvolvimento Agropecuário – SDA/
SEAGRI, Salvador – BA;
e-mail: [email protected]
ais uma vez a Bahia enfrenta uma seca. Compreender o fenômeno das secas
é necessário para o uso sustentável dos limitados recursos
hídricos da região semiárida do
Estado. Nesse contexto, estudos para a melhoria da previsão
de secas, com base nos dados
meteorológicos disponíveis e,
em tempo hábil, de forma que
medidas possam ser tomadas,
no sentido de minorar seus efeitos, torna-se crucial.
M
pre foi abordado sob viés técnico.
Em alguns casos, são estudados
os aspectos relativos aos seus
impactos econômicos e sociais.
Neste estudo, contudo, analisamos do ponto de vista conceitual, bem como sua variabilidade
espacial e temporal. Além desses
aspectos, buscamos descobrir,
com os erros e acertos do passado, um caminho seguro para
nortear as ações que permitam
produzir com segurança no Semiárido nordestino.
Na Região Nordeste do Brasil, o
fenômeno das secas nem sem-
Grande parte de nosso planeta
pertence à denominada área de
38
Foto: Heckel Júnior
risco à seca. São regiões onde
a precipitação aproxima-se do
limite permitido à prática agrícola. Exemplos são o Sahel na África, o Nordeste do Brasil, grande
área da China, o platô Dekkan,
na Índia, e parte da África do Sul.
Tratam-se, portanto, de áreas
de enorme vulnerabilidade para
a agricultura (BARROSO, 2012).
Consideráveis áreas das Américas do Norte e do Sul, Austrália,
Europa e Ásia foram atingidas
por secas severas, acarretando
prejuízos econômicos, sociais e
ecológicos. A gravidade das secas está ligada com a duração,
que pode atingir um ou até cinco
anos consecutivos.
CARACTERIZAÇÃO
DA REGIÃO
NORDESTE
Além dos estados que compõem
a Região Nordeste, essa região
ainda é subdividida em quatro
sub-regiões de acordo com características climáticas e de urbanização (IBGE, 2012):
Zona da Mata
É a sub-região mais populosa e
urbanizada. Compreende a faixa
litorânea (aproximadamente 200
km de largura) que vai do Estado
do Rio Grande do Norte à Bahia
(litoral leste da região Nordeste) e
é caracterizada pelo clima tropical
úmido, presença de mata atlântica, pluviosidade bastante regular,
principalmente na região sul da
Bahia, e solo bastante fértil.
Agreste
É a sub-região de transição entre
a Zona da Mata, bastante úmida,
e o Semiárido, região bastante
seca, acompanhando a faixa da
Zona da Mata do Rio Grande do
Norte ao sul da Bahia. No Agreste, predominam os minifúndios
dedicados à produção de subsistência e a pecuária leiteira, sendo
o excedente comercializado na
região da Zona da Mata.
Sertão
vai desde o litoral do Ceará e Rio
Grande do Norte (neste último, até
próximo a cidade de Natal), até a
região sudoeste da Bahia. As chuvas são escassas e, por isso, a
pecuária e agricultura são atividades bastante difíceis na região. O
único rio perene do sertão é o São
Francisco do qual é desviada água
para irrigação em alguns locais e
que também é fonte de energia
através de hidrelétricas como a de
Sobradinho (BA). A vegetação típica dessa sub-região é a caatinga.
Meio-Norte
Sub-região de clima semiárido que
compreende o centro da região
Nordeste, em uma extensão que
39
Esta sub-região já apresenta uma
pluviosidade maior conforme se
afasta para oeste, em direção aos
Estados do Norte e compreende
o Estado do Maranhão e grande
parte do Piauí. Nesta região é comum a presença das “matas de
cocais”. As principais atividades
praticadas são a criação de gado,
o cultivo de algodão e arroz.
Em 10 de março de 2005, o Ministério da Integração Nacional
publicou Portaria que instituiu a
nova delimitação do Semiárido
brasileiro, resultante do trabalho que atualizou os critérios de
seleção e os municípios que
passam a fazer parte dessa
região. A nova delimitação tomou por base três critérios
técnicos, a saber: 1) precipitaMapa 1
ção pluviométrica média anual inferior a 800 milímetros;
2) índice de aridez de até 0,5, calculado pelo balanço hídrico que relaciona as precipitações e a evaporação potencial entre 1961 e 1990;
3) risco de seca maior que 60%,
tomando por base o período
entre 1970 e 1990. Baseado nesses novos critérios, a área classificada como Semiárido brasileiro
aumentou de 892.309,4 km2 para
969.589,4 km2 (BRASIL, 2005).
Esta área integra parte de oito estados nordestinos (Alagoas, Bahia,
Ceará, Minas Gerais, Paraíba,
Pernambuco, Piauí, Rio Grande
do Norte e Sergipe) e parte do
norte de Minas Gerais (Mapa 1).
NOVA DELIMITAÇÃO DO SEMIÁRIDO BRASILEIRO
Nova delimitação
do Semiárido
Estados da
Região Nordeste
Minas Gerais
Fonte: Ministério da Integração
40
Todos esses Estados compreendem uma área de 1.108.434,82
km², o que equivale a 10,5% do
território nacional e 53,9% do
território nordestino englobando
1.348 municípios, distribuídos pelos Estados do Piauí (214), Ceará
(180), Rio Grande do Norte (161),
Paraíba (223), Pernambuco (145),
Alagoas (51), Sergipe (32), Bahia
(256) e Minas Gerais (86), cujas
populações totalizam 20.858.264
pessoas, sendo 40% residindo
na área rural. A Insolação média é
de 2.800 h/ano, com evaporação
média de 2.000 mm/ano e umidade relativa do ar média em torno
de 50% (BRASIL, 2005).
O FENÔMENO
DA SECA
O conceito de seca varia segundo o ponto de vista. Para um Hidrogeólogo pode ser entendida
como a insuficiência de recursos hídricos. Esta seca pode ser
causada por uma sequência de
anos e tem como consequência o colapso nos sistemas de
abastecimento de água. Para
o Engenheiro Agrônomo assim
como para o agricultor e o pecuarista, a seca altera a produção
agrícola de sequeiro e a pecuária
provocando grandes transtornos
sociais a exemplo da fome, migração e desagregação familiar.
Para o Meteorologista é enxergar
o futuro para subsidiar tomadas
de decisões fundamentais para
todas as áreas que dependem
das chuvas, até mesmo o turismo. Finalmente, para o nordestino
significa risco de vida (WILHITE;
GLANTZ, 1987 apud VALADÃO et
al., 2010).
CLASSIFICAÇÃO
DAS SECAS
As secas podem
ser classificadas
em (BRASIL, 2005a):
Hidrológicas – Caraterizam-se
por uma pequena, mas bem distribuída, precipitação. As chuvas
são suficientes apenas para dar
suporte à agricultura de subsistência e às pastagens;
Agrícolas – Também conhecida como seca verde, acontecem
quando há chuvas abundantes,
contudo mal distribuídas em termos de tempo e espaço;
se estabeleceram provavelmente há 20.000 anos, no fim da
última grande era glacial. O primeiro e mais importante é composto pelas áreas de baixa e alta
pressão atmosférica no Pacífico
equatorial (MARENGO, 2006).
Na década de 1920, o inglês Gilbert Walker descobriu que o padrão meteorológico do Oceano
Pacífico equatorial contém uma
área de baixa pressão atmosférica sobre a Indonésia e o norte da
Austrália e uma área de alta pressão no oceano, próximo à costa
da América do Sul, resultado da
lei física de que o ar quente tende
a subir e o ar frio tende a descer
(MARENGO, 2006).
De maio a setembro, as águas
quentes do Oceano Índico e do
Mar da China provocam a ascensão de um vento quente e úmido,
criando o que os meteorologistas
chamam de área de baixa pressão. A ascensão desse vento
úmido, também chamada de
convecção, leva à formação de
nuvens e chuvas, no fenômeno
conhecido no Sudeste asiático
como monções. Livre da água,
o vento viaja sobre o Pacífico a
uma altura de 15 quilômetros em
direção ao leste. Nesse trajeto, o
vento se resfria e tende a descer
sobre o oceano, próximo à costa
oeste da América do Sul, criando
uma área de alta pressão atmosférica (MARENGO, 2006).
Em ciclos de três e sete anos, nos
meses de setembro, outubro e novembro, por motivos que ainda não
se consegue determinar com cer-
Efetivas – Ocorrem quando há
baixa precipitação e má distribuição de chuvas, tornando difícil a alimentação das
populações e dos rebanhos e
impossibilitando a manutenção
dos reservatórios de água para
consumo humano e animal.
CAUSAS DA SECA
Foto: Heckel Júnior
O fenômeno das secas do Nordeste tem origem em lugares
tão distantes quanto o Sudeste
asiático e o círculo polar ártico.
É provocado por dois mecanismos de circulação de ventos
no planeta. São fenômenos que
41
Ainda assim, as chuvas da terceira
semana de março, no Nordeste, dependem muito mais de fatores físicos, que da esperança em São José,
cuja data comemorada pelos devotos é dia 19 de março. Elas são consequência de outro fenômeno meteorológico conhecido desde o século
XVIII e chamado pelos climatologistas de Zona de Convergência Intertropical (ZCIT), um anel de ar úmido
que envolve a Terra próximo à linha
do Equador. A ZCIT oscila entre as
latitudes de 10° ao Norte e 5° ao
Sul, a região onde os ventos alísios
dos hemisférios norte e sul se encontram. Esse fenômeno também
é chamado de “célula de Hadley”,
devido ao meteorologista inglês
George Hadley (1685-1768) que,
em 1735, descreveu seu funcionamento. Dependendo da localização, a zona de convergência intertropical pode amenizar ou agravar
as secas provocadas pelo El Niño
(MARENGO, 2006).
As nuvens de chuva da zona de
convergência intertropical são
alimentadas, em boa parte, pelo
sistema de baixa pressão atmosférica da região da Terra Nova, no
Canadá, próximo ao círculo polar
ártico. Quando a baixa pressão
é mais forte na Terra Nova, o ar
úmido engrossa a ZCIT que se
desloca em direção às águas
Foto: Heckel Júnior
teza, uma grande massa de água
quente vinda da Austrália avança
pelo Pacífico equatorial em direção
ao leste além da Ilha de Taiti, no fenômeno conhecido como El Niño. A
água quente cria nova zona de convecção, deslocando as chuvas do
meio do Oceano Pacífico para a costa oeste da América do Sul, na altura
do Peru, e levando a corrente de ar
vinda do Sudeste asiático a cair diretamente sobre o Nordeste brasileiro,
impedindo a formação de nuvens de
chuva (MARENGO, 2006).
mais quentes próximas ao Equador, acompanhando com um
pequeno atraso o movimento do
Sol. Assim, quando o Sol atravessa a linha do Equador no equinócio de outono do hemisfério sul,
entre os dias 20 e 21 de março,
a zona de convergência intertropical atinge sua posição mais ao
sul, provocando as chuvas do dia
de São José (MARENGO, 2006).
Às vezes, a chuva não chega. O
movimento da zona de convergência intertropical depende da
temperatura das águas no oceano, que na região equatorial varia entre 26° e 29°. E uma variação de um a meio grau entre as
águas do Atlântico Norte e do Sul
é a diferença entre um “inverno”
chuvoso ou seco. Com as águas
do Atlântico Norte mais frias, a
ZCIT desloca-se para o sul, trazendo suas nuvens carregadas.
Se as águas do Atlântico estiverem mais frias no sul, entretanto, as chuvas serão despejadas
na Amazônia. Para o nordestino
será a seca (MARENGO, 2006).
O Mapa 2 representa o regime
de chuvas na Bahia.
A HISTÓRIA
DAS SECAS
A história das secas no Nordeste relata a saga de um povo em
busca de sobreviver no mais
inóspito dos climas deste país.
A ausência de regularidade de
chuvas e de políticas públicas
voltadas para resolver a situação
agrava um quadro assustador:
42
Mapa 2
REGIME DE CHUVAS DA BAHIA
ITCZ
A
Frentes frias+umidade da Amazônia (nov/dez/jan/fev)
Zona de convergência intertropical (dez/jan/fev/mar)
Frentes frias Alta Subtropical do Atlântico (abr/mai/jun/jul)
Fonte: SOMAR Meteorologia
fome, sede, migração desenfreada, epidemias e miséria (MEDEIROS FILHO; SOUZA, 1988).
O registro da primeira seca é anterior à colonização portuguesa,
e é relatada por Fernão Cardin:
“houve uma grande seca e esterilidade na província (Pernambuco)
e desceram do sertão, ocorrendo-se aos brancos cerca de quatro
ou cinco mil índios” (MEDEIROS
FILHO; SOUZA, 1988).
A SECA DE 1700
Até a primeira metade do século XVII as áreas secas do interior
do Nordeste de Pernambuco ao
Ceará eram ocupadas exclusivamente pelos índios. A seca foi o
motivo pela ocupação tardia do
interior do Nordeste. A colonização do interior foi intensificada
após uma Carta Régia que proibia a criação de gado em uma
faixa de dez léguas desde o litoral em direção ao interior. Esta
ação provocou a ocupação do
que hoje é Bahia, Alagoas, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Piauí,
Rio Grande do Norte, Sergipe e
também Norte de Minas Gerais.
Esta medida acelerou o crescimento dos rebanhos e, consequentemente, o populacional.
Assim, sem uma seca mais severa, a população e os rebanhos
cresceram rapidamente (CAMPOS; STUDART, 1997).
43
Apesar desse crescimento, não
houve investimento em infraestruturas de água, meios de transportes e sanidade. Por trás de todo o
crescimento estava o esquecimento dos efeitos da seca. As fazendas não tinham infraestrutura para
a quantidade de escravos. Há
quem diga que ocorreu a morte de
aproximadamente oito mil escravos (CAMPOS; STUDART, 1997).
A seca mais severa desse século atingiu em cheio o frágil
modelo de exploração e a sociedade despreparada. Foi a seca
de 1777-1779. Há quem estime
que “morreram mais de 500.000
pessoas no Ceará e cercanias”.
Mesmo considerando o exagero
da estimativa, esse foi realmente um grande desastre. Talvez
o maior desastre que já atingiu
uma região brasileira. Há quem
garanta que o Ceará perdeu
80% do rebanho (CAMPOS;
STUDART, 1997).
A GRANDE SECA
A “Grande Seca”, como ficou
conhecida, teve início em 1877
e durou pouco mais de dois
anos. Os efeitos foram catastróficos. Há quem estime que
doenças, fome e sede dizimaram, somente, no Ceará, mais
de 500 mil habitantes. Antônio
Conselheiro percorreu as regiões afetadas pela seca para
socorrer os flagelados. Passou
a ser considerado um santo,
aumentando o número de pes-soas que o acompanhavam.
surgiram os estudos para encontrar uma solução para o problema. Surgiram basicamente três
linhas: armazenamento de água e
irrigação, transposição do rio São
Francisco e irrigação e mudanças
no perfil econômico da Região.
A SECA DE 1897
Neste ano, os habitantes do Arraial de Canudos foram massacrados. Crianças, mulheres e idosos foram mortos sem piedade.
Antônio Conselheiro foi assassinado em 22 de setembro de 1897.
Há quem atribua a seca deste ano
ao castigo dos céus pela morte
do beato (SECA..., 2012).
Foto: Heckel Júnior
A SECA DE 1915
A PRIMEIRA
PROVIDÊNCIA
Após a catástrofe de 1877, pela
primeira vez, as autoridades do
Império começaram a ter uma
maior preocupação com o assunto. O imperador D. Pedro II
cunhou a célebre frase: “Não
restará uma única jóia na Coroa,
mas nenhum nordestino morrerá
de fome”. Criou-se então a comissão imperial para desenvolver
medidas que pudessem atenuar
futuras secas. Da adaptação de
camelos, construção de ferrovias
e açudes e a abertura de um canal para levar água do Rio São
Francisco para o Rio Jaguaribe,
no Ceará. Contudo muito pouco
foi feito (SECA..., 2012).
A SECA DE 1888
Uma década depois, outra severa e duradoura seca atingiu o
Nordeste brasileiro. Foi a seca
de 1888, conhecida como a seca
dos três oitos. A partir de então,
44
Esta seca foi marcada pelo movimento de fuga para as regiões litorâneas, em especial as cidades,
– o início do êxodo. Este período
foi imortalizado por Rachel de
Queiroz, em seu livro “O quinze”
escrito durante a seca de 1932,
quando a escritora tinha apenas
20 anos (SECA..., 2012).
A seca de 1915 provocou fortes
rotas migratórias. Os retirantes invadiam as cidades, provocando
bolsões de miséria. O governo do
Ceará criou uma espécie de campo
de concentração, nas margens das
grandes cidades para impedir a entrada dos retirantes. A fome, aliada
a total ausência de esgotamento sanitário provocou um quadro trágico
de doença e morte (SECA..., 2012).
“Eram locais para onde grande
parte dos retirantes foi recolhida a
fim de receber comida e assistência médica. Não podiam sair sem
autorização dos inspetores do
campo. Ali ficavam retidos milhares de retirantes a morrer de fome
e doenças”, relata a professora
Kênia Rios, doutora em História
pela Pontifícia Universidade (PUC)
de São Paulo (BARRETO, 2007).
A SECA DE
1931–1932
A seca de 31 trouxe o maior prejuízo para a Bahia. Foi nessa
época que se tornou conhecida
a expressão “indústria da seca”.
Os poderes econômicos e políticos da região usavam recursos
do governo em benefício próprio,
com o pretexto de combater as
mazelas, transformando o fenômeno climático em fenômeno
político (BARRETO, 2007).
SECA DE
1951–1953
A expressão “pau-de-arara” surgiu
nessa época motivada pelo transporte de nordestinos sertanejos no
desconfortável caminhão, quando
milhares de flagelados do Nordeste foram transportados de forma
desumana para outras regiões do
país, especialmente São Paulo e
estados circunvizinhos. Ainda em
1951, Luiz Gonzaga e Zé Dantas
eternizaram a seca em Vozes da
Seca: “Mas doutô uma esmola a
um homem qui é são. Ou lhe mata
de vergonha ou vicia o cidadão”.
A SECA DE
1992–1995
A seca de 1992 a 1995 trouxe o
maior prejuízo para a pecuária do
A falta de água no Nordeste
coincidiu com a crise de energia elétrica que colocou em
risco todo o País. A estiagem
tornou-se ainda mais preocupante, pois Estados vizinhos
também estavam assolados
pela seca.
As obras de combate às secas,
iniciadas e abandonadas pelo
governo federal antes da conclusão, já haviam provocado,
entre 1978/1993, prejuízos de
CR$ 6,7 trilhões. O escândalo
das obras inacabadas deu origem até mesmo a uma Comissão Parlamentar de Inquérito
– CPI, no Congresso Nacional,
para apurar responsabilidades
(SECA..., 2012).
Foto: Heckel Júnior
A agropecuária crescia e a Bahia
se estabelecia como maior polo
do Nordeste. A dicotomia entre
a agricultura e a pecuária promovia a sustentação do binômio. Assim, a cultura do cacau
garantia o sucesso da pecuária
do Sul da Bahia. O café e o algodão eram a mola propulsora do
Sudoeste. A cana e a mandioca
no Recôncavo e esse clima de
crescimento esbarrou em mais
uma seca. A ausência de estradas e sobretudo meios de transportes impediam as rotas migratórias e a morte do rebanho foi
significativa (BARRETO, 2007).
Estado da Bahia, para o rebanho bovino houve a redução do
efetivo de 14 para 8 milhões de
cabeças (IBGE, 2012).
45
A SECA DE 2012
É considerada a seca mais severa dos últimos 50 anos. Segundo dados da Secretaria Nacional
de Defesa Civil, 1.171 municípios
estão em situação de emergência
por conta da prolongada estiagem na Região Nordeste.
 Queima de petróleo no oceano
atlântico para aumentar o índice
pluviométrico;
 Construção de açudes nas nascentes das bacias hidrográficas.
SOLUÇÕES NÃO
CONVENCIONAIS:
SOLUÇÕES
CONVENCIONAIS:
 A solução proposta foi trazer
camelos do deserto e adaptá-los
ao Nordeste Semiárido. A idéia foi
proposta pelo Governo Federal em
1859, para ser testado no Estado do
Ceará e teria como finalidade suprir
a necessidade de um meio de transporte, para enviar alimentos e água,
além de transportar as pessoas do
interior para as cidades do litoral,
para atendimento médico;
 Construção de açudes e adutoras;
 Transposição de bacias;
 Construção de poços tubulares.
 Promover fratura de rochas no
cristalino, através de explosão,
para armazenamento de águas
subterrâneas;
Foto: Heckel Júnior
Muitos municípios nordestinos
estão enfrentando colapso no
abastecimento de água, e cresce o número de comunidades
nas zonas rurais que recebem
carros-pipa. Por conta da falta
de alimentos e água, muitos
animais estão morrendo nos
pastos, assim como produções
inteiras foram perdidas nos últimos meses. Segundo a Federação da Agricultura e Pecuária
do Estado da Bahia (FAEB), a
queda da produção chega a
100% em algumas lavouras e a
60% nos rebanhos.
ESTRATÉGIAS
HISTÓRICAS DE
COMBATE ÀS
SECAS
AÇUDAGEM:
A implantação de açudes teve início no período do Império no ano
de 1877, ano em que a região foi
assolada por uma grande seca.
Daquela data até a metade do atual século, a política de combate às
secas contemplava, principalmente, a formação de uma infraestrutura hidráulica e a implantação de
postos agrícolas como indutores
da irrigação na Região. O período
em que predominou essa política
foi posteriormente denominado
de período da solução hidráulica
(SECA..., 2012).
Na segunda metade de século
teve início a política do aproveitamento intensivo do potencial
hidráulico por meio dos grandes
projetos de irrigação. Tratava-se
de uma Política delineada pela
Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste – SUDENE
(SECA..., 2012).
O regime de construção de açudes em cooperação, desativado
em 1967, pretendia melhor distribuir, sob o ponto de vista espa-
46
cial, a oferta d’água e subsidiava
a construção de açudes particulares de capacidade máxima de três
milhões de metros cúbicos. Não
havia desapropriação de terras. O
projeto e o orçamento eram fornecidos gratuitamente pela Inspetoria Federal de Obras Contra as
Secas (IFOCS)/Departamento Nacional de Obras Contra as Secas
(DNOCS) e um prêmio, equivalente
à metade do orçamento, era concedido no fim da construção ou,
a título de adiantamento, quando
metade da obra estivesse pronta.
Os proprietários, em contrapartida,
comprometiam-se a fornecer água
para as necessidades domésticas
das populações circunvizinhas.
Nem sempre a construção atendia
a interesse da população.
O século XX foi o século da açudagem no Semiárido, por todo um
período de 100 anos. Quando da
“grande seca” de 1877/79, o Semiárido não possuía mais que seis
açudes. O Governo Imperial autorizou o início do grande açude do
Cedro, em Quixadá, Ceará, que só
foi concluído no ano de 1906, já no
Governo Republicano. Cem anos
de construído, este açude, armazenando 126 milhões de m³, continua
prestando seus serviços a milhares
de nordestinos (SECA..., 2012).
Foi o início do programa de construção da grande rede de açudes
espalhados pelo Semiárido. Chegando ao final do século XX com
a construção, de cerca, de 70.000
açudes, públicos e particulares.
Mais de 10% são açudes construídos para suportar os grandes
períodos de estiagem, projeta-
dos, alguns, com capacidade
para geração de energia hidrelétrica e muitos outros com projetos de irrigação. São açudes que
não secam, apesar da fortíssima
e drástica evaporação promovida
pela radiação solar nesta região.
Reduzem em até 60% do seu volume, mas renovam, quase sempre nos anos subsequentes.
No Vale do Jaguaribe, Ceará,
o açude Orós, construído, em
1960, acumula 2,5 bilhões de m³
de água. O Açude Armando Ribeiro Gonçalves, construído no
Rio Grande do Norte, em 1983,
com um volume de 2,4 bilhões
de m³ de água. O Banabuíu e
o Araras, ambos no Ceará, que
juntos somam 2,7 bilhões. O
Castanhão, no Vale do Jaguaribe
CE, concluído no ano de 2003, é
o maior do mundo, construído
pelo homem. Com capacidade
de 6,7 bilhões de m³.
Os pequenos e médios açudes,
com volumes compreendidos entre
10.000 e 200.000 m³, representam
80% das coleções de água nos Estados do Nordeste e são objetos
de preocupação. Esses açudes,
por apresentarem formas geométricas variadas devido à falta de planejamento inicial no momento da
sua construção, em que o principal
fator levado em consideração sempre foi a vontade de se fechar uma
pequena bacia, trazem inevitáveis
problemas de dimensionamento,
não sendo raro açudes que nunca
vieram a sangrar. Esse aspecto, ao
contrário do que muitos imaginam,
traz problemas muito sérios de salinização, pois as águas ficam su47
jeitas à concentração salina devido
ao fenômeno da evaporação intensa. Com esse fenômeno, a água se
evapora, mas o sal permanece no
açude e a sua concentração é progressiva. Assim o fato de não sangrar constitui-se em um grande mal
para os açudes (GASPAR, 2012).
INDÚSTRIA
DA SECA
A região Nordeste sofre com dois
fenômenos: um político chamado
“indústria da seca” e outro natural
chamado “seca” propriamente dita.
A tragédia que atinge grande parte
da região Nordeste brasileira e parte da região norte de Minas Gerais
costuma ser utilizada (e supervalorizada) para justificar a fome e o
subdesenvolvimento econômico e
social da região em nome de erros
cometidos no passado e que faz
fracassar qualquer tentativa de reverter este quadro (GASPAR, 2012).
Em 1909, foi criado o primeiro
órgão de combate à seca, com
o nome de Inspetoria de Obras
Contra as Secas (IOCS). Em
1919 passou a ser Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas
(IFCOS). Em 1945, Departamento
Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS) (GASPAR, 2012).
A ideia central era definir metas
e solucionar o problema com obras
para armazenar e transportar a água
para a população e assim atender
a agricultura, a pecuária e a utilização humana. Pode se notar, pelo
aumento da área atingida pela seca,
que as ações foram insuficientes.
A seca do Nordeste está ligada
à falta de políticas que realmente funcionem em benefício da
população.
Durante as longas estiagens, o
governo federal socorre os Estados atingidos, com ações emergenciais, como: envio de recursos
para ser aplicado nessas áreas;
cestas básicas para a população;
perdão total ou parcial das dívidas de empréstimos tomados por
agropecuaristas.
A “indústria da seca” se utiliza da situação de emergência para conseguir mais verbas, incentivos fiscais,
concessões de crédito e perdão de
dívidas valendo-se da fome e da miséria pela qual passa o nordestino.
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
Seca de 2012, um drama que atinge milhões de baianos e produz
efeitos devastadores na economia
da atividade de maior geração de
emprego no país: a agropecuária.
O Nordeste brasileiro vive mais
uma daquelas secas históricas e
a Bahia é um dos Estados mais
atingidos. Mais da metade dos
municípios decretou situação de
emergência. O regime pluviométrico do inverno (junho e julho) de
2011 abaixo do normal provocou
uma diminuição das reservas hídricas na Bahia. Os reservatórios estavam secos, as pastagens abaixo
de suas reservas e o produtor descapitalizado. A esperança eram as
trovoadas (chuvas de novembro
de 2011 a março 2012). Com a
ausência de chuva a natureza entra em colapso, é a seca de 2012.
Essa é tida por muitos como a pior
seca dos últimos anos.
Podemos medir os efeitos da estiagem prolongada através de índices pluviométricos, da mortalidade do rebanho, do êxodo rural
e da mortalidade do homem, entre
outros. Neste ano, enfrentamos índices de 50 mm, onde o normal é
de 500 mm e 100 mm em regiões
que chovem 1.000 mm.
Com a evolução das práticas
agronômicas de irrigação, produção de feno, silo, os recursos de
meios de transporte e pelas medidas empreendidas pelo governo
do Estado para amenizar os efeitos da seca, a mortalidade animal
não causou o mesmo prejuízo que
em secas anteriores.
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“Quando a seca chega no sertão”
o pecuarista procura, no município as propriedades que ainda
dispõem de forragem para alugar
pasto. Quando esta alternativa
não dá mais certo, a saída é “recursar” o gado para municípios
vizinhos. A terceira opção é mudar de bioma, a quarta é mudar
de Estado, a quinta é vender. Assim surgem as rotas migratórias.
Contudo, “a esperança é a última
que morre”. Os melhores animais
e as vacas produtoras de leite
são mantidos na propriedade a
fim de promover o sustento da
família. Surge a inexorável “Lei
de mercado” muita oferta e os
preços despencam, O preço da
arroba despencou de R$ 100,00
para R$ 70,00. Em alguns lugares
os animais eram comercializados
como peça. Uma peça variava de
R$ 350,00 a R$ 500,00.
Essa agonia dura de dois a três
anos, a expectativa da chuva que
não vem gera um clima de sofrimento e dor. Os poucos recursos
são investidos até o fim. É necessário desfazer de animais para alimentar os que ficam.
Diante deste quadro o baiano
enfrenta outras dificuldades. O
preço do milho e da soja duplicou por conta da seca nos Estados Unidos. O produtor do Sul
prefere exportar a vender para
o Nordeste.
A Barragem do Sobradinho recebe hoje 800 m³ por segundo e libera 1.200 m³ por segundo, com
esse déficit o nível chegou a 25%
de sua capacidade.
Afirma-se, com frequência, que o
problema do Semiárido não é a
falta de água durante as secas,
mas a falta de gerenciamento
das águas, o que dá a falsa impressão de que a seca é uma
simples questão de gestão das
águas (CAMPOS, 1999). Gerir
num contexto de incerteza elevada é proporcionar esperança
sem base sólida, especialmente porque a gestão implica em
guardar água para o futuro, com
alta probabilidade de perdê-la.
Não se trata apenas de armazenar água em reservatórios, é necessário distribuir essa água. O
Semiárido exige um conjunto de
mecanismos para melhor aproveitar as oportunidades hídricas.
Inclui desde construção de açudes, integração de bacias, construção de poços e cisternas.
Observa-se que cerca de 60%
das águas públicas armazenadas
Tem se cobrado dos especialistas um modelo semelhante ao do
Ceará, que em 1925 tinha a mesma quantidade de água armazenada que a Bahia tem em 2012. Pelo
estudo das secas é nítida a confirmação que o Estado do Nordeste
que mais foi assolado pela seca foi
o Ceará. Pelo número de mortos da
população, pelas incontáveis perdas agrícolas e pela própria produção pecuária do Estado, podemos
entender o porquê dessas ações.
Bahia tem 13 Bacias Hidrográficas, sendo a maior delas a Bacia
do Rio São Francisco, com uma
área de 304.421,4 km². Nessa
bacia, encontram-se usinas de
grande importância como as de
Sobradinho, Paulo Afonso e Itaparica. As bacias dos rios Itapicuru,
Contas e Paraguaçu destacam-se
por serem exclusivamente baianas. Na última, localiza-se a Barragem de Pedra do Cavalo, responsável pelo abastecimento de
água de 60% da população de
Salvador e Região Metropolitana,
além de Feira de Santana e outras
cidades próximas à barragem.
Ora, a Bahia vive uma realidade
edafoclimática significativamente
diferente do Ceará. A Bahia tem
6% do seu território com 143 municípios inseridos no bioma Mata
Atlântica; 27,3% com 17 municípios no Cerrado e 68,7%, sendo
257 municípios na Caatinga. A
Mesmo com essa situação privilegiada, este ano, na Bahia, a estiagem secou barragens, açudes
e rios, devastou pastos e lavouras
e provocou escassez de alimento
para os rebanhos, que morrem de
inanição e sede. O clima na Bahia
é de apreensão.
em reservatórios construídos pelo
DNOCS, no Nordeste, estão localizadas no Ceará.
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