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FAMÍLIAS PODEROSAS
DA BÍBLIA À MODA
Bíblia O livro “... E Deus criou a
empresa familiar” de Luiz
Kignel e René Werner, coloca
a génese da ideia de empresa
familiar nos textos bíblicos e nas
famílias que os percorrem. O
que seria de Noé sem ajuda
para construir a arca?
Monarquia O modelo
governamental assente na
hereditariedade foi dominante
por séculos. Ainda hoje se
contam dinastias entre as
famílias mais poderosas do
mundo – um exemplo: a
família real do Qatar comprou
este ano o Harrod’s.
Banca A dinastia de
banqueiros mais conhecida do
país começou em 1869 com
José Maria do Espírito Santo e
Silva. Mais de século e meio
depois, o BES continua sob
gestão do mesmo apelido. A
família expandiu-se a outras
áreas de negócio e soma uma
das maiores fortunas do país.
Indústria Na lista das mais
poderosas famílias portuguesas
contam-se vários nomes que
começaram fortuna no sector,
estando agora entre elas as
famílias Amorim e Azevedo.
Política Há apelidos
recorrentes na política. O pai e
o filho Mário e João Soares são
um dos casos mais associados
pelos portugueses. Lá fora, os
exemplos são mais que muitos
– sendo o mais óbvio Bush-pai,
Bush-filho.
Moda As grandes marcas de
moda começaram por
negócios familiares. Uma das
casas mais conhecidas, a
Versace, é gerida pelos irmãos
Donatella e Santo, após a
morte do irmão-fundador,
Gianni Versace. Em Portugal,
Ana e Rita Salazar são o
melhor exemplo.
Desporto No futebol, Miguel
Veloso (Genoa) e o pai, António
(ex-SLB), são um exemplo,
mas a organização familiar
chega à gerência de clubes: o
vocalista dos Ban, João, foi
presidente do Boavista,
prolongando a presença da
família Loureiro
na casa depois da saída de
Valentim. No wrestling é
comum encontrar atletas de
várias gerações – casos da
família Guerrero (tio, tia,
sobrinho), Orton (avô, pai, filho)
ou Rhodes (pai e filho), entre
muitos outros.
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—11 Novembro 2010
Negócios de
família. Ser filho
e empregado
ao mesmo tempo
Mais de metade do produto interno bruto de
vários países europeus tem origem em empresas
familiares. Mas nem tudo são vantagens
MARGARIDA VIDEIRA DA COSTA
[email protected]
“Não foi uma coisa que quis desde pequenino, mas a dada altura temos de tomar
decisões”, diz André Fialho, 21 anos. Este
ano, deixou os estudos de Gestão e dedicou-se totalmente à empresa de comércio
de calçado gerida pela família. “Quero voltar a estudar mas resolvi dar prioridade a
isto: aprender com o meu pai enquanto
ele ainda tem paciência para me ensinar.”
A rotina já era conhecida de quando ajudava nos tempos livres. Hoje, tanto arruma caixas de sapatos como acompanha o
pai nas negociações com bancos. Admite
que goza de um estatuto diferente de qualquer trabalhador que entre para a empresa. Um dia, espera vir a ser o patrão. “Agora, não mando nada”, explica. “Vou dando opiniões, à maioria das quais o meu pai
responde que não pode ser assim.”
Quando se trabalha em família, as duas
gerações podem ter pontos de vista e soluções diferentes para o mesmo problema.
Esse é precisamente um dos principais
pontos de discórdia em empresas familiares, explica a socióloga do trabalho, Luena Martinho. “O facto de trabalhar com
os pais levanta sempre uma questão de
autonomia profissional que tem de ser
negociada. Por exemplo, se o pai nunca
desliga o papel de filho do papel de traba-
A pesca é uma actividade tradicionalmente familiar, em
Portugal
Entrevista
Peter Villax
Presidente da
Associação de
Empresas Familiares
SCOTT OLSON/GETTY
lhador, pode cortar a autonomia deste nas
decisões da empresa.” O possível problema leva a que pais-patrão não levem a
sério sugestões de filhos-empregados, ou
que os novatos desvalorizem as ordens do
seu superior hierárquico. A sociologia explica: “É suposto desempenharmos papéis
muito diferentes na família e no local de
trabalho. Quando as coisas se juntam pode
causar confusão a ambas as partes”, avisa Luena. “A diferença está na gestão dos
pais. Se aceitarem sugestões é bom para
ambas as partes: o filho sente-se empreendedor e os pais vêem a empresa crescer.”
Até agora, André diz estar a gostar da
experiência, não descarta voltar a estudar, mas para já tem urgência em aprender os meandros de um negócio que já
passou do avó para o pai. O mais difícil
é deixar a dedicação para trás no final
do expediente. “Acho que 80% dos assuntos falados em casa são trabalho. Os problemas do dia passam quase todos para
casa.” Já o contrário não acontece, assegura: “Os problemas familiares ficam em
casa, longe da empresa.”
SE TIVERES MÁS NOTAS... Acontece a quase todos os estudantes cujos pais têm um
negócio próprio. O espectro de uma ajuda na empresa como “castigo” pode não
ser saudável, sobretudo se for encarado
como tal. A psicóloga Ana Prioste defen-
de que tudo depende do “foco dos valores ou comportamentos que querem
transmitir aos filhos”. “Em alguns casos,
a ajuda na empresa dos pais poderá ter
um efeito positivo”, acrescenta, “no sentido de contribuir para a economia familiar e de criar hábitos de trabalho e rotinas são essenciais ao sucesso escolar.
Ruben Duarte, 20 anos, não podia estar
mais de acordo. Este ano saiu de casa dos
pais, no Algarve, e veio para Lisboa para
tirar o mestrado em Gestão na Universidade Nova. Deve-o, em parte, aos Verões
entre os 13 e os 18 anos, passados a trabalhar com a mãe em jardinagem. Não
era um castigo, mas também não era trabalho remunerado, porém uma ajuda
que muitos elementos de empresas familiares sentem como natural. A situação
não era um emprego convencional, explica: “Não há contratos, não há horários.”
Ser filho do patrão implica alguns benefícios e muito mais rigor. “Tem de se trabalhar para o bem familiar e não tanto
numa perspectiva pessoal. Como adolescente não gostei muito, mas do ponto de
vista profissional foi enriquecedor, comecei a dar valor a certas coisas mais cedo
e a minha performance escolar nunca
tinha sido tão boa” conta, explicando que
a média de 17 com que acabou a licenciatura foi o bilhete de entrada para a
capital. “Depois de trabalhar horas a fio
ao sol, a escola parece um paraíso. Acho
que antes de entrar na universidade todos
deviam ter esta experiência.”
CONTINUIDADE O plano de sucessão é
um dos aspectos mais importantes na
organização de uma empresa familiar,
QUANDO O PATRÃO
É SEU FAMILIAR DIRECTO
PRÓS
• Maior confiança nas pessoas
com quem trabalha
• Segundas (e terceiras)
oportunidades
• Maior disponibilidade para
aprender/ensinar
• Conhecimento prévio da história da
empresa, clientes e mercado
• Maior flexibilidade de horários
CONTRAS
• Falta de profissionalismo
• Maior resistência à mudança
da politica empresarial
• Dificuldade em deixar o trabalho
em casa, levando a esgotamento
• Maior dificuldade em lidar com
o fracasso
• Dificuldade em avaliar
objectivamente o seu “sucesso”
• Maior flexibilidade de horários
lembra Peter Villax, presidente da Associação de Empresas Familiares em Portugal. “Não se ter preparado adequadamente, não ter os conhecimentos necessários ou não ter reunido o consenso
familiar” são os piores erros que se pode
cometer. “É essencial preservar a paz
nas empresas familiares, para garantir
o seu sucesso continuado.”
Rúben, por exemplo, não vê o seu
futuro passar pelo negócio da mãe.
Mas o irmão sim. “O meu irmão acabou o 12.o ano e resolveu juntar-se ao
negócio.” Enquanto estudante de Gestão, sabe enumerar algumas razões
que levaram à decisão do irmão: “Habituou-se a uma dinâmica de organização horizontal, onde não há uma hierarquia tão forte como noutro lugar.”
Desta maneira, continua, “sabe que
nunca vai passar por empregado. É
tipo um subchefe, já com uma visão
empreendedora.”
O negócio da família, fundado pelos
pais, que se mudaram de armas e bagagens do interior do país para o Algarve
há 22 anos, está assim assegurado. O
que aconteceria se nenhum dos irmãos
tomasse as rédeas do assunto? Rúben
diz que, embora queira fazer algo completamente diferente, nunca o deixaria
cair. “Vendo o esforço que os meus pais
investiram para conseguir o que têm,
não podia deixar de o fazer. Era capaz
de abdicar de alguns dos meus objectivos para o gerir, mas de uma maneira
completamente diferente, através de
subcontratação.”
Em cinco minutos, Rúben, enumera
algumas linhas gerais do que faria se
fosse gestor do negócio de jardinagem.
Faz contas a salários, custos variáveis,
receitas mensais e maquinaria. Este ano,
já deu alguns conselhos profissionais à
mãe que, diz, tinha “rendimentos sazonais muito acentuados”. O entusiasmo
com que fala no assunto quase faz pensar que o cenário não é assim tão improvável. “É a sinergia familiar”, desculpa-se. A sua meta passa mais por trabalhar numa multinacional.
Resta lembrar que muitas das maiores empresas do mundo começaram
assim, com a tal sinergia familiar. E
ainda hoje a mantêm, contou-nos Peter
Villax, ao citar exemplos atrás de exemplos. “Uma grande empresa como a
Jerónimo Martins soube adoptar um
modelo de gestão altamente profissionalizado e ao mesmo tempo reter o
molde familiar. É um caso onde gestores familiares e profissionais coexistem com sucesso. Temos ainda outros
casos notáveis, como a Heineken e a
BMW, onde a família continua a exercer uma influência determinante dentro de moldes de governação de empresas altamente profissionalizados.”
“A empresa familiar
é a forma de gestão
mais antiga e
difundida do mundo”
O que é uma empresa familiar? Nas
empresas familiares, os donos também
trabalham e gerem a sua empresa, e
quando os filhos chegam à idade de
trabalhar e têm vontade e capacidade
para tal, juntam-se aos pais na
empresa. As empresas familiares
caracterizam-se por objectivos a muito
longo prazo e rejeitam riscos que
podem pôr em causa a continuidade
do negócio. Nesta perspectiva, são
muito diferentes de empresas como a
Lehmann Brothers ou o BPN, que
assumiram riscos que acabaram por
levar essas empresas à falência.
Qual a representatividade das
empresas familiares no tecido
empresarial português? Neste
momento, e segundo estudos
académicos, a percepção é que
representam 60% a 80% do PIB nos
vários países [da UE], mas é essencial
que estatísticas válidas sejam obtidas
através de um mecanismo oficial, para
se garantir a correcção da informação.
Em Portugal temos este tipo de
empresas em todos os sectores de
actividade e relevância: do Banco
Espírito Santo, à Brisa, Nutrinveste,
Delta Cafés e Salvador Caetano.
Que problemas surgem associados?
O dever de preparar uma sucessão
bem feita nem sempre é levado a sério
com o tempo que exige e por vezes
assistimos a sucessões mal
preparadas ou membros da família que
são chamados a exercer os mais altos
cargos, sem serem preparados para tal
ou sem o apoio dos restantes
membros da família. Alguns recebem
empregos para os quais não estão
qualificados, o que desmotiva outros
funcionários que vêem a progressão da
sua carreira bloqueada por pessoas
menos competentes. As empresas
familiares devem reconhecer estas
limitações para lhes fazer frente e
desfazer bloqueios.
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Negócios de família. Ser filho e empregado ao mesmo tempo