A lógica gráfica da fauimpressa Onde tudo está ao mesmo tempo: agora Pequeno teste experiência enorme (tenho a impressão) Se quiser, destrua. destaque. corte, lamba Ou faça virar poeira (história) em alguma sua estante O que mais importa agora: esse instante Quando ainda é preciso arrancar alegria ao futuro dedicado a marx, flávio motta e a todos os estudantes bárbaros – o projeto é coletivo também no tempo1 trans forma ação tfg fauusp ana carolina carmona ribeiro prof. orientador luciano migliaccio ago 06 melhorar a escola é manter, dentro dela, um clima de liberdade para a livre pesquisa, para a livre criação, contra tudo o que limita a livre expressão do pensamento, o livre acesso ao conhecimento. não medra o atraso em um clima de liberdade artigas este trabalho partiu da idéia de que o trabalho final de graduação deveria ser uma espécie de síntese e desdobramento de nossas atividades na FAU, ao longo de sete anos de curso, participando de núcleos, grupos de estudo, atos, festas e outras manifestações estudantis. estas atividades constantemente envolveram dezenas de estudantes em uma vasta e diversificada produção extracurricular, como a de material gráfico, publicações, filmes, intervenções no espaço da escola, etc. um conjunto de trabalhos que chamamos aqui de “produção gráfica”, e que se diferen5 cia claramente da produção corrente de design no mercado ou mesmo na própria universidade. o fato de que no início de 2006 chegariam à escola os estudantes da primeira turma do curso de design também reforçou a idéia inicial, já que a existência de um novo curso na FAU certamente implicaria uma necessidade de aprofundar as reflexões sobre as relações entre design, arquitetura e as outras artes, sobre a escola, o seu espaço e história, e a própria forma como o design vem sendo ensinado e produzido. ao começarmos a pesquisa, reunindo alguns primeiros trabalhos, as suposições iniciais que tínhamos ao estruturar o tema foram confirmadas: a produção estudantil deste período é de fato vasta, de grande qualidade estética e gráfica, com um grande poder de crítica. e, como verificamos, nunca foi estudada, já que geralmente trabalhos como estes não são reconhecidos ou valorizados academicamente – pelo contrário: são por vezes duramente combatidos, como veremos no desenvolvimento deste trabalho. vimos que, além da pesquisa e registro da produção estudantil2, uma reflexão sobre esta ampla produção extracurricular poderia ser importante para uma compreensão da cultura que orienta, de fato, a formação na escola. os trabalhos dos estudantes expressam um debate e evidenciam a existência de posições diferentes no que diz respeito à própria visão ou conceituação do design no brasil hoje, o seu significado e sentidos. assim, essa preocupação passou a orientar o trabalho: pensar e repensar o design, sem ser de maneira estática, acadêmica, positivista. por um lado, nos lançamos a uma investigação sobre o que é correntemente entendido como design, sobre o seu chamado “papel social” e suas características no brasil de hoje. isto foi feito através da leitura de textos, entrevistas e depoimentos de alguns designers que se propõem a pensar a sua prática. paralelamente, seguimos pesquisando a produção extracurricular dos estudantes da FAU, procurando entender o que está no fundamento desta produção, investigando as suas referências, influências, motivações e questionamentos, aspectos de conteúdo e de forma e como estes se relacionam. vale lembrar que os trabalhos que aparecem aqui foram escolhidos principalmente pela sua contribuição e desenvolvimento em relação ao que chamamos de pensamento crítico, contestador, provocativo, no sentido de que este é uma característica essencial de qualquer “repensar” conseqüente3. por fim, talvez valha reforçar aqui o caráter claramente investigativo desta própria publicação, enquanto forma e enquanto objeto. era grande a preocupação de realizar um trabalho dinâmico e não um compêndio: um trabalho tão vivo quanto aqueles que nele aparecem, onde o aprendizado, o estudo e a ação realizados durante o curso se materializassem de forma sintética, com uma postura em relação à arte, ao design, à realidade. uma conclusão e um novo ponto de partida, no espírito do “não deixe a universidade atrapalhar seus estudos”. 1 “o projeto é coletivo também no tempo”: frase de décio pignatari, que ao nosso ver esclarece as grandes possibilidades criadas a partir da retomada consciente de algumas referências históricas e teóricas, artistas, designers, arquitetos, cineastas. acreditamos ser possível estender essa noção de coletividade também para a produção estudantil, em que os trabalhos, mesmo com suas diferenças 6 de forma, linguagem, suporte, época em que foram realizados, possibilitam e contribuem para a formulação de um projeto estético, cultural e, certamente, político. 2 o trabalho de pesquisa e registro da produção estudantil é algo fundamental, mas foi necessário colocar alguns limites para sua realização, pois seria uma tarefa muito extensa e difícil, no âmbito de um tfg. além disso, neste caso, avaliamos que uma dedicação maior à coleta de imagens e trabalhos originais poderia prejudicar o aprofundamento da reflexão sobre os trabalhos e suas relações, ou ainda implicar uma perda de foco, se quiséssemos incluir a produção estudantil das décadas passadas, idéia que afinal de contas não foi totalmente abandonada, como veremos mais adiante. 3 “a arte viva de nosso tempo – se existe alguma – é arte experimental, naquilo que tem de ‘pensamento bruto’ oposto a ‘sistemas formalizados segundo normas catalogadas’ (abraham moles). arte experimental é a que põe em causa a própria arte: confina necessariamente com a não-arte. ela é criativa na medida mesma em que abala, parcial ou totalmente, todo o sistema prévio”. acreditamos que a afirmação de décio pignatari vem diretamente ao encontro de nossos critérios para a escolha dos trabalhos, a partir da constatação da existência de uma relação necessária entre a crítica e a criação. também acreditamos que, embora o autor fale da arte, o seu pensamento está também ligado indissoluvelmente ao design, quando afirma que “arte é know-how de linguagem, é design da linguagem”. designers versus desig 12 gners 13 14 15 16 17 18 19 trans forma falamos anteriormente na existência de uma relação necessária entre a crítica e a criação, como critério para a escolha dos trabalhos. assim, a ordem de exposição que estabelecemos aqui não se pauta por critérios cronológicos, de técnica ou suporte, e nem pode ser lida como uma separação estática entre grupos de trabalhos, pois inter-relações e sobreposições acontecem a todo momento. nos interessa a produção como um todo e os seus desenvolvimentos, observando as suas contribuições para repensar o design e a arte, para a construção da linguagem como algo vivo e fundamental. 21 em primeiro lugar, encontramos trabalhos que podem ser identificados como “manifestações da individualidade”, exercícios de liberdade individual: neles, a noção de “artista” é muito presente e liga-se ao sentido tradicional desta palavra, aquele que tem habilidade, criatividade, sabe pintar, desenhar. a técnica é artesanal e as potencialidades da reprodução são exploradas apenas ocasionalmente, como acessório. os produtos, na maioria dos casos, ainda são concebidos e reconhecidos como “obras”, cujo valor depende em grande parte da habilidade com que foram realizadas e das referências es- colhidas; são unidades autônomas, aparecendo independentes umas das outras. em relação às referências, é possível aproximá-las do grafite e de outras formas da “arte urbana” contemporânea, que configuram um sistema de apropriação e demarcação de espaços na cidade, se opondo a uma lógica industrial de reprodução da imagem e valorizando a “expressão” do artista. neste sentido, entende-se porque, nestes trabalhos da FAU, é constante a referência à história da arte em seu sentido tradicional, às vanguardas como o impressionismo e o expressionismo: são referências formais muito presentes do repertório dos estudantes e que respondem à dupla necessidade de se expressar/ de produzir arte e de significar o espaço da escola enquanto espaço da produção estudantil. em seguida, identificamos trabalhos que, ainda como unidades autônomas, começam a explicitar questionamentos (não necessariamente intencionais) desta postura. primeiramente, há uma mudança no uso da técnica – aqui surgem com muita força a montagem e a fotomontagem, a colagem, a modulação. além da possibilidade de reprodução e de uma conseqüente superação do conceito de “obra”, estes suportes e técnicas expressam também uma dúvida em relação ao efetivo poder de intervenção do “desenho”, tanto do projeto de arquitetura limpo, resolvido – que so- luciona os problemas e contradições da realidade no papel – quanto da expressão e da habilidade artísticas, individuais, da obra de arte única. o espaço, e em especial o espaço da escola, passa a ser um elemento importante na concepção dos trabalhos: deixa de ser apenas suporte e se torna também fundamento da produção. os locais de intervenção começam a se transformar, na medida em que se vai além do espaço “permitido”, do senso comum, da ordem estabelecida – o chiqueiro, por exemplo, é já, há alguns anos, um espaço dos estudantes, onde a burocracia geralmente não interfere. na verdade, apesar de estarmos falando de uma escola de arquitetura, onde todos teoricamente compartilham a generosa e democrática concepção de artigas, o uso dos espaços é motivo de disputas freqüentes, relacionadas às formas de ocupação, às funções e aos horários. um outro elemento interessante, que se estende para toda a produção estudantil, é a “intervenção sobre a intervenção”: muitos trabalhos são realizados e logo substituídos, ou então recebem interferências e acréscimos por parte dos próprios estudantes. o efêmero e o temporário (os “eventos”) substituem as “obras”, os trabalhos concebidos e executados com uma idéia de permanência ou de “tradição”. as intervenções fazem com que muitos trabalhos ganhem novos significados, e demonstram a 22 4 posição claramente diferente daquela que defende a “extensão universitária” como uma alternativa a e este desligamento constatado entre universidade e “realidade”. essa defesa acredita que, dentro da estrutura institucional atual, ainda seja possível reencontrar o “papel social” da universidade, um sentido para o ensino e a pesquisa. 5 revista contravento, número 1, p.76. existência de uma ação cotidiana, em constante transformação. um terceiro grupo de trabalhos é identificado a partir da superação da unidade autônoma, trabalhos que ultrapassam a idéia da “criatividade individual”, e talvez da “criatividade” em si. são intervenções diversas porém relacionadas, e até certo ponto programadas. a relação com a FAU, já enunciada, agora se realiza plenamente – as suas potencialidades são exploradas conscientemente, inclusive colocando em questão o uso burocrático e/ou museológico da escola. a noção de projeto é fundamental – projeto num sentido amplo, não apenas arquitetônico, mas também como projeto de cidade e de país, presente no movimento moderno – e é claramente expressa no próprio edifício, em sua fluidez, liberdade, abertura. ligada a esta noção, está a de resistência: a tentativa constante de enfrentar e se opor às distorções e a uma degeneração deste projeto, representadas na escola pela expansão do aparato burocrático e repressivo, pela incapacidade do ensino em colocar perspectivas, pelas imensas dificuldades de criação e produção. as referências destes trabalhos começam a ser estudadas e escolhidas não apenas em seus aspectos formais, trazendo os seus próprios programas, no sentido de construção de um projeto estético e político, da inserção e do papel social da arte e do design – o construtivismo russo, os concretos paulistas e o movimento moderno são referências constantes. a história da escola, da arte e da arquitetura, através da produção, é assim retomada e revivida, colocada em ação, num sentido completamente diferente daquele das aulas, em sua maioria enfadonhas, desligadas da realidade histórica, historicistas. a consciência do poder e do potencial da produção estudantil – que muitas vezes se relaciona à organização dos estudantes em grupos – é ligada ao crescente caráter provocativo dos trabalhos, em uma tentativa de exercitar o “choque” entre concepções diferentes, colocar em movimento a máquina parada, através de uma crítica concreta, baseada na teoria e na prática do fazer arquitetônico e artístico. surge aqui a “FAU paralela”, expressão desta consciência de que a escola e o aprendizado estão em grande parte fora da instituição, do curricular4 . um quarto grupo de trabalhos pode ser identificado a partir de uma gradual ampliação do alcance da produção dos estudantes. há uma forte intenção de ultrapassar tanto a escola quanto a própria universidade, enquanto espaço e questão: os trabalhos se ligam a atividades e grupos externos à FAU, em uma clara busca por um sentido social para o estudo e a ação estudantil. esta procura se traduz, ainda indeterminadamente, pela idéia da cidade enquanto uma possibilidade totalizante, a sua de23 fesa enquanto lugar de re-união e de satisfação das necessidades humanas. as limitações da atuação restrita à universidade poderiam ser superadas tendo as contradições e problemas da cidade como ponto de partida e campo de trabalho. este caráter dos trabalhos, embora se relacione necessariamente com a produção interna à escola, traz algumas mudanças fundamentais. o ambiente da universidade, e em especial o da FAU, é até certo ponto privilegiado: não que esteja livre de contradições, mas, por conter um projeto (aquele de que falamos anteriormente, não apenas de arquitetura como de cidade e de país), ali algumas liberdades ainda são permitidas. na cidade, os trabalhos são postos em choque com a mediocridade do mercado, com a violência e a repressão, com a miséria, com a barbárie. outros atores entram em cena, e torna-se necessário procurar novas formas de comunicação, buscar novos meios, suportes, parceiros. as idéias também se renovam, e a atuação do arquiteto – como militante, manifestante, parte dos “sem (teto, terra, arte, arquitetura)”5 – parece ganhar sentido, se fazendo também necessária e útil. sente-se por um lado as dificuldades, e por outro as potencialidades por trás de uma atuação (também) política. uma outra característica importante destes trabalhos é o estímulo encontrado na escassez de recursos en- frentada inicialmente – uma escassez relativa, na verdade, porque, embora realmente não houvesse recursos financeiros, havia o laboratório de produção gráfica da FAU, a infra-estrutura da universidade. o estímulo, na realidade, vem mais de uma consciência da escassez, da precariedade, um uso político que se faz dela – uma precariedade radical ou, na expressão de hélio oiticica (mais uma referência que surgia): “da adversidade vivemos”. a universidade, de certa forma, é para os estudantes – e para o conhecimento transformador, para a arte – a escassez na fartura, a fartura na escassez, ao mesmo tempo possibilidade de criação e grande desperdício. essa adversidade ou precariedade aqui é também relacionada às condições dos sem-teto, das ocupações, dos trabalhadores da periferia e do centro de são paulo, com os quais se realizava uma série de projetos: condições materialmente escassas, mas politicamente muito “ricas”, potenciais. em resposta a esta situação e a este pensamento, há nos trabalhos um grande desenvolvimento das técnicas e dos meios de expressão: o experimentar torna-se uma necessidade, e não “mais uma” opção dentre tantas, um estilo de design. por fim, temos trabalhos que fazem parte de um processo intelectual e político, diferente do anterior, que começa a criar a sua própria forma de manifestação gráfica e estética. aqui, ao mesmo tempo desaparece e reaparece, modificada, a questão da ampliação do alcance dos trabalhos – em relação à cidade, à sociedade. a produção ganha um caráter abertamente político e um programa começa a ser desenvolvido, uma postura mais clara em relação à arte, à cultura, às possibilidades dos estudantes de intervirem de fato sobre as estruturas que já vinham criticando/ contestando. a realidade – a escola, a universidade, a cidade, o país – passa não apenas a determinar os trabalhos, mas também a ser determinada (ou seja, modificada, ainda que em escala reduzida) por eles. aqui podemos retomar a noção do designer como “inventor da realidade”, o que de maneira nenhuma significa um distanciamento ou uma alienação em relação ao “real”. a idéia do brasil como um país de enorme potencial criativo e revolucionário agora aparece mais claramente, como ponto norteador de um programa para o movimento estudantil, o território livre. partindo também da noção de projeto6, mas aliando-a à situação atual de crise da universidade burguesa e ao potencial de um novo movimento, oswald de andrade, glauber rocha e lina bo bardi são retomados: o brasil sem nenhum caráter, ou com um caráter a ser construído, uma grande possibilidade histórica de partir das contradições e da violência aqui contidas para explodi-las e transformálas radicalmente. neste sentido, as referências ganham muita importân24 6 décio pignatari encontra em mallarmé “a idéia dialética de projeto no sentido sartriano”: “a ação mais simples deve se determinar, ao mesmo tempo, em relação aos elementos reais e presentes que a condicionam e em relação a um certo objeto por vir que ela tem a intenção de originar [...]. fuga e progressão em direção a algo, simultanemente recusa e realização, o projeto retém e desvela a realidade ultrapassada, que é recusada através do próprio movimento que a ultrapassa.” (in contracomunicação). cia, na medida em que apóiam e até certo ponto “validam” ou “justificam”, histórica e teoricamente, a produção e as ações a ela relacionadas. um outro ponto interessante é que, aqui, está afirmada a produção coletiva, com uma qualidade muito grande dos trabalhos. as referências, as técnicas, os objetivos, são em grande parte comuns; a formação e o exercício são constantes, parte da prática política e de agitação no movimento estudantil. em relação à técnica, é interessante notar que aqui o design como um fazer necessariamente vinculado à reprodutibilidade industrial é, ao mesmo tempo, negado e reafirmado. diversos destes trabalhos são protótipos, objetos que contêm os diversos momentos da existência de um produto (projeto, produção, consumo); isto é fundamental em um sistema em que os motivos que determinam ou não que um trabalho seja reproduzido em larga escala são absolutamente vinculados ao mercado e ao lucro. pensar um trabalho como um protótipo permite projetar os seus desdobramentos, sem negar sua existência (e utilidade) presente. há também trabalhos que se apropriam de meios e técnicas que, hoje, mais desenvolvidos e acessíveis, permitem não apenas uma simplicidade de produção mas também a sua ampla difusão: é o caso dos filmes e principalmente dos sites e boletins eletrônicos. não há a defesa de uma 25 posição “à margem”, “alternativa”, mas sim de um choque que explore as contradições do próprio meio de atuação, seja ele a universidade, seja o movimento estudantil. assim, colocadas as questões que consideramos essenciais e expostos os nossos critérios de escolha, passamos aos próprios trabalhos: os estudantes como designers, designers em movimento, produção crítica em busca do fundamento e da razão de ser do design nesse momento. ação 28 intervenções diversas (anos consecutivos) as intervenções realizadas pelos estudantes são uma constante na escola, e vão se acumulando nas paredes, divisórias, banheiros, rampas, móveis. parar realizá-las, são utilizadas as mais diversas técnicas – máscaras e spray, carimbos, estênceis, lambelambes, adesivos – todas “duráveis”, relacionadas a uma necessidade de questionar a ordem estabelecida, que determina que os cartazes devam ter autorizações carimbadas e ser colocados em locais burocraticamente pré-determinados. estes trabalhos contam a história da escola e mostram a FAU como uma estrutura ou uma máquina, que precisa do trabalho vivo para não enferrujar e morrer. marcam o próprio edifício de artigas, tiram-lhe o caráter de museu ou de passado a ser preservado, recolocam a história – e mesmo o movimento moderno – como processo e também parte do presente; completam-no, no sentido de que a universidade, ao menos na concepção progressista da época em que ela foi concebida, é lugar de produção de conhecimento e arte. as intervenções realizadas, como expressão dessa existência-resistência, não são estáticas, positivistas ou burocráticas; não reconhecem os limites impostos, e precisam ousar, experimentar, manifestar, provocar e muitas vezes até agredir. 29 ao lado pintura na parede do estúdio 1 (máscaras) acima pintura no corredor dos estúdios (stencil) acima pintura na lateral de uma mapoteca história talvez não por acaso – como prólogo? – lembramos aqui de duas intervenções mais antigas, com claro caráter provocativo, que até hoje marcam o edifício e se misturam com sua história e projeto: a pintura do pênis sobre o “virado à paulista” (painel na empena do estúdio um), realizada em 1990 por um grupo de estudantes, e a pichação “abaixo o ME sindical, viva o ME revolucionário”, feita em uma empena do museu por estudantes da libelu (provavelmente no fim da década de 70, início da de 80). ao lado notícia do jornal da usp acima sobre o ‘ virado à paulista’, a pintura do pênis (substituído pelo passarinho) a primeira é emblemática por ter causado escândalo na época em que foi realizada, pois retratava um grande pênis saindo de uma braguilha. foi reformada, o membro substituído por um passarinho. a história do pê31 nis e toda a polêmica em torno dela são muito bem relatadas em uma reportagem do jornal da USP, de maio de 1990, quando as manchetes estamparam: “um enorme pênis apareceu pintado na faculdade. seus autores, alunos da FAU, dizem que pretendiam denunciar ‘o marasmo e a letargia na escola’. mas a diretoria acha que foi um ato de ‘barbarismo e molecagem’”. a segunda é apenas uma pichação, uma frase escrita com spray, mas por ter resistido intacta até recentemente – quando foi apagada, com muito esforço, pela equipe da faxina – passou a ser considerada parte da história do movimento estudantil, lembrança viva de um período de efervescência política e cultural na FAU e na universidade. ao lado grafite no banheiro masculino abaixo pinturas/ pixações nos estúdios e caramelo 32 33 ao lado intervenção em serigrafia em uma das mesas do estúdio 1 ao lado cartazes lambidos em um dos pilares ao lado e acima intervenção com carimbos de eva no banheiro masculino página seguinte pintura no chiqueiro 36 desce o pignatari neles estes dois lambes foram colados em um dos banheiros masculinos. em um deles, um indigenista-político de terno branco escuta o índio denunciar o folclore, o nacionalismo e o “processo de provincianização da cultura”; no outro, uma dançarina de cartola, de cartum, declara: “para desmascarar os burocratas da cultura: desce o pignatari neles!”. além dos lambes em si, que são muito fortes na relação que fazem entre ilustração, texto e suporte, destacamos aqui a explícita referência a décio pignatari, que, como veremos mais adiante, é uma figura muito presente na escola. não são poucos 37 os estudantes que se identificam com essa crítica aos “burocratas da cultura”, que dominam e engessam a produção na universidade, impondo uma visão estática da cultura, quando esta pode ser tomada como manifestação viva, essencial. o chiqueiro em relação ao chiqueiro7, vale reforçar o caráter de lugar de livre manifestação dos estudantes. é um espaço de constante experimentação coletiva e individual, que muitas vezes não tem motivações ou determinações para além do “simples” exercício. o tempo todo são realizados desenhos, colagens, pinturas em suas paredes e mobiliário; estes são logo substituídos, geralmente sem preocupação com “autoria” ou “valor artístico”. embora existam posições que desejam manter as “obras” intactas, lamentando qualquer “intervenção sobre a intervenção”, ou que simplesmente não consideram válidas as intervenções estudantis, acreditamos que esta freqüente e ininterrupta sobreposição, a realização de novas intervenções sobre antigos trabalhos, é muitas vezes interessante, enriquecedora e talvez até necessária – no sentido de que existe um movimento ininterrupto, e os trabalhos se transformam junto com o significado que têm para a escola e para os estudantes8. 39 acima tela de serigrafia 7 o chiqueiro, para os estudantes que organizaram em 2002 um caderno de propostas de novos usos para o espaço, “é mutante, em constante transformação. é palco de composições musicais, realização de trabalhos da FAU e extra-FAU, discussões polêmicas e espontâneas, tudo simultaneamente, além de ser um dos poucos lugares capazes de reunir pessoas de várias gerações (do 1º ano aos exalunos). é, portanto, um lugar nobre, situado entre os estúdios 2 e 3 (os quais representam o corpo central do piso) e próximo ao principal eixo de circulação”. 8 sobre a “intervenção sobre a intervenção”, o que nos parece interessante é a possibilidade de um confronto de posições e opiniões através da produção, que se expresse pela produção. não se trata de uma defesa absoluta do caráter de efemeridade dos trabalhos dos estudantes: é interessante quando se demonstra um desprendimento em relação a noções como “obra de arte” e “autoria”, e se expressa uma liberdade criada também pelos próprios trabalhos; para que essa liberdade possa existir, esta efemeridade não é a dos que, ao discordar, destroem, vandalizam, reprimem, censuram – ou seja, não oferecem nada de novo, nenhuma possibilidade de diálogo. à esq. intervenções sobre painéis no chiqueiro à direita pintura em parede do chiqueiro 41 a referência à história da arte: guernica (2003), porta pintada e mulher de klimt (s/ data) 9 inclusive, em relação aos trabalhos do chiqueiro, achamos que as intervenções em outros espaços da escola têm muitas vezes uma ousadia maior, ao ocuparem espaços não convencionais, livremente escolhidos pelos autores dos trabalhos de acordo com as suas intenções, muitas vezes “proibidos” pela burocracia. o chiqueiro, apesar das ameaças sofridas ocasionalmente, é de certa forma reconhecido como um lugar não apenas “livre”, mas também “ liberado”, onde a livre manifestação é “permitida”. esta “réplica” do consagrado quadro guernica, de pablo picasso, foi executada coletivamente em uma das paredes do chiqueiro, com a ajuda de um projetor de transparências. a reprodução de obras e pintores célebres é uma prática constante na FAU – e têm interesse por sua relação muito livre com a tradição e a história da arte. quadros e escolas consagradas são re-significados ao serem “imitados” em novas técnicas e em novos suportes, em locais que também contribuem para a criação desses novos significados. a escolha de espaços como os banheiros e mesmo 43 o chiqueiro9, mostra que na escola, para os estudantes ao menos, a arte pode ser parte do cotidiano e a história pode fornecer elementos para um presente vivo, no qual a arte moderna é absorvida e deglutida, fora e mais além da sala de aula. a guernica, re-pintada, é menos um libelo contra os horrores da guerra do que um manifesto de liberdade, de todas as liberdades, num espaço que é, há muitos anos já, uma espécie de “território livre” dos estudantes dentro da FAU. de tempos em tempos, esse espaço é ameaçado – como quando a diretoria da faculdade autoritariamente mandou pintar de branco todo o chiqueiro (que geralmente está coberto de pinturas, desenhos, colagens), preservando apenas a guernica, e afirmando em um ofício burocrático que esta seria a “única manifestação de verdadeiro valor artístico” do lugar. a resposta, como muita vezes vem acontecendo, foi dada em outra moeda: protestos em forma de mais pinturas, desenhos, grafites, e mesmo um filme sobre picasso e o chiqueiro – vídeo que nunca chegou a ser concluído. além da guernica, mostramos mais dois trabalhos que a ela se relacionam por seus temas e contexto: em um deles, a porta de um dos banheiros femininos foi utilizada como suporte para uma grande pintura a guache, um colorido retrato de mulher, que lembra os fauvistas. aqui, reaparece a referência à história da arte e a importância da escolha do suporte e do local de intervenção. em um outro banheiro, destaca-se em um dos cantos uma grande reprodução de klimt, também um retrato de mulher, feito a partir de desenho e colagens, inacabado. este aspecto do inacabado talvez seja o que mais chama a nossa atenção, pois parece mostrar um certo desrespeito saudável pelas “obrasprimas”, de quem produz por prazer, transitando entre a obra e o esboço, a pesquisa, o experimento. painel modular este painel, lambido em uma das paredes, foi composto por centenas de pequenos módulos quadrados de papel com figuras geométricas. o trabalho refere-se claramente à arte concreta – lembramos dos painéis de azulejo de antonio maluf – e é extremamente interessante, não apenas por sua grande abertura gráfica, como também pela técnica escolhida. os módulos, reproduzidos em xerox, permitem milhares de composições, e o trabalho poderia ter sido reproduzido com facilidade em muitos outros lugares, se assim se desejasse ou se houvesse motivo para tal. ver a cidade / paris-sp / operação urbana USP (2004 / 2003 / 2003) esses trabalhos foram realizados para disciplinas da escola. ver a cidade e paris-sp dentro dos projetos iniciais, e operação urbana USP como trabalho final em planejamento urbano. têm em comum o fato de se aproximar da produção extra-curricular dos estudantes, ao se colocar de forma crítica em relação ao conteúdo e às propostas das disciplinas, e ao realizar essa crítica através da forma da apresentação. tratam, de formas diferentes, das insuficiências do desenho de arquitetura, do projeto, do planejamento. os três querem falar para o arquiteto envolto pela crise da cidade, da profissão e do ensino, que se esquece da realidade e assume o papel de “desenhista de falsificações”, idealizando e solucionando, através do desenho ou do plano, toda a contradição e a complexidade da realidade. o que está em jogo, nestes trabalhos, é a discussão da possibilidade ou impossibilidade do arquiteto – e da arquitetura – enquanto transformadores da realidade, e uma clara opção pela crítica ao imobilismo e à reprodução de formas (e fórmulas) consagradas pela tradição ou pelo mercado e muitas vezes reproduzidas dentro da própria escola. o paris-sp e operação urbana USP são, mais do que projetos, “assemblages projetuais”, grandes cartazes pro47 vocativos, que se utilizam da fotomontagem e da colagem de textos e imagens “emprestados” de outros autores para, de forma principalmente irônica, colocar o arquiteto-crítico, que entende as limitações de instrumentos como o desenho, o projeto e principalmente as leis e estatutos do planejamento urbano, e que procura subvertê-los (em forma e conteúdo), em sua procura por novos caminhos e formas de atuar. ver a cidade é uma instalação realizada no piso das salas de aula: um poema em vinil colado no chão, “a veracidade/ ah! ver a cidade/ vá ver a cidade/ haverá cidade”, e uma escada, posicionada estrategicamente sob um dos domus deixados descobertos pela equipe que reformava a cobertura. este trabalho é mais um apelo sensível, uma manifestação de dúvida quanto aos caminhos a serem trilhados, do que uma provocação. o questionamento parece ser o isolamento da escola e dos arquitetos em relação ao seu próprio “objeto de trabalho”, e a fragilidade ou inexistência de um pensamento – e de uma ação? – sobre a cidade. mas, pela sua indeterminação, fica a dúvida: serão os arquitetos que não querem ver a cidade? seria a “imobilidade” dos arquitetos uma questão de ignorância ou de falta de vontade (política, profissional)? 49 dia do AI (2002) de ocupação irregular e inadequada dos espaços ficava claro. o AI, ou ateliê interdepartamental, foi concebido por artigas como um espaço onde a produção dos três departamentos seria reunida, no sentido de que, para um ensino vivo, completo e socialmente útil, história, tecnologia e projeto dificilmente poderiam ter existências autônomas. mas, já há alguns anos, e apesar dos administradores da faculdade serem também arquitetos, o espaço começou a ser ocupado por paredes de madeirite e divisórias diversas, se transformando em área de ampliação dos departamentos e de outros grupos e comissões dos mais variados. logo os puxadinhos oficiais ganharam o apelido de favelinha: comparação inevitável, pois, ao se passar pelas rampas, as coberturas improvisadas eram avistadas e o caráter de ausência de projeto e há muito tempo, no entanto, os estudantes discutiam a realização de um projeto para a área, oscilando entre a volta ao projeto original e a busca de novos usos. o ato aqui registrado aconteceu em maio de 2002, depois de uma assembléia convocada pelo GFAU, labhabgfau e por outros núcleos estudantis que também discutiam aquele espaço. o AI foi tomado por dezenas de estudantes que, munidos de tinta, pincéis, giz e canetões, se lançaram sobre os puxadinhos, desparafusando portas, fazendo desenhos, pixações, escrevendo frases e principalmente nomes – pois a direção, temerosa, logo se apressou acusar “depredação do patrimônio público” e exigir uma lista com “nomes e números USP” de todos os presentes: a resposta foi dada nas paredes. também foi 50 realizada uma intervenção teatral, o “funeral do vilanova”, que discutia o uso dos espaços da FAU e mostrava os interesses envolvidos ali. o resultado final desse movimento é um painel bastante heterogêneo, mas muito interessante no seu conjunto – inevitável a associação com o muro de berlim derrubado (depois da derrubada dos puxadinhos, pedaços de paredes e portas sem paredes ficaram por muito tempo espalhadas pela FAU), ou com um arquitetônico muro das lamentações: escreveu-se de tudo, xingando burocratas, a escola, a herança moderna, o pós-moderno... arte e vida: dois trabalhos (2004) 51 10 “e impinge modelos pré-revolucionários/ da arte do pincel/ do cinzel/ do vocábulo? e para a massa/ flutuam/ dádivas de letrados(...)chega/ de chuchotar /versos para os pobres/ a classe condutora/ também ela pode/ compreender a arte/ logo:/ que se eleve/ a cultura do povo!/uma só/ para todos./o livro bom/ é claro/ e necessário/ a mim/ a vocês/ ao camponês/ e ao operário.” 11 “eu/ à poesia/ só permito uma forma:/concisão,/ precisão das fórmulas/matemáticas./às pendengas poéticas estou acostumado,/eu ainda falo versos e não fatos.” 52 a instalação “arte e vida” foi realizada como trabalho final para uma disciplina optativa de história da arte – o que se pedia era uma monografia, com tema a ser definido pela equipe. o grupo, ao escolher o construtivismo russo, decidiu se colocar de outra forma, num reconhecimento da radicalidade e alcance das proposições das vanguardas. os russos tornam-se, então, uma motivação para falar e produzir arte para mais gente, além da sala de aula ou dos departamentos. grandes letras de papelão foram presas aos domus por fios de barbante de diferentes comprimentos, sobre o fosso. as letras, inicialmente, permitiam que se lesse “artevida”, mas o projeto já previa o vento e a intervenção de quem passasse pelo fosso e alcançasse algumas das letras, embaralhando-as, amarrando-as umas às outras. talvez esse seja o aspecto mais interessante da proposta, um certo “acaso intencional”, que coloca o projeto enquanto intenção ou pressuposto orientador de possíveis desenvolvimentos posteriores. complementando o trabalho, ou determinando-o, folhetos vermelhos com poemas de maiakovski (“incompreensível para as massas”j e “de v internacional”k) foram distribuídos pela escola, nos primeiros dias após a colocação da instalação. os poemas de certa forma lançam as bases para o entendimento das idéias desenvolvidas pelas vanguardas russas e a interpretação destas, realizada pela nova instalação: a relação entre arte e (pop?) do michelângelo na capela sistina, com a diferença de que, aqui, o sentido religioso é substituído pelo lúdico. trapezistas ou mergulhadores, há uma grande sensação de liberdade. permanece a expectativa dos dedos ou mãos que quase se tocam, ou que iriam se tocar no momento seguinte, se o desenho tivesse vida. assim, a ação se completa em quem vê – e o completamento da ação, a união das mãos, seria transformador: quando dois viram um, arte e vida se fundem, e passeiam pelo espaço. realidade, a possibilidade e os limites da intervenção de uma na outra, são problemas centrais tanto nas poesias quanto no trabalho dos estudantes. o segundo trabalho é mais um dos murais realizados coletivamente nas paredes do chiqueiro em disputa. pintadas em tinta látex sobre fundo preto, as figuras foram criadas a partir de uma foto de rodchenko, de um mergulhador saltando de costas em uma piscina. sobre este trabalho foi feita uma pequena intervenção: alguém acrescentou, à giz, as palavras “arte” e “vida”. a partir dela novos significados são revelados, significados que talvez já estivessem presentes, mas não tão explícitos. pode-se, então, dar um salto, do rodchenko revisitado para uma releitura “secular” 53 embora os dois trabalhos possuam pontos de partida e concepções bem diferentes, não se pode deixar de considerar o que eles têm em comum: esta preocupação, ainda que implícita ou pouco elaborada, sobre a relação entre arte e vida, uma das questões fundamentais da história da arte, e especialmente da arte moderna. a persistência com que os espaços da escola são trabalhados, pintados, grafitados, lambidos, reestruturados pelos estudantes mostra que, especialmente fora das salas de aula, há uma intenção de produzir e criar cotidianamente, colocando a possibilidade de um cotidiano não massacrante, com tantas regras, limitações e espaços privados, exclusivos, restritos. 54 happy hour por um fio (2003) esta manifestação se deu quando a diretoria proibiu a realização dos tradicionais happy-hours da FAU, alegando questões de “segurança do patrimônio”. o ato, proposto pelo GFAU, tomou proporções maiores, devido ao grande envolvimento dos estudantes: rapidamente o protesto se organizou, com a ocupação da reunião da congregação que discutiria o assunto, a preparação do caramelo e a convocação dos músicos para tocar em frente à diretoria. o ato, transformado em festa – ou a festa transformada em ato? – é uma expressão do pensamento e da re- lação viva que os estudantes têm com a faculdade, enquanto escola e edifício. a escola não é apenas o lugar das aulas, do ensino – estudar arquitetura, aqui, inclui uma série de atividades para além da sala de aula, atividades que contribuem para a construção de um pensamento crítico e para um constante exercício da atividade criativa. em relação ao edifício, pode-se dizer que produções como a faixa do “por um fio” colocam com muita sensibilidade uma visão de sua história e espaço. o caramelo, aqui, é reconhecido como o “cuore da faculdade”l, praça, ágora, local de reunião e manifestação por excelência, longe da formalidade do auditório e dos de55 partamentos, onde se escrevem cartas e ofícios. coberta por um “teto” que não encobre, mas sim revela, a faixa vai até o alto, até o domus, vira fio – a perspectiva parece dar sentido ao ato, mais do que as próprias palavras pintadas. 12 expressão do arquiteto abraão sanovicz. 56 ao lado folder com o programa da fau paralela chapa concreto armado (2003) por suas propostas, esta gestão do GFAU teve uma produção vasta e muito interessante, que inclusive estendeu o seu alcance para além da chapa e mesmo da gestão. o seu programa se colocava claramente contra a burocracia e a estrutura da escola, a partir da proposta da FAU paralela: 13 uma apropriação da publicidade: “caramelo / tome aí / tome chicas, / museu / estúdios / tome gramado / fosso / lame lpg / FAU / tome tudo / tome parte / beba / cursos e oficinas” “(...) mudar o ensino de arquitetura não pode significar pressionar as estruturas da FAU por ações (...) não é possível esquecer que os conselhos e os departamentos são formados por quem está, ao mesmo tempo, reafirmando esta forma de ensino com que não estamos de acordo. os conselhos são fechados ao debate conjunto professores-funcionários-estudantes, por isso acreditamos que qualquer mudança no ensino virá de ampla participação 58 estudantil. nesse processo, vamos por a estrutura à prova, vamos ver até onde ela agüenta sem se abrir! não basta brigarmos por reforma do ensino, o grêmio pode ter uma ação prática na produção de arte e arquitetura aqui dentro, independente da estrutura (e de seus entraves). se hoje pela ‘via institucional’ não podemos explorar todas as potencialidade do lame, da gráfica, dos estúdios etc., podemos fazê-lo pelo grêmio. então, propomos: arte, festa e experimentação! vamos fazer uma FAU paralela para reintegrar os anos e resgatar uma produção criativa na faculdade (...) destaca-se: 1. o apoio às ações dos estudantes para fazer cursos no lame, oficinas e festas. vamos valorizar a nossa produção interna e, também, externá-la, aproximando-se da ECA e da FFLCH; 2. criação da editora do GFAU. o grêmio já publicou muitos textos de professores, arquitetos e artistas, alguns dos quais exclusivos; vamos retomar essa ação, assim, a gráfica volta a ser usada pelos alunos e construímos, ao mesmo tempo, um espaço de divulgação de nossa produção para dentro (alunos e professores) e fora da FAU (especialmente, os encontros de estudantes de arquitetura). podemos registrar os exercícios integrados de projeto, os concursos, as oficinas, a produção dos núcleos; 3. festas. retomar o que é óbvio. convivência mais intensa entre alunos, funcionários e professores. um espaço para o diálogo e a celebração.” foram grandes as dificuldades para a concretização dessa FAU paralela, que talvez possa ser entendida como um programa interrompido, que precisou de certas condições – objetivas e subjetivas – para amadurecer e ser mais desenvolvido. além da resistência enfrentada (tanto por parte da própria burocracia quanto de setores dos estudantes que não concordavam com a postura de rompimento com a estrutura, acreditando que era necessário atuar por dentro dela), as contradições do próprio programa acabaram por demonstrar a necessidade de uma perspectiva mais ampla, no sentido de sair da FAU, com um programa politicamente mais determinado. mesmo assim, dentro do programa proposto, foram realizados vários trabalhos, tanto pela chapa quanto pelas comissões. a comissão de cursos e oficinas, em uma clara associação entre crítica (ao ensino e à estrutura) e produção, entre produção e ocupação dos espaços, chegou a reunir no segundo semestre de 2003 oito cursos diferentes, como os de vídeo, maracatu, marcenaria, fotografia, processos gráficos, entre outros. no entanto, como a proposta não teve continuidade, a maior parte do material produzido foi perdida, poucos registros sobraram. os registros que apresentamos aqui são principalmente do material de divulgação produzido pela comissão: os cadernos com os programas dos cursos e a grande faixa de tnt vermelho que se enrolou nos pilares anunciando – na escala da escola – a nova comissão. o caderno do primeiro semestre traz em sua capa e contracapa um poema “pop-concreto”m e a célebre imagem do lpg na época em que este era dentro do prédio da FAU – uma imagem simbólica, no sentido defendido pelo 59 programa da comissão, da produção como algo inseparável do ensino. ilustrando os cursos, no miolo do caderno, imagens de trabalhos de josef albers, da bauhaus – aqui, de novo, a importância da referência – retomada como defesa da “arquitetura total”. no segundo caderno, um salto: o livreto é rodado em offset, na área de sobra do jornal umpramil, e as imagens são fotos de detalhes da gráfica, como rolos de filme e os tipos da tipografia. ao lado cartaz de divulgação da fau paralela acima capa do manual dos bixos acima mural de divulgação da chapa (carimbo EVA) e mural de divulgação de happy hour (colagem de papel espelho) a comissão da editora se propunha inicialmente a ocupar, através da produção de publicações estudantis, “um espaço de ensino e aprendizado”, reavivando o como uma entidade que “em mais de meio século de vida já publicou muita coisa”, chegando a “metade das publicações acadêmicas da FAU”. na prática, o trabalho da comissão acabou se restringindo à produção do umpramil, o jornal dos estudantes da FAU, existente desde 2001. é especialmente interessante, 61 na produção deste período, a edição 21 (abril/maio 2003), diagramada pela comissão, e provavelmente a primeira a ser realizada através da colagem – sem apagar as marcas do trabalho, dos recortes, do durex: esta primeira experiência, como veremos adiante, mais tarde será retomada com muita força, se tornando mesmo um método para trabalhos realizados coletivamente, já que prescinde do uso de computadores na hora da montagem e permite uma grande liberdade criativa. na comissão de festas, destacam-se os happy hours (em especial o por um fio, já citado neste trabalho, e aqueles de lançamento das propostas da chapa) e também a festa junina. esta foi cuidadosamente projetada enquanto festa, seguindo a idéia da “arte, festa, experimentação”. houve um concurso de cartazes, onde começaram a ser desenvolvidas formas de divulgação para além do cartaz, no sentido do questionamento dos formatos e suportes tradicionais: instalações, banners modulares, outdoors, máscaras para pintura direta sobre paredes. o trabalho escolhido foi um balão de tnt colorido, que anunciava a “faujunina” em letras pintadas com máscaras. o espaço da festa foi também graficamente construído: no estacionamento próximo às rampas e à portaria, o piso transformou-se em um mural de grandes dimensões, cal sobre asfalto em formas geométricas que lembravam as bandeirinhas de volpi14. página anterior lambe de divulgação dos cursos e oficinas (serigrafia em papel de seda) ao lado balão de divulgação da faujunina abaixo chão do estacionamento (pintura a cal) 14 aqui e em outros trabalhos da chapa, aparece novamente a referência concreta, subvertida ou re-colocada sobre outros parâmetros – aqueles das nossas limitações materiais, por exemplo, e os do questionamento do design “limpo”, “acabado”, que talvez pudesse ser associado a uma falsa “solução” para uma realidade contraditória. 63 64 página anterior lambe de divulgação da editora (carimbo em papel de seda) e página do umpramil número 21 ao lado faixa de divulgação dos cursos e oficinas abaixo caderno da comissão de cursos e oficinas I e II cultura de greve (2003/2004) estas duas séries de cartazes divulgam os seminários cultura de greve, realizados em conjunto por professores e estudantes da ECA durante a greve das universidades estaduais em 2003, com o objetivo de “vivificar as práticas de pesquisa e de difusão do saber (...) num movimento igualitário pela universalização da cultura e das artes e a favor do caráter público e gratuito da educação como direito comum e permanente”. em 2004, o seminário também passa a ser organizado por estudantes da FAU, da revista contravento. na primeira série de cartazes, foi utilizada serigrafia (para a impressão da programação do evento) e máscaras, compondo grandes cartazes em papel craft. alguns traziam o conhecido perfil de maiakovski, outros simples planos vermelhos de diversos formatos, feitos com o rolo de espuma. os lambes, colados por toda a USP, tinham grande impacto visual, não apenas por seu tamanho, mas também pela escolha e combinação das técnicas; a composição dos diversos elementos do cartaz era diferente em cada exemplar e os cartazes eram componíveis, o que colocava várias possibilidades de colagem – em vários lugares foram criados verdadeiros murais, pequenos outdoors. 67 a segunda série, chamada de greve é formação, manteve alguns dos princípios da primeira, como por exemplo o uso de técnicas combinadas (desta vez serigrafia e carimbo de eva) e a exploração do lambe-lambe como provocação e contestação da ordem – a imagem do cartaz (preto) nas brancas – e intocáveis – paredes do museu de arte contemporânea da USP é bastante significativa neste sentido. ao lado cartaz lambido em parede do MAC abaixo cartazes lambidos na FFLCH greve escravo se não escreve (2004) o poema de augusto de campos foi transformado no exato sentido de “alteração na forma” ou metamorfose: o poema virou um lambe-poema, ou um poema-lambe, serigrafado em papel de seda e espalhado pela USP durante a greve. o trabalho representava bem a posição do artista (escritor, arquiteto) frente à universidade em greve. esta intervenção foi algo de novo-velho, em oposição ao velho-velho, feio e pouco original material gráfico e escrito que geralmente se apresenta nas greves das universidades, expressão apenas da falta de real radicalidade das reivindicações e do movimento em geral, que leva o senso-comum, o cidadão médio que lê tudo pelos jornais, a acreditar que a greve é apenas uma picaretagem cíclica de servidores públicos que não gostam de trabalhar e uma minoria de estudantes radicais que não querem estudar. a referência à poesia concreta é uma constante nos trabalhos da FAU, pelo menos nestes últimos anos, o que é interessante, pois os próprios poetas concretos afirmam não encontrar espaço ou compreensão para o seu trabalho no meio universitário. um motivo desta influência talvez seja o papel histórico exercido pelo grupo em um período em que a cultura brasileira estava em ebulição, os anos 60, se colocando enquanto vanguarda, escrevendo muito e realizando uma poesia que “comunica a sua própria estrutura: estrutura-conteúdo”, propositiva e experimental15. além disso, há uma grande proximidade da arte concreta com a própria arquitetura (principalmente com a arquitetura moderna), pelos seus aspectos construtivos e por sua preocupação com a funcionalidade e o uso. um outro aspecto é a intenção expressa pelos concretos de aproximar a arte e a produção industrial, fazendo uma “arte geral da palavra. o poema-produto” e tomando conhecimento do “espaço gráfico como agente estrutural”16. 15 em oposição à concepções que colocavam a arte como mero veículo ou instrumento para expor idéias “externas” à própria forma, os concretos citam maiakovski: “ não há conteúdo revolucionário sem a forma revolucionária”. 16 plano piloto da poesia concreta, 1965. 69 não deixe a universidade atrapalhar seus estudos (2004) nesta intervenção, é bastante clara a identidade entre a técnica, a escolha dos suportes e a mensagem a ser comunicada. as letras da frase “não deixe a universidade atrapalhar seus estudos” foram pintadas usando máscaras (stencil), em folhas de papel de seda, e depois “lambidas” em alguns lugares da USP – entre eles o prédio da história e geografia, as paredes externas do anexo e o estúdio 1 da FAU – e também na cidade de brasília. a escolha do lambe-lambe e a escala do trabalho parecem ter sido apropriações dos grandes anúncios nos muros e outdoors da cidade. quando inserido na cidade universitária, todo o trabalho – técnica, suporte e mensagem escrita – explicita um questionamento, por parte dos estudantes, da estrutura estabelecida e burocrática da universidade, de seu espaço restrito e policiado, do ensino estático, em oposição ao conhecimento transformador que poderia ser desenvolvido. já em brasília, as colagens foram feitas durante o enea (encontro nacional dos estudantes de arquitetura), quando milhares de estudantes reuniamse na capital. ao serem lambidas no “minhocão”q e na rodoviária, no centro do plano piloto – lugares significativos não apenas para a arquitetura, mas também símbolos de uma época em que se afirmava um projeto de universidade e de país 17 nome pelo qual é conhecido o prédio do instituto central de ciências da unb, projetado por oscar niemeyer e joão filgueiras lima (lelé). 70 intervenção, tanto por parte da burocracia universitária, quanto, mais surpreendentemente, por parte de outros estudantes. o lambe-lambe foi visto como uma agressão, um ataque ao “patrimônio público”. quando essa intervenção é classificada como um ato de vandalismo (como na ocasião da colagem da frase na história/geografia, em que três estudantes foram detidos pela guarda universitária), o que está em jogo, novamente, é o caráter de território livre da universidade: livre para o desenvolvimento de um conhecimento libertador, e livre enquanto espaço de reflexão, produção e manifestação estudantil. – elas reafirmam este questionamento e possivelmente dão a ele um caráter mais amplo, como um apelo à movimentação estudantil frente ao conservadorismo e à ausência de projeto, na universidade enquanto instituição e também na cidade. é interessante considerar a reação hostil e algumas vezes violenta a esta 72 em relação aos próprios estudantes, é interessante notar que a frase colada na FAU, no estúdio 1, foi sendo gradativamente transformada ou reformada. primeiro, algumas letras foram arrancadas: “não deixe a verdade atrapalhar seus estudos”. em seguida, substituídas: “não deixe um badaba atrapalhar seus estudos”. e, finalmente(?), restauradas, em um retorno à frase original. é bastante curiosa a forma como estas intervenções foram feitas, pois, ao mesmo tempo em que manifestam clara discordância com a mensagem expressa inicialmente e com os estudantes que a realizaram (classificados como “badabas”), elas se utilizam do mesmo suporte e da mesma técnica. fica a questão: seriam estas intervenções subversões do trabalho inicial (pela mudança da mensagem aproveitando-se da forma original), ou diluições deste trabalho, na medida em que, para fazer a sua crítica, realizam uma ação que vai na direção contrária a esta mesma crítica18? 18 como já foi explicitado em diversos momentos deste trabalho, imaginamos que o lambe-lambe, dependendo de onde é colado, se aproxima de um questionamento da própria forma atual da universidade, por ser considerado um ato de “vandalismo” e contrariar a “ordem” vigente. 73 estudante sem perspectiva (2005) sobre a conhecida charge de flávio motta, a do estudante sem perspectiva que tem como cabeça um ponto de fuga, o grupo da “pv enea”19 compôs inúmeras imagens que explodem a partir deste mesmo ponto – projetos e estruturas de arquitetos russos, frases dos cartazes do atelier populaire, estudantes na grande assembléia no caramelo na década de 70. o grande cartaz (que tinha aproximadamente 2m de altura), foi lambido em vários locais próximos às principais escolas de arquitetura de sp – e a mensagem era clara: estudante em ponto de fuga ainda procura perspectivas, na retomada de referências, na história e na arte, em um passado que só tem sentido enquanto apontamento de possibilidades. “explicava” a montagem uma pequena nota metalinguística aos pés do estudante, tão pequena que só seria lida por quem se interessasse o suficiente para chegar bem perto: “ a colagem é a sintaxe provisória da síntese criativa, sintaxe de massa. a colagem é a montagem da simultaneidade, totem geral. é tempo de massa e de síntese, não de centralização. não há mais tempo para os textos, só para títulos. textítulos, textículos.”u. como se pode ver, neste trabalho a escolha da técnica de composição não é nada casual. recorrentemente a fotomontagem vem sendo utilizada nos trabalhos dos estudantes, talvez por suas grandes possibilidades expressivas e críticas, de criação de novos significados pelo acréscimo ou subtração de elementos e pela justaposição de vários tempos e personagens diferentes. limites impostos, contra as opressões e a barbárie da cidade – e fazer arte como um meio de resistência, de contraposição à essa barbárie. mas, ao invés disso, há uma defesa do espaço de cada um, quase um espaço privatizado, defesa que expressa uma clara aceitação da situação atual da cidade, uma grande e fragmentada cidade de pequenos e fragmentados muros. é uma total passividade desse “movimento” esperar que “o tempo” leve embora seus trabalhos, sem ver que quem os leva e destrói não é “o tempo”, esse ser natural, mas a própria lógica selvagem da cidade capitalista – esta sim “inimiga” de uma cidade que poderia ser ocupada plenamente, grandiosamente, pelos seus habitantes e pela arte. embora a escolha dos locais de colagem tenha sido orientada pela proximidade às escolas de arquitetura, um dos lambes acabou por levantar algumas questões interessantes, ao ser colado em um muro da rua da consolação, sobre outros lambes mais antigos, stickers e grafites. o estudante sem perspectiva suscitou revolta por parte de alguns estudantes, que consideraram a intervenção neste local um desrespeito pela obra e pelos artistas “de rua”, chegando a afirmar que “temos muitos muros, espaço para todos”v. parece-nos que há aqui uma enorme contradição, pois o artista “de rua” certamente deveria trazer consigo uma grande dose de ousadia e revolta contra os de qualquer forma, o debate gerado pelo trabalho é muito interessante, na medida em que nele aparece uma expansão do que freqüentemente fica restrito à escola, tanto no que diz respeito à discussão sobre a relação entre arte, cidade e movimentação estudantil, como à produção propriamente dita. 74 19 o cartaz é uma espécie de “conclusão gráfica” do trabalho do grupo, que estava elaborando todo o material de programação visual do enea sp. em outubro de 2005, o grupo rompeu com a comissão organizadora, devido a enormes discordâncias em relação ao conteúdo e forma organizativa do encontro, escrevendo um texto-manifesto para explicar a sua posição: “o grupo da pv, reunido com a perspectiva de contribuir na construção de um significado para um encontro de estudantes de arquitetura a partir da comunicação, chega a um impasse. e assim se coloca. entendemos a comunicação visual como construção e propaganda de um conteúdo. uma manifestação estética de um posicionamento político frente à realidade, à cidade. por pensarmos a construção da história como ação dos homens, pretendemos superar as formas harmoniosas e belas da publicidade vulgar, que nada coloca para além da lógica do valor. queremos expressar uma contra-lógica, que considere os objetos sob seus aspectos úteis. uma contracomunicação. nessa condição, nos lançamos à cidade: 18 milhões de pessoas. diversidade. milhões de pessoas, casas e fábricas, condenadas todas à mesma lógica fragmentária da forma-mercadoria. falsa diversidade, falsa liberdade. não há unidade. trabalhar essas questões, dar a elas uma expressão gráfica, para levar os 4 mil estudantes de arquitetura a caminho da metrópole de 18 milhões de habitantes a pensar sobre a realidade, provocando uma ação negativa de reconstrução da cidade. pensamos ser impossível propor um encontro real sem tomar essas questões como fundamentais. tendo em vista que não conseguimos formular totalmente os produtos que desejávamos e não encontramos na comissão organizadora um interesse pela comunicaçâo para além das formas, esvaziamos a pv. não seremos nós a construir uma máscara para o oco. tudo está novamente aberto.” 20 pignatari, décio. “depoimento 2” in contracomunicação. são paulo, ateliê, 2004. 21 este texto, de rafael suriani, foi publicado no 1:1000 no. 31, junto a uma foto do referido muro: “este muro fica na esquina da rua da consolação com a rua maria antonia, no centro de são paulo. ao redor do trampo (grafitti) dos gêmeos vários artistas colaram desenhos, sempre respeitando os trabalhos ali presentes, como acontece entre os que escolhem as paredes da cidade como espaço de expressão, de poesia, de liberdade. o muro acabou ficando preenchido com colagens de muitos artistas que configuraram uma grande colagem coletiva. inúmeras manifestações e linguagens dialogavam em harmonia até que ali foi colado um cartaz enorme, atropelando grande parte das colagens além de um trecho do grafite, sem respeitar a lógica do que estava acontecendo ali. sabemos que as colagens nas ruas são efêmeras, mas deixemos que o tempo se encarregue de levá-las... vamos respeitar e valorizar esse movimento que cresce cada vez mais na nossa cidade... temos muitos muros, espaço para todos... mantenhamos o respeito e a paz no espaço da arte de rua!” 22 pignatari, décio. “uma escola de comunicação” in contracomunicação. são paulo, ateliê, 2004. 75 estudantes bárbaros (2005) a intervenção era constituída por uma citação de décio pignatari: “claro que sabemos que mil leis e regulamentos logo formarão clamor na boca de mil interessados passadistas. dia virá, porém, em que necessidades galopantes passarão por cima de mil portarias, numa autêntica invasão informacional de estudantes bárbaros”s. colada em grandes letras de vinil nas empenas laterais das rampas da FAU, de maneira a ser vista não só do cara- melo como de diversos outros pontos da escola, a frase era claramente uma provocação à burocracia, sem citar nomes. não havia na FAU, naquele momento, nenhum conflito explícito entre a diretoria e os estudantes, nenhuma conjuntura de acirramento das tensões. mas a intervenção se colocava como uma crítica à situação geral da escola (burocratização e passadismo, em oposição às “necessidades galopantes”), e como um 76 anúncio da chegada dos “estudantes bárbaros”, aqueles que, sem dó nem lei, passariam por cima de tudo que fosse ordem, atraso, repressão. a reação à intervenção foi impressionante, pois, pouco tempo depois da colagem, as centenas de letras sumiram de um dia para o outro! até hoje não se sabe ao certo quem as retirou, mas é claro que a provocação teve efeito. ao lado cartaz de divulgação de visita do labhab (xerox) acima carimbo de EVA lab hab o lab hab GFAU (laboratório de habitação do GFAU) existiu de 1997 a 2004, reunindo dezenas de estudantes de todos os anos e realizando projetos dentro e fora da FAU. no período entre 2000 e 2004, a produção foi bastante relacionada ao trabalho com movimentos populares da cidade de são paulo, embora outros projetos também existissem. a atuação na própria escola, na forma de grupos de estudo, seminários, debates, oficinas, concursos, era bastante importante, como forma de divulgação dos trabalhos, ampliação do núcleo de estudantes e intervenção na estrutura da escola e no ensino. a produção deste período é vasta e intensa, refletindo bem o caminho percorrido ao longo dos anos: da assistência ou assessoria técnica aos movimentos a uma parceria política – inclusive participando de reuniões organizativas, atos, ocupações. relacionado a este processo, o crescimento da consciência da necessidade dos estudantes de se colocarem enquanto arquitetos-militantes, numa volta à própria FAU, enfatizando a movimentação estudantil e a agitação dentro da universidade, sempre com a arquitetura – projeto, design, artes, teoria – como “instrumento”. acima página do manual dos bixos página seguinte cartazes do labhab cartazes (2001 a 2004) os cartazes aqui expostos – piclabnic, movimentos sociais e reforma urbana, assessorias técnicas: função social do arquiteto?, arte em movimento, grupo de estudos do capital, visita ao jd. américa, américa latina e movimentos populares, entre outros – embora concebidos individualmente, por alguns membros do grupo, podem ser considerados como um conjunto, na medida em que revelam uma produção continuada e expõem uma reflexão e uma prática desenvolvidas coletivamente. ao nosso ver, estes trabalhos refletem o oposto do que vem sendo colocado como design hoje, quando se destaca a “necessidade do cliente” e se define o designer como um formalizador de idéias alheias, ou, na melhor das hipóteses, um solucionador de problemas23. é possível ir na direção contrária: a produção dos estudantes em geral, e estes cartazes em especial, mostram o designer como inventor ou potencializador da realidade24, alguém que irá reunir e reapresentar, sob uma forma sintética, os diversos elementos presentes no trabalho do grupo. a intenção dos trabalhos certamente vai além da simples divulgação de eventos e atividades, e não se trabalha no âmbito do mercado ou da mercadoria: a gráfica é parte de um todo maior, meio de expor e comunicar idéias críticas e contestadoras, de estimular a reflexão e a ação, sendo ela mesma reflexão e ação25. a arquitetura, e portanto os projetos que eram realizados, nunca foram vistos em separado das outras artes26. assim, nos cartazes aparece claramente a influência das pesquisas 79 23 é bastante interessante ler os textos de reconhecidos designers brasileiros, no site da ADG. pedro inoue, por exemplo, em “design e cultura”, afirma que “design no brasil é business. na minha viagem recente para são paulo, perguntava para todo mundo que encontrava: qual o papel social e político do design no brasil? poucas pessoas ME responderam o seguinte: ele não existe (...) se alguém ME perguntar por uma resposta, uma solução, eu não tenho, eu não sei”. e mais adiante, se pergunta: “o designer não é criador? solucionador de problemas?” 24 “o real, enquanto conteúdo novo comunicável, não é apreendido pelo discurso, mas criado pela linguagem.” (décio pignatari) 25 vale reforçar aqui a grande importância da comunicação visual em todos os trabalhos do laboratório neste período. de maneiras diferentes, ela está presente nos jornais, na revista, passando pelos cubos e pelo projeto-cartaz do jd. américa, que é exatamente isso, reflexão e ação através de um trabalho que é ele próprio reflexão e ação. 26 o manifesto do jardim américa, trabalho realizado pelo laboratório em 2002, coloca a arquitetura como “a arte fundamentada na cidade”. realizadas nos trabalhos do laboratório, pesquisas que incluem o construtivismo russo, a bauhaus e o movimento moderno em geral. a escolha das técnicas é também um ponto relevante relacionado a esta pesquisa: procura-se tirar partido das peque- nas tiragens para explorar a mistura de técnicas, o xerox em papéis de diversas cores, carimbos, máscaras e serigrafia, que passaram a ser mais utilizadas a partir das experiências feitas para o jornal hora do teto. 80 hora do teto (2002) este jornal foi realizado pelo grupo “presidente wilson”, em conjunto com o grupo de jovens do movimento de moradia no centro (mmc). nasceu do trabalho dos estudantes com o movimento, que vinha desde 1999. até o surgimento do jornal, o trabalho havia se constituído principalmente em torno de reformas e construção de equipamentos nas ocupações – embora, como já dito anteriormente, a relação com o movimento sempre tenha envolvido uma atuação política, com a participação em reuniões, assembléias e atos. a realização do hora do teto envolveu diversas pesquisas preliminares, tanto de técnicas de impressão quanto de algumas referências gráficas relevantes – além da propaganda e trabalhos de imprensa do construtivismo russo, diversas publicações da imprensa alternativa, operária e estudantil. foram realizadas também algumas atividades preparatórias, incluindo contatos com outros movimentos e visitas à exposição sobre o construtivismo russo no centro cultural banco do brasil. o jornal chegou a ter 5 números e uma tiragem média de 1500 exemplares. o número zero, um jornal mural, foi espalhado por várias ocupações do centro da cidade. foi o único número neste formato, e também o único impresso em xerox. o título “jornal sem nome” foi carimbado em eva, técnica aprendida nas oficinas da exposição da gráfica russa. nos números seguintes (do um ao quatro), conseguiu-se uma relativa estabilidade: estabeleceu-se um formato padrão (tablóide), impresso em offset, realizado por um grupo reduzido de jovens e estudantes. embora tenha sido uma experiência muito 81 rica e interessante para quem dela participou, e tenha deixado alguns frutos – principalmente para o laboratório, que começou a pensar em realizar a sua própria publicação, e para os estudantes em geral, na forma dos avanços criativos permitidos pelas pesquisas gráficas realizadas – o hora do teto enfrentou sérias dificuldades. em primeiro lugar, as dificuldades materiais; embora existisse um certo apoio do mmc, o grupo era pequeno e pouco experiente. a distribuição, fundamental para o sucesso da publicação, acabou sendo muito ineficiente. era difícil também encontrar patrocinadores “isentos”, que apoiassem o jornal sem exigir “benefícios” em troca (no caso, o seu uso político-eleitoral). em segundo lugar, as dificuldades políticas enfrentadas: era uma experiência nova, de um jornal realizado também pelos próprios militantes dos movimentos de moradia e trabalho, pensado não apenas como um informativo, mas também como um propulsor de organização e integração entre as diversas lutas locais. não se conseguiu efetivar essa rede, em parte pela falta de clareza por parte dos dirigentes, e por sua aproximação com organizações nãogovernamentais e partidos políticos centristas, que acabaram determinando mudanças de direção da luta e solapando a autonomia dos movimentos. as atividades previstas para acompanhar os lançamentos (deba- tes, atos, festas, visitas) acabaram não acontecendo; a troca com outros grupos políticos também foi prejudicada. o terceiro ponto a ser destacado, e talvez o mais relevante para este trabalho, seria a própria constituição do comitê editorial, e a falta de clareza sobre como deveria ser produzido o jornal: seriam os estudantes militantes do movimento? será que poderiam falar pelos sem-teto, como sem-tetos? e quanto à parte gráfica, seria possível a realização coletiva entre estudantes de arquitetura e jovens trabalhadores? foi acordado que tudo poderia ser feito por todos. e, depois de extinto o hora do teto, em uma avaliação do trabalho, concluiu-se que o resultado foi um jornal pouco ousado no sentido da experimentação gráfica, por não se ter assumido as diferenças existentes, de classe principalmente – embora todos se considerassem militantes, tanto os arquitetos quanto os semteto. a questão do indivíduo (e da opressão) apareceu então com muita força, em sua relação com a possibilidade ou impossibilidade da produção artística/criativa; percebeu-se também a necessidade da constituição de um movimento (estudantil), desenvolvendo plenamente o potencial criativo e político existente, e se colocando em uma relação de igualdade ou de efetiva parceria (política) com o movimento de moradia. 83 santo dias (2003) esta faixa foi produzida quando o santo dias, ocupação do MTST (movimento dos trabalhadores sem teto) em são bernardo do campo, recebeu uma ordem de despejo. sob ameaça policial, o movimento organizou a retirada das famílias, transformandoa em um ato que seguiu do terreno ocupado até a prefeitura, no centro da cidade. na faixa foi pintado, com spray e máscaras, o poema movimento, de décio pignatari: “um movimento compondo além da nuvem um campo de combate miragem ira de um horizonte puro num momento vivo”. a decisão pela participação no ato e a escolha do poema expressam uma necessidade daquele momento, de nos colocarmos enquanto estudantes, ao mesmo tempo junto e diferenciados do movimento de moradia. movimento, mesmo sem a sua formatação original, é um tanto cifrado enquanto mensagem, se comparado às palavras das usuais bandeiras e faixas. mas a faixa foi reconhecida enquanto ação, enquanto manifestação de apoio ao ato e ao MTST , sendo incorporada à marcha, erguida por estudantes e militantes do movimento que faziam questão de carregá-la. neste trabalho, nota-se a preocupação, constante no laboratório naquele momento, em “falar para a cidade”. já se reconhecia que a FAU tinha grandes possibilidades, mas sua produção dificilmente saía da própria escola – quando, contraditoriamente, todo o potencial talvez só se concretizasse quando fosse possível chamar atenção para os problemas da habitação, da cidade, da arte, chocar, provocar, emocionar as massas. aqui aparece um novo-velho sentido para as palavras “propaganda” e “publicidade”, entendidas no sentido em que foram utilizadas pela arte moderna, por alguns grandes designers, pelos estudantes em maio de 1968, pelos construtivistas durante a revolução russa27: a exposição, esteticamente trabalhada e fundamentada, de imagens, frases, mensagens – não para vender uma mercadoria mas para comunicar idéias, colocar questões, chamar os trabalhadores, artistas, estudantes da cidade para uma ação transformadora da sociedade. 27 para o designer josef muller-brookman, “a história da comunicação visual está estreitamente ligada à história da arte, da civilização e do comércio. e à propaganda. a propaganda tem um objetivo em comum com todos os homens: causar impacto, cativar, convencer. isso a faz tão antiga quanto a própria humanidade” (in a history of visual communication). durante os primeiros anos da revolução russa, os artistas, designers, arquitetos se lançaram a inúmeras novas experiências, entre elas o “agit-prop”, “um híbrido de arte, teatro, poesia, folclore, música, dança e filmes” que fazia parte de um monumental plano de propaganda da revolução (symon bojko, “agit-prop art: the streets were their theater). 84 cubos (2002) estes cubos de papel roller, com imagens e textos em todas as suas faces, foram construídos pelos estudantes do lab hab para expor na FAU o trabalho de todos os seus grupos, em um evento que envolveu também palestras, debates, etc. os cubos podiam ser montados de diversas maneiras, e, por suas dimensões, serviam não só de expositores mas também como “preparadores de ocasiões”. por um bom tempo foram carregados pela escola, percorrendo e conformando diferentes espaços. o trabalho do jardim américa acabava de ser apresentado no concurso interno para a bienal, e, em uma de suas montagens, os cubos compunham um enorme mube, violento e forte (características reforçadas pela ampliação em xerox), palco das massas em ocupação. 85 jd américa (2002) este trabalho foi concebido como confronto com os projetos “convencionais” do concurso interno para a 5ª bienal internacional de arquitetura. realizado por um grupo de estudantes do labhab GFAU, todos ligados ao trabalho com os movimentos sem-teto, o projeto foi uma espécie de marco para o próprio laboratório, por ter se constituído como síntese de uma série de questionamentos e pesquisas que vinham surgindo e se desenvolvendo, mas que ainda não estavam claramente expressos. os elementos de estruturação do projeto são explicitados no texto que a revista contravento 1 publicou em fevereiro de 2004: a cidade, os movimentos de sem-teto, a idéia de um metaprojeto e a reinterpretação do moderno. a revista também publicou novamente o manifesto jd américa, onde são expostos os princípios do trabalho: “(...)fragmentada, a cidade é mercado: acumula e segrega. nesse quadro sem perspectivas o arquiteto refugia-se, iludese, enlouquece. busca unidade onde dessa já não resta mais sinal. forja uma beleza que não pode disfarçar a deformidade em que a cidade se aprofunda. essa posição nos transforma em desenhistas de falsificações. é necessário novamente encarar a cidade, sem miragens(...)” o metaprojeto aparece enquanto crítica ao “arquiteto encolhido diante da cidade-mercadoria e a impotência do desenho racional frente a ela”. nesse sentido, explica-se: “o programa do concurso recolocava as velhas palavras já conhecidas: revitalização das áreas degradadas na cidade. engodo. nada daquilo que fosse proposto seria construído, não seria ouvido também por ninguém, pois o mercado entende a língua das mercadorias, em que ‘revitalizar’... o que é isso? é valorizar (...) injetar mais trabalho em áreas abandonadas pelo próprio capital, fazer inchar, segregar. portanto, abandonávamos qualquer idéia de um projeto propositivo, que fosse positivo, que ´tornasse a vida melhor´, que satisfizesse as regras do jogo”. a relação com os movimentos semteto, já colocada anteriormente, reaparece, sob uma nova interpretação: aqui, os sem-teto – e todos os outros “sem” – são atores, personagens de 89 uma ação desejada. “fazer a força dos sem (teto, terra, arte, arquitetura) penetrar na cidade em ruínas, fazer a força dos sem engendrar vida no desenho, na cidade, na estética”. em retrospectiva, percebe-se aqui uma ligação clara com lina bo bardi, com glauber rocha, com todo o pensamento dos anos 60 que recolocava o brasil sob uma nova perspectiva, a da exploração de nosso potencial zmiserável e explosivo, a do terceiro mundo “que vai explodir”. “os movimentos ocupavam, não esperavam (...) através de uma ação política de classe denunciavam a ação do capital (...) os sem-teto injetavam vida ao invés de valor, negativamente ´revitalizavam´ ”. o movimento moderno é retomado, em um percurso de descobertas. embora sempre tivesse se apresentado como uma referência importante, na escola e em toda a produção estudantil, agora essa referência ganhava vida e sentido, ao percebermos a sua não-realização, os porquês dessa não-realização, e a possibilidade da retomada de seus princípios, na perspectiva da criação de um novo projeto de cidade. “(...) enquanto olhávamos a produção capitalista da cidade, o que restava de contraponto era a arquitetura moderna(...) percebemos(...) a própria não-realização da arquitetura moderna! percebemos seu fracasso histórico inicial, enquanto movimento. tomamos contato com a ação radical dos arquitetos 90 alemães e a noção de habitação mínima, com os russos e suas maravilhosas invenções (...) dos ciams (...) a carta de atenas (...) fizemos a ligação da arquitetura moderna com a brasileira, percebemos a universalidade que esta adquiria em alguns projetos-chave, devorando os europeus e vomitando: o mec, o pedregulho, o aterro do flamengo e brasília (...) edifícios modernos de lina, de artigas, de paulo mendes da rocha, aqui em são paulo (...) expressão viva de um movimento estético baseado num conteúdo social e político universalizante. assim, o choque dessa arquitetura com a forma mercadoria só poderia ser gritante. os prédios construídos, perdidos nessa massa cinzenta, exprimiam-se enquanto não-realização (...) o masp sem cavaletes (...) o mube (uma verdadeira ágora) gradeado (...) o prédio da fauusp, sem portas, insistentemente defendido pelos estudantes contra a tacanha vontade burocrática de fechá-lo.” a escolha do jardim américa, bairro da elite paulistana, repleto de muros e edícolas, de espaços apropriados privadamente, do mube gradeado, faz parte da intenção do projeto de fazer uma “inversão do olhar”: “o que era degradado? não os espaços em luta, mas a cidade estática, que nada cria. favela? olhar viciado, olhar filantropo (...) fazia parte da nossa intenção inverter na cabeça do espectador, do público a noção de área degradada”. “passamos a encarar o jardim américa como uma expressão máximas do que o capital faz na cidade, ou seja, negá-la, privá-la. a nossa intervenção era então um contra-ataque”. assim, a forma encontrada para a exposição do trabalho faz também todo o sentido: uma prancha-cartaz, xerocada por metro e carimbada em vermelho com carimbo de eva, com a idéia de “projetar o improjetável (...) nesse cartaz lambe-lambe, uma ação, o ato de ocupar”. a prancha, durante a pré-seleção do concurso, prontamente assumiu, em conteúdo e forma, a sua posição de contra-ataque, se diferenciando radicalmente dos outros trabalhos apresentados, pintados, plotados, cotados, rigorosamente desenhados no autocad, representando aquela “beleza forjada” de que fala o manifesto. “como meio, usamos o princípio da fotomontagem, e através dela criamos um mundo alegórico, imagens fantásticas. já estávamos tentando nos comunicar para além dos arquitetos, tínhamos consciência da fotomontagem como um recurso surrealista. gerou-se uma imagem síntese: o prédio do mube com as grades arrancadas e repleto de gente, todo ocupado. havia também um corte/elevação do bairro mostrando as mansões em transformação: os muros derrubados, frases nas paredes, repleto dos sem. tudo traduzido numa linguagem muito livre e experimental, que era possibilitada pela fotomontagem, já que podíamos numa imagem juntar diversos ´tempos´, acontecimentos e personagens, com muita ironia”. a prancha-cartaz acabou não sendo realizada “em escala de massa pra colar na cidade”, como era a intenção. no entanto, já na época do concurso, o grupo criou notícias de jornal (diagramadas como a folha e o estado de sp) que anunciavam uma ocupação do jardim américa pelos sem-teto. serigrafadas em papel de seda e lambidas por toda a escola, as notícias causaram um rebuliço. de certa forma, esses lambes eram, como diz o texto da contravento, “uma mínima realização do projeto”, no sentido de que era “essa dúvida sobre a veracidade dos fatos que alimentava a interrogação sobre a prancha exposta”, provocando um desconforto e um abalo na acomodação cotidiana. 91 revista contravento (2003-...) partindo de oswald de andrade e da frase na capa da contravento 1, “a poesia existe nos fatos”, pensamos nessa poesia da realidade, na realidade recriada pela poesia. o percurso da contravento, nascida dentro do labhab em 2003 e depois produzida por um grupo independente, coloca em evidência as possibilidades de uma revista, para quem tem algo a dizer sobre cultura, arquitetura, crítica e política. quando os impedimentos e os bloqueios à realização do projeto são imensos, a crítica pode ser construção, arquitetura. numa fusão de maiakóvski e oswald, russos e tropicália: a poesia existiria nos fatos e a poesia ainda não existiria nos fatos (fatos futuros, fatos poéticos – “é preciso arrancar alegria ao futuro”, diz o cartaz da contravento 2). e sobre esses fatos – a cidade, a arquitetura, o brasil atual, miseráveis e potenciais – está a referência do moderno, suas formas fantásticas e não realizadas, a retomada de seus princípios. e sobre esses fatos está aquilo tudo que se deseja, a vontade e a necessidade de transformações radicais na cidade. a revista – e os eventos a ela relacionados, as possibilidades colocadas – torna-se referência, agrega, dá expressão a um descontentamento existente na escola, em relação aos professores, ao ensino, e, o mais im- portante, em relação à própria arquitetura e à cidade. como outras que já existiram na FAU (a caramelo, e principalmente a desenho e a ou...), a revista é um meio de expressão arquitetônica, e, inevitavelmente, coloca e estimula disputas políticas. a contravento é um produto, de certa forma, acabado, que possibilita uma expressão coerente e contínua de textos e imagens, de forma e conteúdo. pode-se ver um desenvolvimento, observando os quatro números da revista: de uma expressão crítica, mas ainda muito ligada à própria escola, no número zero (que publicou alguns textos escritos pelos estudantes para o exercício de projeto inicial), a uma expressão mais ampla, no sentido da cultura e da integração da arquitetura com as outras “artes”, e de seu sentido também político. graficamente, também, observam-se mudanças ao longo do processo da revista: o número zero, muito simples ainda e mesmo precário, vai dando lugar a formas mais trabalhadas, mais consistentes. no número um, a atitude é provocativa ao extremo; há o rompimento com o laboratório, rompimento geral. a capa é a expressão mais clara da provocação: papel espelho de várias cores, brilhante, kitsch, serigrafado com mosquito da mangueira vestindo um parangolé de oiticica, declarando que a poesia existe nos fatos. exagero (necessário?) como afirmação do desprendimento da “necessidade” e da pre93 cariedade, do desejo de um “luxo” inexistente ou impossível, que tem o “lixo” como outro pólo, ao mesmo tempo próximo e diametralmente oposto. uma afirmação que nega ou uma negação que afirma, fundamental naquele momento de ruptura. este número se estrutura em um roteiro de “ficção”, todo fotomontado, entremeado com a “realidade”, que aparece na forma de textos, entrevistas, depoimentos. aqui, a fotomontagem, que já aparecera no jardim américa, é o principal instrumento para a construção da revista. certas páginas (muitas se desdobram, formando cartazes) demonstram um uso muito elaborado, vivo e intenso desta técnica. textos e imagens se fundem: confusão intencional? no segundo número, essa relação se transforma. ainda tem muita importância a fotomontagem (que aqui está muito mais apurada e organizada, envolvendo também desenhos a mão – a linguagem da fotomontagem se aproxima dos quadrinhos, em um roteiro de “ficção” que se desenvolve ao longo da revista), mas texto e imagens são claramente delimitados (inclusive foram usadas tipografias diferentes para cada uma das partes, e também papéis de gramatura diferente, o que explicita ainda mais essa diferenciação). na contravento três o uso da cor – na verdade, três cores além do preto: ciano, amarelo e vermelho – é a principal novidade. a fotomontagem quase já não aparece, mas as poucas páginas fotomontadas mostram um trabalho muito mais apurado (por exemplo: a montagem da capa, que mostra o “abelardo”28 lula indo embora num mar urbano de casas e avenidas; ou ainda, a entrada da revista, com uma marilyn que apresenta as alegrias do mercado). neste número, reaparecem as imagens enquanto ilustrações, e a tipografia transformase em elemento estruturador, muito mais trabalhada do que nos números anteriores – tanto no texto dos artigos, como nos títulos, destaques, chamadas. existem também seções inteiras construídas apenas com texto. a revista está muito mais “limpa”, mais estruturada graficamente, e talvez retome, de uma outra maneira, a unidade gráfica do número um. acima cartaz de divulgação do lançamento da contravento 0 (serigrafia) página seguinte pagina interna da contravento 1 e a experiência do ‘quase cinema’ além das revistas em si, há vários trabalhos realizados paralelamente, relacionados aos lançamentos, debates, exibições de filmes, visitas e outros eventos promovidos pelo grupo. a produção é bastante intensa. para todos os números, com exceção da revista um, foram produzidos cartazes de lançamento. a número um foi lançada durante a “manifesta”, concentração final do maracatu da semana dos bixos (em 2004), e foi divulgada também através de uma notícia de jornal, que afirmava: “atofesta-maracatu para as ruas”. o grupo também realizou, relacionado a este número, o quase-cinema, uma experiência inspirada em oiticica: durante o happy-hour de exposição do traba- lho de diversos núcleos e grupos de estudantes, a contravento projetou no caracol uma seqüência de slides com imagens da revista (“uma idéia de cinema”), em um desdobramento da revista no espaço e tempo. para a revista número 2, além do grande cartaz com a figura de antônio das mortes e a frase de maiakovski “é preciso arrancar alegria ao futuro”, foram produzidas placas de propaganda (uma subversão das placas de venda de imóveis, das quais são paulo está cheia) e um convite para divulgar o debate de lançamento – este chama a atenção pelo cuidado com que foi projetado e executado, todo em tipo- grafia. entre as revistas 2 e 3, o grupo dedicou-se ao debate cumbica 6805, que envolveu todo um processo preliminar dos “duelos”, visitas e discussões realizadas principalmente com estudantes do 1º e 2º anos – este grupo ampliado contribuiu também para a produção do material gráfico das visitas e, por fim, do cartaz do debate. relacionado ao terceiro número da contravento, foi feita uma visita ao CEU butantã, como atividade da semana dos bixos de 2006. o folder da visita tem como principal recurso uma máscara que, em guache azul, destaca o uso da água e dos rios urbanos como elementos centrais do projeto das escolas. além do cartaz, 95 este número foi divulgado via email e internet, através de uma animação, ainda dentro da idéia do “cinema” a partir de imagens da própria revista. 28 referência aos abelardos da peça o rei da vela, de oswald de andrade 96 97 98 página anterior páginas internas da contravento 3 acima mural de divulgação da revista todas as repressões, de todas as normas e ‘resoluções congressuais’ arquivadas empoeiradas nas gavetas, livre da burocracia, livre do capital (...) a universidade pode e deve ser nossa arma de combate da submissão do saber ao capital. estudantes podem e devem engendrar um novo projeto; o brasil, a américa como território livre”. território livre: programa para a tendência estudantil (2005) o território livre, programa da tendência estudantil negação da negação (NN), começa a tomar forma a partir da greve de 2005 e das eleições para o diretório central dos estudantes (dce) da USP. se organiza em torno de uma crítica à universidade-shopping, à decadente cultura burguesa, ao imobilismo e falta de ousadia do atual movimento estudantil: “a universidade deve retomar o caráter de um espaço para livre produção e criação, que pode começar a gestar uma nova cultura, aquela de uma nova civilização. (...) o campus é dos estudantes; liberdades democráticas totais; sem polícia, com festas, reuniões e assembléias, pixações, fora muros, fora grades. que a universidade assuma o caráter de um território livre, livre de todos os autoritarismos, livre da ditadura da minoria, livre de aqui, pela primeira vez, consegue-se ampliar o alcance da atuação, saindo da FAU e mesmo da própria USP. através de festas, filmes, material impresso, site, o programa foi levado também a outras universidades, como unicamp, puc, metodista. a experiência acumulada na atuação interna à FAU e todas as referências e influências agora se juntam, ganhando sentido ao se colocarem politicamente, na criação e concretização de uma tendência estudantil, “perigosamente jovem”, onde a ousadia e a liberdade criativa são exercícios fundamentais. fora da FAU, o choque parece ser muito maior, pois a qualidade e a liberdade da produção realizada são, de certa forma, exceções no movimento estudantil e na universidade, onde a produção encontra-se tão burocratizada quanto o discurso e as velhas formas de atuação política, em que a estrutura estabelecida há muito se encarregou de proibir todas as liberdades por parte dos estudantes e apagar todo e qualquer vestígio de conquistas anteriores. primeiramente, destacamos as grandes pichações realizadas pela ten101 dência para divulgação de um ato em brasília, contra lula, o pt e a corrupção (em agosto de 2005), e para a divulgação do site da tendência, o brasilia17.org. estas foram feitas com tinta de parede sobre muros ou sobre o asfalto, dentro da cidade universitária; foi desenvolvido um sistema de construção modular das letras, que permite uma certa uniformidade de tamanho e “estilo” em todas as pinturas. a produção de filmes curtos, sintéticos (como o “nenhuma informação é confiável” e “a puc é nossa”), é uma forma que vem se desenvolvendo cada vez mais, pelas suas grandes possibilidades, não apenas estéticas (movimento, som, uso da cor, composição...), mas também de ampla difusão de idéias e da criação de eventos a partir da sua exibição. são filmes que exploram e desenvolvem a montagem, usando muitas imagens prontas, fotografias, recortes de jornal, cenas de outros filmes – um caminho que retoma e reaproveita significados já existentes, para fazer uma reflexão sobre a condição atual do movimento estudantil, da arte, do país. os filmes vêm sendo associados à música (bandas, maracatu da FAU), com exibição em happy-hours e festas. conforma-se um caminho em direção aos happenings, atos onde seja possível exercer uma certa união entre todos os suportes e meios, todas as “artes”, onde tudo seja pensa- do em relação, a festa como comunicação de idéias e espaço libertário também. os cartazes do território livre – bandeiras brasileiras reinventadas, papel craft pintado em azul, amarelo ou vermelho, o território livre ao invés da ordem e progresso – foram lambidos nos pontos de ônibus nas principais vias da cidade e nos corredores de ônibus com acesso à cidade universitária. apesar de ter sido criado para a campanha do dce, parece-nos que o cartaz vai muito além da propaganda de uma chapa, na medida em que expressa um programa e pode dar a cada muro, rua ou ponto de ônibus um novo significado, a partir do momento em que estes são declarados “território livre”. as pessoas que diariamente circulam por esses lugares talvez se perguntem: por que livre? livre do quê? livre como? e, embora o cartaz não contenha o texto do programa, a idéia essencial está contida na bandeira, subvertida, lambida e não hasteada. todas estas manifestações foram duramente reprimidas pela guarda universitária e pelos seguranças privados das faculdades; sindicâncias foram abertas, em toda a USP os lambe-lambes foram arrancados. assim, novamente vem à tona a questão do espaço da universidade, do controle e do engessamento exercido pela burocracia: desta vez, entretanto, o conflito tomou um caráter mais explícito e intencional, já que as várias ações foram realizadas simultaneamente e com uma clara consciência de seu poder de provocação, de crítica à repressão exercida e de aproximação de novos estudantes para o movimento. por fim, destacamos as publicações realizadas pela tendência: o panfleto com o programa do território livre, distribuído em toda a USP no período pré-eleições para dce – um texto-roteiro, contrapondo o “território livre” à “universidade = shopping”. no verso do texto, aberto, o panfleto em papel-jornal é também um lambe-cartaz com a bandeira. já o antimanual é um pequeno livreto que foi distribuído na calourada de 2006 (“antimanual”: “o inverso do manual burocrático com ares de catálogo”), e que reinventa a encruzilhada de glauber: “no interior da universidade existem duas universidades em choque: é preciso escolher um caminho. pela direita o caminho seguro, da universidade que já está pronta, do conhecimento requentado, formando estudantes-museu ambulantes, leitores de comentadores; sem projeto ou paixão, ‘críticos’ e não poetasprodutores. o mesmo caminho do ME que já está pronto, devidamente burocratizado, cuja função é afastar e desiludir os estudantes. o caminho do matadouro, da universidade-shopping. pela esquerda, o caminho do novo, do perigoso, divino maravilhoso. de um novo ME e de uma nova universidade, o caminho da livre criação, onde tudo está por ser feito”. 103 atos greve (2005) os estudantes da FAU tiveram um papel muito ativo nesta greve, quando alunos, funcionários e professores pararam por mais de um mês, em protesto contra o veto do governador do estado ao aumento nas verbas para a educação. pela primeira vez em muitos anos, a greve teve participação maciça dos estudantes: organizou-se um comitê que em alguns momentos chegou a ter mais de 80 pessoas, as assembléias foram cheias e disputadas e a movimentação da FAU rapidamente alcançou outras unidades da USP, assim como os atos organizados pela direção. a produção dos estudantes, aqui, conseguiu ir mais além do tradicional “movimento”, que a cada greve requenta os mesmos cartazes, as mesmas faixas, as mesmas palavras, para lutar pelas mesmas velhas e pequenas reivindicações. o “1%” (porcentagem de aumento pela qual o movimento lutava) foi, na FAU, entendido como muito pouco, falando não apenas em valores, mas também 104 no caráter da própria reivindicação – tímida, conformista, totalmente vinculada a uma ação democráticoburguesa, limitada às formas parlamentares. os estudantes da FAU, em greve, reconheciam a crise nacional, o país explodindo em escândalos, corrupção, mensalão (“nossas esperanças... tudo! vocês venderam tudo!”), e, ao contrário da direção da greve, relacionavam essa crise a uma crise mais geral, do sistema político como um todo, da economia, das cidades, da cultura. a impossibilidade de criação, de ação transformadora do artista-arquiteto-urbanista, a impossibilidade sensível do dia-a-dia, se ligou às possibilidades colocadas por uma ação política: e tudo de novo foi criado, recriado, a produção ganhou outro sentido. junto com as camisetas dizendo “nossas esperanças...” (uma frase e a imagem de glauber rocha, tirados do filme terra em transe e transformados em máscara), foram pintados cartazes com um “+” e camisetas com “+arte pela trans forma ação”, e esse grande “mais” invadiu as ruas próximas à assembléia legislativa e o monumento às bandeiras. ações-intervenções que certamente chamaram mais atenção do que o carro de som que pedia “calma”, ou a comportada “ocupação” da assembléia – previamente negociada entre deputados e a direção da greve. os tambores do maracatu em passeata e a faixa “mais que bombas são tambores” subiram e desceram a av. brigadeiro luís antônio, libertando o que poderia ter sido uma comportada procissão, liderada pelas palavras velhas do car- ro de som e ladeada pelos policiais que impediam que se ocupasse toda a avenida. as faixas de pedestre, o asfalto e os postes foram pintados com spray e máscaras: “está morrendo, nossa vida começa”, em uma alusão à crise e à possibilidade da criação do novo, com o fim dos bloqueios e a explosão das estruturas. talvez esta produção da greve, junto com outros trabalhos recentes, seja a abertura de um novo período, em que a produção estudantil ganhe um sentido maior, por ser determinada por uma prática política que influencie diretamente os trabalhos. a estrutura sub-utilizada da escola e o potencial criativo dos estudantes ganhariam vida, e os trabalhos isolados das greves anteriores seriam, de certa forma, superados. ao lado e acima filipeta de divulgação de ato chapa fabrica (2005-2006) aparecem aqui alguns dos trabalhos da chapa, eleita em fins de 2005. a movimentação da greve e a experiência do comitê formado na FAU são muito fortes e recorrentes no trabalho. a identidade com o programa do território livre também é importante, no entendimento da universidade a serviço do capital e de suas implicações (repressão, burocracia, descolamento ensino e realidade), e na necessidade de se contrapor à decadente cultura burguesa e ao movimento estudantil burocratizado, que carrega sempre as mesmas velhas e inofensivas bandeiras. oswald de andrade (antropofagia, experimentação formal, radicalidade da crítica) e a tropicália (arte e mercadoria, a exploração das contradições, o potencial do brasil) são referências sempre presentes. a influência gráfica da revista contravento e de produções estudantis anteriores é clara: a fotomontagem, o carimbo, o stencil tornaram-se “domínio público”, por seu significado e adequação a uma produção concebida e executada coletivamente. alguns primeiros trabalhos são muito interessantes. para o lançamento da chapa nas eleições, por exemplo, o painel em frente às rampas29 foi ocupado com uma grande fotomontagem em xerox: macunaíma na rede, vomitando o minhocão30 (elemento 108 29 este painel talvez seja o único outdoor estudantil de são paulo, é a publicidade da FAU – pena que não existam outros pela cidade! é gritante a diferença entre o uso desse espaço pelos estudantes e aquele feito pelos meios burocráticos e institucionais nos vários outdoors espalhados pelo campus. 30 o minhocão ao qual nos referimos aqui é o elevado costa e silva, viaduto de mais de 3 km de extensão, construído em 1971 no centro de são paulo. fundamental no entendimento da realidade, da cidade contraditória e antropofágica, bárbara, violenta, potencial), e os estudantes em passeata, tocando tambores e carregando estandartes do “mais”. no meio da colagem, uma única frase: “fome a arte come”. o trabalho iniciado na campanha tem prosseguimento com a produção da semana dos bixos, um conjunto de trabalhos que incluiu, entre outras coisas, o manual dos calouros, camisetas, fantasias e cartazes. o manual, um pequeno livreto em xerox, cujas capa e contracapa (serigrafadas) chamam atenção ao que é “perigoso, divino, maravilhoso”, parte da mobilização da escola durante a greve e da crise das cidade e mesmo do país para propor alguns eixos de atuação 110 para os estudantes no próximo ano. as camisetas, feitas a partir de máscaras em acetato, com as frases da capa do manual e outras criadas anteriormente, como as da greve, apesar de partirem sempre das mesmas bases – as máscaras – foram recriadas por cada um que as realizava, em diferentes composições. a oficina de cartazes, também durante a semana dos bixos, tinha como proposta a execução de cartazes para divulgar para toda a USP o dia do maracatu. fotos da greve xerocadas, letras em stencil e o xerox da FAU foram colocados à disposição dos bixos, para uma primeira experiência com a programação visual – e os resultados foram muito bons, no sentido de uma experimentação “direcionada”, da existência de um projeto que pôde ser desenvolvido abertamente, livremente. há, na proposta, uma certa metalinguagem, uma reflexão sobre a própria ação dos estudantes da FAU enquanto produtores e agitadores, a movimentação e a produção determinando-se mutuamente. dando continuidade ao programa proposto, a chapa se estruturou então em algumas comissões de trabalho: a comissão de festas, a de visitas, a de comunicação e a de filmes. esta última organizou, juntamente com a comissão de festas, vários happyhours em que foram exibidos filmes, em uma “oposição das perspectivas apresentadas pelo cinemabrasileiroongueiro globofilmes-eca em relação às do cinema verdadeiramente transformadorviolento de godard, glauber, pasolini”31. para divulgar os eventos, foi produzida uma série de 3 cartazes, com tiragem de 50 exemplares cada, desenvolvida coletivamente pela comissão e lambida em toda a USP. neles, a linha política da mostra se relaciona indissociavelmente à linha estética. a crise da cultura burguesa e a superação do projeto nacionalista-burguês no brasil são expressos pelas imagens: a santa ceia de lula (para teorema), gregos guerreiros tropicais (para o desprezo), e o congresso enevoado (para terra em transe). nos 3 trabalhos é clara a ponte entre os filmes e a situação atual do país, e fica explícita a maneira como as referências são retomadas: no sentido de uma reflexão sobre o presente e o futuro, e não como formas trazidas do passado, lembranças saudosistas de uma época que já foi... política. as imagens são xerocadas toscamente, o que é proposital – a sujeira e os ruídos só acrescentam “problemas” ao evento e aos filmes, reforçando o seu caráter de “arte violenta”: a precariedade é radical. os únicos elementos coloridos dos cartazes são pintados com máscaras, e reforçam a seqüência: vermelho, azul, amarelo – as cores de godard. 111 página anterior mural de lançamento da chapa fabrica acima capas do manual dos bixos (serigrafia) e oficina de cartazes na semana dos bixos 31 trecho do programa da mostra, disponível no site do GFAU: www.gfau.org.br umpramil 34 (2006) neste número do jornal, a experiência da diagramação coletiva, já realizada algumas vezes, ganha uma outra escala e um novo caráter, ao ser feita por um grande número de pessoas, em 3 ou 4 horas de trabalho, durante um happy-hour – o jornal como uma publicação-evento. o trabalho, proposto pelo GFAU, partiu de um questionamento do caráter estático e rígido da diagramação de muitos números do umpramil, e dos resultados do método de trabalho utilizado anteriormente, que era o de “lotear” a diagramação entre quem se dispusesse a fazer o trabalho. como ponto de partida, foram reunidas diversas fotos, notícias e manche- tes de jornais, como folha de são paulo e o estado de são paulo, publicadas alguns dias antes, todas relacionadas aos problemas da cidade – desemprego, transportes, violência e, destacadamente, os ataques do grupo criminoso pcc, que estavam aterrorizando são paulo. esta base, junto aos artigos enviados para publicação e as notícias criadas ou redigidas durante o trabalho, constituiu o número 34. graficamente, os resultados foram muito bons. o pcc rapidamente foi tomado como mote para uma releitura da realidade-violência de são paulo, uma espécie de reversão da violência para a arte, uma arte violenta. o melhor exemplo disto talvez seja a re-manchete, criada na hora, “barbárie culpa estado por cineastas”, que, na hora da montagem dos cadernos, foi escolhida para a contracapa do jornal. o aspecto metalingüístico deste número, um jornal feito de jornais, é bastante interessante; é feita, aqui, uma reflexão sobre o meio e sobre o papel que poderia ter o umpramil enquanto jornal aberto dos estudantes de arquitetura. as fotomontagens e as colagens inventadas são extremamente livres, e chama a atenção a mudança de caráter das imagens (em relação aos números anteriores), que deixam de ser ilustrações e se integram plenamente aos textos; estes, por sua vez, ganham também a qualidade de imagens, numa fusão-confusão de grande força experimental. 113 bibliografia artigas, vilanova. caminhos da arquitetura. são paulo, cosac naify, 1999. duarte, rogério. tropicaos. rio de janeiro, azougue editorial, 2004. bardi, lina bo. tempos de grossura: o design no impasse. são paulo, instituto lina bo e p. m. bardi, 1994. glaser, milton. graphic design. nova iorque, overlook, 1998. basuldo, carlos. tropicalia: a revolution in brazilian culture. são paulo, cosac naify, 2005. bojko, simon. new graphic design in revolutionary russia. londres, lund humphries, 1972. campos, augusto, campos, haroldo e pignatari, décio. teoria da poesia concreta: textos críticos e manifestos, 1950-1960. são paulo, duas cidades, 1975. campos, augusto, campos, haroldo e sChNAIdErMAN, boris. maiakovski: poemas. são paulo, perspectiva, 2003. catálogo da exposição gráfica utópica: arte gráfica russa 1904-1942. são paulo, ccbb, 2002. 115 hollis, richard. design gráfico: uma história concisa. são paulo, martins fontes, 2001. müller-brockmann, josef. historia de la comunicación visual. barcelona, g. gilli, 2001. ndg. design gráfico: visões de profissionais brasileiros. são paulo, gfau, 1994. pignatari, décio. contracomunicação. cotia, ateliê editorial, 2004. pignatari, décio. informação linguagem comunicação. cotia, ateliê editorial, 2002. trotsky, leon. literature and revolution. londres, redwords, 1991. agradecimentos adalto, andré, ricardo, tadeu (e todos do lpg), alexandre benoit, amanda steinmeyer, amer moussa, ana luisa ribeiro, ana maria ribeiro, andré miya, bruno schiavo, cândida maria vuolo, carime andré, carol leonelli, césar harold, cinzia araújo, daniel sene, daniela gomes, débora lopes, diogo damásio, fernando mello, fernando stankuns, gabriel pedrosa, gabi tamari, gil tokio, isa guerreiro, júlia saragoça, júlio mariutti, lelita oliveira, leo nakandakari, luís mickey, luiz renato martins, marcela souza, marina acayaba, nívea justino, oliver de luccia, renata atilano fotos e imagens alexandre benoit, amanda steinmeyer, ana carolina ribeiro, ana luisa ribeiro, andré miya, cândida maria vuolo, césar harold, débora lopes, fernando stankuns, gabriela tamari, gil tokio, júlio mariutti, marina acayaba, oliver de luccia ficha técnica da publicação tipografia myriad pro condensed, regular, semibold e bold impressão laser pb e xerox colorido com intervenções em serigrafia e tipografia capa papel triplex e lambe-lambe 117