REVISTA UNIVAP Universidade do Vale do Paraíba Universidade do Vale do Paraíba Ficha Catalográfica Revista UniVap - Ciência - Tecnologia - Humanismo. V.1, n.1 (1993)São José dos Campos: UniVap, 1993v. : il. ; 30cm . Semestral com suplemento. ISSN 1517-3275 1 - Universidade do Vale do Paraíba A REVISTA UniVap tem por objetivo divulgar conhecimentos, idéias e resultados, frutos de trabalhos desenvolvidos na UNIVAP - Universidade do Vale do Paraíba, ou que tiveram participação de seus professores, pesquisadores e técnicos e da comunidade científica. Os artigos assinados são de responsabilidade exclusiva de seus autores. A publicação total ou parcial dos artigos desta revista é permitida, desde que seja feita referência completa à fonte. CORRESPONDÊNCIA UNIVAP - Av. Shishima Hifumi, 2.911 - Urbanova CEP: 12244-000 – São José dos Campos - SP - Brasil Tel.: (12) 3947-1036 / Fax: (12) 3947-1211 E-mail: [email protected] Universidade do Vale do Paraíba Av. Shishima Hifumi, 2911 - Urbanova CEP: 12244-000 - São José dos Campos - SP Fone: (12) 3947-1000 - www.univap.br Campus Centro: ! Praça Cândido Dias Castejón, 116 - Centro São José dos Campos - SP - CEP: 12245-720 - Tel.: (12) 3922-2355 ! Rua Paraibuna, 75 - Centro São José dos Campos - SP - CEP: 12245-020 - Tel.: (12) 3922-2355 Campus Urbanova: ! Avenida Unidade Villa Branca: ! Estrada Unidade Aquarius: ! Rua Unidade Caçapava: ! Estrada Municipal Borda da Mata, 2020 Shishima Hifumi, 2911 - Urbanova São José dos Campos - SP - CEP: 12244-000 - Tel.: (12) 3947-1000 Municipal do Limoeiro, 250 - Jd. Dora - Villa Branca Jacareí - SP - CEP: 12300-000 - Tel.: (12) 3958-4000 Dr. Tertuliano Delphim Junior, 181 - Jardim Aquarius São José dos Campos - SP - CEP: 12246-080 - Tel.: (12) 3923-9090 Caçapava - SP - CEP: 12284-820 - Tel.: (12) 3655-4646 Supervisão Gráfica: Profa. Maria da Fátima Ramia Manfredini - Pró-Reitoria de Cultura e Divulgação - Univap / Revisão: Profa. Glória Cardozo Bertti - (12) 3922-1168 / Editoração Eletrônica: Glaucia Fernanda Barbosa Gomes - Univap (12) 3947-1036 / Impressão: Jac Gráfica e Editora - (12) 3928-1555 / Publicação: Univap/2003 Baptista Gargione Filho Reitor Antonio de Souza Teixeira Júnior Vice-Reitor e Pró-Reitor de Integração Universidade Sociedade Ana Maria C. B. Barsotti Pró-Reitora de Assuntos Estudantis Ailton Teixeira Pró-Reitor de Administração e Finanças Elizabeth Moraes Liberato Pró-Reitora de Avaliação Élcio Nogueira Pró-Reitor de Graduação Fabiola Imaculada de Oliveira Pró-Reitora de Pós-Graduação Lato Sensu João Luiz Teixeira Pinto Pró-Reitor de Graduação do Câmpus Vila Branca de Jacareí Luiz Antônio Gargione Pró-Reitor de Planejamento e Gestão Maria Cristina Goulart Pupio Silva Pró-Reitora de Assuntos Jurídicos Maria da Fátima Ramia Manfredini Pró-Reitora de Cultura e Divulgação Francisco José de Castro Pimentel Diretor da Faculdade de Direito do Vale do Paraíba Francisco Pinto Barbosa Diretor da Faculdade de Engenharia, Arquitetura e Urbanismo Frederico Lencioni Neto Diretor da Faculdade de Educação Luiz Alberto Vieira Dias Diretor da Faculdade de Ciência da Computação Renato Amaro Zângaro Diretor da Faculdade de Ciências da Saúde Samuel Roberto Ximenes Costa Diretor da Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas Vera Maria Almeida Rodrigues Costa Diretora da Faculdade de Comunicação e Artes Marcos Tadeu Tavares Pacheco Diretor do Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento Maria Valdelis Nunes Pereira Diretora do Instituto Superior de Educação COORDENAÇÃO GERAL Antonio de Souza Teixeira Júnior SUMÁRIO v.10 n.18 jun.03 ISSN 1517-3275 PALAVRA DO REITOR. .................................................................................... 5 EDITORIAL. .......................................................................................................... 7 A FUNDAÇÃO VALEPARAIBANA DE ENSINO (FVE) E A UNIVERSIDADE DO VALE DO PARAÍBA (UNIVAP) ............................... 9 UM DESAFIO PARA OS CIENTISTAS DO MUNDO Trad. Antonio de Souza Teixeira Júnior ........................................................... 1 2 LEVANTAMENTO DO PERFIL SÓCIO-ECONÔMICO DA POPULAÇÃO RESIDENTE EM NÚCLEOS DE FAVELAS EM SÃO JOSÉ DOS CAMPOS - SP Rosângela Nicolay Freitas, Maria Joseane de Jesus Serpa, Friedhilde Maria K. Manolescu ............................................................................................................. 1 4 MAPA DA POBREZA URBANA DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS - SP Luciana Suckow Borges ...................................................................................... 2 3 BURNOUT E RESILIÊNCIA: NOVOS OLHARES SOBRE O MALESTAR DOCENTE Fatima Araujo de Carvalho ............................................................................... 2 6 HIERARQUIAS OCUPACIONAIS ENTRE BRANCOS E NEGROS EM ÁREAS METROPOLITANAS POBRES André Augusto Brandão ..................................................................................... 3 5 AMBIENTES VIRTUAIS PARA A FORMAÇÃO DE EDUCADORES: BUSCANDO UMA ESCOLA INCLUSIVA Klaus Schlünzen Junior, Elisa T. M. Schlünzen, Renata B. Hernandes, Marcelo P. di Santo, Adriana A. L. Terçariol, Maria G. A. Baldo, Adriano M. Fuzaro, Andréa A. Silva, Marcos L. Souza ...................................................... 4 3 A CONSTRUÇÃO DE AMBIENTES VIRTUAIS: UMA FERRAMENTA PARA A INCLUSÃO DIGITAL E SOCIAL DE JOVENS CARENTES Elisa T. M. Schlünzen, Adriana A. L. Terçariol .............................................. 5 0 O ESPAÇO E O SAGRADO EM FESTEJOS RELIGIOSOS DE COMUNIDADES RIBEIRINHAS DE PORTO VELHO, RONDÔNIA Adriano Lopes Saraiva ....................................................................................... 5 8 ÁRVORE DA VIDA: A RAIZ E A SEIVA DA MEMÓRIA Elizabeth Moraes Liberato ................................................................................ 6 3 BASE TECNOLÓGICA PARA O DESENVOLVIMENTO EM ENGENHARIA BIOMÉDICA Walter dos Santos ............................................................................................... 7 2 REVISÃO DE TEXTO Glória Cardozo Bertti O TERCEIRO SETOR NA INTERNET Celeste M. Manzanete, Roberta Baldo, Gino Giacomini Filho ..................... 7 7 DIGITAÇÃO E FORMATAÇÃO Glaucia Fernanda Barbosa Gomes EFEITO DO COEFICIENTE VOLUMÉTRICO DE TRANSFERÊNCIA DE OXIGÊNIO NA PRODUÇÃO DE XILITOL EM BIORREATOR DE BANCADA Solange Inês Mussatto, Inês Conceição Roberto ............................................ 8 3 CONSELHO EDITORIAL Amilton Maciel Monteiro Antonio de Souza Teixeira Júnior Antônio dos Santos Lopes Cláudio Roland Sonnenburg Élcio Nogueira Elizabeth Moraes Liberato Francisco José de Castro Pimentel Francisco Pinto Barbosa Frederico Lencioni Neto Jair Cândido de Melo Marcos Tadeu Tavares Pacheco Maria da Fátima Ramia Manfredini Maria do Carmo Silva Soares Maria Tereza Dejuste de Paula Rosângela Taranger Samuel Roberto Ximenes Costa Vera Maria Almeida Rodrigues Costa OBTENÇÃO E PURIFICAÇÃO DE QUITOSANA A PARTIR DE RESÍDUOS DE CAMARÃO EM ESCALA PILOTO Niege Madeira Soares, Catarina Moura, Sheila Vasconcelos, Jaques Rizzi, Luiz Antônio de Almeida Pinto ................................................................................ 8 8 DROGAS FARMACOLÓGICAS PARA O ALÍVIO DA ESPASTICIDADE EM PACIENTES COM ESCLEROSE MÚLTIPLA: UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA Claudia Franco .................................................................................................... 9 3 RESENHA: A CONDIÇÃO HUMANA Elizabeth Moraes Liberato ................................................................................ 9 5 PALAVRA DO REITOR O Ministério da Ciência e Tecnologia elaborou documento chamado “Proposta de Discussão de Orientações Estratégicas para o Período 2004 – 2007”. Foram nele definidas, para apoio à P&D, como áreas estratégicas: a) espacial; b) nuclear; c) biotecnologia e uso sustentável da biodiversidade; d) fármacos; e) tecnologia da informação; f) mudanças climáticas; g) fontes renováveis de energia; h) nanociências e nanotecnologias. Na área espacial é feita especial menção para as pesquisas de sensoriamento remoto, para obtenção de imagens por satélites, que devem permitir o domínio mais seguro da proteção e crescimento das florestas, bem como são importante elemento, no Planejamento Urbano, para a cobrança de tributos, para dizer o mínimo. Na área nuclear, é necessário capacitar pessoas qualificadas para dominar as soluções dos problemas a serem enfrentados pela medicina, agricultura, monitoramento do meio ambiente e novos materiais, como a tecnologia do processamento do urânio. As aplicações da biotecnologia, tendo em vista o uso sustentável da biodiversidade poderão promover o aumento da produtividade agrícola e melhorar o teor nutritivo dos alimentos, de modo a tornar mais eficaz o potencial genético do País. A produção de fármacos é importante para as áreas de saúde e alimentação e a atuação do poder de compra do governo pode ser decisivo para que a P&D ajudem a produção industrial, tornando o País menos dependente da importação. A Tecnologia da Informação é o grande fator de desenvolvimento de todos os setores e seu domínio é essencial para a independência de qualquer Nação. A própria inclusão digital, em geral, de crianças e jovens, exige adequação do ensino básico para conduzir milhões de brasileiros à condição de poder participar de modo mais decisivo do progresso geral do País. É necessário também concentrar esforços no sentido de tornar o Brasil um exportador de “software”, como já vem ocorrendo com a Índia, a Coréia e outros países caracterizados como em desenvolvimento. Isto nos tornará atualizados e competitivos em uma atividade que depende fundamentalmente de estar à frente ou pelo menos tentar caminhar junto com os inovadores. Ao mesmo tempo, é importante concentrar esforços no “hardware”, de modo a tornar, por exemplo, o consumo de bens da microeletrônica mais independente de importações. É relevante entender que já nos atrasamos, quiçá irreversivelmente, em microeletrônica, e o mesmo não poderá ocorrer em Tecnologia da Informação. A inserção dos países no contexto das mudanças climáticas faz parte de Convenções das Nações Unidas, das quais o Brasil tem sido signatário, de modo a cooperar em atividades de Pesquisa, Desenvolvimento, Ensino e Informações de interesse universal, principalmente no domínio de tecnologias limpas, de modo a poder concorrer para o desenvolvimento sustentável. O domínio das fontes renováveis de energia é importante para estar a par da antecipação tecnológica necessária para poder utilizar, no futuro, energias alternativas, como a solar, a eólica, a biomassa e as células combustíveis. O aproveitamento do protótipo do motor a gás, desenvolvido pelo CTA, é fundamental neste momento em que sobra gás da Bolívia e são anunciadas novas descobertas de depósitos. A possibilidade que o seu uso representa para um transporte de carga, em caminhões, e de passageiros, em ônibus, é de fundamental importância para o desenvolvimento sustentável, mediante o uso de uma tecnologia não poluente e de enorme alcance econômico. A Nanociência e as Nanotecnologias decorrentes encontram hoje aplicações em praticamente todos os setores responsáveis pela modernidade dos países. A participação dos países nas atividades da Nanotecnologia é tão fundamental como a que ocorreu com a microeletrônica, da qual pouco colaboramos mas tudo indica que nossa presença se está firmando em novos setores, como a nanotecnologia, a genômica, a biotecnologia, a engenharia biomédica e a tecnologia da informação. O Ministério da Ciência e Tecnologia promete apoiar atividades de P&D nas estratégicas priorizadas, mobilizando recursos para o período 2004 – 2007 e a UNIVAP, em particular, precisa estar preparada para esta empreitada. Baptista Gargione Filho, Prof. Dr. Reitor da UNIVAP EDITORIAL Chegamos ao número 18 da Revista Univap, neste terceiro ano do novo milênio, que já presenciou uma guerra de curta duração, gerada, segundo alguns, por personalidades psicopatas, ocasionalmente dirigindo nações, ou, segundo outros, por gente muito esperta, procurando expandir fronteiras, de modo a gerar vantagens econômicas, embora alardeando intenções pacifistas de combate a regimes terroristas. Neste sentido, foi bastante emblemático o fato de os dirigentes Blair, Berlusconi e Aznar terem enviado uma carta, publicada pelo “Wall Street Journal”, em fevereiro deste ano, de elogios ao governo dos Estados Unidos, pela sua decisão de ir à guerra contra o Iraque. Atravessamos o século 20 com duas guerras mundiais, diversas guerras regionais – Coréia, Iugoslávia, Chechênia, China/Japão, Argentina/Inglaterra, Iraque/Kuwait/EUA e muitas outras – mas o século é celebrado como de grandes conquistas para a qualidade de vida popular e de resultados pacifistas, o que aliás foi atestado pelos prêmios Nobel da Paz distribuídos anualmente. É bem verdade que muita gente foi massacrada, mas os vivos têm memória curta e as vítimas de ontem são hoje, muitas vezes, os guerreiros providos de tanques e canhões e alargam suas fronteiras à custa de mais violência, mortes e destruições. Há, evidentemente, muito cinismo nas relações internacionais, o que nos faz lembrar um pensador, o malsinado fascista Marinetti, para quem a guerra era a “higiene do mundo”. Mas, tudo bem, estamos no Brasil com um governo de esquerda e confiamos que esta esquerda não seja sinônimo daquela situação que todos sonham alcançar para gozar de mais privilégios. Estamos na UNIVAP e cabe-nos ser otimistas: não há nenhum apocalipse à vista; ao contrário, o Brasil enfrenta seus problemas, tudo funciona, reina a paz, as metas estão estabelecidas e melhores dias certamente virão, mediante programas sociais nacionais, tornando mais promissor o futuro das “criaturas sem futuro”. E esta é a nossa missão: preparar uma elite consciente das condições a enfrentar, com otimismo e certos de estar contribuindo para formar uma sociedade mais fraterna, mais igualitária e amante da liberdade. Antonio de Souza Teixeira Júnior, Prof. Dr. Pró-Reitor de Integração Universidade - Sociedade A FUNDAÇÃO VALEPARAIBANA DE ENSINO (FVE) E A UNIVERSIDADE DO VALE DO PARAÍBA (UNIVAP) A Fundação Valeparaibana de Ensino (FVE), com sede à Praça Cândido Dias Castejón, 116, Centro, na cidade de São José dos Campos, Estado de São Paulo, inscrita no Ministério da Fazenda sob o nº 60.191.244/0001-20, Inscrição Estadual 645.070.494-112, é uma instituição filantrópica e comunitária, que não possui sócios de qualquer natureza, com seus recursos destinados integralmente à educação, instituída por escritura pública de 24 de agosto de 1963, lavrada nas Notas do Cartório do 1º Ofício da Comarca de São José dos Campos, às folhas 93 vº/96 vº, do livro 275. dam aos requisitos estabelecidos pela UNIVAP. A FVE é também mantenedora, tendo em vista a educação integral dos futuros alunos da UNIVAP, de cursos de Educação Infantil, Ensino Fundamental, Ensino Médio e ainda de Formação Profissional e Técnica. A UNIVAP, em seu Projeto Institucional, centra-se: 1) A Universidade do Vale do Paraíba (UNIVAP), mantida pela FVE, tem como área de atuação prioritária o Distrito Geoeducacional, DGE-31. Sua missão é a promoção da educação para o desenvolvimento da Região do Vale do Paraíba e Litoral Norte (DGE-31). 2) Até o presente, a UNIVAP possui os seguintes Campi: 4) a) b) c) d) e) Campus Centro, em São José dos Campos, situado à Praça Cândido Dias Castejón, 116, e à Rua Paraibuna, 75. Campus Urbanova, situado à Av. Shishima Hifumi, 2911, que abrange os territórios dos municípios de São José dos Campos e Jacareí. Unidade Aquarius, em São José dos Campos, situado à Rua Dr. Tertuliano Delphim Júnior, 181 Unidade Villa Branca, localizado em Jacareí, na Estrada Municipal do Limoeiro, 250 Unidade Caçapava,na Estrada Municipal Borda da Mata, 2020. A Educação Superior, objetivo da UNIVAP, abrange os cursos e programas a seguir descritos: 1) Graduação, abertos a candidatos que tenham concluído o ensino médio ou equivalente e que tenham sido classificados em processo seletivo. 2) Pós-graduação, compreendendo programas de Mestrado, Especialização e outros, abertos a candidatos diplomados em cursos de graduação e que atendam aos requisitos da UNIVAP. 3) Extensão, abertos a candidatos que atendam aos requisitos estabelecidos pela UNIVAP. 4) Educação a distância, com uso de novas tecnologias de comunicação. 5) Formação tecnológica, com formação de tecnólogos em nível de 3º grau. 6) Cursos seqüenciais, por campo de saber, de diferentes níveis de abrangência, a candidatos que atenRevista UniVap, v.10, n.18, 2003 3) numa função política, capaz de colocar a educação como fator de inovação e mudanças na Região do Vale do Paraíba e Litoral Norte - o DGE-31; numa função ética, de forma que, ao desenvolver a sua missão, observe e dissemine os valores positivos que dignificam o homem e a sua vida em sociedade; numa proposta de transformação social, voltada para a Região do Vale do Paraíba e Litoral Norte; no comprometimento da comunidade acadêmica com o desenvolvimento sustentável do País e, em especial, com a Região do Vale do Paraíba e Litoral Norte, sua principal área de atuação. A UNIVAP está em permanente interação com agentes sociais e culturais que com ela se identificam. Como decorrência da demanda de seus cursos ou dos serviços que presta, estabelece convênios com instituições públicas e privadas, no Brasil e no Exterior. Estes convênios resultam na cooperação técnica e científica, na qualificação de seus recursos humanos e tecnológicos, na viabilização de estágios acadêmicos e na prestação de serviços. A história da UNIVAP, enraizada na trajetória da Região do Vale do Paraíba e Litoral Norte, traz consigo a marca da participação comunitária, a partir do compromisso que tem com a sociedade regional, alicerçado na tradição, na busca da excelência acadêmica, na qualidade de seu ensino, no diálogo com a comunidade e no exercício da tríplice função constitucional de assegurar a indissociabilidade da pesquisa institucional, ensino e extensão. Como atividades de extensão, destacam-se, na UNIVAP, aquelas relativas à Comunidade Solidária, que têm por objetivo mobilizar ações que contribuam para a alfabetização e melhoria da qualidade de vida de populações carentes. Dentro deste Programa, foram realizadas atividades nas áreas de Saúde, Higiene, Cidadania, Educação e Lazer, em Santa Bárbara (BA), Beruri (AM), Teotônio Vilela (AL), Nova Olinda (CE), Coreaú (CE), Carnaubal (CE), São Benedito (CE), Groaíras (CE), Atalaia do Norte (AM), Pão de Açúcar (AL) e, no Vale do Paraíba, nas cidades de Monteiro Lobato, São Bento do Sapucaí, 9 Paraibuna, São Francisco Xavier e São José dos Campos. Todas as pesquisas institucionais da Universidade estão centradas em seu Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento (IP&D), o qual executa programas e projetos e congrega pesquisadores de todas as áreas da UNIVAP, envolvidos em atividades de pesquisa, desenvolvimento e extensão. Em seus oito núcleos de pesquisa, nas áreas sócio-econômica, genômica, instrumentação biomédica, espectroscopia biomolecular, estudos e desenvolvimentos educacionais, ciências ambientais e tecnologias espaciais, computação avançada, biomédicas, atrai e dá condições de trabalho a pesquisadores de grande experiência, do País e do exterior. Os alunos têm condições de participar, com os professores, de pesquisas, executando tarefas criativas, motivadoras, que propiciam a formulação de modelos e de simulações, trabalhando com equipamentos de primeira linha, e isto faz a diferença entre a memorização e a compreensão. Bolsas de estudo vêm sendo oferecidas a alunos e pesquisadores, quer pela UNIVAP, quer por instituições como CAPES, CNPq, FINEP e FAPESP. CURSOS DE GRADUAÇÃO CURSOS DE PÓS-GRADUAÇÃO - Administração de Empresas e Negócios Arquitetura e Urbanismo Ciência da Computação Ciências Ciências Biológicas Ciências Contábeis Ciências Econômicas Ciências Sociais: História, Geografia Comunicação Social: Jornalismo Comunicação Social: Publicidade e Propaganda Direito Educação Física Enfermagem Engenharia Aeroespacial Engenharia Ambiental Engenharia Biomédica Engenharia Civil Engenharia da Computação Engenharia de Materiais Engenharia Elétrica Fisioterapia Letras (Português/Inglês e Português/Espanhol) Matemática Normal Superior Odontologia Secretariado Executivo Serviço Social Terapia Ocupacional Turismo O esforço da UNIVAP em construir, no Campus Urbanova, uma Universidade com instalações especiais para cada área de atuação, com atenção especial aos laboratórios, tem por objetivo um ensino de qualidade, compatível com as exigências da sociedade atual. A UNIVAP, para o ano letivo de 2003, fiel ao lema de que “o saber amplia a visão do homem e torna o seu caminhar mais seguro”, oferece à comunidade da Região do Vale do Paraíba e Litoral Norte o seguinte Programa, de seus diversos cursos, que vão desde a Educação Infantil à Pós-Graduação, passando inclusive pelo Colégio Técnico Industrial e pela Faculdade da Terceira Idade. - Doutorado - Mestrado - Bioengenharia Ciências Biológicas Engenharia Biomédica Planejamento Urbano e Regional - Especialização - Lato-Sensu - Computação Avançada Dentística Restauradora Educação Física Escolar Fisiologia do Esforço Gerontologia e Família Gestão Educacional Gestão Empresarial Odontopediatria Reabilitação e Avanços Tecnológicos em Neurologia Terapia Familiar Treinamento Desportivo - Seqüencial - 10 Engenharia Biomédica Sistemas de Telecomunicações Tecnologia Aeroespacial (ênfase em Manutenção Aeronáutica) Tecnologia Aeroespacial (ênfase em Sistemas de Aviões) Tecnologia e Estruturas de Concreto Revista UniVap, v.10, n.18, 2003 São José dos Campos Com cerca de 500.000 habitantes, São José dos Campos é o município com maior população na sua região, sendo que seu grande desenvolvimento começou realmente com a construção da Rodovia Presidente Dutra e do Centro Técnico Aeroespacial (CTA). Além disso, a localização estratégica e privilegiada entre São Paulo e Rio de Janeiro e a topografia apropriada para a construção de grandes indústrias possibilitaram que a cidade crescesse vertiginosamente na década de 70, passando a ser uma das áreas mais dinâmicas do Estado e a terceira maior taxa de crescimento da década de 80. De 1993 para cá, a cidade passou por grandes transformações, alcançando avanços na área da saúde, desenvolvimento econômico, educação, criança e adolescente, saneamento básico e obras. O comércio de São José dos Campos é bastante desenvolvido e vive um período de extensão, com vários centros de compras e grandes supermercados e Shopping Centers. Com mais de 800 indústrias, 4.000 estabelecimentos comerciais e superando 7.000 prestadores de serviço, o perfil industrial de São José dos Campos tem dois lados distintos: o centralizado nas áreas aeroespacial e aeronáutica, como a Embraer, e outro diversificado, com indústrias, como a General Motors, Johnson & Johnson, Petrobras, Rhodia, Monsanto, Kodak, Panasonic, Hitachi, Bundy, Ericsson, Eaton e outras. É o quarto município do Estado de São Paulo em arrecadação e ICMS, atrás apenas da capital, Santo André e Campinas. São José dos Campos possui, como resultado da atuação de suas indústrias, dos estabelecimentos comerciais e Revista UniVap, v.10, n.18, 2003 dos organismos que desenvolvem tecnologias de ponta, mão-de-obra de altíssimo nível. Entre esses órgãos destacam-se o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), o Centro Técnico Aeroespacial (CTA), com seus Institutos: ITA - Instituto Tecnológico de Aeronáutica, IAE - Instituto de Atividades Espaciais, IFI - Instituto de Fomento e Coordenação Industrial e o IEAv - Instituto de Estudos Avançados. Com uma vida cultural bastante intensa, o município conta com uma Fundação Cultural e vários espaços culturais, como o Museu Municipal, galerias de arte, centros de exposição, casas de cultura, Teatro municipal, Cine-Teatro Benedito Alves da Silva, Cine-Teatro Santana e o Teatro Univap Prof. Moacyr Benedicto de Souza, cinemas, emissoras de rádio FM e AM, Central Regional da TV Globo, jornais diários com circulação regional, além dos da capital, e várias Bibliotecas Escolares, Universitárias e de Pesquisa, como a da UNIVAP, a do INPE e a do ITA. A UNIVAP constitui, além do CTA e do INPE, o maior centro de ensino e pesquisa do município. Da Pré-Escola à Universidade, além de Cursos de Pós-Graduação e da Terceira Idade, a UNIVAP mantém o IP&D - Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento, que garante a incorporação da pesquisa na comunidade acadêmica da UNIVAP, permitindo a indissociabilidade entre o ensino e a pesquisa. A UNIVAP tem estado aberta à interação com empresas e instituições do município, notadamente as de ensino e pesquisa, entre elas o INPE e o CTA-ITA, de onde são provenientes o reitor, pró-reitores e vários professores. 11 Um Desafio para os Cientistas do Mundo Tradução de: Antonio de Souza Teixeira Júnior, Vice-reitor da Univap. Artigo original de: Kofi Annan, Secretário Geral das Nações Unidas. “A Challenge to the World’s Scientists” 1 É imensa a contribuição que a ciência vem emprestando ao progresso humano e ao desenvolvimento da sociedade moderna. A aplicação dos conhecimentos científicos continua a oferecer poderoso meios de conduzir os desafios enfrentados pela humanidade, da segurança alimentar até doenças como a AIDS, ou da poluição até a proliferação de armamentos. Avanços recentes em tecnologia da informação, genética e biotecnologia trouxeram inegáveis progressos para o bem estar individual ou coletivo. Ao mesmo tempo, os esforços despendidos para o avanço da ciência foram marcados, no mundo, por nítidas desigualdades. Países em desenvolvimento, por exemplo, aplicam menos de 1% de seu produto interno bruto em pesquisa científica, enquanto que os países ricos dedicam a isso entre 2 e 3%. O número de cientistas, em proporção à população, nos primeiros, é de 10 a 30 vezes menos do que o das nações desenvolvidas. 90% da inovação científica mundial é criada pelas nações responsáveis por 20% da população mundial. E a maior parte dessa inovação não diz respeito a resolver as aflições que atingem a maior parte da população. Esta desigual distribuição da atividade científica gera sérios problemas, não só para a comunidade científica das nações em desenvolvimento, mas muito mais para o desenvolvimento global dessas nações. Ela acelera a disparidade entre as nações avançadas e as em desenvolvimento, criando dificuldades econômicas e sociais, tanto no nível nacional como no internacional. A idéia de que a ciência gera benefícios diferenciados para os dois mundos, desenvolvido e em desenvolvimento, constitui um anátema para o objetivo da ciência. Isto está exigindo a dedicação dos cientistas e instituições científicas de todo o mundo para mudar este viés, de modo a proporcionar os benefícios da ciência para todos. Mas nenhuma ponte suficientemente eficaz foi 1 ANNAN, K. A Challenge oh the World’s Scientists. The American Association for the Advancement of Science. v. 299, n. 5612, p. 1485, 7 mar. 2003. ISSN: 1095-9203. 12 construída, de modo a unir o mundo dos ricos ao dos pobres e não se conseguiu, portanto, eliminar a violência e a guerra. Se a ciência for eficiente para utilizar seu potencial total para varrer, da mente das pessoas de cada país, a defesa do uso da violência e da guerra como processos de solução de conflitos, teremos avançado muito. Os cientistas de cada país têm papel fundamental neste processo. A chamada Conferência de Pugwash, criada pelo Manifesto de Russell-Einstein, em 1955, conseguiu aproximar os cientistas russos e americanos por mais de 40 anos, de modo a dar condições para o desenvolvimento de um entendimento comum sobre os perigos de uma guerra nuclear e os caminhos para evitá-la; e recentemente também estabeleceu um consistente diálogo entre o Norte e o Sul do planeta, abordando problemas de desenvolvimento. Uma cooperação entre laboratórios de P&D foi instituída para o desarmamento nuclear e controle de armas, entre Rússia e Estados Unidos, após a Guerra Fria. A política de preservação de uma paz estável não deveria ser atribuição exclusiva de políticos e diplomatas. Existem profundas similaridades entre o etos da ciência, entendido como a essência do que deve ser a ciência, e o projeto de uma organização internacional dedicada à solução de problemas globais, pois ambas devem estar engajadas contra as forças da irracionalidade que consegue aliciar cientistas, e os resultados de sua pesquisa, para propósitos destrutivos. Nós adotamos o método experimental como paradigma das Nações Unidas, o que significa entender esta entidade como um experimento de cooperação humana. E ambos lutam por expressar as verdades universais; para as Nações Unidas, isto inclui a dignidade e a importância da pessoa humana e o entendimento de que, apesar de o mundo apresentar inúmeras particularidades, com interesses específicos, a comunidade humana é única e deve permanecer unida em torno dos grandes ideais. O bem estar desejável para a humanidade é o objetivo básico da comunidade científica e nisto as Nações Unidas são um parceiro indispensável. Com a ajuda de você, cientista e pesquisador, o mundo pode chegar à “revolução azul” com competência para tratar Revista UniVap, v.10, n.18, 2003 das necessidades urgentes criadas pela emergência das crises correntes da falta de água e sua pesquisa poderá levar a África para a “revolução verde” que trará maior produtividade para a agricultura; sua solidariedade pode ajudar países em desenvolvimento a construir sua capacidade de participar eficientemente em negociações de tratados e acordos internacionais e entendimentos envolvendo ciência. E esta sua atuação, como um advogado das boas causas, pode ajudar a encontrar o acesso ao conhecimento científico; por exemplo, mediante o “acesso ao Programa pela Internet de Iniciativa Revista UniVap, v.10, n.18, 2003 à Pesquisa da Saúde”, periódicos científicos vêm sendo entregues a milhares de instituições de países emergentes, com descontos ou isenção de pagamentos. A agenda é enorme e as necessidades são imensas, mas juntos estaremos igualmente envolvidos para resolver estes desafios. O sistema das Nações Unidas e eu pessoalmente vejo possibilidades futuras de trabalhar com cientistas de todo o mundo para apoiar seu trabalho e estender seus benefícios, com maior alcance e maior profundidade, nos próximos anos. 13 Levantamento do Perfil Sócio-econômico da População Residente em Núcleos de Favelas em São José dos Campos - SP Rosângela Nicolay Freitas * Maria Joseane de Jesus Serpa * Friedhilde Maria K. Manolescu ** Resumo: O intenso processo de urbanização verificado no Brasil nas últimas décadas deu origem a cidades caóticas, repletas de problemas como: desemprego, violência, carência de equipamentos coletivos e de moradias. Nesse contexto, em São José dos Campos, SP, verifica-se a existência de favelas desde a década de 1930. Este trabalho tem por objetivo fazer um levantamento do perfil sócio-econômico da população residente nas favelas existentes na cidade, bem como fazer algumas considerações a respeito do atual Programa de Desfavelização. Palavras-chave: Favelas, perfil sócio-econômico, programa de desfavelização. Abstract: The intensive urbanization process experienced in Brazil in the last decades gave rise to chaotic cities with a high number of problems, such as: unemployment, violence and lack of public facilities and housing. Within that scenario, in São José dos Campos (São Paulo, Brazil) the growth of slums began as early as the 1930s. The aim of this work is to produce a social and economical profile of those people living in the slums; as well as to develop considerations regarding the current “Slum Replacement Program”. Key words: Slums, social and economical profile, slum replacement program. 1.INTRODUÇÃO O intenso processo de urbanização, verificado no Brasil a partir da década de 1950, deu origem a cidades caóticas, repletas de problemas como: desemprego, violência, falta de equipamentos coletivos e de moradias. Villaça (1986) afirma que, cada vez mais, nossas cidades podem ser subdividas da seguinte forma: de um lado, a cidade dos que comandam e participam da sociedade e, de outro, a cidade dos comandados, dos marginalizados, dos que estão de fora. Maricato (2001) utiliza as expressões “cidade legal” e “cidade ilegal” para definir o mesmo fenômeno. Para a autora, o número de imóveis ilegais na maior parte das cidades brasileiras é tão grande que a cidade legal, cuja produção é hegemônica e capitalista, caminha para * Mestranda em Planejamento Urbano e Regional UNIVAP 2003. ** Professora da UNIVAP. 14 ser, cada vez mais, espaço da minoria. Assim, conclui a autora, parte significativa de nossas cidades vai surgindo de forma ilegal, sem a participação dos governos, sem recursos técnicos e financeiros significativos. Para Rezende (1982), a favela surge como a determinação de uma parcela da população em se instalar em locais onde existe acessibilidade a centros de emprego e equipamentos urbanos, áreas de alto valor da terra e, portanto, impróprias para essa população de baixa renda da cidade sob o aspecto do consumo legalizado. Ao longo do tempo, no entanto, as favelas deixaram de ser apenas os locais onde vivem pessoas carentes, e passaram a representar uma ameaça ao poder constituído. Nesses locais, observa-se o aparecimento de um poder paralelo, ligado ao tráfico de drogas, responsável por uma infinidade de atrocidades dentro e fora das favelas. Em São José dos Campos, SP, de acordo com Rosa Filho e Oliveira (2002), os primeiros núcleos de favelas surgiram há cerca de 70 anos, na década de 1930. A primeira favela, localizada na área central da cidade, surgiu Revista UniVap, v.10, n.18, 2003 em 1931 e ficou conhecida como Favela do Banhado (hoje Jardim Nova Esperança). Em 1932, também no centro, surgiu a favela da Linha Velha, atualmente conhecida como Santa Cruz. Esses núcleos cresceram e outros foram surgindo em várias partes da cidade. Segundo Rosa Filho e Oliveira (2002), no final da década de 90, existiam vinte e dois núcleos de favelas com 2.077 moradias e 9.230 habitantes, o que correspondia a 2% da população total do município que era de 538.909 habitantes. Ao longo do tempo, a prática mais comum do poder público local com relação às favelas existentes no perímetro urbano tem sido a remoção de seus moradores para áreas periféricas. Tal prática, no entanto, tem servido para reforçar a segregação residencial já existente na cidade. Em 2000, teve início em São José dos Campos mais um desses programas. Dessa vez, a Prefeitura Municipal contou com o apoio financeiro do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e da Caixa Econômica Federal (CEF). É o chamado Programa de Desfavelização. Este trabalho tem por objetivo fazer um levantamento do perfil sócio-econômico da população residente em núcleos de favelas no Município de São José dos Campos, em 2000, bem como fazer algumas considerações sobre o atual Programa de Desfavelização, uma tentativa do governo local de reverter o crescimento dos núcleos de favelas existentes na cidade. Para caracterizar o perfil da população residente em núcleos de favela foram utilizados dados da Pesquisa Perfil Sócio-econômico do Município de São José dos Campos, realizada pela Universidade do Vale do Paraíba -UNIVAP- em parceria com a Prefeitura Municipal, nos anos 1999/2000. A pesquisa por amostra foi realizada mediante um questionário contendo setenta e duas perguntas abrangendo todos os domicílios do município, situados em vinte cinco regiões homogêneas. 2.CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS 2.1 O Espaço Urbano Corrêa (1995) define o espaço urbano como: fragmentado e articulado, reflexo e condicionante social, um conjunto de símbolos e campo de lutas. É assim a própria sociedade em uma de suas dimensões, aquela mais aparente, materializada nas formas espaciais. Para esse autor, a organização espacial urbana desigual é caracterizada por uma complexa divisão técnica e social do espaço, associada a uma enorme diferença nas condições de vida dos diversos grupos sociais da cidade. Segundo Rezende (1982), no modo de produção capitalista, a cidade surge como local de reprodução dos meios de produção, local de reprodução da força de trabalho e, também, fator de acumulação de capital. Para a reprodução dos meios de produção, tornam-se necessários os espaços destinados às atividades industriais e seus desdobramentos. Como local de reprodução de força de trabalho, a cidade é a sede da habitação, do ato de morar e viver. Como fator de acumulação do capital, o solo urbano gera renda fundiária, fundamento da indústria de construção civil. Para a autora, embora a produção do espaço urbano apresente uma aparente desordem, se dá dentro de uma ordem coerente com o modo de produção dominante. Ao espaço são adicionados infra-estrutura, sistema viário, equipamentos, que, juntamente com a existência ou falta de amenidades, compõem o valor da terra. No caso das cidades brasileiras, os serviços urbanos se irradiam do centro à periferia, tornando-se cada vez mais escassos à medida que a distância do centro aumenta. O resultado é um gradiente de valores do solo urbano, que atinge o máximo no centro principal e vai diminuindo até atingir um mínimo nos limites das cidade. 2.2 Os Agentes Estruturadores do Espaço Urbano As informações dos núcleos de favelas presentes em diferentes pontos da malha urbana da cidade foram agrupadas formando uma única região, denominada de região vinte dois. Utiliza-se nesse trabalho o conceito de favela contido no Manual do Entrevistador da referida pesquisa, descrito como: “conjunto constituído por unidades habitacionais (barracos, casas com revestimento de alvenaria ou material misto), localizadas em terrenos invadidos, de propriedade particular ou público, ocupadas de forma desordenada e densa, carentes em sua maioria de serviços públicos essenciais”. Revista UniVap, v.10, n.18, 2003 Segundo Maricato (1997), o processo de produção e apropriação do espaço urbano, movido por interesses distintos dos agentes que nele atuam, gera uma série de conflitos. Para a autora, os proprietários dos meios de produção, por exemplo, necessitam de terrenos amplos e baratos, não estando interessados na especulação fundiária. Já os proprietários fundiários vêem na retenção de terras uma possibilidade de ampliar seus lucros, pois ao criar uma escassez de oferta haverá um aumento de 15 preço. Essa prática gera conflito entre proprietários industriais e fundiários. Corrêa (1995) considera os proprietários fundiários e dos meios de produção os promotores imobiliários, o Estado e os grupos sociais excluídos os principais agentes modeladores ou estruturadores do espaço urbano. Para esse autor, a complexidade da ação desses agentes sociais inclui práticas que levam a um constante processo de reorganização espacial. Esse processo ocorre por incorporação de novas áreas ao espaço urbano, adensamento do uso do solo, deterioração de certas áreas, renovação urbana, relocação diferenciada da infra-estrutura e mudança do conteúdo social, econômico de determinadas áreas da cidade. Nesse contexto, segundo Maricato (1997), o Estado pode intervir em diversos sentidos, favorecendo ou prejudicando determinados interesses. Tudo vai depender da correlação de forças presentes na sociedade. Com relação às áreas residenciais, a atuação dos promotores imobiliários, isto é, conjunto de agentes que realizam, parcial ou totalmente, as operações de incorporação, financiamento, construção e comercialização do imóvel, ocorre de modo desigual. Seus investimentos são voltados principalmente para a construção de imóveis para atender às classes mais favorecidas, criando e reforçando a segregação residencial que caracteriza a cidade capitalista. sociais diferentes. Segundo Corrêa (1995), os grupos sociais excluídos têm como possibilidades de moradia a favela e os cortiços, localizados próximos ao centro da cidade; a casa, produzida pelo sistema de autoconstrução em loteamentos periféricos; os conjuntos habitacionais, produzidos pelo Estado, via de regra também distantes do centro. 2.4 As Favelas no Brasil Para Panizzi (1989), o crescimento das cidades brasileiras se caracteriza pela expansão de zonas urbanas “ilegais” nas quais vive uma parcela cada vez mais significativa da população. São pessoas que não conseguem comprar uma casa ou um terreno dentro da “legalidade”, isto é, respeitando as leis de mercado e a legislação em vigor. Ao longo dos anos, prossegue a autora, essas práticas foram adquirindo diferentes formas, sendo as mais comuns: a produção de áreas de habitações precárias (cortiços, favelas, mocambos ou malocas), os loteamentos clandestinos e a invasão de terrenos. Para Rolnik (1995), do ponto de vista do capital, a favela ou cortiço, contradição do sistema que a produz e rejeita, é território inimigo, que deve ser eliminado. É inimigo do capital imobiliário porque desvaloriza a região; da polícia, porque em seus espaços irregulares e densos é difícil penetrar; dos médicos, porque ali proliferam os parasitas que se reproduzem nos esgotos a céu aberto. 2.3 Segregação Urbana Castells (1983) entende como segregação urbana a tendência à organização do espaço em zonas de forte homegeneidade social interna e com intensa disparidade social entre elas, tanto em termos de diferença, como também de hierarquia. Segundo Villaça (1986), a segregação é um processo dialético em que a segregação de uns provoca, ao mesmo tempo e pelo mesmo processo, a segregação de outros. O autor destaca como o mais conhecido padrão de segregação urbana o do centro versus periferia. O primeiro, dotado de serviços urbanos, públicos e privados, é ocupado pelas classes de mais alta renda. A segunda, subequipada e distante, é ocupada predominantemente pelos excluídos. Para Santos (1981), existem duas ou diversas cidades dentro da cidade. Este fenômeno é o resultado da oposição entre níveis de vida e entre setores de atividade econômica, isto é, entre classes sociais. Assim, às diferentes paisagens urbanas correspondem classes 16 Segundo Taschner (1996), a favela surge como expressão das contradições urbanas de uma sociedade pobre e concentradora da pouca riqueza que tem. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 1980, 1,89% dos domicílios brasileiros estavam situados em favelas 480.595 unidades habitacionais. Em 1991, o percentual era de 3,28%, ou seja, mais de 1,14 milhões de moradias em favelas. Ainda segundo Taschner, apesar da subestimação implícita na definição de favela pelo IBGE (por só contabilizar como favela núcleos que possuam mais de cinqüenta unidades), a taxa de crescimento desses domicílios supera, em muito, a de crescimento populacional (7,65% contra 1,82% ao ano, entre 1980 e 1991). Maricato (2001) diz que não há números gerais, confiáveis, sobre a ocorrência de favelas em todo o Brasil. O Censo de 2000 dá a entender que entre 1991 e 2000 o Revista UniVap, v.10, n.18, 2003 número de favelas teria aumentado 22% em todo o Brasil, atingindo um total de 3.905 núcleos. A autora afirma que muito do ambiente construído nas grandes cidades brasileiras foi determinado pela industrialização baseada em baixos salários, bem como no grande contingente de trabalhadores que permaneceu na informalidade. Assim, as cidades brasileiras, principalmente as metrópoles, possuem um percentual significativo de sua população residindo em favelas. Estimativas do LABHAB/FAUSP, com base em diversas fontes, apresentam os seguintes resultados para algumas cidades: Rio de Janeiro, 20%; São Paulo, 22%; Belo Horizonte, 20%; Goiânia 13,3%; Salvador 30%; Recife, 46%; Fortaleza, 31%. 3. O MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS O Município de São José dos Campos, situado a leste do Estado de São Paulo, no Médio Vale do Paraíba, é considerado o mais importante dos trinta e cinco municípios que compõem a Bacia do Paraíba do Sul. De acordo com o IBGE (Censo Demográfico 2000), o município ocupa uma área de 1.100 km2 e possui 539.313 habitantes, sendo que, desse total, 532.717 (98,7%) estão situados na área urbana e 6.596 (1,2 %) na zona rural. Este município de projeção nacional e internacional, conhecido por seu moderno parque industrial e por seus importantes institutos de pesquisa - CTA, INPE, ITA - cresceu de forma desordenada, principalmente a partir da década de 1970. Com isso, apesar das riquezas geradas em seu território, é marcante a desigualdade verificada na distribuição dos diversos equipamentos coletivos, caracterizada pela segregação residencial e pela exclusão social. Primeira cidade do interior do Estado de São Paulo em arrecadação de ICMS, só perdendo para a Capital Paulista, e sendo há cinco anos líder na atração de investimentos no interior do Estado, São José dos Campos, como outras cidades brasileiras de seu porte, é constituída de duas cidades: a “cidade legal” e a “cidade ilegal”. Nesta última, a falta de moradias é um dos principais problemas. A inexistência de uma política habitacional que acompanhasse o processo de urbanização do município, aliada às altas taxas de crescimento demográfico e à perda de poder aquisitivo da população, contribuiu para o aumento da carência habitacional (PMSJC, 1995). Segundo pesquisa realizada pela Prefeitura Municipal, em 1978, o déficit de moradias estava em torno Revista UniVap, v.10, n.18, 2003 de 12.000 unidades para famílias com rendimento de até cinco salários mínimos. De lá para cá, pouca coisa mudou. Foram construídos alguns conjuntos habitacionais populares, entre eles, o Conjunto Habitacional Elmano Ferreira Veloso e os Conjuntos Habitacionais D. Pedro I e D. Pedro II, todos na periferia da Zona Sul da cidade, que juntos atenderam a cerca de 4.600 famílias. Além desses programas, o poder público municipal moveu algumas ações complementares com o intuito de minimizar o déficit habitacional do município. A Lei Municipal nº. 3.721, de 25 de janeiro de 1990, de uso e ocupação do solo, instituiu quatro tipos de loteamentos diferenciados quanto à infra-estrutura exigida, tamanho dos lotes e percentual de áreas públicas. Com isso, reforçou-se a segregação residencial na cidade, uma vez que os loteamentos “A” e “B”, em áreas centrais e mais valorizadas, destinavam-se às classes média e alta, e os tipos “C” e “D”, localizados nas áreas periféricas, deveriam atender à demanda da classe de baixa renda. Com isso, a população de baixa renda passou a ocupar áreas periféricas, principalmente na Zona Leste, onde o número de loteamentos clandestinos cresceu significativamente. Os núcleos de favelas, por sua vez, espalharam-se pelo tecido urbano, representando uma ameaça ao capital imobiliário. 3.1 O Perfil da População Residente nas Favelas de São José dos Campos Constatou-se que, em 2000, nos vinte três núcleos de favela existentes na cidade, moravam 11.024 pessoas em 2.562 domicílios, representando uma média de 4,3 pessoas por habitação, maior do que a média registrada para o município, que era de 3,9 pessoas por habitação (Manolescu, Moraes e Krom, 2001). A população residente era constituída, em sua maioria, de jovens. A população de crianças e adolescentes (de 0 a 19 anos) chegava a 52,6%, enquanto a faixa etária que vai de 20 a 49 anos representava cerca de 39% do total de moradores. O tipo de construção predominante era o de casas de tijolos ou blocos, com ou sem revestimento, que somavam 81,48% do total. As habitações caracterizadas como conglomerado de madeira-barraco representavam 11,11% e as de madeira pré-fabricada, 7,41% . Apesar de esses núcleos residenciais estarem localizados em terrenos invadidos, a maioria das pessoas entrevistadas, 60% do total, considerava possuir um imóvel próprio e quitado. Apenas 27,41%, consideravam morar em uma área invadida ou ocupada. 17 A maioria dos moradores das favelas, 48,15% do total, sempre residiu no município. Cerca de 16% dos moradores residiam no município entre 11 e 20 anos. Dentre os moradores que vieram de fora, 29,67% do total vieram de outro Estado do Brasil. Quanto ao motivo da vinda para São José dos Campos, a mudança profissional representou 31,11% dos casos. Já o motivo principal apontado para a mudança de bairro, 24,44% do total, foi o custo mais baixo do imóvel. Verificou-se que as condições de infra-estrutura eram precárias nos núcleos de favelas, pois apesar de a maioria da população, 86,67% do total, possuir água da rede geral com canalização interna, as condições do esgoto sanitário eram as seguintes: 29,63% em rede geral, 23,70% a céu aberto e 22,96% em rio, córrego. Com relação aos serviços médicos, 91,05% da população utilizava a rede pública de saúde, sendo o tipo de serviço mais utilizado a consulta médica (49,29% do total). Quanto aos intervalos de uso dos serviços de saúde, 39,41% dos entrevistados apontaram o anual, seguido por 21,51% trimestral, 12,05% semestral e 10,50% mensal. Verifica-se, ainda, que estas pessoas, em sua maioria, 65,45% do total, recorriam às UBS (Unidade Básica de Saúde) para serem atendidas. No que se refere à educação, constatou-se que, dentre as crianças de 0 a 6 anos, 81,67% não freqüentavam nenhum tipo de creche ou pré-escola, conforme Figura 1. Freqüência Escolar entre os Moradores dos Núcleos de Favelas 90 80 Porcentagem (%) 70 60 50 0-6 7 ou mais 40 30 20 10 0 Não Sim Não Informa Fig. 1 - Freqüência escolar. Dentre as crianças de 7 anos ou mais, a maioria, cerca de 65% do total, não estudava, mas afirmava saber ler e escrever. Apenas 33,62% das crianças freqüentavam a escola regularmente. A mesma taxa, em relação ao município, para crianças nessa faixa etária, no mesmo período, era de 97%. Das crianças residentes nas favelas que freqüentavam a escola (total de 2.970 crianças), 87,82% estudavam na rede pública estadual de ensino, sendo que 78,85% destas crianças tinham que se deslocar para outro bairro para poder estudar, levando, em 87,18% dos casos, até 30 minutos para chegar à escola. Em 84,62% dos casos não eram utilizados nenhum meio de transporte para fazer o percurso. Cerca de 73% das pessoas, com 15 anos ou mais, que não tinham curso fundamental e não estudavam, 18 apontaram como principais motivos desta situação: em 46, 03% dos casos, a falta de interesse e/ou a reprovação por várias vezes; e em 20,63% dos casos, o abandono do estudo para poder trabalhar e/ou ajudar nas despesas familiares. O baixo nível de escolaridade/alfabetização entre as crianças e adolescentes também pôde ser constatado em relação ao chefe da família, sendo que a maioria, 54,07% do total, nunca estudou ou tinha primeiro grau completo; e 34,07% tinha o primário completo ou o ginasial incompleto. Dentre os moradores das favelas, com 10 anos ou mais, verificou-se que apenas 17,79% estavam trabalhando de forma regular e os que não estavam trabalhando somavam 71,63% (Figura 2). Revista UniVap, v.10, n.18, 2003 Situação Atual de Trabalho dos Moradores dos Núcleos de Favelas 80 Porcentagem (%) 70 60 50 40 30 20 10 0 Não Trabalha Trabalha de Trabalha em Não Informa Forma Caráter Regular Provisório Fig. 2 - Situação atual de trabalho. Os empregados, sejam de maneira regular ou irregular, em 51,78% dos casos, levavam até 30 minutos para chegar ao trabalho. Desse percentual, 27,68% dos trabalhadores utilizavam ônibus de linha, e 35,71% não utilizavam nenhum tipo de transporte para chegar ao trabalho. Quanto ao tipo de atividade que exerciam, 54,46% dos trabalhadores afirmaram estarem empregados no setor de serviços. As principais condições de trabalho, para os empregados, são: 40,18% assalariado com carteira assinada; 31,25% assalariado sem carteira assinada; e 19,64% trabalhando por conta própria. Verificou-se que as famílias residentes em áreas de favelas, segundo critério da ANEP (Associação Nacional de Empresas de Pesquisas), enquadravam-se nas classificações econômicas C, D e E do município, o que representa um total de 99,26% das famílias que residem nestas áreas (Figura 3). Classificação Econômica dos Moradores dos Núcleos de Favelas A1 A2 Classes B1 B2 C D E 0 10 20 30 40 50 60 Porcentagem (%) Núcleos de Favelas São José dos Campos Fig. 3 - Classificação econômica. Revista UniVap, v.10, n.18, 2003 19 Para cada uma destas classes sociais considerase como renda domiciliar média o seguinte: classe E = sem renda até 2 salários mínimos; classe D = 2 a 4 salários mínimos; classe C = 4 a 10 salários mínimos. Nesse mesmo período, esse mesmo índice para a Cidade de São José dos Campos era de 45,94% de famílias pertencentes às classes A1, A2, B1 e B2, sendo a renda domiciliar média de 10 salários mínimos ou mais. 4. O PROGRAMA DE DESFAVELIZAÇÃO EM SÃO JOSÉ DOS CAMPOS As informações a respeito do Programa de Desfavelização foram coletadas, basicamente, a partir de pesquisa em diversos exemplares do Jornal Valeparaibano e da transcrição de uma palestra da Secretária Municipal de Obras, Maria Rita Singulano, realizada na UNIVAP em 2002. Assim, em 2000, a Prefeitura Municipal de São José dos Campos, visando erradicar os núcleos de favelas presentes no ambiente urbano, implantou o chamado Programa de Desfavelização. Como a maioria das favelas estariam localizadas em áreas de risco ou de preservação ambiental, optou-se pela transferências desses núcleos para outros locais. Assim, após ter sido feito um cadastramento das pessoas que viviam em condições de submoradia, foram criadas parcerias com as seguintes entidades: Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU), Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), juntamente com a Caixa Econômica Federal (CEF). O Programa de Desfavelização prevê a construção de conjuntos habitacionais populares, em áreas periféricas, cujas unidades habitacionais serão financiadas em 15 anos, com um ano de carência. O custo de cada unidade habitacional varia entre R$ 10 mil e R$ 12 mil, e o valor da prestação da cada imóvel é de R$ 20,00. Na tentativa de evitar o aparecimento de novos barracos nas favelas já cadastradas, foram fixados nesses locais outdors referentes ao “congelamento da favela”, trazendo as seguintes informações: nome da favela, data do “congelamento”, mapa da área, número de moradias existentes, de famílias e de habitantes, e a inscrição: ”Proibido a venda e a construção de novas moradias”. Foram disponibilizados fiscais da prefeitura para diariamente fiscalizar o local, verificando se alguma nova moradia estava sendo construída. Algumas favelas já foram removidas. Entre elas, 20 estão a favela da Avenida Salinas, localizada na Zona Sul da cidade (às margens do Córrego Senhorinha – Zona Sul), e as favelas Santa Cruz I e III, ambas próximas ao prédio da Prefeitura Municipal, na área central da cidade. No primeiro caso, as 200 famílias foram removidas para um conjunto habitacional horizontal, também na Zona Sul. No segundo caso, foi construído um conjunto habitacional vertical próximo à área anterior. Estão previstas, para o ano de 2003, a remoção de três núcleos de favelas existentes na Zona Leste da cidade: Nova Detróit, Caparaó e Vila Tatetuba, com um total de 453 famílias. Esse projeto faz parte do Programa Habitar Brasil/ BID, uma parceria entre a Prefeitura Municipal de São José dos Campos, o BID e a CEF, e representou um investimento de cerca de 12 milhões de reais. Desse total, 9 milhões, ou seja, 75% do investimento coube ao BID, sendo que o restante foi dividido entre a Prefeitura Municipal (2 milhões de reais) e a CEF (com aproxidamente1 milhão de reais). Foi feita a desapropriação de um terreno no Bairro Jardim São José, também na Zona Leste, que custou 1,35 milhões de reais, com previsão de entrega das moradias para o mês de março de 2003. Além das casas, também está incluída no pacote de obras a construção de uma creche, de um centro comunitário e de uma UBS - Unidade Básica de Saúde. No entanto, esse projeto tem despertado o descontentamento de moradores residentes nesses núcleos, para os quais o local escolhido para a construção das unidades habitacionais (Bairro Jardim São José, também na Zona Leste) encontra-se ainda mais distante dos já escassos serviços coletivos, bem como dos postos de trabalho. Contudo, segundo a Prefeitura Municipal, a remoção dos moradores dessas favelas é inevitável, uma vez que os barracos foram construídos em áreas de risco e em terrenos de preservação ambiental permanente. Este laudo, no entanto, tem sido contestado pela Comissão de Movimentos Populares – CMP, e dado margem a vários protestos por parte de alguns representantes das comunidades envolvidas. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS “A propriedade urbana cumpre sua função social quando assegura a democratização do acesso ao solo urbano e à moradia, adapta-se à política urbana prevista pelo Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado, equipara sua valorização do interesse social e não se Revista UniVap, v.10, n.18, 2003 torna instrumento de especulação imobiliária.” LEI ORGÂNICA DO MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS - Capítulo IV - Artigo 253. No entanto, como foi dito anteriormente, em São José dos Campos, o desenvolvimento econômicoindustrial, verificado nas últimas décadas, não significou necessariamente uma melhoria da qualidade de vida de uma parcela significativa de sua população. São os chamados “excluídos” do processo de urbanização da cidade, que, na verdade, representam uma reserva estratégica de mão-de-obra. Essas pessoas são obrigadas a viver em locais inadequados, sem infra-estrutura e, muitas vezes, vítimas de preconceito dos habitantes da “cidade legal”. Com relação aos moradores das vinte e três favelas existentes na cidade, em 2000, verificou-se que sua população era constituída basicamente de crianças e adolescentes que, em sua maioria, não freqüentava a escola. O baixo nível de escolaridade/alfabetização existente entre crianças e adolescentes também pôde ser verificado com relação aos chefes das famílias residentes nesses locais. Constatou-se que, cerca de 70% dos moradores, com 10 anos ou mais, não estavam trabalhando, sendo que, aproximadamente, metade desses trabalhadores ou trabalhavam por conta própria ou sem carteira assinada. Nota-se, portanto, que o desemprego era elevado nesses locais, e o ingresso no mercado informal era uma das principais alternativas encontradas por essas pessoas. Chamou a atenção o fato de a maioria dos entrevistados afirmar morar em casa própria, independentemente de essas construções terem sido feitas em áreas invadidas. No que diz respeito ao saneamento básico, a falta de rede de esgoto foi o principal problema detectado. Nesses locais, quase metade das casas não dispunha desse tipo de serviço, sobrando aos moradores poucas opções: ou as chamadas “valas negras” ou lançar o esgoto residencial em córregos ou rios. Na tentativa de solucionar esse grave problema social, a Prefeitura Municipal vem desenvolvendo um programa que pretende erradicar os núcleos de favelas existentes na cidade. O Programa de Desfavelização implantado pela atual administração pública, a exemplo de programas anteriores, baseia-se principalmente na transferência dos moradores dos núcleos de favelas para outros locais da cidade. Os locais escolhidos para esta transferência, no Revista UniVap, v.10, n.18, 2003 entanto, são regiões periféricas, o que poderá dificultar ainda mais o acesso dessa população à cidade. Com isso, reforça-se a já existente segregação sócio-espacial, responsável pela separação de ricos e pobres, concentrados em parcelas distintas do território. Desse forma, o acesso democrático ao solo urbano, previsto na Lei Orgânica Municipal, e conseqüentemente, o direito pleno à cidade, e a tudo que ela pode oferecer a seus moradores, parece continuar restrito àqueles que podem pagar por esse privilégio. É preciso que haja um planejamento social, não só econômico, capaz de reverter o atual quadro que se apresenta. Para isso, é fundamental a ampla participação popular, e não apenas de alguns setores da sociedade. 6. BIBLIOGRAFIA CASTELLS, M. A questão urbana. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983. CORRÊA, R. L. O espaço urbano. 3. ed. São Paulo: Ática, 1995. ANDRADE, K. São José traça mapa da pobreza. Jornal Valeparaibano, São José dos Campos, 19 fev. 2002. Disponível em: <http://jornal.valeparaibano.com.br/2002/ 02/19/sjc/favela.html>. Acesso em: 10 abr. 2003. MANOLESCU, F. M. K.; MORAIS, P. R.; KROM, V. Relatório final sócio-econômico do município de São José dos Campos. Revista Univap, São José dos Campos, SP. v. 9, n. 13, ago. 2001. MARICATO, E. Habitação e cidade. São Paulo: Atual, 1997. __________. As idéias fora do lugar e o lugar fora das idéias. In: A cidade do pensamento único. Petrópolis: Vozes, 2000. __________. Brasil, cidades: alternativas para a crise urbana. 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O objetivo da pesquisa é criar mapas da cidade em função dos aspectos mais críticos da manifestação da pobreza, agrupados em quatro categorias: 1) condição do domicílio, 2) saneamento básico, 3) condição social do morador e 4) condição de educação - analisados em relação à pobreza urbana do Vale do Paraíba e de São Paulo. Palavras-chave: Pobreza, planejamento urbano, São José dos Campos. Abstract: This text presents the theoretical and methodological aspects of the research about urban poverty distribution in São José dos Campos, SP, that is part of a Master´s Degree Dissertation on Urban and Regional Planning at UNIVAP. The purpose of the research is to create maps of the city based on the most critical manifestations of poverty, grouped in four categories: 1) housing, 2) basic sanitation, 3) residents’ social status and 4) educational level - analyzed within the context of urban poverty of Paraíba valley and São Paulo. Key words: Poverty, urban planning, São José dos Campos. 1. INTRODUÇÃO A pobreza urbana é um dos reflexos das condições de urbanização e desenvolvimento das cidades brasileiras que sofreram rápido crescimento e intensa industrialização. Em São José dos Campos, este processo iniciou-se no fim da década de 1920 e intensificou-se na década de 1950, com o processo de industrialização nacional. Hoje, São José dos Campos é a segunda maior economia do Estado de São Paulo, a 36ª melhor cidade do Brasil em índice de desenvolvimento humano (1). É citada como ótima cidade para a realização de negócios, e tem baixo índice de pobreza, conforme apontado no Atlas Social da UNICAMP (Universidade Estadual de Campinas) – 1999 (2), em matéria publicada no Jornal Vale Paraibano. No entanto, neste mesmo Atlas Social, São José dos Campos aparece com um índice de extrema desigualdade social (3). Conclui-se, então, que o índice de pobreza elevou-se pela renda dos mais ricos. Para fins de planejamento urbano e políticas sociais locais, interessa saber, então, onde estão localizados estes pobres na cidade. * Mestranda em Planejamento Urbano e Regional UNIVAP 2002. Revista UniVap, v.10, n.18, 2003 E este é o objetivo da pesquisa: mapear as áreas de pobreza urbana de São José dos Campos para o ano de 2000, contextualizando-as em relação ao Vale do Paraíba e ao Estado de São Paulo, entendendo que não é possível uma análise descontextualizada territorial e socialmente. Neste texto serão abordados os aspectos teóricos e metodológicos que balizarão toda a pesquisa e serão decisivos para seus resultados. 2. A POBREZA E A CIDADE No início do século XX, no surgimento da sociologia urbana, estudava-se a cidade sob a perspectiva ecológica. Isto é, descrevendo-a como um organismo vivo: sua forma, desenvolvimento, estrutura e função. A pobreza era compreendida como uma desorganização transitória. Analogamente a um organismo vivo, os pobres iriam se adaptar à cidade, melhorariam suas posições sociais e seriam sucedidos por outros pobres. Os mais ‘aptos’ (com maior riqueza e/ou poder) ganhariam melhores posições no ambiente construído da cidade, disso resultando zonas segregadas. Já na segunda metade do século XX os estudos sobre a cidade, e sobre o urbano, baseiam-se na epistemologia marxista, nascida em meio à efervescência do modo de produção capitalista e suas conseqüências sociais. O conflito intra-social torna-se chave para a 23 compreensão da realidade. É nesta base que se constrói esta pesquisa, pois se entende a pobreza como algo intrínseco à organização social. No Brasil, os estudos urbanos sofreram grande influência da epistemologia marxista, com grande proliferação de trabalhos nas décadas de 1970 e 1980. Apesar da vasta literatura sobre a cidade, quando o objetivo é estudar especificamente a pobreza urbana, vemo-nos frente a uma colcha de retalhos. Cada autor aborda um aspecto da pobreza: cultural, histórico, econômico etc. Por isso, serão utilizados conceitos e idéias de diversos autores, desde que compartilhem da premissa básica de que a pobreza não é algo ‘anormal’, mas fruto da própria sociedade. Alguns autores que orientaram este trabalho são: Marx (1984), que no séc. XIX relaciona a pobreza à esfera da desigualdade social e não à da exclusão, pois mesmo os desempregados inserem-se no sistema capitalista e a ele são essenciais; Castells (1984) que dá atenção especial à moradia, por ser o local da manutenção e reprodução da vida do homem; Gottdiener (1993) que aponta a importância de observar fatores urbanos que sejam ao mesmo tempo sociais, políticos e econômicos (como a pobreza) e ressalta o fato de que a pobreza é reproduzida pela produção da cidade; Santos (1987) que chama a atenção para o território, que é onde se materializam as contradições do capitalismo e Torres e Marques (2001) que colocam que a discussão centro x periferia, da década de 1970, não dá conta de explicar a realidade brasileira, ao verificarem a manifestação atual de pobreza urbana. Em resumo, os pressupostos deste trabalho são: 1) a pobreza é algo intrínseco à organização social; 2) a pobreza está relacionada à desigualdade econômica e não à exclusão social; 3) a pobreza pode ser percebida por suas manifestações e percebidas no espaço social urbano. 3. OPERACIONALIZAÇÃO DO CONCEITO DE POBREZA URBANA Para mensurar a pobreza urbana, a pesquisa valerse-á de indicadores sociais construídos com informações do Censo de 2000 do IBGE. De acordo com Januzzi (2001), o indicador social é o elo de ligação entre a teoria e a evidência empírica dos fenômenos sociais observados, no caso, a pobreza. Esta pesquisa trabalhará com os dados mais recentes sobre a população e seu local de moradia que sejam provenientes de fonte oficial e que ofereçam informações na menor escala possível, o setor censitário (4), visando à precisão do mapeamento da pobreza urbana. A pobreza será analisada através de algumas de suas manifestações, agrupadas em quatro categorias sintetizadas nos indicadores: 1) condição do domicílio; 2) saneamento básico; 3) condição social do morador e 4) condição de educação. A vantagem de realizar a análise da pobreza por temas é que se poderá verificar em qual aspecto da pobreza cada área intra-urbana é mais carente – o que facilita a tomada de decisões político – administrativas. Por sua vez, cada indicador síntese será composto por três indicadores parciais, conforme o quadro a seguir: Quadro I - Relação de Indicadores Componentes do Mapa da Pobreza Urbana de São José dos Campos – SP MAPA DA POBREZA URBANA DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS INDICADOR SÍNTESE Densidade CONDIÇÃO DO DOMICÍLIO Domicílios em cortiços Domicílios cedidos e/ou ocupados por invasão SANEAMENTO BÁSICO CONDIÇÃO SOCIAL DO MORADOR CONDIÇÃO DE EDUCAÇÃO 24 INDICADOR Abastecimento de água por poço, nascente ou outra forma Esgotamento sanitário por fossa rudimentar, vala, rio, lago, outro escoadouro ou sem sanitário Destino do lixo: em caçamba, queimado, enterrado, jogado em terreno baldio, em lago, no mar ou outro destino Responsável pelo domicílio com rendimento de até 1 salário mínimo Responsável pelo domicílio sem instrução e menos de 1 ano de estudo Responsável pelo domicílio com 8 anos de estudo Crianças não alfabetizadas Adultos não alfabetizados Idosos não alfabetizados Revista UniVap, v.10, n.18, 2003 A escolha destes indicadores para apontar a pobreza se deu conforme a disponibilidade de informações. Procurou-se trabalhar com dados somente do IBGE, pois a utilização de outras fontes implicaria a não compatibilização territorial da informação – inviabilizando a criação de mapas da pobreza urbana. (2) Neste trabalho, o índice de pobreza de São José dos Campos é de 0,811, na escala que vai de 0 (pior condição) a 1 (melhor condição). Como a pobreza está relacionada à desigualdade, qualquer classificação de pobreza só existe se comparada a uma determinada realidade. Neste trabalho não serão utilizados padrões normativos de ‘linhas de pobreza’, mas as áreas intra-urbanas de São José dos Campos serão avaliadas comparativamente ao desempenho do conjunto dos setores censitários que compõem a área urbana em cada indicador, e reinterpretadas em relação ao desempenho do Vale do Paraíba e do Estado de São Paulo nestas mesmas variáveis. (4) Setor censitário é a unidade de coleta de dados do IBGE para o Censo Demográfico. Corresponde, no máximo, a 300 domicílios. Cada setor censitário será classificado em relação a cada indicador, e ao indicador síntese, em uma das seguintes classes: 1 - muito crítica, 2 - crítica, 3 - razoável e 4 - boa, considerando a média e o desvio padrão do desempenho da cidade de São José dos Campos. Cada indicador gerará um mapa (totalizando 12 mapas), e cada indicador síntese também terá seu mapa correspondente (no total mais 4 mapas). A partir dos indicadores sínteses será elaborado o mapa final da pobreza urbana de São José dos Campos. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Pretende-se, ao fim deste trabalho, quando os respectivos mapas sobre condições de pobreza estiverem concluídos, conhecer melhor a realidade intra-urbana de São José dos Campos no tocante à pobreza, subsidiando a tomada de decisões e ações voltadas à população mais carente. 5. NOTAS (3) Índice de 0,175, na escala que vai de 0 (pior condição) a 1 (melhor condição). 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CASTELLS, M. A questão urbana. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984. CHIARADIA, A. Taubaté lidera o “Atlas Social” no Vale. Jornal Valeparaibano, São José dos Campos, p. 5, 24 jan. 2003. Disponível em: <http:// jornal.valeparaibano.com.br/2003/01/24/tau/atlas1.html>. Acesso em: 10 abr. 2003. GOTTDIENER, M. Estrutura e ação na produção do espaço. In: A produção social do espaço urbano. São Paulo: EDUSP, 1993. JANUZZI, P. M. Indicadores sociais no Brasil conceitos, fontes de dados e aplicações. Campinas, SP: Editora Alínea, 2001. 141 p. ISBN 85-86491-95-0. MARX, K. O capital: crítica da economia política. São Paulo: Abril Cultural, 1984, p. 198-212 v. 1-2. (Os Economistas). SANTOS, M. O espaço do cidadão. São Paulo: Nobel, 1987. TORRES, H. G.; MARQUES, E. C. Reflexões sobre a hiperperiferia: novas e velhas faces da pobreza no entorno municipal. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais. v. 3, n. 4, 2001. (1) Levantamento realizado pelo IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) com dados do Censo 2000 do IBGE. Revista UniVap, v.10, n.18, 2003 25 Burnout e Resiliência: Novos Olhares sobre o Mal-estar Docente Fatima Araujo de Carvalho * Resumo: O objetivo deste estudo é apresentar alguns resultados de um estudo bibliográfico comparativo entre pesquisas de várias nações com as do Brasil sobre a insatisfação docente, particularmente sobre a síndrome de burnout, visando entender suas causas e possíveis soluções adotadas. Burnout tem sido considerado na atualidade um problema internacional das organizações de trabalho, inclusive as escolas. Fatores apontam a globalização e os problemas sociais e econômicos como responsáveis por grandes mudanças no ambiente escolar. As exigências atuais em um mundo altamente competitivo e tecnológico, a sociedade cada vez mais complexa, o estresse e as pressões da vida moderna têm contribuído para que professores de todo o mundo se sintam em crise no trabalho. Este estudo representa uma análise de 368 estudos internacionais e 106 nacionais sobre estresse, burnout, resiliência, formação, satisfação e insatisfação docente. Na tentativa de identificar comportamentos que pudessem contribuir para renovar a energia positiva dos professores, reconhecemos a resiliência como um caminho onde professores e escolas podem criam fatores de proteção para lidar com o estresse profissional. Palavras-chave: Burnout, stress, resiliência, professores. Abstract: The purpose of this paper is to share some findings of a comparative cross-cultural theoretical study on teacher burnout. This syndrome is been recognized nowadays as an international problem affecting organizations including schools. The present requirements of the highly competitive and technological world and of a society that gets more and more complex everyday, the stresses and pressures of the modern life have all led teachers, all over the world, to feeling in crisis at work. This study is the result of an analysis over 368 international studies and 106 Brazilian studies on stress, burnout, resilience, formation and teacher satisfaction/dissatisfaction. In order to identify factors that can contribute to renew teachers’ positive energy with practical solutions for stress, we recognize the power of resilience as the way teachers and schools can create buffers to deal with burnout. Key words: Burnout, stress, resilience, teachers. 1. INTRODUÇÃO De caráter bibliográfico, esta pesquisa teve como suporte inicial a investigação que deu origem ao livro Educação: carinho e trabalho, organizado por Codo (1999), relatando o resultado de um estudo nacional feito entre 52 mil professores da rede pública de ensino brasileira, constatando que 48% manifestam algum sintoma de burnout, a síndrome que, segundo o autor, pode levar à falência a educação. Uma contribuição nesse sentido se justifica tendo em vista que os estudos sobre burnout têm se intensificado no Brasil, nos últimos três * Mestre em Psicologia da Educação - PUC - SP [email protected] 26 anos. Acreditamos que essa expansão se deva ao trabalho de Codo já que a revisão aponta que só no período 20002002 foram produzidos 30 estudos sobre o tema, contra o mesmo número realizado na década de 90, levando a crer que Codo passou a representar um marco nacional nas pesquisas nessa área. Burnout é uma expressão inglesa que significa estar exaurido emocionalmente após longa exposição a uma situação estressante, com prejuízo para o resultado do trabalho que exerce. Dentro desse processo qualificado como cíclico e degenerativo, Blase (apud Fierro, 1993) esclarece que a insatisfação no trabalho e a falta de motivação resultam em sentimentos negativos aumentando por sua vez a possibilidade de uma posterior atividade ineficaz, conduzindo assim ao agravamento da tensão e do sentimento de inutilidade. Os resultados da Revista UniVap, v.10, n.18, 2003 pesquisa entre os professores brasileiros geram uma preocupação alarmante porque além da necessidade de atenção com a saúde psicossocial desses docentes é preciso estar atento aos seus reflexos no cotidiano escolar, já que o baixo envolvimento com o trabalho certamente interfere de maneira negativa no relacionamento interpessoal e no processo ensinoaprendizagem. E, consoante Assagioli (apud Batá, 1989 p. 70), se uma pessoa tem um conflito dentro de si mesma (...) não pode criar um relacionamento harmônico com os outros (...) porque tendemos a projetar sobre os outros, tantos os nossos conflitos quanto nossas tendências agressivas e combativas. Ainda dentro dessa perspectiva psicossocial, Seligmann-Silva (1994, p. 59) destaca algumas necessidades que precisam ser atendidas nas situações de trabalho, como aspirações pessoais do ser humano: a) a necessidade humana de exercer um controle pessoal sobre o próprio trabalho; b) a necessidade humana de interação social; c) a necessidade de assegurar a existência de um sentido em suas tarefas pessoais, dentro de uma relação com um todo significativo; d) a necessidade de perceber reconhecimento social, pelo trabalho desenvolvido e outras necessidades ligadas ao contexto sócioeconômico e cultural. (...) E, em países de economia dependente, a necessidade de manter o emprego para sobreviver. Considerando que os professores brasileiros participantes da pesquisa do professor Codo demonstram que essas necessidades não estão sendo atendidas, provocando o desencadeamento de sintomas reacionários, que Kals (1983) atribui como resposta à incapacidade do indivíduo de adaptar-se às condições ambientais, acreditamos que um estudo das dificuldades apontadas por professores de outras culturas, bem como o levantamento de estratégias para lidar com as dificuldades inerentes à profissão, são de extrema importância para a melhora da relação professor-alunocomunidade, com visíveis ganhos para todos, já que conforme Gusdorf (1995, p.76) ressalta: ensinamos mais do que pensamos. Os olhares que pousam sobre o professor não se limitam a observar as competências específicas. São muito mais abrangentes e perscrutam pensamentos, Revista UniVap, v.10, n.18, 2003 sentimentos e atitudes. Dessas observações nascem as identificações que permitem ao aluno elaborar seus modelos, inclusive no gosto pelos conteúdos de ensino e escolhas profissionais. 2. OBJETIVO O presente trabalho visa apresentar resultados parciais de uma investigação sobre as causas e razões que levam o professor a entrar em burnout, a síndrome da exaustão profissional atingida após longo período submetido a uma situação estressante. Busca novos caminhos para a abordagem do sofrimento mental no trabalho docente e para a transformação das situações laborais adoecedoras em outras capazes de fazer com que volte a existir prazer e significado no trabalho. Comparando estudos semelhantes realizados em diferentes contextos, objetiva-se também identificar possíveis transformações adotadas de natureza preventiva e simultaneamente relevante, que possam estar sendo aplicadas para a melhoria da qualidade da saúde mental e, em conseqüência, do trabalho docente, analisando condições objetivas, históricas e subjetivas, como forma de não atribuir o sucesso e/ou fracasso somente ao sujeito ou ao meio/condições materiais. Propõe também dar uma contribuição para o avanço do repertório de conhecimentos na área dessa problemática, oferecendo subsídios para novas investigações. 3. METODOLOGIA A dissertação que deu origem a este artigo representa uma análise de 368 estudos internacionais de 46 países e 106 nacionais sobre os temas resiliência e satisfação/insatisfação/estresse e burnout do profissional docente. Foram investigadas pesquisas desde 1976 até 2002, empíricas e teóricas. A necessidade do recorte limitou a análise às causas do fenômeno burnout e nas pesquisas sobre resiliência, às estratégias de enfrentamento do mal-estar. Para estudo das causas do mal-estar docente foram consideradas as adaptações feitas tendo como referência as categorias de análise estabelecidas por Esteve (1999), Trigo-Santos (1996), Trias (1998) e Lipp (2002), distribuídas em dois grupos a saber: 1} fatores extrínsecos: os que contribuem para a geração de sentimentos de descontentamento no trabalho e esbarram em razões externas, onde se incluem salários, relações interpessoais (com colegas, superiores hierárquicos e pessoal subordinado), estatuto nacional da educação, medidas políticas, condições de trabalho, segurança, supervisão e vida pessoal. 27 2} fatores intrínsecos: os que contribuem para a realização, reconhecimento, o trabalho em si, responsabilidade, progressão na carreira e possibilidade de desenvolver os fatores inerentes ao conteúdo do trabalho, e seriam atribuídos à origem de sentimentos positivos em relação ao trabalho e, segundo o estudo, eficazes em motivar o indivíduo para uma execução e esforço de nível superior. serviço como conseqüência desse contato diário no seu trabalho. Embora Barona (2000) diga que ainda não existe uma definição unanimemente aceita sobre o termo burnout, ela admite que parece haver um consenso em aceitar que burnout seja uma resposta ao estresse laboral crônico. A principal definição, aceita e difundida pela maioria dos pesquisadores, vem de Maslach (1976,1999): 4. RESULTADOS A constatação da síndrome em professores de diversos países parece demonstrar que a relação ser humano - atividade professor está a merecer cuidados especiais, talvez por essa razão os estudos têm sido feitos em diferentes áreas: Psicologia Social, Educação, Saúde Ocupacional, Psiquiatria, Relações Sociais no trabalho e Ciências Sociais. O tema, portanto, permitiu o acesso a ciências diferentes, já que não se pode fazer um estudo do mal-estar docente sem uma visão histórica do fenômeno (Hargreaves, 1999). Os fatores desencadeantes da síndrome mencionados pelos professores pesquisados no Brasil poderiam, à primeira vista, numa visão simplista, parecer única e exclusivamente decorrentes da política de educação vigente e característica do estado geral da educação no Brasil. Todavia, os estudos selecionados demonstram que mesmo em países de primeiro mundo o mal-estar docente se faz presente. O que leva um professor de um país desenvolvido onde aparentemente as condições de trabalho parecem ser mais favoráveis a manifestar a síndrome? Incrivelmente, apontam esses estudos, pelas mesmas razões expostas pelos professores brasileiros. A partir dos dados analisados foi possível levantar as razões apresentadas pelo professores para o desgaste profissional que a docência causa e sua incidência, e estudar formas de enfrentamento do estresse e os modelos etiológicos que determinam suas causas e origens. Para melhor entendimento do fenômeno burnout é necessário que se dê uma definição abrangente da síndrome. O que é burnout e o que provoca burnout? Para Freudenberger (apud Silva, 2000, p.6), que marcou o início dos estudos sobre o tema, burnout é resultado de esgotamento, decepção e perda de interesse pela atividade de trabalho que surge nas profissões que trabalham em contato direto com pessoas em prestação de 28 Burnout é uma expressão que significa sofrer por exaustão física ou emocional causada por longa exposição a uma situação estressante. Entrar em burnout significa chegar ao limite da resistência física ou emocional. O que diferencia ESTRESSE de BURNOUT está nas conseqüências de um e de outro. Enquanto o estresse afeta quase sempre somente a pessoa envolvida, burnout vai mais além, afetando também o resultado do seu trabalho e as pessoas que estão diretamente envolvidas no ambiente onde o fenômeno é constatado. Maslach e Jackson (apud Codo, 1999, p. 238) também definem burnout como uma reação à tensão emocional crônica gerada a partir do contato direto e excessivo com outros seres humanos, particularmente quando estão preocupados e com problemas. É ainda Codo (p. 238), baseado nos conceitos de Maslach e Jackson, quem diz que dentro de um conceito multidimensional, a síndrome envolve três componentes: 1) Exaustão emocional - situação em que os trabalhadores sentem que não podem dar mais de si mesmos a nível afetivo. Percebem esgotados a energia e os recursos emocionais próprios, devido ao contato diário com os problemas; 2) Despersonalização - desenvolvimento de sentimentos e atitudes negativas de cinismo para com as pessoas de seu trabalho endurecimento afetivo, coisificação da relação; 3) Falta de envolvimento pessoal no trabalho tendência de uma evolução negativa no trabalho, afetando a habilidade para a realização do trabalho e o atendimento ou contato com os usuários. Revista UniVap, v.10, n.18, 2003 Características semelhantes são também citadas por França e Rodrigues (1997) que, apoiados em Delvaux, acrescentam que a exaustão emocional faz surgir os sintomas de cansaço, irritabilidade, propensão a acidentes, sinais de depressão, de ansiedade, uso abusivo de álcool, cigarros ou outras drogas, surgimento de doenças, principalmente daquelas denominadas de adaptação ou psicossomáticas. A despersonalização reduz a realização pessoal e a produtividade profissional, geralmente conduzindo a uma avaliação negativa de si mesmo, à baixa auto-estima. Desse quadro, Garcia Montalvo apud Silva (2000) aponta o esgotamento emocional como o que apresenta uma dimensão mais consistente. Sobre esta última fase de esgotamento, Meleiro (2002, p.13) assim se manifesta: O estágio de esgotamento desenvolve-se quando a ação do estressor, ao qual o organismo se adaptou, permanece por um período longo, esgotando a energia de adaptação. O organismo é atingido no plano biológico ou físico e no plano psicológico ou emocional. A pessoa é agredida de um modo geral, e cada indivíduo tem propensão para adoecer de acordo com o locus de minor resistance, isto é, o órgão alvo de maior fragilidade, com a própria constituição e suas heranças genéticas. Alvarez Galego e Fernandez Rios (apud Silva, 2000) também distinguem três momentos para a manifestação da síndrome: 1º) as demandas de trabalho são maiores que os recursos materiais e humanos, o que gera um estresse laboral no indivíduo. Neste momento, o que é característico é a percepção de uma sobrecarga de trabalho; 2º) evidencia-se um esforço do indivíduo em adaptar-se e produzir uma resposta emocional ao desajuste percebido. Aparecem, então, sinais de fadiga, tensão, irritabilidade e até mesmo ansiedade. Assim, essa etapa exige uma adaptação psicológica do sujeito, que, uma vez não atendida, reflete no seu trabalho, reduzindo o seu interesse e a responsabilidade pela sua função; 3º) enfrentamento defensivo, ou seja, o sujeito produz uma troca de atitudes e condutas com a finalidade de defender-se das tensões experimentadas, ocasionando comportamentos de distanciamento emocional, retirada, cinismo e rigidez. apontassem algumas profissões, entre elas a docente, como mais propensas à exaustão, Golembiewski e outros (apud Barona, 2000) asseguram que a síndrome afeta todos os tipos de profissões e não somente as que exigem um envolvimento maior com a clientela. Todavia, não são os fatores organizacionais os únicos responsáveis pela instalação da síndrome. Conhecida na Psiquiatria como um transtorno adaptativo crônico, vários estudiosos têm observado que fatores de personalidade e ambientais também confluem para o desenvolvimento do fenômeno. Por outro lado, as falas dos professores analisados indicam que são inúmeros os motivos apresentados como causadores do mal-estar docente. Parece haver um consenso nas vozes dos professores de todos os lugares. Fazendo um resumo de todas as suas falas podemos dizer que os professores apontam as seguintes dificuldades: 1) Enfrentam uma gama constante de pressões das crianças, dos colegas, dos pais, dos políticos e administradores, muitas delas conflitantes e quase impossíveis de serem atendidas; 2) Os professores têm o desafio contínuo de manter o controle da classe; 3) Não têm limites claros de horário de trabalho; 4) Boa parte de seu trabalho é levada para casa, o que torna difícil desligarse no fim do dia; 5) Estão abertos a críticas de inspetores, pais, diretores, meios de comunicação e políticos; 6) Não dispõem de recursos e oportunidades suficientes para reciclagem regular e ampla de seus conhecimentos; 7) Paradoxalmente, espera-se que se mantenham atualizados com novos formatos e novos desenvolvimentos em sua matéria de ensino; 8) Dependendo do Diretor podem ter pouca voz ativa na administração da escola e na tomada de decisões; 9) Têm seu próprio senso de padrões profissionais e sofrem as frustrações decorrentes de não conseguir alcançá-los; 10) Têm o campo limitado para buscar conselhos ou discutir dificuldades com os colegas; 11) Têm dificuldades de lidar com as mudanças. Entretanto, além dos motivos acima, parece ser um consenso entre os autores analisados apontar certas reações às constantes mudanças das leis que regem a educação. Esteve (1999, p. 96) faz referência à síndrome como um sentimento de desencanto que afeta hoje muitos professores, quando comparam a situação de ensino há alguns anos atrás com a realidade cotidiana das escolas em que trabalham. Ainda que, inicialmente, as investigações Revista UniVap, v.10, n.18, 2003 29 Atribui esse autor esse sentimento de insegurança ao ceticismo e à recusa dos professores em relação às novas políticas educativas. Sob a luz das novas exigências, apontam Cox et al. (apud Travers e Cooper, 1997) mudanças radicais e demandas crescentes na atuação docente requerem o exame das atuais práticas, esperando ainda que os professores meçam o êxito dessas modificações avaliando-se e avaliando seus alunos, mudando, em conseqüência, suas práticas. Barefoot et al. (1989) observaram que professores suscetíveis se tornam mais propensos aos efeitos da síndrome. Analisando as reações naturais do ser humano diante do novo, Mahoney (apud Almeida, 2000) esclarece que há certas situações que forçam os seres humanos a desenvolver uma resistência que ela classifica como um mecanismo de defesa, uma reação do organismo à mudança, para preservar o EU, já que novas propostas sempre desestabilizam a experiência e o conhecimento prévio, e são, muitas vezes, vistas como ameaças à sua identidade. Isto parece indicar, conforme esclarece Fontana (1998, p. 284) porque algumas personalidades conseguem administrar bem o estresse: Entretanto, alguns professores, apesar de sujeitos às mesmas adversidades, parecem passar imunes a elas. Estudos feitos por Fontana (1986, 1998) mostram que professores que conseguem conviver ou superar as adversidades parecem pertencer a um tipo de personalidade cujas características psicológicas e outras características, como idade, gênero, educação, posição social e experiências passadas, levam a certas variações sobre a forma como avaliar uma situação estressante e que o grau de envolvimento com as situações estressantes varia em conseqüência da capacidade psicofísica de resistência de cada indivíduo. Também Krause e Stryker (1984), estudando tipos de personalidade e sua relação com o estresse, afirmam que os efeitos dos acontecimentos dependem, em grande parte, do efeito mediador das diferenças em suas respostas fisiológicas, psicológicas e sociais. Interessante notar como essa observação faz sentido, na análise que Hiebert e Farber (1984) fizeram em um estudo em várias escolas do Reino Unido. Os autores demonstraram que, embora o nível de estresse não variasse muito de escola para escola, variava amplamente dentro de cada uma delas, já que, enquanto para alguns professores os agentes estressantes eram desafios estimulantes, para outros surgiam como pressões devastadoras, o que justifica a afirmação de Fimian (1982) quando diz que a freqüência com que se produzem incidentes estressantes e sua força varia de professor para professor. Krause e Stryker (1984) falam ainda que nas pessoas que possuem alta resistência natural ou que forem hábeis em adaptar-se, o estágio de exaustão pode até não ser alcançado. 30 Kyriacou e Sutcliffe (1978) identificaram que o grau de estresse enfrentado por um professor depende dos mecanismos de defesa e da capacidade de controlar o elemento estressante e do grau em que o professor valoriza essa ameaça. Essas pessoas tentam mudar as coisas em direções desejáveis quando a mudança é possível. Começam primeiro conhecendo as coisas como elas são e depois trabalham de forma sensata de acordo com as oportunidades e limitações oferecidas. A idéia crucial conforme apontam Barefoot et al. (1989) é que um mesmo acontecimento que pode gerar implicações para um determinado tipo de indivíduo pode também nada gerar para outro que já conseguiu desenvolver algum tipo de estratégia para enfrentar os problemas. Dependendo, portanto, das características psicológicas de cada indivíduo, das exigências circunstanciais (intensidade e duração) e das experiências passadas, assim como das diferenças no processo de valorização de cada indivíduo, Hoover-Dempsey e Kendall (1982) dizem que alguns fatores podem tornar real um elemento, uma característica potencialmente estressante. Tal definição é defendida também por Fierro (1983, p. 287) quando afirma que: uma vez submetidos a iguais ou parecidas demandas, alguns docentes chegam literalmente a enfermar e outros não. Para explicar essa diferença, surge, espontaneamente, a invocação de fatores de personalidade. Que caminho tomar, então, para minimização da problemática? O primeiro passo para identificar ou desenvolver estratégias de enfrentamento da síndrome é, segundo Dunham (1992, apud Travers e Cooper, 1997) e Kyriacou (2001), reconhecer sua existência no ensino sem associála a alguma debilidade pessoal ou incompetência profissional. Algo semelhante apresenta Penin (1985, p. 170) quando fala que é na reflexão da situação global e na compreensão de cada ocupação dentro do contexto social que cada indivíduo ou categoria ocupacional Revista UniVap, v.10, n.18, 2003 instrumentaliza-se para ´ultrapassar´ as condições objetivas impostas. Tanto para Fontana (1998) quanto para Meleiro (2002), Almeida (2000), Esteve (1999), Kyriacou (2001), Hargreaves (1999), Kelchtermans e Srittmatter (1999), Brock e Grady (2000), Jesus (2001), Tavares (2001), entre outros estudiosos que defendem o mesmo ponto de vista, o apoio e o incentivo de pessoas envolvidas na mesma tarefa, com um entendimento das dificuldades mútuas, são recursos sugeridos para ajudar o professor a se sentir menos abandonado, menos exposto. É essencial conversar com colegas e diretores e informar os outros sobre o momento difícil que se está atravessando, pois é com o apoio e a solidariedade dos colegas e amigos que o mal-estar deve ser tratado. É por isso que, para Almeida (2000), sentir-se aceito, valorizado, ouvido com suas experiências, percepções, sucessos e insucessos, faz com que a ameaça seja diminuída, tornando a pessoa mais aberta à nova experiência. Fontana (1998, p. 410) à semelhança de outros estudiosos sugere ainda que o professor mantenha as ansiedades da vida profissional cotidiana numa melhor perspectiva e que seja mais realista em suas expectativas e em seus julgamentos do que é possível e do que é impossível em qualquer situação. Propõe o desenvolvimento de “estratégias de distração”, participando de atividades agradáveis que afastem a mente do problema e aumentem a sensação de controle pessoal, ao invés das atitudes comuns provenientes das “estratégias de ruminação” (falar ou pensar repetitivamente sobre como as coisas são difíceis) ou das “estratégias negativas de enfrentamento da realidade” (adotar comportamentos escapistas perigosos, como bebida e drogas, agitação física, ou agressividade com os outros). Acreditando na capacidade de cada indivíduo superar as próprias adversidades, a análise de comportamentos dos indivíduos - no caso professores que conseguem superar as adversidades mesmo sujeitos às mesmas dificuldades que seus colegas, nos levou a identificar a resiliência como a característica presente nesses professores para conviverem com as dificuldades inerentes à profissão sem se deixarem abater pelo malestar e muito menos se envolverem pelos agentes estressantes profundos que desencadeiam a síndrome de burnout. A resiliência tem sido aplicada à educação principalmente nos Estados Unidos e Europa e ainda é pouco difundida no Brasil. A resiliência tem sido, na atualidade, tema de estudo e projetos em diversos organismos governamentais e privados. Particularmente está sendo vista - quando aplicada à educação - como Revista UniVap, v.10, n.18, 2003 um novo espaço, segundo Tavares (2001), de estudo e reflexão, para atender às necessidades que o mundo em transição está a exigir. A Psicologia Social, na visão de Grotberg (1995) define resiliência como a capacidade universal que permite uma pessoa, um grupo ou uma comunidade, prevenir, minimizar ou superar os efeitos nocivos da adversidade. É um conceito novo que Tavares (2001, p. 43) reconhece como tradutor de uma realidade antiga em que a pessoa humana e as suas mais diversas organizações se refletem em sua própria essência como seres inteligentes, livres, responsáveis, tolerantes, justos, cordiais, mostrando-nos, assim, o seu verdadeiro rosto. Ao resgatar o pressuposto rogeriano de que as pessoas possuem dentro de si mesmas os recursos para a auto-compreensão e para a modificação de seu auto-conceito, de suas atitudes e, conseqüentemente, de seus comportamentos e que estes recursos podem ser ativados, se houver um clima psicológico facilitador, Almeida (2000, p. 78) confirma a existência desse potencial em cada indivíduo. É nesse sentido que a resiliência nos possibilita ter outra visão do mundo em que vivemos e isso implica, naturalmente, mudanças pessoais, já que novas formas de conhecer, aprender, de ser e estar são exigidas de todos nós, mostrando que tanto a educação quanto a formação de cidadãos precisam ser revistas e processadas de forma diferente dos moldes atuais. E, assim, Tavares (2001) complementa que a resiliência passa a ser o caminho que nos conduz a esse grande desafio de mudar a nós mesmos, sendo mais flexíveis, desenvolvendo a reflexibilidade, cedendo espaço para o novo, abrindo-se para mudanças profundas que exigem até mesmo o desaprender de coisas inúteis para poder empreender, agir e resistir, sem quebrar, ou seja, no meio das mais diversas contrariedades que a vida nos imponha, saber ser, comunicar, estar e sobreviver. As constantes mudanças do mundo atual, conforme cita Placco (2001, p. 7) em que a competição e a busca por espaços profissionais e pessoais se torna mais acirrada, em que as expectativas externas se chocam com as possibilidades reais de realização do sujeito exigem que este sujeito seja formado e 31 autoformado para se preservar psicologicamente, para reagir, para ordenar seu mundo, suas necessidades, suas prioridades, seus desejos, suas ações, de modo a não se deixar sobrepujar por contingências e circunstâncias a que não possa, em dado momento e em determinadas situações, controlar e dar as respostas exigidas. Assim, ainda de acordo com Tavares (2001, p. 48) a formação do cidadão da sociedade emergente deverá possibilitar o desenvolvimento de estruturas de resiliência, ou seja, de mecanismos físicos, psíquicos, sociais, éticos, religiosos que o tornem mais resiliente, menos vulnerável e que lhe permitam ser um agente (...) eficaz na transformação e otimização da sociedade em que vive. Por isso corroboramos a proposta de Giacon (2001) que defende a inserção, nos currículos de formação de professores, de estudos sobre essas transformações, sugerindo o desenvolvimento do ego resiliente como forma de prevenção da síndrome. Também Castro (2001, p. 117), inquieta como educadora e formadora de professores, destaca essa necessidade como uma adequação às novas exigências do ensino, já que o pessoal docente, em especial os iniciantes nessa atividade encontram-se freqüentemente desarmados em face das tarefas e situações rotineiras da prática pedagógica. A ausência dessa adequação é a mola propulsora dos problemas do cotidiano escolar, perpassando por situações iniciais de estresse e desencadeando, posteriormente, a síndrome de burnout, já que pouco tem sido feito, pelo menos no Brasil, para ajudar os professores a conviver com essas adversidades, o que gera frustração e desconcerto, principalmente, conforme nos adverte Castro (2001, p. 117). nos professores principiantes, que enfrentam os problemas educativos com uma bagagem de conhecimentos, estratégias e técnicas que lhes parecem inúteis nos primeiros dias da sua atividade profissional. 5. CONCLUSÕES Conforme observado, a síndrome de burnout continua a despertar o interesse de pesquisadores, principalmente na última década, tendo em vista o crescente número de professores vitimados, da préescola à universidade. A seleção de pesquisas realizadas 32 em diversos países mostra que as dificuldades apresentadas pelos professores parecem fazer parte do cotidiano escolar de todos os professores independente do lugar onde atuem. Hoje, já se pode estudar os resultados de pesquisas em diversos países pelo mundo entre diversas culturas e fazer uma análise entre as essas dificuldades, suas respostas, seu ambiente de trabalho, suas reações, bem como as ações aplicadas na sustentação, orientação e adaptação, transformando suposições em modelos teóricos que possam servir de base para pesquisas futuras. Tendo em mente que não há soluções simples para o fenômeno dentro do complexo educacional, acreditamos que essas estratégias propostas podem ajudar a criar um ambiente mais saudável em nossas escolas. O grande exemplo de professores resilientes está sendo dado continuamente. Caminhos para o desenvolvimento de atitudes resilientes também têm sido sugeridos pelos estudiosos. Um trabalho de maior abrangência, por parte dos gestores escolares para ajudar os professores vitimados a superarem suas dificuldades desenvolvendo um outro olhar para as circunstâncias, ajudaria no resgate da auto-estima desses profissionais e a melhorar suas atuações dentro da escola e na sociedade. É aí que a resiliência entra para exercer o papel de desenvolver essa capacidade, nessa sociedade emergente. E dado seu potencial, aplicá-la à Educação e à Psicologia da Educação, ainda citando Placco (2001), vem preencher uma necessidade significativa no Brasil. Tais mudanças passam pela revisão dos métodos e processos de ensino-aprendizagem, de formação, de educação, seus conteúdos e meios. E implicam, acima de tudo, mudanças pessoais, preparar os professores para atuar e conviver em um mundo em transformação. Dessa forma, as causas da síndrome de burnout, atribuídas por muitos autores à dificuldade de se adaptar a esse mundo em transição, que De Masi (2002, p. 14) chama de “cultural gap”, justificando que fenômenos dessa natureza têm reminiscências antropológicas e psicológicas, já que todos nós formamos nossa personalidade em certa época e vivemos a seguinte com a mentalidade do passado, exigem uma nova revisão, que certamente não pode desprezar o fator resiliência como um caminho para a superação ou prevenção desse mal-estar. Obs.: 1) Este artigo está baseado na dissertação desenvolvida com o apoio da CAPES: O mal-estar docente: das chamas devastadoras (burnout) às flamas da esperança-ação (resiliência). Revista UniVap, v.10, n.18, 2003 2) Todos os grifos são nossos. 3) Orientadora: Profª Drª Marli Elisa Dalmazo Afonso de André. ____________. Teaching and personality. Oxford, Basil Blackwell, 1986. 6. REFERÊNCIAS FRANÇA, A. C. L.; RODRIGUES, A. L. 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Trabalhamos com dados coletados em pesquisa por nós realizada em dois bairros periféricos da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, marcados pela violência, pela distância em relação aos centros de produção e consumo do núcleo da metrópole e por péssimas condições habitacionais. Verificamos através dos dados que expomos no decorrer do texto que mesmo as situações extremas de pobreza coletiva não homogeneizam estes dois agrupamentos raciais do ponto de vista das performances educacionais, de ocupação e de renda. Palavras-chave: Pobreza, relações raciais, performances sociais. Abstract: This article intends tot compare the differences in employment and education between two racial groups - African-Brazilians and whites - living in poverty urban areas . We worked with data collected in our researches in two suburban areas of Greater Rio de Janeiro. The areas are marked by violence, distance from production and consumption centers and feature very poor housing facilities. The analysis shows that even extreme poverty does not level these two different racial groups regarding educational performances, employment and income. Key words: Poverty, racial relations, social performances. 1. INTRODUÇÃO O objetivo deste artigo é discutir as desigualdades ocupacionais e educacionais entre brancos e afrodescendentes em um contexto específico. Mais precisamente, trabalhamos com dados coletados em pesquisa por nós realizada em dois bairros periféricos da Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Pretendemos demostrar que mesmo situações extremas de pobreza coletiva não homogeneizam estes dois agrupamentos raciais do ponto de vista das performances sociais em geral e ocupacionais em particular, que podem ser alcançadas. Estes dados acima referidos foram coletados em julho de 2000, através de questionários sócio-econômicos aplicados em uma amostra de 400 domicílios de um grande bairro da periferia de São Gonçalo-RJ e na totalidade dos 292 domicílios de um pequeno bairro da periferia de Itaboraí-RJ. Ambos são municípios que concentram uma * Professor adjunto da ESS e professor e pesquisador do PENESB da UFF. Revista UniVap, v.10, n.18, 2003 população com características sócio-econômicas que, estatisticamente, perfazem índices piores que os do conjunto do Estado do Rio de Janeiro, seja na renda dos moradores ou na infra-estrutura urbana. São municípios, também, com alto índice de violência: Itaboraí era em 1997 o segundo município do Estado do Rio de Janeiro em mortes por causas externas por 100.000 habitantes, e São Gonçalo era o 12º, ainda na frente da cidade do Rio de Janeiro. Itaboraí e São Gonçalo herdam a pobreza econômica que caracteriza o antigo Estado do Rio de Janeiro. Ambos são também área de expansão urbana do conjunto da metrópole desde os anos 1970. Neste sentido, apresentam elevada taxa de crescimento entre 1970 e 2000, bem acima daquela alcançada pelo conjunto do Estado do Rio de Janeiro, o que parece apontar para a existência de periferias ainda abertas, passíveis de receber populações pobres que se deslocam de outras áreas da Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Além disto, em artigo recente, Valladares & Preteceille (2000) fazem uma classificação de setores censitários a partir de uma tipologia de urbanização, na qual o pior tipo seria aquele onde somente ¼ dos domicílios tem acesso à água encanada, há quase 35 nenhuma cobertura sanitária básica e somente cerca de ¼ de domicílios tem coleta de lixo. Em 1991, na cidade do Rio de Janeiro, dos 1117 setores censitários considerados “favela” pelo IBGE, somente 3,13% estavam neste pior tipo. Já em Itaboraí, de seus 190 setores censitários (e nenhum destes era considerado “favela” pelo IBGE), 81,57% estavam neste pior tipo. Em São Gonçalo a situação era menos drástica, porém muito abaixo daquela do núcleo da metrópole: dos 679 setores censitários (e também aqui o IBGE não considerava a existência de qualquer “favela” neste município) 16,49% estavam neste pior tipo. e de forma mais sistemática a partir daí. Os territórios onde hoje se localizam Itaboraí e São Gonçalo foram povoados logo após a fundação da cidade do Rio de Janeiro, quando as terras no entorno da Baía de Guanabara foram doadas como sesmarias. Assim, ainda em tempos coloniais estes espaços foram abarcados pelo chamado ciclo da cana-de-açúcar, que espalhou esta cultura pelo litoral do Brasil. Antes, porém, de passar à exposição destes dados, faz-se necessário discutir de forma introdutória alguns elementos que a literatura recente acerca das relações raciais no Brasil tem apontado em relação à interpenetração entre a escolaridade, a situação ocupacional e a mobilidade social da população negra. No século XX, Itaboraí aderiu à fruticultura, com destaque para a produção de laranja, e entrou em novo ciclo de atividade canavieira. Com a crise da agricultura nos anos 1950 no Estado do Rio de Janeiro, o esvaziamento econômico redundou na utilização das terras para fins de loteamento e moradia. São Gonçalo segue em traços gerais este mesmo caminho de desenvolvimento com uma exceção: a proximidade direta com a cidade de Niterói, capital do antigo Estado do Rio de Janeiro, possibilitou um maior desenvolvimento do setor de serviços e a atração de capitais industriais. Assim, até a década de 1960 o município possuía um parque industrial – ainda que de pequeno porte. Esta incipiente industrialização, no entanto, entra em crise a partir desta década e, hoje, São Gonçalo concentra indústrias basicamente no ramo de beneficiamento de produtos da pesca. A história agrícola repete sem maiores variações a do município de Itaboraí, porém com especialização única na citricultura. As áreas de ambos os municípios que foram escolhidas para o estudo mais detalhado têm algumas características básicas: precariedade ao nível de serviços de infra-estrutura urbanos; distância em relação aos centros administrativos e comerciais da metrópole e precariedade das ações públicas de saúde e educação. Assim, trabalhamos com um bairro de aproximadamente 40.000 domicílios situado em São Gonçalo e outro com 292 domicílios, situado em Itaboraí. Ambos foram, até os anos 50, áreas de produção de citricultura e nesta década são loteados. O primeiro é ocupado já intensamente neste momento. O segundo é ocupado com ritmo mais lento até o início dos anos 1970 36 No total de 692 questionários aplicados, entre vários outros elementos, procuramos levantar dados que nos dessem a compreensão das relações entre a “cor” (1) ou raça (2) e a performance dos chefes e cônjuges entrevistados no que tange à escolaridade e à ocupação. Os dados coletados, depois de organizados, foram analisados e nos mostraram diferenças importantes entre brancos e afro-descendentes que habitavam aquelas mesmas áreas periféricas de concentração de pobreza metropolitana. 2. CHANCES NEGADAS: RAÇA, ESCOLARIDADE E MOBILIDADE SOCIAL NO BRASIL Em estudo recente, Pastore e Silva (2000) afirmam que a lógica da mobilidade social no Brasil sofreu uma substancial mudança entre 1976 e 1996. Desde os anos 1950 até a década de 70, predominava entre nós o que podemos denominar como “mobilidade estrutural”, que se relaciona diretamente a alterações na composição do mercado de mão-de-obra. O intenso processo de migração rural-urbana que o país atravessou desde a metade do século XX, com a conseqüente explosão populacional das áreas metropolitanas, aliado à recomposição na agricultura nacional, fez com que a ocupação rural diminuísse enormemente seu potencial de absorção de trabalhadores, enquanto as ocupações urbanas cresciam. No período que vai de 1976 até 1996, a mobilidade social passa a ser de matriz mais “circular”. Não ocorrem alterações significativas no equilíbrio do emprego rural e urbano e na migração campo cidade (esta começa a arrefecer já nos anos 1970). A crise dos anos 1990, em conjunto com a forma de operação econômica movimentada pelo Estado brasileiro nesta década, provoca a expansão do desemprego e do trabalho precário, que potencializam a competição no mercado de trabalho. Neste sentido, o peso de variáveis como qualificação e escolaridade da mão-de-obra também aumentam. Pastore e Silva (2000) investigam como os processos de mobilidade social neste período se diferenciam por “cor”. Para os autores, a faixa de escolaridade e o status ocupacional do pai aparecem como fatores fundamentais que condicionam a escolaridade e o status ocupacional do filho. A concentração de afroRevista UniVap, v.10, n.18, 2003 descendentes em patamares inferiores de escolaridade sobredetermina, portanto, a situação desprivilegiada deste grupo racial no conjunto das posições de ocupação e renda e, conseqüentemente, impacta suas possibilidades de mobilidade social ascendente. Para esta investigação os autores agregam as mais de 300 categorias ocupacionais definidas pela PNAD/ IBGE em 6 grupos assim definidos: Baixo-inferior (trabalhadores rurais não qualificados - pescadores, agricultores autônomos etc); Baixo-superior (trabalhadores urbanos não qualificados - empregados domésticos, ambulantes, trabalhadores braçais, serventes, vigias etc); Médio-inferior (trabalhadores qualificados e semiqualificados - motoristas, pedreiros, mecânicos, carpinteiros etc); Médio-médio (trabalhadores nãomanuais – auxiliares administrativos, profissionais de escritório, pequenos proprietários etc); Médio-superior (profissionais de nível médio e médios proprietários administradores e gerentes, encarregados, chefes no serviço público etc); Alto (profissionais de nível superior e grandes proprietários - empresários, professores de ensino superior, advogados, médicos, oficiais militares etc). Investigando, a partir dos dados da PNAD de 1996, os homens entre 35 e 49 anos por “cor” ou raça, os autores verificam que as rotas médias de mobilidade entre brancos e afro-descendentes são idênticas até o tipo Médio-inferior. A partir deste ponto, enquanto os filhos de brancos em maioria se mantêm sempre no mesmo grupo ocupacional do pai, os filhos de afro-descendentes em maioria caem para grupos ocupacionais inferiores. Mais precisamente, os filhos de pais brancos que atuavam no tipo Médio-médio ficam em maioria neste mesmo tipo; já os filhos de pais afro-descendentes que atuavam neste tipo, aparecem em maioria no tipo Médio-inferior. A mesma coisa se verifica nos tipos Médio-superior e Alto. A maioria dos filhos de pais brancos mantêm a posição ocupacional respectiva, e a maioria dos filhos de pais afro-descendentes fica na categoria ocupacional Médioinferior. permanecem ou migram para o tipo Alto. Já entre os filhos de pais pretos, estes são 30,75% e entre os filhos de pais pardos 35,95%. Ou seja, pretos e pardos que possuem pai em grupo de status ocupacional Alto têm muito mais possibilidades que os brancos de uma mobilidade social descendente. Tomando os dados da PNAD de 1996 de forma mais “fotográfica”, Pastore e Silva (2000, p. 88) afirmam, que nesta data, estavam nos tipos Baixo-inferior e Baixosuperior 36,4% dos brancos, 48,4% dos pretos e 53,7% dos pardos. Já nos tipos Médio-inferior, Médio-médio e Médio-inferior estavam 54,9% dos brancos, 49,4% dos pretos e 44,5% dos pardos. Por último, no grupo Alto, estavam 8,7% dos brancos, 1,9% dos pretos e 2,2% dos pardos. Tais diferenças se relacionam diretamente com as performances de escolaridade. Como mostram Pastore e Silva (2000, p. 93), 64,8% dos filhos de pais brancos do tipo Alto chegam à 12 anos e mais de escolaridade. Entre os filhos de afro-descendentes com a mesma posição ocupacional, somente alcançam os 12 anos e mais de estudos 24,3%. Na outra ponta, entre os filhos de brancos do grupo ocupacional Baixo-superior, um total de 19,8% chega aos 12 anos e mais de estudos. Já entre os filhos de afro-descendentes somente 6,7% chegam a este patamar de escolaridade. Assim, os autores concluem que “... o núcleo duro das desvantagens que pretos e pardos parecem sofrer se localiza no processo de aquisição educacional” (Pastore e Silva, 2000, p. 96). A contundência destes dados merece que os vejamos de forma numérica. Em 1996, considerando a amostra citada acima, enquanto somente 29,04% dos filhos de brancos do tipo Baixo-inferior estão neste tipo ou no tipo Baixo-superior, entre os filhos de pardos esta taxa é de 35,71 %, chegando a 39,24% entre os filhos de pretos. Por último, é importante lembrar ainda que, como mostrou recentemente Henriques (2001), as políticas universais de aumento da cobertura educacional não conseguiram diminuir a histórica diferença entre os anos médios de escolaridade de brancos e afro-descendentes. Em 1999 os primeiros, com 25 anos de idade, tinham 8,4 anos de estudos em média; os afro-descendentes na mesma idade tinham 6,1. Apesar do aumento dos anos médios de estudos dos dois grupos raciais durante o século XX, esta diferença de 2,3 anos, no entanto, se mantém praticamente inalterada a partir de 1929 (Henriques, 2001, p. 27). Na outra ponta, 38,54% dos filhos de pai do tipo Alto permanecem neste tipo quando adultos. Entre os filhos de pretos, estes são 18,18% e entre os filhos de pardos 17,89%. No que tange ao tipo Médio-superior, 51,73% dos filhos de pais brancos deste grupo aí Mesmo considerando somente a década de 1990, os afro-descendentes apresentam, em todos os anos e em todos os segmentos de ensino, performances de desempenho inferiores aos brancos. Assim, em 1999, 8% dos negros situados na faixa etária entre 15 e 25 anos são Revista UniVap, v.10, n.18, 2003 37 analfabetos, enquanto os brancos na mesma faixa são somente 3%. A ausência da escola, no período de 7 a 13 anos de idade, atinge 5% das crianças afro-descendentes e 2% das crianças brancas. Já na faixa entre 18 e 23 anos, enquanto 63% dos brancos não chegaram a completar o ensino secundário; este percentual entre os afrodescendentes é de 84%. Tomando agora a faixa entre 18 e 25 anos de idade, 11% dos jovens brancos haviam chegado ao ensino superior; entre os afro-descendentes estes são somente 2%. As agregações de dados quantitativos com as quais os estudos de Pastore e Silva (2000) e Henriques (2001), citados acima, trabalham, têm como escopo o conjunto das áreas investigadas pela PNAD do IBGE. Trata-se de pesquisa amostral, que procura mapear a realidade nacional. Neste sentido, alguém pode se sentir tentado a dizer que as diferenças de status ocupacional e de escolaridade média entre brancos e afro-descendentes poderiam ser resumidas na diferença de presença destes segmentos nos contingentes pobres da população, o que realimentaria as diferenças de performance a partir daí. Se de fato a pobreza brasileira é muito mais negra do que branca, como aponta de forma cristalina o estudo de Henriques (2001), pretendemos mostrar, a partir de dados empíricos por nós coletados, que mesmo entre grupos populacionais que habitam áreas extremamente pobres e degradadas que compõem uma malha metropolitana, é possível identificar diferenças que refletem uma situação pior para os negros. Assim, se podemos dizer que, em escala nacional, os negros estudam menos do que os brancos porque – entre outras variáveis – são mais pobres do que estes, os dados que coletamos nos dizem que, mesmo entre segmentos populacionais homogeneamente pobres, onde brancos e negros dividem as mesmas ruas sem calçamento e com esgoto a céu aberto, na mesma e degradada periferia, os mecanismos da desigualdade racial operam mantendo os índices de escolaridade e ocupação dos pobres negros em patamares piores que os dos pobres brancos. 3. A CLIVAGEM RACIAL EM MEIO À POBREZA METROPOLITANA Na população total da região Metropolitana do Rio de Janeiro, em 1991, os afro-descendentes eram 44,99% dos habitantes. No município do Rio de janeiro, núcleo desta metrópole, este grupo racial era nesta data 38,59% da população residente. Já na periferia da metrópole, a concentração de afro-descendentes começa a subir: 49,47% da população de São Gonçalo e 59,76% da população de Itaboraí neste ano. Trata-se de um contínuo de segregação espacial que se abate sobre a população afro-descendente e que não para por aí. Nos bairros periféricos que estudamos, áreas mais pobres que os pobres municípios onde se situam, a configuração racial dos chefes e cônjuges é a seguinte: Tabela 1 – Cor ou raça de chefes e cônjuges entre a população pesquisada Cor ou raça Bairro da periferia de São Gonçalo Nº % Bairro da periferia de Itaboraí Nº % Branco Preto Pardo SI* 286 102 295 8 41,39 14,76 42,69 1,16 174 61 279 0 33,85 11,87 54,28 0 Total 691 100 514 100 * Sem identificação Como vemos na Tabela 1, a distribuição por “cor” ou raça dos 1205 chefes de família e cônjuges, que pertencem às famílias pesquisadas em julho de 2000 num bairro da periferia de São Gonçalo e em outro da periferia de Itaboraí, é diferente daquela que o próprio IBGE apontava para o conjunto da população residente nestes municípios em 1991. Tínhamos, neste ano, para São Gonçalo, 49,91% de brancos, 39,78% de pardos, 9,69% de pretos, 0,03% de amarelos, 0,06% de indígenas e ainda 0,20% de não declarantes (o que configurava uma população negra ou afro-descendente de 49,47%). Já na 38 área pesquisada deste município não encontramos no ano 2000 nenhum chefe ou cônjuge amarelo ou indígena; enquanto isto, os brancos eram 41,39%, os pardos 42,69%, os pretos 14,76 e os não declarantes 1,16% (o que configura entre os chefes e cônjuges um percentual de 57,45% negros ou afro-descendentes). É interessante verificar que, mesmo no âmbito deste bairro periférico, há diferenças de alocação da população por “cor” ou raça. Na tabela acima vemos o total de chefes e cônjuges por “cor” ou raça, compreendiRevista UniVap, v.10, n.18, 2003 municípios, e ainda cresce quando observamos as áreas mais destituídas de infra-estrutura urbana dentro destes bairros pobres. dos nas 5 áreas em que dividimos este bairro para fins de aplicação dos questionários sócio-econômicos. Como vimos nesta tabela, os brancos são 41,39% da população de todas as áreas e os afro-descendentes 57,45%; no entanto, se tomarmos a área 1, que entre as 5 possui o maior número de ruas urbanizadas e que está recebendo um conjunto de melhoramentos urbanísticos por parte do Governo do Estado do Rio de Janeiro, veremos que os chefes e cônjuges brancos são 46,94% e os chefes e cônjuges afro-descendentes são 51,02%. Já na área 4, que tem a pior caracterização urbanística dentre estas 5 áreas do bairro, os chefes e cônjuges brancos são somente 28,44%, enquanto os afro-descendentes chegam ao enorme montante de 68,81%. Tomemos agora o bairro periférico de Itaboraí, que também estudamos. O IBGE apontava, para 1991, uma distribuição racial da população residente neste município que configurava 39,58% de brancos, 49,19% de pardos, 10,57% de pretos, 0,02% de amarelos, 0,10% de indígenas e ainda 0,20% de não declarantes (o que totaliza uma população afro-descendente de 59,76%). Em 2000, entre os chefes e cônjuges no bairro periférico pesquisado, não encontramos amarelos ou indígenas; os brancos eram 33,85%, os pardos 54,28% e os pretos 11,87% (o que configura entre os chefes e cônjuges um percentual de 66,15% afro-descendentes). Por isto nos referíamos acima a um contínuo de segregação espacial por raça. O percentual de afrodescendentes na população vai crescendo quando nos afastamos do núcleo da metrópole e chegamos aos municípios periféricos; aumenta ainda mais quando chegamos aos bairros mais pobres e afastados destes As duas tabelas abaixo mostram a escolaridade alcançada pelos chefes e cônjuges de ambos os bairros periféricos estudados. Tabela 2 - Escolaridade de chefes e cônjuges da população pesquisada, por “cor” ou raça, no bairro da periferia de São Gonçalo Cor ou raça Escolaridade Analfabeto Ensino fundamental incompleto Ensino fundamental completo Ensino médio incompleto Ensino médio completo e mais SI* Total Brancos % 9 120 60 9 35 16 249 Negros 3,61 48,19 24,10 3,61 14,06 6,43 100% 15 221 61 7 37 16 357 % 4,20 61,90 17,09 1,96 10,36 4,48 100% * Sem identificação Tabela 3 - Escolaridade de chefes e cônjuges da população pesquisada, por ”cor” ou raça, no bairro da periferia de Itaboraí Cor ou raça Escolaridade Brancos % Negros % Analfabeto Ensino fundamental incompleto Ensino fundamental completo Ensino médio incompleto Ensino médio completo e mais 18 107 21 7 17 10,34 61,49 12,07 4,02 9,77 49 227 25 8 30 14,41 66,96 7,35 2,35 8,84 Total 170 100% 339 100% Alguns elementos das tabelas acima devem ser ressaltados. Primeiro, a taxa de analfabetismo de chefes e cônjuges é menor entre brancos do que entre os negros em ambos os bairros periféricos. Além disto, chefes e Revista UniVap, v.10, n.18, 2003 cônjuges afro-descendentes são mais presentes na escolaridade relativa ao ensino fundamental incompleto do que os brancos e sempre menos freqüentes a partir daí, em ambos os bairros periféricos que investigamos. 39 Somando os chefes e cônjuges que não chegaram a acessar o ensino médio, temos no bairro periférico de São Gonçalo 75,90% de brancos e 83,19% de negros, no bairro periférico de Itaboraí encontramos respectivamente 83,91% de brancos e 88,72% de negros. Trata-se – no caso dos moradores em geral de ambos os bairros – de uma população homogeneamente desprovida dos requisitos educacionais necessários para a luta pelos melhores lugares do mercado de trabalho metropolitano, principalmente nestes tempos de globalização produtiva, informatização e requisitos de alta produtividade. Apesar disto, os negros entram ainda de forma mais desfavorável nesta competição. No que tange ao desemprego e ao subemprego dos chefes de família, encontramos também uma relativa clivagem racial. Não foi possível mapear a soma de desempregados e subempregados no bairro da periferia de São Gonçalo. Fizemos um tal mapeamento somente para o bairro estudado na periferia de Itaboraí. Trabalhamos com o critério de autodefinição do entrevistado acerca de sua situação ocupacional e agregamos os desempregados e aqueles que se denominavam como “fazendo biscates”. Assim, encontramos os números abaixo: Tabela 4 - PEA e desemprego entre os chefes de família por cor ou raça no bairro da periferia de Itaboraí Situação ocupacional PEA Desempregados/ fazendo biscates Cor % Total % % % desemprego Branco Preto Pardo desemprego desemprego desemprego 75 32 109 216 19 25,33% 10 Vale ressaltar, de início, que este índice de desemprego expressa a situação de miséria e destituição deste bairro. Apesar de todos os problemas que a metodologia para mensuração do desemprego utilizada pelo IBGE carrega (Brandão, 2002), devemos lembrar que este instituto apontava para a Região Metropolitana do Rio de Janeiro, no mesmo mês em que aplicamos os questionários naqueles dois bairros (julho de 2000), uma taxa da ordem de 5,44%. Se a taxa que os chefes brancos residentes neste bairro apresentam já é muito mais alta que esta, a taxa dos pretos e pardos em conjunto, que chegava a 36,17%, a suplanta em quase 11 pontos percentuais. Há também significativas diferenças no que tange à distribuição ocupacional de chefes e cônjuges, nestes dois bairros de concentração de pobreza urbana. De início entre a área melhor urbanizada (que concentra menor índice de afro-descendentes) e a área pior urbanizada (que concentra maior índice de afro-descendentes) do bairro da periferia de São Gonçalo, já encontramos uma disparidade relativa ao montante de ocupados sob as situações tendencialmente mais precárias. No conjunto deste bairro, 3 ocupações somam 41,47% do total da população ocupada, são estas: “trabalhador em obras e na construção civil”, “trabalhador doméstico” e “comerciário”. Na área pior urbanizada, estas 3 categorias reúnem 41,89% dos ocupados, enquanto na área melhor urbanizada somente 30,93% estão alocados nestas ocupações. Do ponto de vista da separação estritamente racial, 40 31,25% 41 37,61% 70 32,40% os chefes de família ocupados nestas três categorias acima são 29,41% dos chefes brancos e 30,99% dos chefes afro-descendentes. Se isolarmos somente a categoria “trabalhador doméstico”, veremos que enquanto estes são 13,96% da amostra do total das 5 áreas pesquisadas, são 10,31% dos ocupados da amostra da área 1 e nada menos que 20,27% dos ocupados na amostra da área 4. Ainda na perspectiva racial, encontramos 3,36% de chefes brancos como empregados domésticos e 11,11% de chefes negros nesta situação. Neste mesmo bairro, se isolarmos também as categorias sócio-ocupacionais que podemos muito amplamente denominar de subproletariado (3), ou seja os “empregados domésticos”, os “ambulantes” e os “biscateiros”, veremos que do total de chefes e cônjuges brancos, 9,24% estão aí ocupados, enquanto os afrodescendentes seriam 16,37%. Tomando somente os chefes de família, entre os que estão ocupados como “trabalhador de obras e da construção civil”, encontramos 19,40% dos brancos e 32,35% dos afro-descendentes. Já no bairro da periferia de Itaboraí, as ocupações “trabalhador em obras e na construção civil”, “trabalhador doméstico” e “comerciário” somam 45,43% da população ocupada, mas somente 38,80% dos chefes de família brancos ocupados e 51,47% dos chefes de família negros ocupados. Revista UniVap, v.10, n.18, 2003 Já os chefes de família, que pertencem ao subproletariado, são 19,40% dos brancos e 20,58% dos negros. Se desagregarmos os empregados domésticos, veremos que estes são 13,43% dos chefes brancos e 15,09% dos afro-descendentes. Os “trabalhadores em obras e na construção civil”, por sua vez, também reúnem um percentual maior dos chefes de família afro-descendentes (32,55% destes) do que dos chefes de família brancos (19,40% destes). No subproletariado encontramos diferenças pequenas, mas ainda uma situação pior para os afrodescendentes: 19,40% dos chefes brancos estariam neste grupo, contra 20,58 dos chefes negros. Como derivação dos dados até aqui apresentados, encontramos também uma clivagem racial no que tange à renda destes chefes de família marcados pela pobreza metropolitana. Vejamos a tabela abaixo: Tabela 5 - Renda individual dos chefes de família, por cor ou raça, nos dois bairros periféricos estudados Renda em salários mínimos Brancos % Negros % até 2 s + de 2 s SI* 70 63 23 44,87 40,38 14,74 109 79 22 51,90 37,61 10,48 Total 156 100 210 100 Bairro da periferia de São Gonçalo Bairro da periferia de Itaboraí Brancos % Negros % 56 58,33 34 35,41 6 6,25 132 67,34 54 27,55 10 5,19 96 196 100 100 * Sem identificação Como podemos verificar, os chefes de família afrodescendentes de ambos os bairros se encontram mais presentes que os brancos na faixa de renda individual até 2 salários mínimos mensais, e menos presentes na faixa acima de dois salários mínimos mensais. Vemos ainda que, em geral, a renda individual dos chefes de família é mais alta no bairro da periferia de São Gonçalo; no entanto, é no ainda mais pobre bairro da periferia de Itaboraí que as diferenças entre os dois agrupamentos raciais se configuram ainda maior nesta variável. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Para finalizar, queremos somente ressaltar que a clivagem racial encontrada nestes espaços periféricos de concentração de pobreza na Região Metropolitana do Rio de Janeiro “salta” dos números apresentados acima. Em um dos bairros pesquisados o contínuo de segregação espacial a partir da raça se mostra em detalhes. Trata-se do bairro da periferia de São Gonçalo, que é internamente heterogêneo no que tange à urbanização. Neste, vemos também a heterogeneidade na concentração racial dos moradores. A sua área mais degradada do ponto de vista da infra-estrutura urbana (a área 4) concentra um percentual muito maior de chefes e cônjuges afrodescendentes do que o conjunto das cinco áreas que compuseram a amostra. Já a área melhor urbanizada (a área 1) é a que concentra o menor percentual destes. No mesmo movimento encontramos na área 4 as piores Revista UniVap, v.10, n.18, 2003 condições no que tange à questão do esgoto, da coleta de lixo e da iluminação pública. Nesta área 4, onde os chefes e cônjuges afro-descendentes são 68,81%, encontramos ainda as menores taxas de escolaridade dos maiores de 14 anos e a maior proporção relativa de ocupados naquelas atividades mais desqualificadas do mercado de trabalho metropolitano. Para além desta diferença entre as áreas que compõem um dos bairros, verificamos em ambos uma clivagem racial expressa em vários elementos discutidos aqui: em relação aos brancos, os afro-descendentes apresentam maior percentual de chefes de família e cônjuges atuando no emprego doméstico, analfabetos, nas faixas inferiores de escolaridade; além de maior percentual de chefes de família nas ocupações que compõem a classe do “subproletariado”, bem como de chefes de família desempregados. Trata-se portanto de um conjunto de diferenças de performance, que se estendem da formação escolar ao mercado de trabalho, que nos dizem que, nestes pobres bairros periféricos, onde os brancos são a parte menor da população, os afro-descendentes ainda carregam a tendência a serem, na média, mais pobres e menos escolarizados que os pobres e pouco escolarizados brancos. Neste sentido, os resultados de nossa pesquisa empírica nos permitem afirmar que mesmo as mais severas condições de pobreza não promovem uma completa homogeneização sócio-econômica entre brancos e afro41 descendentes, e isto nos mostra, portanto, a impossibilidade de reduzir a “questão racial” no Brasil a uma “questão de classe social” – a menos que queiramos, repetindo os erros do passado, lançar uma densa cortina de fumaça sobre a configuração das relações étnicoraciais entre nós. Mas, tais resultados nos mostram também que as políticas voltadas de forma universal para as populações mais pauperizadas, apesar de muito bem vindas ante o nosso panorama social, não resolverão os problemas relacionados com as desigualdades de fundo racial que persistem com força mais de 110 anos após o fim da escravidão negra no país. 5. NOTAS (1) Neste artigo estamos trabalhando com a pressuposição de que, no contexto brasileiro, a “cor” eqüivale à representação ainda que figurada da idéia de raça. Mais precisamente, acreditamos que “...alguém só pode ser classificado num grupo de cor se existir uma ideologia em que a cor das pessoas tenha algum significado. Isto é, as pessoas têm cor apenas no interior de ideologias raciais” (Guimarães, 1999, p. 44). (2) Usamos os termos “raça” e “racial” não em sentido biológico, mas sim como indicadores de origens e trajetórias históricas comuns, ou seja como “atributo socialmente elaborado” (Hasenbalg, 1991). (3) Conforme indicação de Ribeiro (2000). 42 6. BIBLIOGRAFIA BRANDÃO, A. A. P. Os novos contornos da pobreza urbana: espaços sociais periféricos na região metropolitana do Rio de Janeiro. 2002. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) – UERJ, Rio de Janeiro. GUIMARÃES, A. S. A. Racismo e anti-racismo no Brasil. São Paulo: Editora 34, 1999. HASENBALG, C. Notas sobre a pesquisa das desigualdades raciais e bibliografia selecionada. In: LOVELL, Peggy. Desigualdade racial no Brasil contemporâneo. Belo Horizonte, UFMG/CEDEPLAR: 1991. HENRIQUES, R. Desigualdade racial no Brasil: evolução das condições de vida na década de 90. IPEA, Textos para discussão, n. 807, 2001. RIBEIRO, L. C. Q. Cidade desigual ou cidade partida? Tendências da metrópole do Rio de Janeiro. In: ___________. O futuro das metrópoles: desigualdades e governabilidade. Rio de Janeiro, IPPUR/UFRJ-FASE: Revan, 2000. p. 63-98. PASTORE, J.; SILVA, N. V. Mobilidade social no Brasil. São Paulo: MaKron Book, 2000. VALLADARES, L.; PRETECEILLE, E. Favela, favelas: unidade e diversidade da favela carioca. In: RIBEIRO, L. C. Q. O futuro das metrópoles: desigualdades e governabilidade. Rio de Janeiro, IPPUR/UFRJ-FASE: Revan, 2000. Revista UniVap, v.10, n.18, 2003 Ambientes Virtuais para a Formação de Educadores: Buscando uma Escola Inclusiva Klaus Schlünzen Junior * Elisa Tomoe Moriya Schlünzen * Renata Benisterro Hernandes ** Marcelo Pauluci di Santo ** Adriana Aparecida de Lima Terçariol ** Maria das Graças de Araújo Baldo ** Adriano Marcos Fuzaro ** Andréa Alves da Silva ** Marcos Leonel de Souza ** Resumo: Na disciplina “Formação de Professores para uma Escola Digital e Inclusiva”, do curso de pós-graduação em Educação da FCT/Unesp, visando proporcionar um ambiente Construcionista, Contextualizado e Significativo; foi proposta a implementação de um Portal, para atender a diversidade do grupo de pesquisadores que freqüentavam o curso. Na construção do Portal tínhamos como principal objetivo contribuir para a criação de ambientes inclusivos e digitais, fundamentados nas inúmeras experiências vivenciadas pelo grupo de alunos e professores envolvidos em escolas públicas do Estado de São Paulo, empresas e instituições filantrópicas. Com esta proposta abriase a possibilidade de tornar as pessoas portadoras de necessidades especiais cidadãos totalmente integrados ao mercado de trabalho e na sociedade da qual eles foram distanciados. Dessa forma, poderíamos criar um importante instrumento capaz de propiciar momentos de trocas de informações e experiência. Pois, na formação atual da maioria dos educadores não há capacitação para promover a inclusão. Logo, com o intuito de promover uma extensão das investigações realizadas, abriu-se a possibilidade de auxiliar e incentivar a construção de Comunidades Virtuais Inclusivas, proporcionando ambientes de aprendizagem que irão contribuir para a capacitação de educadores em qualquer nível e modalidade de atuação, em um ensino de qualidade para todos. Palavras-chave: Inclusão, cidadania, ensino à distância, tecnologias de informação e comunicação, ambientes virtuais. Abstract: Within the activities of the discipline “Teacher Formation for a Digital and Inclusive School”, a graduate course of the College of Education of FCT/Unesp, with the purpose of providing a Constructionist, Meaningful and Significant environment, the diverse group of researchers who attended the course were presented the proposal of the implementation of a Portal. The main objective for the construction of the Portal was to create an inclusive and digital environment, based on the several experiences of the group of pupils and professors involved in public schools in the state of São Paulo - Brazil, companies and philanthropic institutions. With this proposal, it would be possible to integrate people with special needs marketing the market place and in the society from which they had been segregated. Thus, we could create an important instrument capable of providing moments for sharing information and experiences. Unfortunately, the current formation of the majority of the educators does not prepare them to promote that inclusion. Therefore, with the purpose extending the researches, the work suggested the possibility of assisting and stimulating * Professor(a) da UNESP - Presidente Prudente. [email protected] [email protected] ** Mestrando(a) em Educação - UNESP - Presidente Prudente. [email protected] Revista UniVap, v.10, n.18, 2003 43 the construction of Inclusive Virtual Communities, providing learning environments that will contribute for the qualification of educators from all educational levels for achieving quality education for all. Key words: Inclusion, citizenship, remote learning, information and communication technologies, virtual environments. 1. INTRODUÇÃO Vivemos numa sociedade em profunda crise social, moral e afetiva que passa por um processo de autodestruição e onde a qualidade de vida diminui dia a dia. É urgente trabalhar a favor de uma nova sociedade e acreditarmos que a integração das tecnologias no processo educacional pode resgatar o ser humano para o afloramento de suas potencialidades, se utilizado de forma adequada. No entanto, faz-se necessária uma capacitação dos educadores para atuarem na construção de novos ambientes de aprendizagem com compromisso ético e social, procurando desfazer as desigualdades e todo tipo de exclusão, uma vez que a inserção dos portadores de necessidades especiais no mercado de trabalho sempre foi permeada por uma série de preconceitos, considerando que eles não são capazes de desempenhar com a mesma desenvoltura e a mesma capacidade as funções feitas por pessoas tidas como “normais”. Aos poucos vemos esse cenário se desfazendo, tornando-se cada vez mais comum sua presença no mercado de trabalho, o que reverte em qualidade de vida para estas pessoas em uma nova perspectiva, pois já podem sonhar e acreditar na possibilidade de terem uma profissão, ou serem produtivos e aceitos como qualquer outro ser que não apresenta as mesmas dificuldades. Ao participar do mercado de trabalho, o portador de necessidades especiais deixa de ser tão dependente de seus familiares, mudando a dinâmica da família. Um dos aspectos mais importantes da contratação dos deficientes está na cidadania. O trabalho é uma das fontes mais ricas de inclusão social. No sistema capitalista, a valorização está pautada em quem produz. Embora tenhamos observado avanços na inclusão social, ainda falta muito a se conquistar. Nunca se falou tanto de inclusão como nos últimos dez anos. Aumentaram-se as propostas de trabalho das entidades para os portadores de necessidades especiais, os conceitos se ampliaram. O mercado contratante ainda é “tímido”, uma vez que pouquíssimas pessoas acreditam na produtividade dos portadores de necessidades especiais. Também não sabem lidar com as diferenças e dificuldades dos outros, esquecendo-se que eles, apesar de suas limitações, podem ter potenciais jamais explorados. Além disso, se nem a escola, que é o ambiente ideal para iniciar a inclusão das 44 pessoas especiais, consegue realizar tal façanha, como podemos acreditar que a aceitação deles poderá ocorrer em outros ambientes? A garantia de acesso ao trabalho para as pessoas com necessidades especiais é prevista tanto na legislação internacional como na brasileira. No Brasil, as cotas de vagas para pessoas com deficiência foram definidas em lei de 1991, porém só passou a ter eficácia no final de 1999, quando foi publicado o decreto nº 3.298. Ela determina que as empresas com mais de cem empregados contratem pessoas com necessidades especiais segundo as seguintes cotas: de 100 a 200 empregados, 2%; de 201 a 500 empregados, 3%; de 501 a 1.000, 4%; e acima de 1.000 funcionários, 5%. Essa Lei mudou a visão social. No entanto, só a legislação não é suficiente para garantir que a inclusão dos portadores de necessidades especiais no mercado de trabalho ocorra realmente. No entanto, a lei é um mediador, um colaborador, mas se não houver a lei, não temos a formalidade de experimentar e vivenciar essa realidade. Logo, para que a lei seja cumprida realmente, é necessário que a educação faça a sua parte, incluindo no processo ensino e aprendizagem o portador de necessidade especial. Além disso, é preciso acreditarmos no potencial destas pessoas. Para isso, as entidades devem cumprir o seu papel de mediadoras da profissionalização e cabe às empresas estarem abertas a vivenciar essa realidade. Essa “ajuda”, que se dá sem concessões de isenções fiscais, é responsabilidade social. Ao mesmo tempo em que essa realidade se expande, as universidades não vêm formando educadores para lidar com ela, pois não contemplam em seus currículos conteúdos relacionados à inclusão. Contudo, não podemos pensar em uma formação puramente tecnicista ou teórica. A formação do educador deve dar-lhe meios para auxiliá-lo a descobrir um outro modo de agir e de mudar para o benefício dos educandos, fazendo uso das Tecnologias da Comunicação e Informação, potencializando as oportunidades de aprendizagem dessas pessoas. Na maioria das capacitações com o uso das tecnologias, o agente formador leva fórmulas ou atividades prontas para o educador, ou seja, restringe-se a “treiná-lo”. Com isso, torna-se praticamente impossível Revista UniVap, v.10, n.18, 2003 que o educador reflita sobre a sua prática e sobre a importância que a Educação pode trazer para a construção de uma nova sociedade. Assim, acreditando na necessidade de integração, cooperação, diálogo e formação contínua e progressiva proporcionada pela criação de ambientes virtuais inclusivos, ou seja, uma rede digital de compartilhamento de vivências e experiências na formação de agentes de aprendizagem que englobem não apenas as dimensões cognitivas, mas, principalmente, a disseminação de uma consciência social, ambiental e existencial, surgiu na disciplina do programa de pós-graduação em Educação da Faculdade de Ciências e Tecnologia – Unesp de Presidente Prudente/SP, a proposta da elaboração do Portal “Educação Digital Para Todos”. O objetivo principal da construção do ambiente virtual por meio de uma metodologia construcionista, significativa e contextualizada foi contribuir e fornecer subsídios ao trabalho dos educadores preocupados com a melhoria da qualidade do ensino para todos. Essa metodologia usou como estratégia o desenvolvimento de projetos para construir novos conhecimentos dos alunos que constituíam um grupo muito heterogêneo, em que tratar do tema “Escola Digital e Inclusiva” era para todos estar, não apenas refletindo sobre ele, mas, acima de tudo, estar agindo de forma a contribuir para a construção desta escola, repensando o seu ambiente. Assim, cada integrante do grupo com sua experiência pode contribuir para a aprendizagem e interesse de todos, aliando a teoria com a prática e construindo algo palpável. Com estas experiências e com as discussões em sala de aula, constatamos que a tecnologia é uma ferramenta facilitadora que poderá ser usada como instrumento na construção do conhecimento do educando e, principalmente, dos portadores de necessidades especiais e demais excluídos. Percebemos ainda que o professor pode valer-se de informações provindas de várias áreas e envolver-se com diferentes disciplinas, tornando o ensino cooperativo e interdisciplinar, sendo necessário que conheça os recursos oferecidos pelas novas tecnologias, descobrindo o potencial que elas oferecem para transformar o ensino. Esse caminhar possibilitou-nos vivenciar diversos ambientes (escolas públicas e privadas, entidades filantrópicas, empresas, organizações) de forma que muitos já desenvolviam metodologias que atendem à diversidade, criando ambientes Construcionistas, Contextualizados e Significativos (Schlünzen, 2000) com o uso das novas tecnologias. Entretanto, a maioria dos trabalhos realizados na área de Tecnologias na Educação foi desenvolvida criando-se projetos de informática com uma visão voltada Revista UniVap, v.10, n.18, 2003 para a tecnologia, enquanto o ideal é a sua utilização com vistas na mudança na forma de conceber o ensino e a aprendizagem, utilizando-a como uma potencializadora desse processo. Assim, esta tecnologia poderia ser uma aliada na criação de um processo educacional melhor, complementando as habilidades individuais e auxiliando na construção de um mundo que dá um sentido maior para a vida. Saber usar as novas tecnologias é a grande dificuldade do professor que está em sala de aula, com um sentimento de isolamento e uma total falta de preparo para tornar o ambiente educacional realmente inclusivo. O objetivo da criação deste Portal foi exatamente de diminuir este isolamento de forma que o educador possa encontrar nele princípios ou idéias para transformar a sua prática, visando a inclusão de todos os seus alunos. Buscamos, além disso, dar um grande passo para a criação de “comunidades virtuais inclusivas”, ou seja, grupos de pessoas ligadas pela tecnologia na busca de melhorias de nossas escolas e outros ambientes educacionais. O objetivo deste trabalho é a criação de um Portal que será uma opção a mais para a formação contextualizada e significativa dos agentes de aprendizagem e educandos por meio do uso das tecnologias, associada a uma metodologia de formação e de avaliação para a construção de uma Educação realmente Inclusiva. Assim, a participação de todos nestas comunidades virtuais permitirá, além do aprender a fazer, o desenvolvimento de habilidades de comunicação relacionadas ao saber ajudar e ao saber ensinar, o que pode contribuir para tornar o processo de formação mais humano e comprometido com o despertar dos desejos por uma escola inclusiva. Esta abordagem também possibilitará implementar a idéia de respeito e aceitação da diversidade, de forma menos seletiva podendo abrir a perspectiva de estar desenvolvendo uma abordagem inclusiva para os desfavorecidos. 2. METODOLOGIA DO TRABALHO Ao propor o desenvolvimento de um Portal que pudesse subsidiar o trabalho dos educadores no sentido de concretizar a inclusão, bem como possibilitar uma formação continuada do próprio grupo, foi solicitada uma pesquisa a ser realizada por todos os integrantes do grupo em seus respectivos ambientes de atuação, com o objetivo de atender aos anseios de educadores e demais interessados na área. A partir dos dados tabulados obtidos nessa pesquisa determinaram-se os links que estariam sendo contemplados no Portal para distribuição de tarefas entre os elementos do grupo que seriam responsáveis pelo seu desenvolvimento, favorecendo a atuação de acordo com interesse e competência de cada um. Paralelamente à realização das tarefas, foram 45 propostas leituras que embasaram a construção desse ambiente. Cada encontro do grupo foi muito rico, no sentido de que favoreceu as trocas de experiências, tanto no relato do andamento do trabalho de cada aluno, quanto nas discussões e reflexões provocadas pelas leituras. educadores quanto ao conteúdo de um portal que suprisse as necessidades encontradas no dia a dia. Somamos os dados coletados às experiências vivenciadas em escolas públicas, particulares, profissionalizantes, empresas e instituições filantrópicas, onde o grupo de alunos e professores atua. O título do Portal “Educação Digital para Todos” expressa a intenção de provocar mudanças na Educação atual, incorporando o uso das novas Tecnologias da Informação e Comunicação como instrumentos que venham possibilitar a aprendizagem e torná-la inclusiva. Além disso, os alunos realizaram estudos teóricos baseados em pesquisadores como: Valente (1993, 1999a e b), Mantoan (2001), Moran (1998), Moraes (2002), entre outros. Esta atividade permitiu a elaboração de alguns textos e apresentações que já compõem a biblioteca do Portal. Para a seleção do símbolo do Portal, procuramos algo que representasse a união de esforços dos que lutam pela educação digital para todos. Além disso, com o objetivo de acolher profissionais que desejam tornar o seu ambiente inclusivo a figura principal tem forma estilizada de uma mão com uma educadora em sua palma. A estrutura do Portal partiu de uma pesquisa em que diversos educadores de diferentes campos de atuação foram entrevistados quanto às dificuldades em lidar com inclusão e o uso de novas tecnologias em sua prática pedagógica. Investigamos as expectativas desses Através das experiências do grupo de alunos e professores e das discussões em sala de aula, fomos em busca de meios que possibilitassem atender às necessidades apontadas pelos educadores. Identificamos a tecnologia como instrumento facilitador da construção do conhecimento e viabilizador de um processo de aprendizagem colaborativa. Assim, numa tentativa de atender às necessidades dos educadores, o Portal conta com os seguintes recursos implementados, podendo ser visualizados na Fig. 1. Fig. 1 - Tela principal do Portal “Educação Digital para Todos”. Unesp: neste item o usuário poderá acessar diretamente o site da Universidade Estadual Paulista <http://www.prudente.unesp.br>, da qual os educadores e pesquisadores fazem parte. navegação na forma de um organograma. NEC: Núcleo de Educação Corporativa, é o núcleo de pesquisa pertencente à Unesp, que mantém o Portal em seu servidor. Fale Conosco: viabilizamos, através de e-mail, um canal de comunicação direto com o grupo de alunos e pesquisadores, para que os educadores possam de forma reservada enviar mensagens e críticas. Como Navegar: o propósito desse link é orientar a navegação pelo Portal, através de um roteiro de 46 Links Externos Interessantes: endereços de web site relacionados ao mesmo propósito do Portal. Biblioteca: ambiente onde os educadores poderão Revista UniVap, v.10, n.18, 2003 ter acesso a textos, artigos, vídeos e referência de livros que abordam temas relacionados à inclusão, ao uso de novas tecnologias na educação e também uma descrição e análise de softwares educativos, bem como informações sobre diversas patologias de pessoas portadoras de necessidades especiais. Eventos: local reservado para divulgação de Congressos, Cursos, Encontros e Palestras relacionados à Educação. Pesquisadores: as informações relacionadas à formação acadêmica, atuação profissional, publicações e meio de contato com o grupo de alunos e professores que desenvolveram o Portal. Banco de Experiências e Projetos: aqui pretendemos promover a troca de experiências, em que os educadores podem ter acesso a um acervo de projetos e experiências vivenciadas por diversos grupos de educadores inclusivos e também contribuir com o relato de suas próprias experiências. Comunicação: através de Chat, cursos on-line e Fóruns de discussão, possibilitando a interação entre educadores, pesquisadores e consultores. Também existirá um espaço para envio de dúvidas e um mural onde todas os usuários poderão divulgar eventos pertinentes à Educação. Busca: esta opção possibilita a busca de informações no Portal, por meio de palavras-chaves. Destaques: um letreiro exibirá as novidades de eventos promovidos e informações disponibilizadas pelo Portal. Ainda salientamos o cuidado que tivemos em produzir um ambiente amigável e de fácil utilização, em que os educadores se sintam motivados a buscar informações e compartilhar seus anseios, experiências, sucessos e insucessos, desenvolvendo novas competências e habilidades, participando de um processo de aprendizagem colaborativa, para o saber ensinar. Nossas expectativas futuras são utilizar a Educação à Distância, através das Tecnologias da Comunicação e Informação, para capacitar educadores, agregando valores que concretizem as mudanças necessárias para atender a uma sociedade que demanda por oportunidades, desfazendo as desigualdades e todo tipo de exclusão. Esta realização será possível mediante a elaboração de um primeiro curso de extensão em “Educação Inclusiva”, elaborado por todos os participantes da confecção do Portal. Revista UniVap, v.10, n.18, 2003 3. RESULTADOS E CONCLUSÕES A disciplina do curso de pós-graduação em Educação “Formação de Professores para uma Escola Digital e Inclusiva”, oferecida pelos professores Klaus Schlünzen Junior e Elisa Tomoe Moriya Schlünzen, tendo como uma das finalidades a elaboração de um Portal com o tema “Educação Digital para Todos”, caracterizou-se por oferecer oportunidades de desenvolvimento intelectual, pessoal, social, emocional, político e espiritual para todos os envolvidos no processo, pois, adotando uma metodologia construcionista, estes educadores possibilitaram a nós a construção do conhecimento de uma forma contextualizada e significativa. Para isso, adotaram a estratégia de desenvolvimento de Projetos de Trabalho, onde foi proposto trabalhar com atividades abertas, que possibilitaram estabelecer nossas próprias estratégias. Tendo enfoque globalizador, centrado na resolução de problemas significativos, fomos vistos como sujeitos ativos na construção de nosso conhecimento, pois toda a concepção do Portal foi elaborada em conjunto com professores e alunos. O conteúdo abordado foi determinado pelo problema em questão, possibilitando a aquisição do conhecimento como instrumento para compreensão e possível intervenção na realidade. Segundo esta estratégia, os professores interviram em nosso processo de aprendizagem, criando situações problematizadoras, introduzindo novas informações e particularmente fornecendo condições para que avançássemos em nossos esquemas de compreensão da realidade. Esta abordagem metodológica quebrou os paradigmas da Educação Tradicional e fez com que percebêssemos de uma maneira ampla e irrestrita que a Educação deve ser praticada dando sentido real ao aprender a aprender. Através das observações nos diversos ambientes em que atuamos e relacionando com o conteúdo desta disciplina, pudemos constatar que quase nada mudou na metodologia de ensino dos professores nos últimos anos na Educação Brasileira. Poucos professores têm a visão e a cultura construcionista na sua metodologia de ensino, ou seja, fazem com que os alunos construam seu conhecimento. A sociedade está em constante mudança, o que tem implicado também uma clientela escolar diferenciada que possui um conhecimento tecnológico e crítico diante desta realidade, ou seja, a criança que chega à escola já passou por processos de educação importantes: pelo familiar e pela mídia eletrônica. Por isso, é necessária uma educação para as mídias, para compreendê-las, criticá47 las e utilizá-las da forma mais abrangente na construção do conhecimento, de modo que o aluno seja capaz de analisar e filtrar as informações durante este processo. Diante disso, cabe a escola rever sua abordagem tradicional de modo que permita aos seus alunos expressarem seus desejos. Entretanto, isso não acontece pelo fato de a metodologia de ensino de alguns professores estar situada em épocas muito remotas, ou seja, muito defasada, não dando o devido valor ao potencial dos alunos. Isso com certeza ocorre pela falta de preparo destes professores e talvez pelo medo de mudar. É necessário incentivar e fazer com que os alunos busquem as atualidades e as Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) inseridas na sociedade moderna. Assim, os professores poderiam trabalhar com projetos, formulando seu planejamento pedagógico através das idéias e potenciais dos alunos, usando cada vez mais as tecnologias da instituição. Diante deste cenário, os educadores precisam ter consciência de que o conhecimento é construído através de um processo de interação e comunicação externa e interna; perceber que entre suas responsabilidades está a de ajudar a si mesmo e ao próximo a aprender a viver e compreender o mundo; ajudar o aluno a desenvolver suas habilidades de compreensão, emoção e comunicação; e permitir que encontrem seus espaços pessoais, sociais e profissionais. De acordo com (Moran, 1998), “Espera-se de um professor, em primeiro lugar, que seja competente na sua especialidade, que esteja atualizado. Em segundo lugar, que saiba comunicar-se com seus alunos, motiválos, explicar o conteúdo, manter o interesse do grupo, entrosado, cooperativo e produtivo”. No campo da Educação Especial, é fundamental que também ocorram avanços significativos na didática adotada, pois já é previsto por lei que a inclusão aconteça nos diversos níveis de ensino. Contudo, resta ainda muito a ser feito para que a educação de pessoas portadoras de necessidades especiais não se verifique apenas na teoria. Existe no mundo atual um grande número de pessoas portadoras de necessidades especiais que aumenta dia a dia. Está confirmada pelos resultados de pesquisas com segmentos da população e por investigações de renomados pesquisadores a estimativa mundial de 500 milhões. Na maioria dos países, pelo menos uma em cada dez pessoas é portadora de alguma deficiência física, mental ou sensorial, e a presença da deficiência repercute, de um modo adverso, em pelo menos 25% de toda a população. Assim, a idéia de criarmos um Portal surgiu na intenção de apoiar os educadores a atuarem em prol da inclusão e da inserção do computador na prática 48 pedagógica. Acreditamos que as redes de computadores possam propiciar um ambiente de aprendizagem colaborativa. Para montarmos esse Portal, tivemos de buscar informações que foram compartilhadas e expostas ao grupo para que cada um colocasse suas idéias, opiniões e experiências. Através das informações obtidas, foram levantadas questões sobre como efetivar a inclusão, usando as novas tecnologias as quais provocaram reflexões no grupo. Com isso, adquirimos uma série de conhecimentos que não tínhamos. Segundo (Valente, 1999a), “o conhecimento deverá ser fruto do processamento de informações, da aplicação dessas informações processadas na resolução de problemas significativos e reflexão sobre os resultados obtidos”. Durante a construção deste Portal, pudemos, por meio de algumas leituras, perceber que existem duas metodologias que vêm sendo adotadas pelos educadores ao trabalhar com as Tecnologias de Informação e Comunicação na Educação: o Instrucionismo e o Construcionismo. Constatamos que os educadores que desejam caminhar por novos horizontes e descobrir novos métodos de ensino, podem estar analisando essas metodologias, refletindo sobre as suas possibilidades para o desenvolvimento integral dos alunos, assim como poderão estar observando qual a melhor maneira de alcançar seus objetivos visando à construção do saber de forma significativa. O acesso a leituras referentes ao uso das Tecnologias de Informação e Comunicação na Educação proporcionou a aprendizagem de conceitos essenciais para a atuação nesta área. Ao trabalhar com o livro “Mudanças na Comunicação Pessoal: Gerenciamento Integrado da Comunicação Pessoal, Social e Tecnológica”, Moran (1998), percebemos que ele enfatiza a utilização desses recursos como ferramentas humanizadoras. Ao contrário do que muitas pessoas afirmam, que a máquina reforça o individualismo, o egoísmo, podemos, segundo este autor, utilizar essas tecnologias a favor da interação pessoal, grupal e social, buscando com as novas formas de comunicação nos tornar pessoas mais felizes e amadas. Com as idéias da autora Maria Teresa Eglér Mantoan, contidas no texto “Abrindo as Escolas às Diferenças” (Mantoan, 2001), pudemos ter a certeza de que, apesar das dificuldades, é possível que uma escola se transforme, revendo suas atitudes, alterando suas estruturas físicas e organizacionais, de modo a incluir todas as crianças em salas de aula regulares. É fundamental também a existência de cursos para o aprimoramento profissional dos professores. Ao trabalhar com o texto “O papel do Professor no Ambiente Logo” de José Armando Valente (1996, Revista UniVap, v.10, n.18, 2003 p. 13), percebemos que o educador pode conseguir “através do Ciclo: descrição-execução-reflexãodepuração-descrição, que se estabelece na interação do aprendiz com o computador, procurar que eles façam uma reflexão sobre o uso da tecnologia”. Assim, a “descrição das idéias que os alunos passam para o computador pode ser usada como objeto de estudo e de discussão a respeito do ato de criar ou do pensar sobre o pensar...” (Freire & Valente, 2001). Em nossos encontros no curso, tivemos a oportunidade de vivenciar um ambiente onde a diversidade de competências e habilidades entre os alunos foram administradas com eficiência pelos professores da disciplina, favorecendo o processo de aprendizagem. O grupo de alunos é composto por profissionais que atuam em diversas áreas e níveis da educação, o que poderia ser visto inicialmente como um desafio ao sucesso do processo de ensino e aprendizagem. No entanto, a diversidade entre os alunos foi um dos pontos positivos para entendermos o quanto podemos tirar proveito das diferenças em uma sala de aula. Para que isso pudesse acontecer, os professores tiveram o cuidado de conhecer os ideais de cada aluno, identificando o potencial de cada um, propondo atividades que tivessem significado para o contexto profissional e pessoal do aluno, além de demonstrarem o propósito de colaborar para que cada um alcançasse seu objetivo. É importante considerar também que lidar com a diversidade requer saber ser humilde para ouvir o que o outro nos traz e estar aberto a compartilhar conhecimentos. Conforme as atividades do projeto foram se desenvolvendo, notamos que o grupo constituiu relações de amizade, de cooperativismo, de coletividade e de solidariedade, o que leva a crer que com a metodologia de projetos não se desenvolve apenas o cognitivo do aluno, mas também o afetivo. Para (Mantoan, 2001), “o clima sócio-afetivo das salas de aula é mantido na base da cooperação, de modo que os alunos se sintam seguros e possam compartilhar as experiências de aprendizagem e complementá-las com seus saberes”. Revista UniVap, v.10, n.18, 2003 4. AGRADECIMENTOS Os autores agradecem a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – Fapesp pelo apoio financeiro. 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS FREIRE, M. P. F.; VALENTE, J. A. Aprendendo para a vida: os computadores na sala de aula. São Paulo: Cortez, 2001. MANTOAN, M. T. E. (org). Pensando e fazendo educação de qualidade. São Paulo: Moderna, 2001. MORAES, M. C. Educação a distância: fundamentos e práticas. Campinas: Unicamp/Nied, 2002. MORAN, J. M. Mudanças na comunicação pessoal: gerenciamento integrado da comunicação pessoal, social e tecnológica. São Paulo: Paulinas, 1998. SCHLÜNZEN, E. T. M. Mudanças nas práticas pedagógicas do professor: criando um ambiente construcionista contextualizado e significativo para crianças com necessidades especiais físicas. Tese (Doutorado em Educação) - PUC, São Paulo, 2000. VALENTE, J. A. O computador na sociedade do conhecimento. Campinas: UNICAMP/NIED, 1999a. ____________. A escola que gera conhecimento. In: FAZENDA, I.; ALMEIDA, F.; VALENTE, J. A.; CANDIDA, M. C.; MASETTO, M. T.; ALONSO, M. Interdisciplinaridade e novas tecnologias: formando professor. Campo Grande: UFMS, 1999b.p.77-119. __________. O professor no ambiente logo: formação e atuação. Campinas: UNICAMP/NIED, 1996. __________. Computadores e conhecimento: repensando a educação. Campinas: Gráfica da UNICAMP, 1993. 49 A Construção de Ambientes Virtuais: Uma Ferramenta Para a Inclusão Digital e Social de Jovens Carentes Elisa Tomoe Moriya Schlünzen * Adriana Aparecida de Lima Terçariol ** Resumo: Atualmente, a rede que conecta a cada dia milhares de computadores de todo o mundo, denominada Internet, está se tornando uma ferramenta importante na comunicação humana. A sua aplicação em praticamente todas as áreas e o seu crescente número de usuários têm feito com que todos os países do mundo estejam conectados à Internet. No que se refere ao setor educacional, a Internet tem estado presente desde os primeiros momentos do seu surgimento. Com isso, propôs-se a realização desse projeto de pesquisa, envolvendo atividades com o uso da Rede Internet, para o desenvolvimento de uma Home-Page sobre a cidade de Presidente Prudente (SP), com a finalidade de possibilitar a dez jovens provenientes de classes sociais desfavorecidas o acesso a uma nova maneira de aprender e construir o conhecimento, adquirindo simultaneamente subsídios para a sua inclusão digital e social. Assim, ao criar um ambiente virtual, os jovens construíram o próprio conhecimento de uma forma significativa e contextualizada, desenvolvendo-se intelectual, pessoal, social, emocional, espiritual e politicamente. Palavras-chave: Ambiente virtual de aprendizagem, construção do conhecimento, inclusão digital e social. Abstract: Nowadays, the network that connects, every day thousands of computers around the world is called Internet, and has turned into an important tool for human communication. Its usefulness in practically all fields and its increasing number of users has connected all countries in the world. As far as the educational sector is concerned, the Internet has been present since the first moments, when it emerged. Therefore, the accomplishment of this search project that involves activities using the Internet to develop a Home-Page about the city of Presidente Prudente was proposed with the purpose of making it possible for ten low-income teenagers, to get in touch with a new way to learn and build knowledge, getting at the same time, subsidies for their digital and social inclusion. Thus, when you create a virtual place, those teenagers build their own knowledge in a significant and meaningful way, developing themselves in several aspects: intellectual, personal, social, emotional, spiritual and political. Key words: Virtual learning environment, knowledge building, digital and social inclusion. 1. INTRODUÇÃO A última década do século XX foi marcada pela discussão sobre a qualidade da Educação e sobre as condições necessárias para assegurar o direito de crianças, jovens e adultos às aprendizagens imprescindíveis para o desenvolvimento de suas * Professora da UNESP - Presidente Prudente. [email protected] ** Mestranda em Educação - UNESP - Presidente Prudente. [email protected] 50 capacidades. A preocupação com essa questão não é propriamente nova, entretanto, nos anos 90, a Educação de qualidade tornou-se uma preocupação de vários segmentos da sociedade. Inúmeros são os compromissos nacionais e internacionais firmados pelos governos nos últimos tempos como forma de acelerar o processo que leva a essa meta. A educação promovida pela escola distingue-se de outras práticas educativas, como as que acontecem na família, no trabalho, no lazer e nas demais formas de convívio social, por constituir uma ajuda intencional com o objetivo de promover o desenvolvimento e a socialização de crianças, jovens e, em muitos casos, também de adultos. Em uma concepção democrática, entende-se a Revista UniVap, v.10, n.18, 2003 educação escolar como responsável por criar condições para que todas as pessoas desenvolvam suas capacidades e aprendam os conteúdos necessários para construir instrumentos de compreensão da realidade e para participar de relações sociais cada vez mais amplas e diversificadas, condições fundamentais para o exercício da cidadania. O desenvolvimento de diferentes capacidades cognitivas, afetivas, físicas, éticas, estéticas, de inserção social e de relação inter e intrapessoal - só se torna possível, através do processo de construção e reconstrução de conhecimento. Do contrário, não se promove a aprendizagem. E, nessa perspectiva, conhecer e considerar os diferentes fatores que concorrem para o processo de construção de conhecimento passam a ser uma tarefa à qual as instituições educativas não podem se negar. Uma educação, que pretende ser de qualidade, precisa contribuir progressivamente para a formação de cidadãos capazes de responder aos desafios colocados pela realidade e nela intervir. A reflexão que a comunidade educacional tem acumulado nos últimos anos indica que para uma formação desse tipo, a escola deve garantir às crianças e jovens aprendizagens bastante diversificadas. Deve lhes garantir a possibilidade de, ao longo da escolaridade, compreender conceitos, princípios e fenômenos complexos e de transitar pelos diferentes campos do saber, aprendendo procedimentos, valores e atitudes, atualmente, imprescindíveis para o desenvolvimento de suas diferentes capacidades. É necessário que todos aprendam a valorizar o conhecimento e os bens culturais e a ter acesso a eles automaticamente, a selecionar o que é relevante, investigar, questionar e pesquisar, a construir hipóteses, compreender, raciocinar logicamente, a comparar, estabelecer relações, inferir e generalizar, a adquirir confiança na própria capacidade de pensar e encontrar soluções. É preciso que todos aprendam a relativizar, confrontar e respeitar diferentes pontos de vista, discutir divergências, exercitar o pensamento crítico e reflexivo (Moraes, 2002). É preciso que aprendam a ler, criticamente, diferentes tipos de texto, utilizar diferentes recursos tecnológicos, expressar-se em várias linguagens, opinar, enfrentar desafios, criar, agir de forma autônoma (Almeida, 2002). E que aprendam a diferenciar o espaço público do espaço privado, ser solidários, conviver com a diversidade, repudiar qualquer tipo de discriminação e injustiça (Pellegrino, 2001). Esse conjunto de aprendizagem representa, na verdade, um desdobramento de capacidades que todo cidadão - criança, jovem ou adulto - tem direito de desenvolver ao longo da vida, Revista UniVap, v.10, n.18, 2003 com a mediação e ajuda da escola. A utilização das novas tecnologias de informação e comunicação com esse propósito requer a análise minuciosa do que significa ensinar e aprender, demanda rever a prática e a formação do professor para esse novo contexto, assim como mudanças no currículo e na própria estrutura da escola. Familiarizar crianças, jovens e adultos com esses recursos é, hoje, uma necessidade, pois todos compreendem que na sociedade moderna essas máquinas estão inseridas no dia-a-dia de todos. Contudo, a utilização das novas tecnologias na Educação, não é fazer delas uma “máquina de ensinar” (Papert, 1994), mas proporcionar condições para que se tornem uma nova mídia educacional, passando, então, a ser uma ferramenta pedagógica, de complementação, de aperfeiçoamento e de possível mudança na qualidade do ensino. Essas mudanças podem ser introduzidas com a presença do computador que deve propiciar as condições para os alunos exercitarem a capacidade de criar, procurar e selecionar informações, resolver problemas e aprender independentemente, pois o professor aqui é um criador de ambientes de aprendizagem e o facilitador do processo de desenvolvimento intelectual do aluno (Valente, 1996). Diante desse cenário, desenvolvemos o projeto de construção de uma Home-Page intitulada “BrasilPortugal: 500 Anos de Contínuas Descobertas”, com o principal objetivo de proporcionar o acesso às tecnologias de informação e comunicação a jovens provenientes de classes sociais desfavorecidas, propiciando a sua inclusão social e digital. Além disso, essa pesquisa visou analisar o uso da Rede Internet para o aprimoramento do processo de aprendizagem, compreender como esse recurso educacional poderia contribuir para a formação de um novo perfil profissional apto a atuar na sociedade moderna, interpretar alguns aspectos da comunicação via computador na escola e discutir as atitudes pedagógicas que tendem a ser desencadeadas entre alunos e professores, assim como criar situações para o resgate da auto-estima e autoconfiança de jovens carentes, mostrando que são capazes. 2. METODOLOGIA A metodologia utilizada para a realização dessa pesquisa foi baseada no ciclo ação-reflexão-ação, ou seja, as pesquisadoras estiveram permanentemente em contato com o grupo pesquisado, juntos agiram, refletiram, planejaram e replanejaram as ações sempre que necessário em um constante movimento de ação e reflexão. Segundo uma perspectiva de pesquisa-ação, proporcionaram condições para que os jovens se 51 tornassem agentes do próprio processo de ensinoaprendizagem. Para isso, foi necessário que buscassem informações sobre o tema que estavam trabalhando, selecionassem o material coletado e, posteriormente, o estruturassem no computador, para que construíssem o próprio conhecimento. Os encontros ocorreram na maioria das vezes no Pólo Computacional da FCT/UNESP/Campus de Presidente Prudente (SP). Este laboratório estava composto por cinco microcomputadores, cinco kits multimídia, uma impressora jato de tinta, um scanner e acesso à Rede Internet. Os encontros ocorreram às segundas-feiras das 14:00 às 18:00 horas. As atividades foram desenvolvidas em duplas com a finalidade de haver cooperação, troca de idéias e respeito entre os sujeitos da pesquisa. Com o objetivo de trabalhar o tema: Os 500 Anos do Descobrimento do Brasil, propomos ao grupo a criação de uma Home-Page sobre a cidade de Presidente Prudente (SP). Para isso, foram utilizados alguns serviços da Rede Internet, como o E-Mail (correio eletrônico), o Chat (conversação) e visitas a sites sobre o assunto a ser trabalhado. Para a realização dessa atividade houve onze encontros com quatro horas de duração cada um, totalizando 44 horas de formação. No primeiro encontro com estes jovens, realizamos, inicialmente, uma dinâmica de apresentação com a finalidade de que todos os envolvidos no projeto se conhecessem melhor, buscando realizar um diagnóstico de suas expectativas em relação ao trabalho que estariam desenvolvendo. Em seguida, para que o grupo soubesse qual era o objetivo do trabalho, esclareceu-se como seriam desenvolvidas as atividades relacionadas ao uso da Rede Internet, para construir uma Home-Page com o tema “Brasil-Portugal: 500 Anos de Contínuas Descobertas”, com o intuito de comemorar os 500 Anos de Descobrimento do Brasil. Esclarecemos que esse trabalho consistiria na organização de um time virtual de estudantes brasileiros do qual eles fariam parte. A missão desse time seria pesquisar informações sobre sua respectiva cidade, para, posteriormente, disponibilizá-las em páginas eletrônicas na Rede Internet. Com a finalidade de familiarizar os jovens com o ambiente virtual, solicitamos que se agrupassem em duplas nos computadores para navegarem em alguns sites, utilizando os softwares Netscape Navigator ou Internet Explorer. Foram exploradas várias Home-Pages com temas diversificados para que os alunos fossem se familiarizando com os recursos do computador e interfaces da Internet. Aproveitando essa oportunidade, propomos aos jovens a criação de seus respectivos e-mails. Para isso, entraram no site do BOL (Brasil On-Line) 52 http://www.bol.com.br onde se cadastraram e obtiveram seus endereços eletrônicos pessoais. Ao terminarem, solicitamos a eles que enviassem uma mensagem eletrônica às pesquisadoras, informando suas opiniões e sensações ao navegarem pela Rede Mundial de Computadores. Segue abaixo dois exemplos dos e-mails enviados às pesquisadoras pelos jovens. _ Professoras, eu estou muito feliz de estar participando das aulas de informática, porque sempre quis participar, desde os 13 anos de idade. Espero que vocês gostem de mim. Maria Aparecida. _ Eu quero continuar com o curso de Informática, porque é muito bom para mim mais tarde quando eu procurar serviço. O primeiro dia da computação eu achei muito bom, porque aprendi viajar pela Internet. Eu espero aprender mais com a aula de Informática com as professoras. Thiago. Cabe ressaltar que o primeiro exemplo de e-mail, citado acima, foi elaborado por uma jovem extremamente tímida que tinha uma certa dificuldade em se expressar e fazer amizades. Ela apresentava uma dificuldade muito grande de se comunicar com as pesquisadoras e também com os colegas; ficava sempre em seu cantinho esperando que ninguém a notasse. Felizmente, essa timidez passou a ser deixada de lado a partir do momento em que se criou um espaço virtual para que dissesse o que estava sentindo sem que ninguém a recriminasse ou a rejeitasse. Por meio dos recursos de informação e comunicação (Moran, 1998) é possível às pessoas interagirem umas com as outras de uma maneira diferente, ampliarem seu rol de amizades, estabelecendo relacionamentos sinceros e duradouros com pessoas conhecidas e desconhecidas, próximas e distantes. Em seguida, sugerimos aos alunos que visitassem dois sites, o primeiro deles foi o site brasileiro: http://www.etfop.g12.br/PortBras/index.html, em que se divertiram com a caça ao tesouro, ou seja, passaram por alguns lugares portugueses desvendando charadas até encontrarem um tesouro. A visita a este site possibilitou aos alunos atingirem o objetivo proposto, através de tentativas e erros, cada vez que se deparavam com o erro se sentiam mais desafiados a dar continuidade ao jogo. O segundo foi o site português: http://www.esec-s-brasalportel.rcts.pt/ouro_preto/ouro_preto.htm. Ao navegarem por este site, os alunos tiveram a oportunidade de conhecer a bela cidade de Ouro Preto e algumas de suas figuras históricas, como, por exemplo, Aleijadinho. Diferente do primeiro site visitado que pôde ser explorado de uma forma lúdica, devido à “caça ao tesouro”, este segundo apresentou-se de uma forma menos dinâmica. Revista UniVap, v.10, n.18, 2003 Os jovens, acessando à Rede Internet, tiveram a oportunidade de participar também de um Bate-Papo. Entraram no site do UOL, na sala de convidados e puderam conversar com um índio da tribo Xavantes e com outros internautas conectados no momento. Com essa conversa os jovens enriqueceram a sua cultura, conhecendo algumas características destes índios, como, por exemplo: usos e costumes, comidas típicas, rituais de dança, alguns lugares existentes na aldeia, como o rio Cristalino, etc. Como houve interesse pela parte dos jovens em conhecer um pouco mais sobre os índios Xavantes, recomendou-se que entrassem no endereço: http://www.cotiguara.com.br/acultura.htm, para terem acesso a mais informações sobre a cultura das tribos Xavantes. Nesse endereço tiveram acesso a fotos de rituais comuns entre esses índios, a modos e costumes específicos da tribo e muitas outras informações. Neste mesmo encontro, os jovens receberam a visita do Professor Eduardo, diretor do Colégio Cotiguara de Presidente Prudente (SP), que foi divulgar o CD-ROM “A Cultura Xavante nos 500 Anos do Brasil”. construindo sobre a cidade de Presidente Prudente, os jovens foram convidados para visitarem alguns locais da cidade que ainda não conheciam, como, por exemplo, a sede do Jornal “O Imparcial”, onde puderam conhecer as instalações e as etapas de edição de um jornal; o estádio de futebol municipal, “O Prudentão”, onde conheceram as arquibancadas, o gramado e os vestiários. Após a explanação do site e do CD-ROM sobre os índios Xavantes, os jovens retornaram ao Bate-Papo com o intuito de escolherem uma sala para fazer novas amizades. Ficaram entusiasmados com a possibilidade de conversarem com pessoas a quilômetros de distância. Percebeu-se entre eles uma enorme preocupação em escrever corretamente as palavras, não queriam deixar transparecer ao colega que estava do outro lado da “tela” a inexperiência quanto ao uso da Internet e o modo de redigir algumas palavras. Foi possível observar que os jovens mais tímidos também se envolveram com a atividade, pois alguns deles quase não se expressavam durante os encontros e no momento em que estavam se comunicando, via computador, pareciam não sentir receio de dizer o que estavam pensando e sentindo. Ainda, com a finalidade de coletar dados sobre a cidade de Presidente Prudente, os jovens consultaram diversas fontes, como, por exemplo, jornais, revistas, enciclopédias, Rede Internet visitando os sites http:// www.prudenet.com.br e http://www.muranet.com.br, exploraram o CD-ROM “Prudente 2000 Virtual”, produzido pela empresa Caltech Informática Ltda. de Presidente Prudente (SP), dentre outras. Após a pesquisa, reuniram o que haviam coletado, dividiram entre as duplas os assuntos que consideraram relevantes e deram início à digitação e formatação dos textos da Home-Page. O software utilizado foi o editor de textos Microsoft Word que foi escolhido pela facilidade de operação. Os temas escolhidos para compor o índice inicial da Home-Page foram: o histórico da cidade, bandeira, brasão, hino, localização, prefeitos, educação, comércio, indústria, dados ambientais, dados populacionais, turismo e lazer, de acordo com a ilustração da Figura 1. Em um outro momento, com o intuito de iniciar a coleta de dados para a Home-Page que estariam Outro local visitado foi o Horto Florestal, onde viram diversas mudas de plantas, árvores e um minhocário onde era produzido o húmus utilizado para a preparação da terra. Para finalizar essa atividade, o último local a ser visitado foi o “aeroporto municipal” e um “hangar”, onde os jovens puderam, pela primeira vez em suas vidas, ter o contato com um avião. Ao sair do aeroporto, o grupo retornou a FCT/UNESP/Presidente Prudente (SP), onde propomos a eles que elaborassem um relatório sobre os locais que haviam visitado. Todos voltaram felizes para suas casas, pois naquele dia tiveram a chance de conhecer um pouco melhor a cidade em que residiam, visitando lugares desconhecidos. Fig. 1 - Página inicial da Home-Page contendo o índice. Revista UniVap, v.10, n.18, 2003 53 Dando prosseguimento à construção deste ambiente virtual, cada jovem elaborou uma página pessoal contendo os seguintes dados: data de nascimento, nacionalidade, cidade, e-mail, série, escola, o que mais gosta de fazer, hobby, música(s) preferida(s) e profissão desejada. Assim, puderam olhar um pouco para si mesmos e expressar suas preferências, inclusive suas perspectivas e sonhos futuros. Percebemos que a criação dessas páginas pessoais permitiu aos jovens realimentarem suas esperanças de um dia poderem melhorar suas condições financeiras, sendo um profissional competente e reconhecido. Finalizadas as páginas pessoais, os jovens decidiram colocar na Home-Page que estavam construindo, além de textos informativos sobre a cidade de Presidente Prudente, um jogo elaborado por eles, denominado “Conheça Prudente Brincando”. Para isso, chegaram a um consenso de que deveriam selecionar alguns mapas, como o da América do Sul, do Brasil, do Estado de São Paulo e da cidade de Presidente Prudente, para comporem páginas contendo charadas que deveriam ser desvendadas pelos internautas com a finalidade de levá-los a refletir sobre alguns conhecimentos geográficos, históricos, climáticos, ambientais, entre outros, trazidos pelo mapa até chegarem ao tesouro procurado, a cidade de “Presidente Prudente”. Assim, as pessoas que estariam visitando o site poderiam encontrar duas formas de navegação: uma delas seria a forma mais tradicional onde se escolheria o tema a ser explorado, simplesmente, dando-se um clique com o mouse sobre uma palavra, ou seja, através dos links, e um outro caminho seria tentar desvendar essas charadas percorrendo por meio de mapas, refletindo e escolhendo a opção correta. Com isso, os internautas estariam sendo levados a uma viagem pela história de alguns países da América do Sul, chegando até ao Brasil, como demonstra a Figura 2, e, em seguida, à cidade de Presidente Prudente de uma forma mais lúdica e criativa. Fig. 2 - Página contendo o mapa do Brasil e uma charada a ser desvendada. Solicitou-se, então, a pesquisa de alguns mapas e dados geográficos, a fim de se elaborarem as páginas com as charadas. Cada dupla se empenhou para elaborar charadas que poderiam estar instigando a curiosidade dos internautas, levando-os até o final do jogo. Também tiveram a preocupação de construir, para cada charada, uma tela contendo uma dica para as pessoas que poderiam estar encontrando dificuldades durante a navegação. Para criar essas dicas, os jovens tiveram de pesquisar em livros de Geografia, História e enciclopédias, assuntos referentes ao respectivo tema trazido pelo mapa (América do Sul, Brasil, São Paulo e Presidente Prudente). Com essa tarefa, os jovens puderam aprender um pouco mais sobre alguns aspectos geográficos, históricos, políticos, sociais, econômicos, ambientais, dentre outros, assim como algumas características específicas de cada uma das regiões abordadas. 54 Finalizada esta etapa, houve a disponibilização da Home-Page sobre a cidade de Presidente Prudente na Rede Internet para acesso pelos jovens, com a finalidade de testá-la e depurar o trabalho desenvolvido pelo grupo. O produto obtido com a realização desse projeto pode ser observado no seguinte endereço eletrônico http:// www.prudente.unesp.br/brasil500/abertura2.htm. 3. RESULTADOS A oportunidade de ter participado das atividades propostas nesse grupo de trabalho foi de muita importância para todos os jovens participantes da pesquisa. Palavras como: “adorei, gostei, muito bom e legal”, fizeram-se presentes na avaliação final, o que nos levou a acreditar no sucesso e eficiência do projeto, assim como no prazer demonstrado pelos jovens em ter participado do trabalho. A satisfação em ter aprendido e Revista UniVap, v.10, n.18, 2003 descoberto coisas novas também ficou evidente. desenvolve sua ação pedagógica (Moran, 1998). A aquisição de conhecimentos, tanto em relação ao uso das novas tecnologias quanto aos saberes relacionados aos conteúdos pesquisados para a construção da Home-Page, contribuiu para o enriquecimento cultural, pessoal, intelectual e cognitivo dos jovens integrantes do grupo de pesquisa. Os jovens também relataram que estavam tristes devido ao término do projeto de pesquisa. Alguns mencionaram o receio de serem “esquecidos” pelo grupo. Isso demonstrou que o fato de ter ingressado nesse trabalhado científico possibilitou a esses jovens, pertencentes a uma classe social desfavorecida, mostrarem o seu potencial e acreditarem que são capazes, o que até então não era reconhecido pelos próprios jovens, porque no início do projeto apresentavam uma baixa auto-estima e uma falta de confiança em si mesmos, pois achavam, inicialmente, que seria muito difícil construir um site na Rede Internet. O reconhecimento da relevância desse projeto como um meio de preparação dos jovens para o mercado de trabalho pôde ser notado nos relatos analisados; a preocupação com o futuro profissional fez com que muitos deles se empenhassem em realizar cuidadosamente as tarefas propostas. Reconheciam que participar deste grupo era uma forma de estarem se capacitando e aprimorando-se para posteriormente serem integrados nesta sociedade tão competitiva na qual vivemos. Podemos afirmar que a vontade de ascender socialmente serviu como um incentivo a esses jovens que sabiam de suas dificuldades financeiras e, por isso, manifestavam a importância de estarem aproveitando a oportunidade. O empenho desses jovens não foi em vão, pois ao finalizarmos as atividades do projeto alguns deles conseguiram se inserir no mercado de trabalho; um deles conseguiu emprego em um dos Jornais da cidade como office boy; uma das jovens foi contratada como caixa em uma loja de conveniência; outra, como recepcionista em um consultório médico; e um outro passou a interagir mais com a Rede Internet, construindo páginas pessoais. Uma preocupação em dar continuidade aos encontros também foi notada nesta avaliação, pois a maioria dos jovens questionou sobre a possibilidade de um novo projeto de pesquisa ser organizado, de modo que pudessem aprimorar os conhecimentos adquiridos até então. Outro ponto positivo evidente nos relatos analisados foi em relação às novas amizades construídas no decorrer dos encontros. Acredita-se que por ser uma equipe pequena, e o trabalho se concretizar na maioria das vezes em grupo, facilitou a socialização entre os membros. Procuramos manter no interior do Laboratório de Informática um clima agradável, descontraído, onde todos tiveram a liberdade de se expressar e trocar idéias no momento em que desejassem e aprender conceitos de maneira lúdica e prazerosa. Além disso, os jovens se sentiram à vontade para expor o que estavam pensando, sem receio de serem recriminados, pelo contrário, sabiam que suas opiniões seriam respeitadas e levadas em consideração. O que mais favorece o processo ensinoaprendizagem, além das tecnologias de informação e comunicação, é a capacidade de comunicação sincera do professor, de criar relações de confiança com seus alunos, pelo equilíbrio, competência e simpatia com que Revista UniVap, v.10, n.18, 2003 Essa sensação dos jovens de perceberem que foram capazes de produzir algo considerado impossível é denominada de empowerment (Valente, 1999). E ainda o fundamental é que eles conseguiram compreender o que haviam construído, podendo relatar o que haviam realizado e mostrar a outras pessoas, ou melhor, ao mundo, o resultado de seu empenho e dedicação. Acreditar nas próprias capacidades mentais e ter o sentimento de empowerment contribuem para que continuemos a melhorar nossas capacidades mentais e depurar nossos pensamentos e ações (Valente, 1999). Além disso, nesse projeto de pesquisa, encontraram um espaço para demonstrarem suas capacidades e desenvolverem novas competências, como, por exemplo: saber comunicar, raciocinar, argumentar, negociar, organizar, aprender, procurar informações, conduzir uma observação, construir uma estratégia, tomar ou justificar uma decisão, relacionar, comparar, calcular, escolher, utilizar as novas tecnologias, respeitar as idéias alheias, entre outras. São as diversas situações enfrentadas por uma pessoa com uma certa freqüência que possibilita a construção de competências (Perrenoud, 1999). As competências são importantes metas da formação. Elas podem responder a uma demanda social dirigida para a adaptação ao mercado e às mudanças e também podem fornecer os meios para apreender a realidade e não ficar indefeso nas relações sociais. Para escrever programas escolares que visem, explicitamente, ao desenvolvimento de competências, podem-se tirar, de diversas práticas sociais, situações problemáticas das quais serão “extraídas” competências. Trabalhar para o desenvolvimento de competências não se limita a torná-las desejáveis, propondo uma imagem convincente de seu possível uso, nem ensinando a teoria, deixando entrever sua colocação em prática. Trata-se de “aprender, fazendo, o que não se sabe fazer”. Em um trabalho norteado pelas competências, 55 o problema, e não o discurso, é que organiza os conhecimentos, ou seja, parte da ciência do professor é ignorada. Resta-lhe apenas reconstruir outras satisfações profissionais, em que não se consiste em expor conhecimentos de maneira discursiva, mas sim de sugerir e de fazer trabalhar as ligações entre conhecimentos e situações concretas (Perrenoud, 1999). Segundo este cenário, a noção de problema (Meirieu, 1998) insiste no fato de que, para ser realista, um problema deve estar de alguma maneira incluído em uma situação que lhe dê sentido. Há várias gerações de alunos, a escola tem proposto problemas artificiais e descontextualizados. É necessário ter em mente que uma situação-problema deve permitir ao aluno tomar uma série de decisões para que consiga alcançar um objetivo que ele mesmo definiu ou que lhe foi proposto. Sendo assim, a proposta de elaboração da HomePage sobre a cidade de Presidente Prudente possibilitou aos jovens participantes da pesquisa vivenciarem situações significativas e contextualizadas (Schlünzen, 2000) que permitiram o seu desenvolvimento intelectual, pessoal, social, emocional, político e espiritual. Além disso, proporcionou condições para que os jovens construíssem algumas competências fundamentais para a sua inclusão digital e social na sociedade globalizada. 4. CONCLUSÕES O uso da Rede Internet no ambiente educacional tem estado presente quase desde os primeiros momentos do seu surgimento. Ela está cada vez mais presente na vida acadêmica das universidades. Alguns professores começaram a utilizar, de uma ou outra forma, nas suas atividades docentes, algumas ferramentas telemáticas nas orientações de trabalhos acadêmicos, na realização de debates eletrônicos, para facilitar aos estudantes o acesso à informação etc. A cultura das telecomunicações está entrando também no ensino fundamental e médio, na educação de adultos e na educação informal. As vantagens e os valores educacionais e formativos do trabalho cooperativo em redes têm sido amplamente reconhecidos e argumentados. O desenvolvimento da Home-Page sobre a cidade de Presidente Prudente (SP) possibilitou que os jovens, sujeitos desta pesquisa, fossem envolvidos em atividades que resultaram em novos conhecimentos ou em uma nova organização do conhecimento. Ao interagir com as informações, selecioná-las e disponibilizá-las na Rede Internet puderam aprender conceitos relacionados aos diversos conteúdos escolares. E, simultaneamente, tiveram condições de se capacitarem para serem inseridos no mercado de trabalho (Terçariol; Meneguette, 2001). 56 Além disso, as tarefas desenvolvidas permitiram o contato com pessoas de diferentes culturas, os jovens puderam estabelecer uma relação mais profunda com o seu meio, obtendo informações da comunidade em que vivem e, como conseqüência desse estudo, construíram um produto útil para a comunidade à qual pertencem. Dessa forma, com a construção de um ambiente virtual criou-se espaço para que ocorresse um processo de aprendizagem significativa e contextualizada, possibilitando ainda o desenvolvimento integral dos sujeitos envolvidos na pesquisa. Contudo, cabe ressaltar que é fundamental um investimento na formação do professor para o uso das tecnologias de informação e comunicação, de modo que possa, em um processo de reflexão na ação e sobre a ação, rever a sua prática e adotar uma nova postura de facilitador do processo de ensino-aprendizagem e não mais de transmissor de informações. Para tanto, faz-se necessário oferecer-lhe subsídios para que instigue seus alunos a construir o próprio conhecimento de uma maneira autônoma, criativa e prazerosa. 5. REFERÊNCIAS ALMEIDA, M. E. B. Incorporação da tecnologia de informação na escola: vencendo desafios, articulando saberes, tecendo a rede. In: M. C. MORAES. Educação à distância: fundamentos e práticas. Campinas, SP: UNICAMP - NIED, 2002. MEIRIEU, P. Aprender... sim, mas como? Trad. Vanise Dresch. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998. MORAES, M. C. Tecendo a rede, mas com que paradigmas? In: MORAES, M.C. Educação à distância: fundamentos e práticas. Campinas, SP: UNICAMP - NIED, 2002. MORAN, J. M. Mudanças na comunicação pessoal: gerenciamento integrado da comunicação pessoal, social e tecnológica. São Paulo: Paulinas, 1998. PAPERT, S. A máquina das crianças: repensando a escola na era da informática. Trad. Sandra Costa. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994. PELLEGRINO, C. N. Jogo ecologia da paz: criando ambientes para o desenvolvimento de redes de valores humanos nas escolas. 2001. Tese (Doutorado em Educação) - PUC, São Paulo. PERRENOUD, P. Construir as competências desde a escola. Trad. Bruno Charles Magne. Porto Alegre: Artes Médicas, 1999. Revista UniVap, v.10, n.18, 2003 SCHLÜNZEN, E. T. M. Mudanças nas práticas pedagógicas do professor: criando um ambiente construcionista contextualizado e significativo para crianças com necessidades especiais físicas. 2000. Tese (Doutorado em Educação) – PUC, São Paulo. TERÇARIOL, A. A. L.; MENEGUETTE, A. A. C. Alfabetização digital: o processo de ensinoaprendizagem diante das novas tecnologias na educação. Relatório de Pesquisa de IC/FAPESP, FCT/Unesp/ Campus de Presidente Prudente, SP, 2001. Revista UniVap, v.10, n.18, 2003 VALENTE, J. A. O papel do professor no ambiente logo. In: VALENTE, J. A. O professor no ambiente logo: formação e atuação. Campinas, SP: UNICAMP – NIED, 1996. VALENTE, J. A. Análise dos diferentes tipos de softwares usados na educação. In: VALENTE, J. A. O computador na sociedade do conhecimento. Campinas, SP: UNICAMP – NIED, 1999. 57 O Espaço e o Sagrado em Festejos Religiosos de Comunidades Ribeirinhas de Porto Velho, Rondônia Adriano Lopes Saraiva * Resumo: Esse artigo analisa a manifestação do sagrado e do profano a partir da realização de festejos religiosos em comunidades ribeirinhas de Porto Velho, buscando compreender como se dá a organização espacial a partir da religiosidade desse grupo social. Palavras-chave: Populações ribeirinhas, festejos religiosos, espaço sagrado, espaço profano, religiosidade. Abstract: This article analyzes the manifestation of the sacred and the profane through religious festivities in riverside communities of Porto Velho, searching for the understanding of the spatial organization derived from the religiosity of this social group. Key words: Riverside populations, religious festivities, sacred space, profane space, religiosity. “... o verdadeiro significado do sagrado vai além das imagens, templos e santuários, porque as experiências emocionais dos fenômenos sagrados são as que se destacam da rotina e do lugar comum...” (Rosendahl, 2001, p.28). 1. INTRODUÇÃO As atribuições dadas ao espaço de comunidades ribeirinhas estão diretamente ligadas à cultura e ao modo de vida dessas populações, repleto de crenças, de mitos, de símbolos e da religiosidade. Como característica marcante dessa cultura, temos as narrativas míticas e as lendas que possuem como ponto forte à caracterização dos elementos da natureza. Outro aspecto a ser destacado são os festejos religiosos, manifestações da fé católica do grupo que constituem rituais ricos em significados. O sagrado e o profano são destacados por Eliade (1992, 1998) como modos distintos de ser no mundo capazes de promover mudanças espaciais; nesse sentido Rosendahl (1999b) contextualiza a questão do sagrado e do profano como formador e modificador do espaço, seja de uma comunidade ou de uma cidade. Já Durkheim (1989) afirma que no universo das religiões, sejam elas católicas * Licenciado em Geografia da Universidade Federal de Rondônia/UNIR. Membro do Centro de Estudos Interdisciplinar em Desenvolvimento Sustentável e Populações Tradicionais da Amazônia - CEDSA. 58 ou não, existirá sempre a divisão entre esses dois modos de viver o religioso. O presente estudo foi desenvolvido nas comunidades de São Carlos, Prosperidade e Nazaré, localizadas na região do rio Madeira à jusante de Porto Velho, Estado de Rondônia. As festas que foram objetos do estudo são as seguintes: Festejo de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, Nossa Senhora da Saúde, Nossa Senhora de Nazaré e de São Sebastião. O objetivo deste artigo é discutir as diversas designações dadas ao espaço de comunidades ribeirinhas a partir da realização de festejos religiosos; utilizando para tanto abordagens teóricas e metodológicas de Mircea Eliade, Zeny Rosendahl e Émile Durkheim. 2. AS DESIGNAÇÕES DADAS AO ESPAÇO DAS COMUNIDADES A forma de perceber a organização espacial para o ribeirinho está em permanente relação com seu modo de vida. As águas possuem grande destaque nesta organização espacial, pois o movimento da cheia e da vazante é fator de mudança conhecida e esperada pela comunidade. Quando uma enchente ultrapassa a expectativa, não é sinal de calamidade, pois esse modo de vida já possui alternativas para contornar essa situação, como, por exemplo, ocupar áreas de terras altas temporariamente. Esse espaço não é homogêneo, há diferenciações no que se refere ao modo de organizar as moradias e Revista UniVap, v.10, n.18, 2003 outros locais ligados ao cotidiano das pessoas. A festa vem para mudar esse espaço, seja pelo seu caráter aglutinador de pessoas (Rosendahl, 1999b) ou pelo seu caráter ritual e religioso (Duvignaud, 1983). É no espaço que as relações são travadas e o resultado fica lá impresso, conseqüentemente temos no período da festa a diferenciação espacial entre o sagrado e o profano. Fato destacado por Durkheim (1989, p.73), já que “... cada grupo homogêneo de coisas sagradas ou mesmo cada coisa sagrada de alguma importância constitui um centro de organização à volta do qual gravita um grupo de crenças e de ritos...”. Todavia, é importante ressaltar que essa diferenciação também é feita por intermédio de acontecimentos ligados a mitos e símbolos das matas e das águas, lógico que não ligado ao religioso/divino e sim às crenças existentes no universo mental do grupo. Rosendahl (1999a, p.233) define o espaço sagrado “... como um campo de forças e de valores que eleva o homem religioso acima de si mesmo, que o transporta para um meio distinto daquele no qual transcorre sua existência”; dentro da perspectiva da sacralidade do espaço Eliade (1998, p.298) nos diz que a “...noção do espaço sagrado implica a idéia da repetição da hierofania primordial que consagrou este espaço transfigurando-o, singularizando-o, em resumo, isolando-o do espaço profano a sua volta...”. A noção de espaço sagrado está desvinculada do espaço profano, logo o espaço que podemos considerar como sagrado dentro das comunidades é a igreja. Para Rosendahl (1997, p.126) “a definição de um lugar sagrado reflete a percepção que o grupo envolvido, como simbolismo das formas espaciais varia de grupo para grupo, dificilmente se pode generalizar sobre os princípios da paisagem religiosa”. Um exemplo disso está na localidade de São Carlos, onde existe o Santo da Floresta, uma imagem de santo que foi envolvido pelas raízes de uma gigantesca samaumeira e que não se tem conhecimento de quem a colocou neste local e nem quando isso aconteceu; na verdade, revestese de singularidades que somadas à vida dos moradores constituem novos significados e símbolos, tornando-se, assim, motivos de peregrinações, devoção e homenagens por parte de alguns grupos. Esse fato ilustra a fé do ribeirinho, pois mesmo que não haja uma igreja, sempre existirá um espaço socialmente construído para o sagrado, um locus de fé e de crenças. A igreja aparece como um espaço dedicado ao santo padroeiro da comunidade. Nas comunidades ribeirinhas não é apenas a igreja que é o espaço para orações e outros atos religiosos, também existem capelas e casas de determinados moradores que constituem, por inúmeros caminhos, lugares dedicados ao sagrado. Portanto, as características básicas de uma igreja de uma Revista UniVap, v.10, n.18, 2003 comunidade ribeirinha é que ela, além de ser o lugar onde os moradores podem demonstrar sua fé e devoção e receberem os sacramentos, são também locais em que ocorrem reuniões especiais em que as decisões tomadas são consideradas “separadas”, logo não se quebra com facilidade o acordo feito. Há outros locais dentro da comunidade onde podem ser realizadas essas reuniões, como o centro comunitário, a escola, nas sombras das árvores. Mas a igreja funciona como centro de decisões, local onde o que é dito tem “mais valor” para seus moradores. Nesse sentido, a igreja representa um local único e de grande importância para essas populações, funcionando como centralizador das crenças do grupo. O local onde observamos que os rituais passam a ser representações do que existe dentro do modo particular de acreditar nos preceitos promovidos pela igreja, o que torna tais preceitos coletivos. E as cerimônias são celebradas por um “presidente” ou “ministro”, que graças a um papel de destaque exerce sua função social e é designado, com isso exerce influência marcante na vida religiosa da comunidade. Os espaços caracterizados como profanos estão ligados a atividades não-religiosas, voltadas para o divertimento e o comércio. O espaço profano é definido por Rosendahl (1999a, p. 239) “...como o espaço desprovido de sacralidade, estrategicamente ao “redor” e “em frente” do espaço sagrado”. O festejo tem dentro de sua realização atividades voltadas para o divertimento da população, é o caso do futebol, do forró e das bancas de venda. São momentos distintos da procissão e da celebração; portanto poderíamos, grosso modo, classificá-los como profanos, mas ficamos ainda na dependência de entendermos o significado que cada grupo dá a essas atividades. Na verdade, não temos uma fórmula de ver os fatos e diretamente classificá-los. Na característica da cultura dos grupos tradicionais da Amazônia, isso nos remete a uma grande aventura: a de termos o real desprendimento de olharmos para as manifestações sócio-culturais dos grupos e nos aproximarmos o máximo possível desses valores. É um caminho de descoberta, de aprendizado e de aventura para o pesquisador e, muitas vezes, nas palavras do ribeirinho, são “caminhos de águas perigosas, de remansos e banzeiros”. Os espaços utilizados para essas atividades estão em volta da igreja, mas estão em constante ligação com o espaço sagrado da igreja. Para Durkheim (1989, p.72): A coisa sagrada é, por excelência, aquela que o profano não deve, não pode impunemente tocar. Certamente, essa interdição não poderia desenvolver-se a ponto de tornar impossível toda 59 comunicação entre os dois mundos; porque se o profano não pudesse de nenhuma forma entrar em relação com o sagrado, este não serviria para nada. atividades realizadas durante a festas constituem momentos onde o espaço ganha contornos diferentes do que possui durante o cotidiano (...), cada morador vive o espaço de uma maneira particular.” Durante a festa ou nos momentos sagrados, ocorrem outros acontecimentos. Há o consumo do lazer e da diversão. O festejo representa o não-cotidiano, além disso, o morador da comunidade utiliza-se desse momento para divertir-se, fazer algo distinto do dia-a-dia. O sagrado manifesta-se por intermédio da hierofania (Eliade, 1992, 1998), significa dizer que algo de sagrado revela-se na realidade vivida pelo homem. Para Rosendahl (1997, p. 125) “o espaço sagrado se revela não somente através de uma hierofania, mas também por rituais de construção e, neste caso, os rituais representam repetições de hierofanias primordiais conhecidas”. Para o ribeirinho, o fato de determinados acontecimentos estarem presentes na festa não implica que sua participação em um ou outro possa estar fora do caráter religioso do festejo. O discernimento entre o que vem a ser profano ou sagrado na festa está ligado aos acontecimentos vistos de uma outra ótica. O ribeirinho ao ser questionado a respeito se o forró é ou não festa de santo, sua resposta será afirmativa, porque a festa começou a existir junto com o grupo. É algo que não pode ser dissociado, o festejo e o ribeirinho. 3. OS FESTEJOS RELIGIOSOS EM COMUNIDADES RIBEIRINHAS E A MANIFESTAÇÃO DO SAGRADO E DO PROFANO Os festejos representam momentos de intenso convívio entre os moradores das comunidades, as relações estreitam-se, parentes que estavam distantes encontram-se, amigos trabalham juntos nos preparativos para a festa, a família reúne-se, entre outros aspectos. O acontecimento possui seu modo próprio de ser realizado, reflexo da maneira pela qual o grupo organiza sua vida. Vindo a representar ritual de renovação do modo de produção, do período que se inicia e que é voltado para o plantio ou colheita dos produtos agrícolas das comunidades. Manifestações da cultura popular como as festas religiosas são estudadas e definidas de diversas maneiras, alguns autores como DaMatta (1997), Figueiredo (1999), Duvignaud (1983), Rosendahl (1999a) e Maia (1999) levantam questões que se referem ao caráter ritual, religioso, político, organizativo, cultural e formador de grupos sociais desse acontecimento. Por conseguinte, a festa possui a capacidade de fazer com que a comunidade, por alguns dias, saia de sua rotina, passando um certo período de tempo com um cotidiano diferenciado; assim Duvignaud (1983, p. 71) afirma que “a festa é um período peculiar, apesar de inteiramente integrado à sociedade, período no qual a vida coletiva é extremamente intensa. Os fenômenos relativos ao sagrado e à religião correspondem a momentos de efervescência e de unanimidade.” Segundo estudos recentes de Saraiva & Silva (2002, p. 204) “as 60 Além disso, Eliade (1998, p. 297) nos explica que a manifestação do sagrado é imposta também ao homem, o que implica dizer que o homem que vive nessa realidade não a percebe, ele apenas a vive de uma maneira calma e serena. Portanto, caracterizar essas hierofanias no ambiente ribeirinho é uma tarefa complexa, visto que essas manifestações são “diferentes” dentro do aspecto observável das populações ribeirinhas. Ademais, o mundo do ribeirinho é orientado pela construção de uma rede de significados manifestos nos símbolos e mitos da paisagem habitada. Dentro desse modo de vida, Rosendahl (1999a, p. 231) nos diz que “a palavra sagrado tem o sentido de separação e definição, em manter separadas as experiências envolvendo uma divindade, de outras experiências que não envolvam, consideradas profanas.” Há uma linha tênue que separa o sagrado do profano, muitas vezes é percebida durante as festas religiosas, ou algumas vezes esses dois momentos não acontecem, pois no decorrer do cotidiano da comunidade as atividades realizadas não são remetidas nem ao sagrado e nem ao profano. As festas religiosas apresentam para os moradores das comunidades ribeirinhas rituais e objetos que remetem ao divino, à ligação do homem com Deus. Podemos citar a procissão e a celebração como dois momentos principais ligados ao sagrado. A procissão para DaMatta (1997, p. 65) é definida como um desfile especial; onde observamos características de ambos(o sagrado e o profano), dentro de um mesmo momento, pois a imagem do santo está com o povo e dele recebe na rua (e não na igreja) suas orações, cânticos e piedade. Nesse momento as pessoas rezam, pagam promessas e penitências, o fazem para mediar seu contato com a divindade. Com efeito, Rosendahl (1999b, p. 61) nos diz que “a prática religiosa de ‘fazer’ e ‘pagar’ promessas constitui uma devoção tradicional e bastante comum no espaço sagrado dos santuários católicos”. Assim, ao elegerem uma imagem e em torno dela organizarem um Revista UniVap, v.10, n.18, 2003 acontecimento capaz de modificar o tempo e o espaço, essa devoção é a mais clara representação da hierofania. A realidade vivida pelo homem ribeirinho está ligada ao seu comportamento eminentemente religioso, e tal comportamento está arraigado ao seu modo de vida, o que é sustentado por Durkheim (1989, p. 68), pois ... todas as crenças religiosas conhecidas, sejam elas simples ou complexas, apresentam um mesmo caráter comum: supõem uma classificação das coisas, reais ou ideais, que os homens representam, em duas classes ou em dois gêneros opostos, designados geralmente bem, pelas palavras profano e sagrado. O profano dentro da realidade ribeirinha é ainda mais difícil de ser percebido, seja pelo seu caráter inconstante, pois o ribeirinho não divide seu modo de vida entre o sagrado e o profano; os acontecimentos que envolvem a fé e devoção é que vão determinar a existência de um ou de outro, ou mesmo de ambos. Alguns estudiosos se referem ao profano como o comércio e as danças. Todavia essa proposição não deve ser levada ao pé da letra no estudo com populações ribeirinhas, pois esses dois momentos fazem parte da festa e são esperados com uma certa ansiedade pelos moradores. O “baile” ou “forró” está presente em quase todos os festejos e é uma das tradições da festa. No que se refere ao comércio, há uma prática muito comum que é a realização de leilões para angariar fundos para a igreja do santo homenageado. Nesse sentido, então não podemos considerar o leilão como uma atividade caracteristicamente profana, as pessoas que compram os objetos que são doados pelos moradores da comunidade o fazem para ofertar ao santo uma parte do que lhe é dado durante o restante do ano, o fruto de seu trabalho e uma parte dele é ofertado ao santo. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Os estudos geográficos de acontecimentos que envolvam a fé e as crenças diferenciam no espaço o sagrado e o profano. A igreja aparece como espaço sagrado - local de orações, de celebrações, do encontro do homem com o divino - o que está a sua volta, o comércio, danças e divertimento, podem ser caracterizados como profano. O que estamos levantando neste artigo é que para o ribeirinho nem sempre essa é a diferenciação que predomina. O que vai dar o caráter de sacralidade ao espaço é a vivência baseada na relação do devoto com o santo, ou seja, a maneira como o homem se comunica com a figura do santo padroeiro; que será traduzida na forma de festas religiosas. Revista UniVap, v.10, n.18, 2003 As análises de Rosendahl (1999b, p. 108) acerca do espaço sagrado e do espaço profano podem ser somadas a nossa discussão, pois ela afirma que “o fundamental da análise geográfica é que o espaço sagrado se origina no imaginário coletivo e, portanto, revela simbolismo que ultrapassa qualquer concepção, seja ela tradicional ou pós-moderna.” Por conseguinte, os aspectos aqui levantados estão ligados a apenas um dos muitos aspectos existentes no universo das populações ribeirinhas. Ao abordamos um desses aspectos, ou seja, o que nos remete ao mundo das crenças, estamos fazendo isso levando em consideração que tanto o sagrado como o profano são aspectos observáveis dentro desse modo de vida, sendo, assim, passíveis de análise. O ambiente ribeirinho constitui-se em um campo amplo para estudos voltados para a cultura e estudos acerca das festas religiosas; dentro da geografia, ainda são recentes dentro do país. O espaço comunidades ribeirinhas não é homogêneo e as mudanças podem ser observadas através de diversos aspectos. O espaço pode ser o mesmo, mas a concepção simbólica pode variar entre os moradores e as pessoas que participam da festa religiosa. O festejo nos permite observar que o caráter religioso tem grande destaque dentro desta realidade. Portanto, o caminho para a compreensão do sagrado e do profano é apenas um dos aspectos inerentes à festa e que está presente no modo de vida ribeirinho. O fator religioso possui força e constitui um dos modificadores da espacialidade do grupo que traz à tona momentos de grande importância para o estudo do modo de vida, dos costumes, do cotidiano, das representações simbólicas e da religiosidade. Constitui-se, então, um amplo caminho para o encontro e conhecimento do humano que é a essência do papel da Ciência. 5. BIBLIOGRAFIA CLAVAL, P. O tema da religião nos estudos geográficos. Espaço e Cultura. 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Revista UniVap, v.10, n.18, 2003 Árvore da Vida: a Raiz e a Seiva da Memória Elizabeth Moraes Liberato * Resumo: Ser idoso, em nossa sociedade, é sobreviver: ao tempo e às dificuldades. Neste percurso, vivendo/sobrevivendo, o idoso foi e continua sendo o expectador e agente de conquistas e realizações; existindo, continua exercendo sua condição de ator: é o ser das relações concretizadas, do vínculo entre as épocas e as gerações. Daí sua importância na construção da memória da sociedade. Na Faculdade da 3.a Idade – UNIVAP, São José dos Campos, criada em 1991, realizamos esta pesquisa, com objetivo de compreender como os alunos percebem a si próprios e o mundo à sua volta, pela reconstituição de sua trajetória de vida, cujos dados fenomenológicos arquivados na memória constituem lembranças e sensações e levam à reflexão; a recomposição desse quebracabeça existencial, a junção dessas peças contribui para a compreensão do quadro mais amplo da realidade da vida. Os idosos que participaram deste estudo nos mostram suas raízes construídas em bases sólidas; as suas lembranças evocam o passado, mas dão ênfase à construção do presente, expressam suas preocupações, em face de um mundo cujo ritmo de mudanças trouxe melhorias, sobretudo, crises que têm repercutido na educação, no desemprego, causando instabilidade social. Os idosos precisam ser respeitados e ouvidos, para que se possa planejar um futuro melhor, nesse movimento contínuo da vida e de construção da história da humanidade. Palavras-chave: Memória, lembrança, idoso, sociedade. Abstract: Being elderly in our society is a survival lesson: beating time and difficulties. Living and surviving in our society, the elderly have been, and still are, the audience and agent of conquests and achievements. Existing, they carry on with their acting role: the agents of the concrete actions, of the connection between eras and generations. That is why they are so important for the construction of the memory of our society. At the “Senior Citizen College”, established in 1991 at Universidade do Vale do Paraíba (UNIVAP), São José dos Campos, SP, we carried out a research in order to understand the degree of perception the elderly students have of themselves and of the surrounding world Through the he reconstitution of their life trajectories whose phenomenological data archived in their memory, constitute memories and sensations that lead to reflection. The reconstitution of that existential puzzle, putting together the pieces, contributed to a wider understanding of the reality of life. The elderly that participated in this study demonstrated that their roots are built on solid ground. Their memories evoke the past but emphasize the present. They express their worries about a world whose changes brought improvements but also crises in areas like education and labor, resulting in social instability. The elderly must be respected and heard in order to plan a better future for everyone, considering life’s continuous evolution and the construction of the history of mankind. Key words: Memory, elderly, society. “Em mim, também, foram destruídas muitas coisas que julgava iriam durar para sempre, e novas coisas se edificaram, dando nascimento a penas e alegrias novas, que eu não poderia prever então, da mesma forma que as antigas se me tornaram difíceis de compreender.” (Proust, 1957, p. 39). “Uma lembrança é um diamante bruto que precisa ser lapidado pelo espírito. Sem o trabalho da reflexão e da localização, seria uma imagem fugidia.” (Bosi, 1994, p. 81). * Professora e Pró-Reitora de Avaliação da UNIVAP. Revista UniVap, v.10, n.18, 2003 63 1. OS CAMINHOS DA MEMÓRIA Para a criança, a essência da cultura é transmitida através da fidelidade da memória. O adulto norteia suas ações pelo presente, porém busca no passado tudo o que se relaciona com suas preocupações atuais (Bosi, 1994). Por outro lado, o idoso é o repositório da memória social, sendo valorizado em maior ou menor escala conforme a cultura de cada sociedade; muitas vezes, por não agregar valor como força de trabalho, sofre discriminação e isolamento, o que pode ocorrer no seio da própria família e na sociedade, que permanecem alheias ao seu potencial e à sua experiência acumulada, cuja transmissão é importante para humanizar a vida presente. vai paulativamente individualizando a memória comunitária e, no que lembra e no como lembra, faz com que fique o que signifique. O tempo da memória é social...” (p. 31). A experiência de cada um, quando recuperada da memória, pode reconstituir a história humana. O idoso, como sujeito histórico significativo, ao lembrar os elementos de vida e da estrutura social de seu passado, superpondo ao seu hoje, irá expressar as mudanças decorrentes da passagem do tempo, no seu modo de apreendê-lo em todos os seus aspectos; explicita, assim, para todos nós a dinâmica da sociedade. Devemos atentar, então, para o fato de que Assim expressa Barros, quando analisa os fatores resultantes dessa exclusão que se caracteriza, em seus “enfoques básicos, por uma diminuição de áreas de contato social e por um processo de reclusão na família; ou seja, a perda das áreas sociais através da aposentadoria ou da viuvez passa a conferir à família uma importância fundamental nas relações sociais dos velhos” (Barros, 1998, p. 162). O que se constata é que ser idoso, em nossa sociedade, é sobreviver: ao tempo, às dificuldades, aos tropeços, às instabilidades, à destruição. Neste percurso, vivendo/sobrevivendo, o idoso foi e continua sendo o expectador e agente de conquistas e de realizações; sobretudo, existindo, continua exercendo sua condição de ator: é o ser das ações e reações, das relações concretizadas, do re-fazer, do vínculo entre as épocas e as gerações. Daí sua importância na construção da memória da sociedade. Para Ferreira, “abordar a memória como processo social foi algo que veio interligado com a velhice” (Ferreira, 1998, p. 208). Para o idoso, as lembranças pessoais reconstituem e reinterpetram os acontecimentos dos quais foram participantes; nesse processo, reconstroem-se os suportes da memória, considerada por Ferreira como “o ‘locus’ privilegiado da construção da identidade social” (Ferreira, 1998, p. 208). A memória é a ligação entre a pessoa e o seu mundo, aquela estabelece a interface entre o individual e o social. Diz Marilena Souza Chauí na apresentação do livro de Bosi (1994), elogiando a autora pelo seu trabalho: “Descrevendo a substância social da memória – a matéria lembrada – você nos mostra que o modo de lembrar é individual tanto quanto social: o grupo transmite, retém e reforça as lembranças, mas o recordador, ao trabalhá-las, 64 “a memória e a lembrança aparecem, pois, subsumidas nesse processo de definição de identidades, de afirmação do sujeito num universo de profundas alterações, cujo ritmo vertiginoso desafia a permanência de valores e representações sobre o mundo vivido, num contexto de rápida desintegração dos liames que unem os sujeitos ao passado” (Ferreira, 1998, p. 208). É importante a valorização da memória, o respeito aos fatos passados que consolidam o presente e o futuro da humanidade. “A terceira idade é guardiã da memória coletiva, intérprete privilegiada dos ideais e valores humanos que mantêm e guiam a convivência social. Nela se encontram as raízes do presente – alicerce da modernidade” (João Paulo II, 2002). Reafirmando Bosi (1994), no estudo das lembranças das pessoas idosas é possível verificar uma história social, com características que referenciam aspectos familiares e culturais reconhecíveis. Esse tipo de estudo deve ser processado na instituição que desenvolve programas com idosos, incentivando, junto a eles, a reconstituição das vivências que permearam e permeiam as diferentes etapas de sua vida. O programa institucional poderá alcançar melhor percepção das necessidades e expectativas dos idosos, assim como potencializar a retomada de seus interesses e de renovadas formas de convivência social. Neste sentido é que este presente estudo foi proposto na Faculdade da 3.a Idade - Universidade do Vale do Paraíba - UNIVAP, São José dos Campos - SP, abrindo espaço para a ampliação do conhecimento sobre os idosos. 2. PROJETO DE PESQUISA Introdução: A Faculdade da 3.a Idade da UNIVAP, Revista UniVap, v.10, n.18, 2003 criada em 1991, desenvolve este projeto em São José dos Campos, Caçapava e Campos do Jordão. É um projeto de cunho socioeducativo voltado para oferecer às pessoas com idade acima de 45 anos oportunidade de desenvolvimento pessoal e participação social, através dos Módulos: Saúde Física e Mental, Interação Sócioeducativa, Socialização e Participação e Expressão Sensível e Corporal; desenvolve suas atividades através de aulas, palestras, eventos, passeios, excursões, coral, teatro e outras. O Curso de Atualização Cultural tem a duração de 2 semestres, após o que o aluno recebe um Certificado. O Centro de Estudos Avançados da 3.ª Idade – CEATI, foi criado em 1993 e tem garantido a permanência do aluno na Faculdade da 3.ª Idade em atividades modulares que se renovam a cada semestre; muitos alunos freqüentam o CEATI num período de tempo que se estende há 8 anos, o que demonstra o atendimento às suas expectativas e o papel relevante desempenhado pela Faculdade da 3.ª Idade. Considerando a importância de conduzir estudos que nos levem a melhor conhecer nossos alunos e, de forma cuidadosa, transferir esse conhecimento para a realidade do idoso, propusemos a realização desta pesquisa, cujo resultado poderá nos permitir um enfoque mais compreensivo em nossas ações, dentro do Projeto e uma visão mais ampla de nossa sociedade. Objetivo: Compreender como as pessoas percebem a si próprias e o mundo à sua volta, pela reconstituição de sua trajetória de vida, simbolizada em seu crescimento e desenvolvimento natural. Esses dados fenomenológicos arquivados na memória constituem lembranças e sensações que devem ser recuperadas e organizadas de forma inteligível, levando à reflexão, recompondo um quebra-cabeça existencial, cuja junção de peças contribui para a compreensão do quadro mais amplo da realidade da vida. Metodologia: O estudo foi realizado com a utilização de uma dinâmica: “Pesquisando a memória – o lugar da lembrança”, usando a simbologia da Árvore da Vida (Anexo 1), como se fosse possível compará-la ao ser humano, com a apresentação de um desenho que representasse a si próprio, a árvore com suas raízes, tronco e seus galhos. Participaram do estudo 62 pessoas da Faculdade da 3.ª Idade - UNIVAP, São José dos Campos, na maioria mulheres, de 60 a 82 anos, amostra significativa dos alunos dessa faixa etária, que corresponde a 123 alunos dos 230 inscritos no Projeto. Os participantes, sem nenhuma diretividade em suas manifestações, escreveram palavras com significados próprios para cada um, que identificassem suas raízes, suas bases, enquanto lembranças de tempos passados que os fortaleceram para alcançar o crescimento de uma árvore frondosa, sua estrutura atual, cujos galhos representam os elementos que, hoje, fazem parte de sua pessoa como um todo. Assim, as palavras foram tomadas como fios condutores da evocação espontânea, para atravessar determinados períodos de tempo e quadros de referência cultural, para enfim alcançar o lembrar individual e coletivo. As palavras assinaladas foram transcritas e agrupadas, quando apresentando sentidos próximos, em categorias: Família, Valores, Sentimentos, Características, Lembranças, Religião, Vivência, Fatos/acontecimentos, Trabalho, Visão de mundo (o que percebem), conforme o quadro abaixo: HOJE, NOSSAS VIDAS NOSSAS RAÍZES, NOSSAS BASES 1) Família 1) Família antepassados – avós pais mãe muito amiga, ótimo coração pai, gênio oposto, severo educação rígida pai e mãe muito corretos irmã – irmãos tios primas casamento gestação, filhos filhos entraram na Faculdade e se formaram casamento dos filhos, netos pais irmãos casamento esposo companheiro filhos o futuro dos filhos realização profissional dos filhos evolução cultural dos filhos desejar o que existe de melhor para os filhos netos elos de ligação: filhos, netos e novos familiares bisnetos suporte de família sentimento de família viuvez família: fica menor o espaço que ocupa hoje Revista UniVap, v.10, n.18, 2003 65 HOJE, NOSSAS VIDAS NOSSAS RAÍZES, NOSSAS BASES 66 2) Valores 2) Valores respeito educação padrões morais e cívicos muito exigentes padrões severos de comportamento boa formação caráter aprendizado perseverança honestidade harmonia liberdade humanidade Moral e respeito Boa formação Honestidade Responsabilidade Sinceridade Ajuda ao próximo Fraternidade Solidariedade Comunhão 3) Sentimentos 3) Sentimentos amor, sinceridade (herança para passar para os filhos) alegria solidariedade felicidade amor afetividade carinho muita felicidade amizades, amigas, amigos menos amigos e laços maiores companheirismo franqueza ajuda, apoio compreensão segurança esperança amor e admiração à natureza, animais sabedoria tristeza dúvidas medo 4) Características 4) Características saúde física sociabilidade organização personalidade responsabilidade insegurança timidez alegria gosto por resolver problemas vontade de romper barreiras busca de autonomia independência gosto pela dança simples, sem vaidade submissa timidez Revista UniVap, v.10, n.18, 2003 NOSSAS RAÍZES, NOSSAS BASES HOJE, NOSSAS VIDAS 5) Lembranças 5) Lembranças infância ambiente familiar ambiente físico bom exemplo de vida (do avô e do pai) casa/segurança cidade onde nasci terra natal festas da infância grupo escolar onde fiz o primário escola e professores castigos, caso não obtivesse resultado nos estudos amigas adolescência infância lanche: pão, manteiga e açúcar juventude morte do pai falta do pai (firmeza, coragem) saudade do tempo que não volta mais o tempo perdido saudades 6) Religião 6) Religião Deus certeza de que Deus é infinito, maravilhoso vida de fé menor religiosidade 7) Vivência 7) Vivência Vida muito dirigida para a economia doméstica, para o lar lições de vida experiência adquirida vida regrada, relativa prosperidade dificuldades da vida poderia ter tido vida mais calma e mais divertida descoberta de mim mesma o que percebemos à nossa volta mais compreensão da vida convivência presenças queridas e fortes marcam nossas mentes luta e vontade de viver alegria de viver aproveitar o momento presente vontade de me expandir, viver sentir-me realizada a facilidade de se comunicar modificação para melhor novos relacionamentos entrosamento na sociedade vejo um mundo melhor 8) Fatos/acontecimentos 8) Fatos/ acontecimentos 2ª Guerra Mundial racionamento progresso a grande evolução educacional os mitos religiosos a evolução da ciência Revista UniVap, v.10, n.18, 2003 67 HOJE, NOSSAS VIDAS NOSSAS RAÍZES, NOSSAS BASES 9) Trabalho trabalhadora a importância do trabalho o amor pelo trabalho profissão aposentadoria perda do esforço de 20 anos de trabalho desemprego dos filhos e genro 10) Visão de Mundo: o que percebem/visão crítica mentiras egocentrismo indiferença ódio violência miséria desorganização situação financeira desemprego o grande número de desempregados a economia inconstante (o futuro da família) insegurança desunião nas famílias a mudança de relacionamento (relações) da família hoje os filhos pouco respeitam os pais falta de educação das crianças nas escolas o mundo chama as crianças cada vez mais cedo a rebeldia dos adolescentes as mudanças de comportamento as grandes mudanças ecológicas degradação do meio ambiente desenvolvimento da ciência, clones massificação tecnológica (globalização) mais agressões guerras, injustiça grandes conflitos mundiais o desrespeito das autoridades com a humanidade países procuram o poder comunicação fica mais fácil (internet, fax, imprensa); porém, mais nos distanciamos Durante a atividade, foi construída, com o grupo, uma grande Árvore da Vida, em que todas as palavras foram fixadas, para que se percebessem os aspectos de vida dos participantes, agrupados numa grande expressão coletiva. 68 3. ANÁLISE Iniciamos a análise citando Bosi: “um dos aspectos mais instigantes do tema é o da construção social da memória. Quando um grupo trabalha intensamente em conjunto, há Revista UniVap, v.10, n.18, 2003 uma tendência de criar esquemas coerentes de narração e de interpretação dos fatos, verdadeiros ‘universos de discurso’, ‘universos de significado’, que dão ao material de base uma forma histórica própria, uma versão consagrada dos acontecimentos. O ponto de vista do grupo constrói e procura fixar a sua imagem para a história.” (Bosi, 1994, 67). É o que procuramos alcançar com este trabalho, tomando os aspectos mais significativos que podem espelhar determinado grupo, em seu tempo e em sua história. Os dados que sobressaem apontam, nas “Raízes”, para a importância da família, a sua constituição e ampliação, uma educação mais rígida, os laços familiares, a preocupação com os filhos, o nascimento dos netos. Nessa base, encontram-se os valores e sentimentos que valorizavam o respeito, a educação, o amor, a solidariedade; as características relevam a sociabilidade, a responsabilidade, mas estava presente a insegurança e a timidez. Nas lembranças aparece novamente o ambiente familiar, o exemplo de vida dos pais e avós; a cidade natal, as festas da infância, a escola, as amigas, a adolescência. A religião é o sentido de Deus. Enquanto vivência, a vida era mais dirigida para o lar, enquanto o fato marcante foi a 2.ª Guerra Mundial. No hoje, “Nossas Vidas”, a família ainda é o elemento mais presente, embora percebam que fica cada vez menor o espaço que ela ocupa na sociedade. Os valores permanecem ligados à moral, ao respeito, à responsabilidade, mas ampliaram-se para outros mais solidários, citando fraternidade e ajuda ao próximo. Os sentimentos cresceram em sua expressão: amor, afetividade, felicidade, amizades, amor à natureza; aparece a esperança, a segurança para uns e a tristeza, dúvidas, medo para outros. As características atuais indicam alegria, busca de autonomia, vontade de romper barreiras; mas ao lado da independência encontram-se ainda presentes a timidez e a submissão. Nas lembranças que resgatam do passado, a infância traz o sabor do lanche da escola, (pão, manteiga Revista UniVap, v.10, n.18, 2003 e açúcar), a juventude; as perdas, as saudades; as expressões “tempo perdido” e “tempo que não volta mais” indicam a percepção de que a vida passou e que não retorna. Com respeito à religião, afirmam maior certeza e fé em Deus, aparecendo, no entanto, menor religiosidade. A vivência trouxe o aprendizado, lições de vida, maior compreensão das coisas, experiência, embora tenham existido dificuldades; é grande a vontade e a alegria de viver, ainda existe a expectativa de realizações, de buscar novos relacionamentos, considerando mesmo que o mundo mudou para melhor. Os acontecimentos marcantes citados são a grande evolução educacional e científica e os mitos religiosos. No quadro atual surgiu a categoria Trabalho, possivelmente não citada nas “Raízes”, por se tratar de maioria de mulheres, cuja vivência, como expressaram, era mais dirigida ao lar, não caracterizada como trabalho, na acepção atribuída, então, na sociedade. Hoje, se reconhecem como trabalhadoras. Os homens, minoritários, e algumas mulheres que exerceram uma profissão, se encontram aposentados; preocupam-se com o desemprego dos filhos e genros, o que pode significar que os ajudam ou continuam a contribuir para a manutenção da casa. E surgem palavras, categorizadas em Visão de Mundo, enquanto visão crítica do que percebem no mundo atual: predominância do egocentrismo, indiferença; a crua realidade da violência e da miséria. Suas preocupações se voltam para as questões da economia, que se refletem na família, que causam insegurança, desemprego. Retratam uma família que hoje se encontra mudada nas formas de relacionamento; seus valores básicos chocam-se em face da situação de filhos que pouco respeitam os pais, em face da escola que não educa e da rebeldia dos adolescentes. Reportam-se às mudanças de comportamento; preocupam-se com as questões ecológicas, com os caminhos que o avanço das ciências pode levar, considerando os efeitos da massificação tecnológica e a globalização. O sentido da paz é buscado quando apontam um mundo caracterizado pelas agressões, injustiças e guerras, atentos ao desenrolar dos grandes conflitos mundiais, que consideram como resultado da busca do poder e um desrespeito à humanidade. Alertam para o fato de que a comunicação fica cada vez mais facilitada, pelos modernos meios de comunicação, mas, por outro lado, cada vez mais as pessoas se distanciam, no seu dia-a-dia e nos seus relacionamentos. 69 4. CONCLUSÃO O projeto da Faculdade da 3.ª Idade, nestes 11 anos, vem alcançando seus objetivos, constituindo-se em um espaço que proporciona aos alunos formas ampliadas de integração e participação, criando novas representações sociais que superam as conotações depreciativas que a sociedade incorpora sobre o envelhecimento e que podem desvalorizá-los; dessa forma, contribui para novas posturas e para o aprimoramento da qualidade de vida. A sociedade precisa estar preparada para a interação intergeracional, para implementar a comunicação entre as gerações. A memória social é o eixo da socialização; resgatála é valorizar a experiência para a construção de novas ações criativas, que, com certeza, trazem em si o poder das transformações. Os idosos que participaram deste estudo nos mostram suas raízes construídas em bases sólidas; as lembranças evocam o passado, mas dão ênfase à construção do presente, retrato de uma geração cujos valores se assentam na família. São pessoas que demonstram grande afetividade, alegria de viver, são portadores de fé e de esperança. Por outro lado, expressam suas preocupações, ante um mundo cujo ritmo de mudanças trouxe melhorias mas, sobretudo, crises que têm repercutido na educação, no desemprego, causando instabilidade social. Alertam para o distanciamento das pessoas. Fazem a denúncia dos riscos da violência que permeia todas as relações, alcançando seu auge nos grandes conflitos mundiais. Podemos concluir que, enquanto representantes do passado, são pessoas presentes que precisam ser respeitadas e ouvidas, para que se possa planejar um 70 futuro melhor para as gerações que as sucederão, nesse movimento contínuo da vida e de construção da história da humanidade. “O rosto de Elrond parecia eterno, nem velho nem jovem, embora nele se escrevesse a memória de muitas coisas, alegres e tristes (...) Parecia venerável, como um rei coroado com muitos invernos, e ao mesmo tempo vigoroso como um guerreiro experiente, no auge da força” (Tolkien, 2001). 5. BIBLIOGRAFIA BARROS, M. M. L. de. Testemunho de vida: um estudo antropológico de mulheres na velhice. In: Velhice ou terceira idade? Estudos antropológicos sobre identidade, memória e política. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1998. BOSI, E. Memória e sociedade. Lembranças de velhos. São Paulo: Companhia das Letras, 1994. FERREIRA, M. L. M. Memória e velhice: do lugar da lembrança. In: Velhice ou terceira idade? 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O engenheiro em biomédica deve ter formação profissional voltada para a pesquisa tecnológica. Quando se conclui uma pesquisa científica, geralmente finalizando com uma dissertação acadêmica ou publicação em revista especializada ou em anais de congresso, nesse momento ou mesmo um pouco antes, já deve ter começado o processo de pesquisa tecnológica. A oportunidade, a adequação, a importância, a utilidade dos resultados começaram a ser verificadas no cenário sócio-econômico. Os agentes externos, tais como Governo, Indústria, Comércio, Incubadoras, Universidade, Institutos, Laboratórios Independentes, Propriedade Industrial, interessados no fomento e resultados, interagem com a pesquisa tecnológica através da Engenharia. Palavras-chave: Tecnologia, desenvolvimento, Engenharia Biomédica, norma técnica, metrologia, qualidade. Abstract: Biomedical Engineering is the technological research mobilizing effort directed to the production of medical-hospital equipment. Without a technological base supported by Standardization, Metrology and Quality this research will not exist. The biomedical engineer must have his/her professional education based on the technological research. The process or technological research must start when a scientific research is concluded, generally with an academic dissertation or paper for specialized media or meeting, or even before. Opportunity, appropriateness, importance, usefulness of the results are verified in the social-economic context. External agents like the Government, Industry, Commerce, Universities, Independent Laboratories, Industrial Patent Firms, interested in foments and results interact with the technological research having the Engineering as an interface. Key words: Technology, development, biomedical engineering, standards, metrology and quality. 1. INTRODUÇÃO No sentido de compor uma visualização da dinâmica da pesquisa tecnológica é feita uma interpretação da interação dos dois saberes: o conhecer e o fazer. Ciência e Tecnologia formam um par de metodologias, que se completam, mas não se confundem. Tendo a Engenharia como mobilizadora da pesquisa tecnológica é necessário identificar a sua base operacional. A constituição dessa base é vista como suportada por três pilares: a NORMALIZAÇÃO, a METROLOGIA e a QUALIDADE. A Engenharia Biomédica se apresenta como oportuna desenvolvedora nacional com forte conotação * Professor da UNIVAP. 72 de utilidade social. Os equipamentos médico-hospitalares representam um desafio tecnológico atual. A caracterização da dinâmica da pesquisa tecnológica na sua base leva a concluir que a formação do engenheiro em biomédica deve voltar-se para o profissional pesquisador e que os ciclos de vida das conquistas tecnológicas estão, aceleradamente, tornando-se mais curtos. 2. CIÊNCIA E TECNOLOGIA Entende-se que progredir, em termos humanos, é adquirir conhecimentos e constatá-los na realidade da natureza. Estes dois aspectos do caminho percorrido pela pesquisa, na busca da verdade, mostram um estado dicotômico a ser consolidado pelo trabalho intelectual associado à capacidade de realização. Revista UniVap, v.10, n.18, 2003 Com esta forma de observar pode-se ter Ciência como conhecimento e Tecnologia como a capacidade de realização, buscando, ambos, o Desenvolvimento. C I Ê N C I A T E C N O L O G IA D E S E N V O L V IM E N T O As metodologias científica e tecnológica não podem ser unificadas, pois apresentam fundamentos e objetivos peculiares. Tecnológica Brasileira a plataforma de meios materiais, operacionais e organizacionais disponíveis para a pesquisa e o desenvolvimento tecnológico. De forma bem simples tem-se o Saber Porquê (know-why) e o Saber Fazer (know-how). O resultado é uma nova verdade, quando estes dois saberes se amalgamam ou, em termos de desenvolvimento, mais um degrau se sobe no progresso humano. Essa plataforma pode ser visualizada como apoiada em três grandes pilares, que se identificam como: NORMALIZAÇÃO, METROLOGIA e QUALIDADE. 3. DESENVOLVIMENTO DA ENGENHARIA BIOMÉDICA ENGENHARIA, palavra que deriva de engenho, engenhar, criar e realizar praticamente, solucionando problemas que ultrapassam os limites naturais do ser humano, ampliando sua capacidade de realização pessoal e social. Se a Engenharia se voltava, há alguns anos, para áreas de Engenharia Civil, Mecânica, Elétrica, Química etc., hoje se evidencia a necessidade da Engenharia Nuclear, Mecatrônica, Espacial, Ambiental, Genética, Biomédica etc. É preciso saber fazer aquilo do qual se sabe o porquê. O conhecimento deve se transformar em realidade natural, socialmente útil. Onde se encontram Ciência e Tecnologia, a ENGENHARIA age de forma objetiva e inteligente, tendo como orientação a utilidade social da conquista de desenvolvimento e progresso. A Engenharia Biomédica tem, diante de si, um panorama denso de situações e oportunidades para uma ação proativa com relação à Ciência e à Tecnologia. Entretanto, essas metodologias não podem se movimentar sem a existência de uma base constituída de elementos organizacionais, operacionais, materiais etc. 4. BASE TECNOLÓGICA BRASILEIRA Entende-se, neste trabalho, como Base Revista UniVap, v.10, n.18, 2003 Procurando fugir aos efeitos festivos e promocionais que essas palavras representam, ter-se-á a NORMALIZAÇÃO como a capacidade, organização e participação para a geração das Normas Técnicas; a METROLOGIA, como a existência de padrões, laboratórios, equipamentos de transferência, pessoal qualificado, rastreabilidade regional, nacional e internacional; e a QUALIDADE, como sistemas internos, procedimentos, administração e certificação. Entretanto, essa BASE TECNOLÓGICA se torna estática e inerte se não houver um móvel ativador, identificando oportunidades, necessidades, recursos e objetivos, que aí estão presentes. Esse móvel ativador é a ENGENHARIA. Por isso, a formação do engenheiro deve ser aprimorada, buscando os necessários conhecimentos e habilidades tecnológicos. Há que se pensar na formação executiva e administrativa e também na formação para a pesquisa tecnológica. Circundando essa plataforma tem-se, de forma simplificada, o GOVERNO, o COMÉRCIO, a INDÚSTRIA, as INCUBADORAS, a UNIVERSIDADE, os INSTITUTOS, os LABORATÓRIOS INDEPENDENTES e a PROPRIEDADE INDUSTRIAL. O GOVERNO, através dos orçamentos anuais, contemplando os ministérios da Educação, da Indústria e do Comércio, da Saúde, da Ciência e Tecnologia, da Agricultura, entre outros, tem, permanentemente, construído parte dessa BASE TECNOLÓGICA. Assim, têm-se os laboratórios nacionais do INMETRO (Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial), que com o CONMETRO (Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial) constituem o SINMETRO (Sistema Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial). 73 Agências de financiamentos, Finep (Financiadora de Estudos e Projetos), Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) etc. contribuem para facilitar a localização de recursos financeiros para os projetos e programas de Desenvolvimento Tecnológico. de tecnologia etc. Os LABORATÓRIOS INDEPENDENTES são instalações especializadas em certificação metrológica, oferecendo condições de aferição e calibração do equipamento de controle e produção industrial. Outros há que certificam a qualidade de produtos através de laboratórios de ensaios. A INDÚSTRIA e o COMÉRCIO têm-se adaptado às suas necessidades mínimas operacionais, investindo, para uso próprio, nos chamados laboratórios de calibração, no que se refere à METROLOGIA, e nos laboratórios para o Controle da QUALIDADE. A PROPRIEDADE INDUSTRIAL, mais conhecida como patente industrial, é a forma de proteger os direitos de invenção e autoria. É um importante indicador do progresso tecnológico. As INCUBADORAS se constituem na forma de incentivar e fomentar a ação empreendedora. São ambientes, como o próprio nome sugere, para a gestação das inovações tecnológicas. Atualmente, a necessidade para acompanhar os países desenvolvidos e emergentes (em desenvolvimento) tem evidenciado a importância do Desenvolvimento Tecnológico. À UNIVERSIDADE cumpre a destacada função formadora do profissional, de maneira metódica e pedagógica, com os conhecimentos e as habilidades específicas da área escolhida. Esta posição de destaque a torna merecedora das atenções, acolhimento e proteção, além de evidenciar a sua responsabilidade no processo do desenvolvimento tecnológico. O engenheiro freqüentemente procura ajustar, no seu campo de atividade profissional, seus conhecimentos e habilidades quanto a ADMINISTRAR e quanto a PESQUISAR TECNOLOGICAMENTE. Os INSTITUTOS representam aqui a forma de agir nos mais variados setores de interesse da sociedade brasileira. São institutos de ensino, de pesquisa científica, A Fig. 1 mostra, de forma linear, a proporção entre administrar e pesquisar para a situação profissional na atividade de Engenharia. Também a formação de nível superior deve contemplar esta situação, equilibrando, da mesma forma, Administração e Pesquisa. A D M I N I S T R A Ç Ã O P E S Q U I S A ADMINISTRADOR T E C N O L Ó I C A PESQUISADOR Fig. 1 - Campo de atividade profissional. A interação desses agentes, que representam a envoltória da demanda e da oferta de tecnologias, mobilizando a BASE TECNOLÓGICA, se dá através da ENGENHARIA, realizando a PESQUISA TECNOLÓGICA. Outros aspectos de extrema importância devem ser considerados, tais como o CICLO DE VIDA da DEMANDA, do PRODUTO e da TECNOLOGIA, bem 74 como o PLANEJAMENTO com ESTRATÉGIA direcionada para a INOVAÇÃO TECNOLÓGICA (Siemens, 2001). Para ilustrar os conceitos apresentados tem-se a Fig. 2, mostrando a importância da ENGENHARIA na mobilização da PESQUISA TECNOLÓGICA. Revista UniVap, v.10, n.18, 2003 Administração Universidade Institutos Laboratórios independentes Propriedade industrial N O R M A L I Z A Ç Ã O E N G E N H A R I A Governo Comércio Indústria Incubadoras Q U A L I D A D E Tecnologia BASE TECNOLÓGICA M E T R O L O G I A Fig. 2 - Dinâmica da Base Tecnológica. A indústria de equipamentos da área da saúde vem sendo estimulada pelas conquistas recentes em automação computadorizada, variedade de sensores, memórias digitais, velocidade de microprocessadores, arquitetura e sistemas operacionais de computadores, novos materiais e processos de fabricação etc. A par desses estímulos vem ampliando a demanda por serviços médico-hospitalares suportados pelo governo, em programas de saúde pública, bem como por clínicas e hospitais privados, onde atuam as organizações e cooperativas de assistência médico-hospitalar e a medicina privada. 5. CONCLUSÃO 1. A Ciência busca o conhecer e a Tecnologia, o fazer. São indissociáveis. O Desenvolvimento se produz na interface Ciência-Tecnologia. 2. A Engenharia Biomédica, na sua larga amplitude de atendimento, não pode prescindir de um forte domínio das metodologias científica e tecnológica. 3. A pesquisa tecnológica somente será possível se houver uma Base Tecnológica constituída das atividades Normativa, Metrológica e da Qualidade. 4. A pesquisa tecnológica será mobilizada pela Revista UniVap, v.10, n.18, 2003 75 atividade de Engenharia. A formação acadêmica deverá ser orientada na direção tecnológica com ênfase nessa metodologia de pesquisa. 5. A diversidade dos agentes interessados no fomento e resultados da pesquisa tecnológica representa uma força permanente e de abrangência nacional. É a garantia para qualquer empreendimento significativo. 6. A formação do engenheiro deve se tornar mais objetiva quanto à metodologia tecnológica. O enfoque sobre rudimentos científicos e teóricos precisa ser acompanhado por práticas laboratoriais, ensaios, experimentação com modelos, projetos etc. 7. É a Engenharia que, na Base Tecnológica, realiza a Pesquisa Tecnológica com objetivos e metodologia próprios. É a função interativa do engenheiro com formação em pesquisa. 8. Uma forte diferença entre as metodologias científica e tecnológica está em que, enquanto na Ciência os resultados e descobertas são duráveis, na Tecnologia o ciclo de vida das conquistas tecnológicas são cada vez mais curtos. Por isso, a variável tecnológica precisa estar na base estratégica dos planos de desenvolvimento. 76 9. Os agentes, que representam o fomento e a demanda tecnológica, agem sinergicamente através da Engenharia, levando-a a realizar a Pesquisa Tecnológica sobre a Base Tecnológica suportada pela Normalização, Metrologia e Qualidade. 10. A Base Tecnológica para o Desenvolvimento da Engenharia Biomédica demanda engenheiros com formação biomédica preparados para a pesquisa tecnológica. Deverão, entretanto, encontrar uma Base Tecnológica para a realização das pesquisas. 6. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA SIEMENS. Tecnologia: estratégia para a competitividade. São Paulo: Nobel, 2001. UNIVAP. Catálogo 1995/1996 do IP&D da Univap. São José dos Campos, 1996. CNPq. Ciência e tecnologia: alicerces do desenvolvimento. São Paulo: Cobram, 1994. TEIXEIRA Jr, A. S. Instrumentação e sua interação com o desenvolvimento tecnológico do Brasil. Revista Educação Brasileira, CRUB, Brasília. v. 9, n. 103, 2° sem. 1983. Revista UniVap, v.10, n.18, 2003 O Terceiro Setor na Internet Celeste Marinho Manzanete * Roberta Baldo * Gino Giacomini Filho ** Resumo: Este trabalho visa fazer uma análise comparativa dos ‘sites’ de entidades do Terceiro Setor, da cidade de São José dos Campos. A partir da falência de um Estado de bem-estar social, e perante a complexidade da situação enfrentada pela população brasileira e mundial, o Terceiro Setor surge como uma alternativa na busca de soluções. A Internet pode ser uma ferramenta de divulgação para esta nova ordem social. Porém, a utilização desta ferramenta de forma eficiente requer conhecimentos técnicos prévios, nem sempre levados em consideração na hora de se “encomendar a construção” de uma ‘home-page’ para a entidade. Para fazer esta análise, foram acessados quatro ‘sites’ disponíveis na internet, no período de 24 a 28 de junho de 2002. O objetivo foi levantar se as entidades terceiro-setoristas utilizam esta ferramenta de divulgação, que é a internet, de maneira eficiente. Para isso, foi utilizado um modelo de ‘sites’, proposto por Tom Venetianer, através do qual serão analisados itens como design, conteúdo, atualização, navegabilidade e divulgação. Palavras-chave: Internet, terceiro setor, ferramenta de divulgação. Abstract: This work has the purpose of making a comparative analysis about the Third Sector’s web sites in Sao José dos Campos. With the failure of the State-provided welfare and in the presence of the complex situation faced by people in Brazil and all over the world, the Third Sector was born as an alternative for the searching for f solutions. The computer network can be an important tool for this new social organization. However, the efficient use of that tool requires some previous technical knowledge, that has not been always considered before the construction of a homepage for a social entity. To make this analysis, it was accessed four web sites available in the Internet were accessed during the period between august 24 and 28, 2002. The purpose was to discover if the third-sector entities use it as a divulgating tool for their work in an efficient way. To prepare this, we used a web site model suggested by Tom Venetianer, through which some topics like design, content, updating, divulgation, etc., will be analyzed. Key words: Internet, third sector, divulgation tool. 1. INTRODUÇÃO A evolução tecnológica, principalmente o computador e a Internet, possibilitou um novo meio de comercialização e comunicação entre empresa e consumidor. Estima-se que existam 180 milhões de computadores no mundo ligados na Internet, dos quais aproximadamente cinco milhões no Brasil, sendo que aqui está crescendo três vezes mais por ano que no resto do mundo. Espera-se atingir a marca de um bilhão de computadores logo no início do século XXI. Segundo dados publicados em dezembro de 1999 pela Gazeta Mercantil, nesse ano foram vendidos 100 milhões de PCs no mundo e, em 2000, espera-se vender mais computadores pessoais que televisores no mundo. Entidades do Terceiro Setor apresentam grande resistência quanto ao seu engajamento neste “mundo tecnológico” e novo. O argumento mais presente é a falta de recursos para a manutenção da própria instituição, que dirá um recurso tecnológico deste porte. Porém, é preciso desmistificar esta visão. A internet hoje apresenta-se como um meio de divulgação barato e de grande alcance, até mesmo na captação de recursos para a entidade. * Professora da UNIVAP. ** Professor da UMESP. Revista UniVap, v.10, n.18, 2003 77 2. DEFINIÇÕES renda, cinema, teatro, música, literatura, patrimônio, artes plásticas, entre outros. 2.1 Definindo Terceiro Setor Está cada vez mais difundida nos vários setores da sociedade a idéia de que a atual situação do mundo requer atenção especial das empresas para sua dimensão social. O sociólogo alemão Claus Offe, professor da Universidade de Humboldt (Alemanha), defende que “está em curso uma gigantesca reforma nas relações do cidadão com o governo”. Esta nova ordem social surgiu em decorrência da falência do Estado do bem-estar social, que era o principal provedor de serviços sociais aos cidadãos. A falência do Estado e o apogeu do liberalismo, com a concepção do Estado Mínimo, paralisou o Primeiro Setor, que é o próprio Estado. Toda expectativa de melhores serviços sociais foi canalizada para o papel do Estado como órgão regulador desses serviços e para o crescimento da pobreza e da exclusão social. A baixa qualidade dos serviços e seus altos custos só fizeram aumentar a legião dos excluídos e dos desassistidos. Milhões de cidadãos tornaram-se órfãos do Estado do bem-estar social, morto, enterrado e esquecido pelos escombros deixados pela onda liberal que, tendo começado na Inglaterra, alastrou-se por todo o mundo. Mal ou bem, o Estado do bem-estar funciona. Pois era o Primeiro Setor que atuava no campo social. Com a apologia do mercado, este Segundo Setor mostrou sua verdadeira face: o seu ímpeto concentrador de renda, o favorecimento das elites, a promoção da desigualdade social e a exclusão social. Na concepção de Claus Offe, é a nova ordem social que surge, sendo a sua principal base a estruturação e o funcionamento do Terceiro Setor. As empresas, públicas ou privadas, queiram ou não, são agentes sociais no processo de desenvolvimento. A dimensão delas não se restringe apenas a uma determinada sociedade, cidade, país, mas no modo com que se organiza e principalmente atua, por meio de atividades essenciais. Nos países desenvolvidos, de economia de mercado, as empresas introduzem variáveis sociais nos critérios de gestão e desenvolvimento. Há cada vez mais a necessidade de demonstrar à sociedade que não se progride sem a pureza do ar, a preservação das florestas e a dignidade da população. Várias empresas no Brasil desenvolvem, há vários anos, nos mais diferentes campos, projetos sócio-culturais: educação, meio ambiente, crianças de rua, geração de 78 A atuação de um Estado grande e de um Governo forte é substituída pelo surgimento de uma ação comunitária forte, atuante, reivindicatória e mobilizadora. À ação estatal ineficiente, precária e insuficiente, porque não atende às demandas sociais da população, sobrevém uma ação comunitária capaz de prover o cidadão dos serviços sociais básicos. Para Offe, “ao lado do Estado e do mercado, entidades comunitárias como as ONG’s e as igrejas vão formar uma nova ordem social”. “Assim, emerge uma nova concepção do Estado. Não mais o Estado burocrático totalizante, o Estado do bem-estar social, e nem tampouco o Estado Mínimo dos liberais. Deparamo-nos com um novo Estado: o Estado inserido no novo pasto social. O Estado comprometido com a sociedade civil, cujo papel dominante é o exercício pleno do seu poder social, controlando os excessos do mercado, das empresas inescrupulosas, dos burocratas perdulários e corruptos, regulamentando serviços prestados pela iniciativa privada, realizando investimentos sociais e atuando em parceria com as empresas e a sociedade civil na busca de soluções duradouras para a eliminação do déficit social. (...) Tais entidades formam entre si uma extensa rede de solidariedade social. É onde o cidadão vai encontrar a solidariedade sem interesses, como afirma Offe. Por exemplo, o cidadão desempregado recebe donativos da igreja, assume trabalho voluntário no hospital ou escola local através da associação de pais de alunos ou da cooperativa dos médicos, engaja-se num mutirão da comunidade para terminar a obra da sua casa, organizado pela associação de moradores. E pode até mesmo encontrar emprego numa ONG que atua na comunidade onde reside, ou defende uma causa social de seu interesse ou identificação.” (Melo Neto e Fróes, 1999, p. 54). Esta ordem supera em vitalidade, legitimidade e harmonia a ordem da burocracia estatal (Primeiro Setor), e a ordem econômica do mercado (Segundo Setor). Ordem que nasce da desordem social existente, com expressão institucional, que se encontra no Terceiro Setor. As definições para Terceiro Setor ainda são discutidas e existem diversas visões a respeito do tema. O objetivo deste texto não é fechar a discussão, nem resumi-la a apenas uma vertente. Estão apresentadas a Revista UniVap, v.10, n.18, 2003 seguir, a visão de personalidades que conhecem o conceito e que dedicam suas vidas ao estudo do trabalho neste ramo da sociedade. Para Claus Offe, sociólogo alemão: “(...) ao lado do Estado e do mercado, entidades comunitárias como as ONG´s e as Igrejas vão formar uma nova ordem social (...). Para atuar nesta nova ordem social, surgem outras instituições sociais: entidades filantrópicas, entidades de direitos civis, movimentos sociais, ONG´s, organizações sociais, agências de desenvolvimento social, órgãos autônomos da administração pública descentralizada, fundações e instituições sociais das empresas. Tais entidades, juntamente com o Estado e a sociedade civil, constituem o que denominamos Terceiro Setor.” (Melo Neto e Fróes, 1999, p. 2-4). O Prof. Luis Carlos Merége da Fundação Getúlio Vargas, que possui um trabalho de reconhecimento nacional na área do Terceiro Setor, afirma que: “O Estado, a iniciativa privada e os cidadãos reunidos em benefício de causas sociais. Essa definição aparentemente ingênua representa um dos mais modernos conceitos econômicos surgidos no Brasil nos últimos anos: o Terceiro Setor.” (Melo Neto e Fróes, 1999, p. 6). Para a socióloga Profª Ruth Cardoso, Terceiro Setor é: “uma nova esfera pública, não necessariamente governamental; constituída de iniciativas privadas em benefício do interesse comum; com grande participação de organizações não-governamentais; e compreendendo um conjunto de ações particulares com o foco no bemestar público.” (Melo Neto e Fróes, 1999, p. 8). Para Mario Aquino Alves, pesquisador da FGV: “o espaço institucional que abriga ações de caráter privado, associativo e voluntarista que são voltadas para a geração de bens de consumo coletivo, sem que haja qualquer tipo de apropriação particular de excedentes econômicos que sejam gerados nesse processo.” (Melo Neto e Fróes, 1999, p. 9). 2.2 Terceiro Setor e áreas de atuação Segundo a legislação vigente, lei federal número 9.790 de 23 de março de 1999, referente às Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público: “A qualificação instituída por esta Lei, observado em qualquer caso o princípio da universalização dos serviços, no respectivo âmbito de atuação das Organizações, somente será conferida às pessoas jurídicas de direito Revista UniVap, v.10, n.18, 2003 privado, sem fins lucrativos, cujos objetivos sociais tenham pelo menos uma das seguintes finalidades: I – promoção da assistência social; II – promoção da cultura, defesa e conservação do patrimônio histórico e artístico; III – promoção gratuita da educação, observando-se a forma complementar de participação das organizações de que trata esta Lei; IV – promoção gratuita da saúde, observandose a forma complementar de participação das organizações de que trata esta Lei; V – promoção da segurança alimentar e nutricional; VI – defesa, preservação e conservação do meio ambiente e promoção do desenvolvimento sustentável; (este parágrafo é somente um exemplo. Deve-se colocar nele as finalidades da entidade, sejam elas de caráter social, cultural, assistencialista, entre outras.) VII – promoção do voluntariado; VIII – promoção do desenvolvimento econômico e social e combate à pobreza; IX – experimentação, não lucrativa, de novos modelos socioprodutivos e de sistemas alternativos de produção, comércio, emprego e créditos; X – promoção de direitos estabelecidos, construção de novos direitos e assessoria jurídica gratuita de interesse suplementar; XI – promoção da ética, da paz, da cidadania, dos direitos humanos, da democracia e de outros valores universais; XII – estudos e pesquisas, desenvolvimento de tecnologias alternativas, produção e divulgação de informações e conhecimentos técnicos e científicos que digam respeito às atividades mencionadas neste artigo. Parágrafo único. Para os fins deste artigo, a dedicação às atividades nele previstas configura-se mediante a execução direta de projetos, programas, planos de ações correlatas, por meio da doação de recursos físicos, humanos e financeiros, ou ainda pela prestação de serviços intermediários de apoio a outras organizações sem fins lucrativos e a órgãos do setor público que atuem em áreas afins.” (Venetier, 1999, p. 162). 2.3 Internet como ferramenta de divulgação O cenário atual, com a chegada das novas tecnologias e o advento da Internet, transformou as maneiras como pessoas e empresas comunicam-se entre si. Para o Terceiro Setor a Internet pode ser uma grande ferramenta de divulgação das OSCIPs (Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público), já que elas, muitas vezes, precisam de parceiros para dar continuidade aos 79 seus trabalhos. Em São José dos Campos essa ferramenta é pouco utilizada. Em uma busca em sites como: Yahoo Cidades - São José dos Campos, Evanguarda.com.br, www.sjc.com.br, foram encontrados apenas quatro sites de entidades do Terceiro Setor. Já estão conectados à rede mundial de computadores: o Gacc (Grupo de Apoio à Criança com Câncer), a Vale Verde (Associação de Defesa do Meio Ambiente), a Sociedade São Vicente de Paula (ligada à Igreja Católica) e a FUNDHAS (Fundação Hélio Augusto de Souza). 8. Atualização: Os sites que trabalham com vendas devem ser atualizados, principalmente os itens: preços, divulgação de promoções e de novos produtos . 3. METODOLOGIA inglês. A metodologia consistiu na aplicação do modelo de Venetier (1999) para a análise de sites da internet. 12. Divulgação: impressos da empresa, material publicitário, press-releases, correspondência eletrônica, usos de hiperlinks, comprando espaço de divulgação. 9. Navegabilidade: Estruturação lógica e funcional das informações, facilitando as buscas do internauta. 10. Hiperlinks: Classificação por critérios lógicos, atualização e utilidade para o público- alvo. 11. Idioma: toda página deve conter pelo menos o Venetier (1999) descreve alguns elementos que precisam ter numa página para que seja um site de sucesso: 1.Nome: para ele, a escolha do nome é muito importante; em algumas empresas o nome se confunde com a marca, isso faz delas um grande sucesso. Como exemplo, o autor cita a Amazon, que tornou-se sinônimo de livraria virtual. 2. Endereço: O endereço é a URL da página, que facilita o processo de busca, o registro em mecanismos de busca, de preferência os que são mais conhecidos pela comunidade virtual. 13. Banner: Os banners são propagandas na internet, assim como nos jornais e revistas, criou-se uma padronização do tamanho. O padrões são medidos em pixels (pontos por polegada), sendo três os mais utilizados: - Banner de largura inteira: 468 x 60 pixels . - Banner de meia largura : 234 x 60 pixels. - Minibanner: 88 x 31 pixels. A partir deste modelo, foram analisados os quatro sites das entidades joseenses. Análise dos sites 3. Criar um produto virtual: A partir de agora, a palavra produto virtual passa a significar a chamada presença eficaz na Internet. Não basta estar no ciberespaço, é preciso promovê-lo. 4. Design: Este elemento é de extrema importância.É todo o desenvolvimento gráfico: diagramação, arte, ilustração. Para o autor, toda página deve ter, logo no topo, uma síntese clara de seu conteúdo e objetiva responder às perguntas: “para que serve esta página e o que irei encontrar nela?” (Venetier, 1999, p. 162). 5. Conteúdo: “O conteúdo de um site é representado por todos os elementos textuais, visuais e sonoros, desde que contribuam para a comunicação de idéias e de informações úteis aos visitantes.“Riqueza e utilidade e atualização”. 6. E-mail: Utilizar diversos recursos da Internet para oferecer serviços como: webcasting, serviços de assistência técnica, formulários eletrônicos versus e-mail 7. Grupos, listas, fóruns de discussão e chats: Proporcionar ao internauta esse tipo de serviço. Segundo o modelo de Venetier, dos quatro sites analisados, conforme Tabela 1, três apresentam endereços com o nome / sigla da instituição, o que facilita na busca de informações. O site da Sociedade São Vicente de Paulo possui endereço gratuito, portanto, sem constar o nome da entidade. Todos os sites analisados criaram um “produto virtual”, portanto trabalhando de forma a divulgar a existência do endereço eletrônica e da entidade. É possível encontrar todos eles em sites de busca como o google.com ou o yahoo.com. O conteúdo apresenta-se distribuído de forma coerente no site do Gacc, apresentando bem a instituição e dando opções de ajuda e participação na entidade. Já o da Fundhas não é lógico quanto à localização das informações nas páginas que compõem o site. É difícil localizar o que se precisa neste site, inclusive um e-mail para o contato com a Fundação. Nos outros sites, entretanto, o e-mail está na página principal, ou então no link fale conosco / quem somos. Dois sites apresentam listas de links, o da SSVP e 80 Revista UniVap, v.10, n.18, 2003 o da Vale Verde. Nos outros, não há lista de links, nem fóruns ou chats de discussão. Quanto à data de atualização, em sua maioria é feita mensalmente – sites Vale Verde e Gacc. No site da Fundhas, é impossível saber quando foi feita a última atualização. Já o da SSVP, a data é de mais de 1 ano atrás. Quanto à navegabilidade, a mais fácil de se navegar é a do Gacc, é também a mais rápida. A página da Vale Verde também é fácil de carregar, mas tem carregamento lento das páginas subseqüentes. Na página da Fundhas o layout não é fluido, e na da SSVP há links de acesso impossível. No quesito hiperlinks, o site da SSVP não tem a apresentação da entidade, seus objetivos e missão. Os da Fundhas e da Vale Verde apresentam seus link´s fora de uma seqüência lógica de navegabilidade. Apenas o do Gacc é que apresenta uma seqüência lógica em seus links. Todos os sites têm seus conteúdos apenas em língua portuguesa. Através de seus materiais impressos: folders, cartões, cartazes e cartas – as entidades: Gacc, Vale Verde e Fundhas, divulgam seu endereço eletrônico. Já a SSVP não utiliza seu material impresso para esta finalidade. A única página que tem banners é a da SSVP, que, por se tratar de uma página de divulgação gratuita, abriga a propaganda de todos os tipos de produtos e serviços que o provedor determinar. Tabela 1 - Análise dos sites Cor Vale Verde Fundhas SSVP Tipologia Verdana, tamanho Cores do logo, 7,5 para os textos com contraste em geral Fonte Arial, Contraste do tamanho 7,5 para fundo com as chamadas e fontes, sem Verdana 10 para vínculo com as cores do logotipo os textos Fundo com Fonte Palatino marca d´água Linotype, tamanho que dificulta a 12 para os textos leitura Gacc Base em azul, com cores alegres Verdana, tamanho 8 nos textos e títulos 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Através desta pesquisa, pode-se concluir que poucas entidades do Terceiro Setor em São José dos Campos possuem página na internet para divulgar suas atividades. Mesmo se tratando de uma mídia de custo bastante inferior em relação às outras, o Terceiro Setor ainda não tem nesta ferramenta de divulgação uma aliada. As poucas entidades que possuem algum tipo de home-page ou contato via e-mail não têm a preocupação de uma atualização constante e um acesso freqüente para a manutenção da página. Dentre as entidades pesquisadas, fica clara a Revista UniVap, v.10, n.18, 2003 Diagramação Leve, com poucas fotos e textos bem distribuídos Com o logotipo do lado direito e barra de ferramentas pouca lógica. Apresentas fotos pequenas no espaço Fotos Poucas, nítidas e de bom gosto Trabalhadas e com filtros coloridos Pouco atrativa, com marca d´água no fundo que dificulta o acesso Pouco nítidas e de assuntos não relevantes ao grande público Alegre, em vista do público atendido, mas com diagramação confusa. Bem distribuídas na página, porém um pouco escuras e com enquadramento comprometido preocupação de duas delas em manter a qualidade e atualidade da informação. Já as outras não apresentam nem mesmo a data da última atualização dos dados. Há por fim a constatação de uma necessidade em qualificar os gestores do Terceiro Setor para as novas mídias e as tecnologias mais recentes, e apresentar-lhes, de maneira objetiva, esta que pode ser uma grande aliada na divulgação e no crescimento do trabalho realizado por cada uma delas: a INTERNET. 4. BIBLIOGRAFIA CAMARGO, M. F. et al. Gestão do terceiro setor no Brasil. São Paulo: Futura, 2001. p. 180-181. 81 MELO NETO, F. P.; FRÓES, C. Responsabilidade social & cidadania empresarial – a administração do terceiro setor. Quaitymark, 1999. VENETIER, T. Como vender seu peixe na internet: um guia prático de marketing e comércio eletrônico. Rio de Janeiro: Campus, 1999, p. 162. 4.1 Sites consultados http://members.fortunecity.com/cjcpjg/ www.gacc.com.br www.valeverde.org.br www.fundhas.org.br www.google.com.br www.yahoo.com www.sjc.com.br www.evanguarda.com.br 82 Revista UniVap, v.10, n.18, 2003 Efeito do Coeficiente Volumétrico de Transferência de Oxigênio na Produção de Xilitol em Biorreator de Bancada Solange Inês Mussatto * Inês Conceição Roberto ** Resumo: A influência do coeficiente volumétrico de transferência de oxigênio (KLa) na bioconversão de xilose em xilitol por Candida guilliermondii FTI 20037 foi avaliada utilizando o hidrolisado hemicelulósico de palha de arroz como meio de fermentação. As fermentações foram realizadas em um biorreator de bancada a 1,3 vvm e 30°C, sob diferentes velocidades de agitação (500, 300 e 200 rpm) que proporcionaram valores de KLa de 52, 15,4 e 5,5 h-1, respectivamente. Os resultados obtidos mostraram que a bioconversão foi dependente da taxa de aeração empregada, sendo que o maior valor de rendimento do processo em xilitol (YP/S = 0,84 g/g) foi obtido com a utilização de um KLa de 15,4 h-1. O aumento deste parâmetro de 15,4 para 52 h-1 proporcionou uma queda de 52% no rendimento em xilitol e um aumento de 130% no crescimento celular. A diminuição do KLa de 15,4 para 5,5 h-1 não interferiu na produção de células e não foi capaz de promover um rendimento em xilitol superior ao obtido com a utilização do KLa de 15,4 h-1. Palavras-chave: Xilitol, palha de arroz, KLa, Candida guilliermondii. Abstract: The influence of oxygen transfer volumetric rate (KLa) for the bioconversion of xylose into xylitol by the yeast Candida guilliermondii FTI 20037 was evaluated using rice straw hemicellulosic hydrolysate as fermentation medium. The fermentations were carried out in a bioreactor at 30°C and 1.3 vvm, under different stirring rates (500, 300 and 200 rpm) which resulted in KLa values of 52, 15.4 and 5.5 h-1 respectively. According to the results obtained, the bioconversion was dependent on the aeration rate employed, the best xylitol yield (YP/S = 0.84 g/g) being achieved with the use of KLa = 15.4 h-1. The increase of this parameter to 52 h-1 promoted a decrease of 52% on xylitol yield, and an increase of 130% in cellular growth. The decrease of the KLa value to 5.5 h-1 did not result in any difference in the cell formation and the xylitol yield was lower than that attained with the use of KLa = 15.4 h-1. Key words: Xylitol, rice straw, KLa, Candida guilliermondii. 1. INTRODUÇÃO Resíduos lignocelulósicos como a palha de arroz, o bagaço de cana-de-açúcar e a madeira de eucalipto vêm sendo constantemente aproveitados no processo biotecnológico de produção de xilitol (edulcorante alimentar com propriedades e aplicações farmacêuticas relevantes) (Mussatto e Roberto, 2001; Alves, Felipe, Silva, Silva e Prata, 1998; Cannettieri, Almeida e Silva, Felipe, 2001). Entretanto, um dos principais fatores que * Doutoranda em Biotecnologia Industrial FAENQUIL 2002. ** Professora/Pesquisadora do Departamento de Biotecnologia na FAENQUIL. Revista UniVap, v.10, n.18, 2003 influenciam a fermentação dos hidrolisados obtidos a partir destes materiais lignocelulósicos é a capacidade produtiva do microrganismo, que varia com as condições de cultivo utilizadas no processo de bioconversão. A bioconversão de xilose em xilitol por leveduras é regulada principalmente pela disponibilidade de oxigênio no meio de fermentação. Quando em anaerobiose ou em tensões de oxigênio muito baixas, as leveduras fermentadoras de xilose são incapazes de oxidar o NADH completamente, o que provoca a excreção do xilitol. Porém, quando o oxigênio é fornecido em excesso, a levedura desvia o piruvato da fermentação e segue pela via do ácido tricarboxílico, ocorrendo maior formação de massa celular (Laplace, Delgenes, Moletta e Navarro, 1991). Desta forma, para que um processo fermentativo ocorra 83 de forma eficiente, é de grande importância determinar o fluxo de oxigênio capaz de proporcionar uma utilização balanceada da fonte de carbono, tanto para o crescimento do microorganismo como para a fermentação (Winkelhausen e Kuzmanova, 1998). No presente trabalho avaliaram-se diferentes valores de coeficiente volumétrico de transferência de oxigênio, com o objetivo de melhorar os resultados da bioconversão de xilose a xilitol pela levedura Candida guilliermondii, a partir de hidrolisado hemicelulósico de palha de arroz. 2. METODOLOGIA Obtenção, Concentração e Tratamento do Hidrolisado alçada de células, proveniente do repique em meio de manutenção, para tubos de ensaio contendo água destilada estéril. Alíquotas de 5 mL desta suspensão celular foram transferidas para frascos Erlenmeyer de 500 mL contendo 200 mL do meio contendo (g/l): xilose: 20,0; sulfato de amônio: 3,0, cloreto de cálcio dihidratado: 0,10 e extrato de farelo de arroz: 20,0. Os frascos foram incubados a 30 °C em agitador rotatório (Tecnal TE-420) a 200 rpm, por 24 horas. Após este tempo as células foram separadas por centrifugação a 1100xg por 20 minutos, e ressuspensas diretamente no hidrolisado tratado (contendo cerca de 85 g/L de xilose) que compôs o meio de fermentação. As soluções de todos os componentes foram preparadas separadamente e esterilizadas a 121°C por 20 minutos, exceto a solução de xilose que foi autoclavada a 112°C por 15 min. A palha de arroz foi inicialmente seca ao sol e cominuída em moinho tipo martelo a um tamanho de 1cm de comprimento e 1mm de espessura. O hidrolisado hemicelulósico foi obtido por catálise ácida em reator confeccionado em aço-inox AISI 316 com capacidade de 350 litros, munido de aquecimento indireto por resistência elétrica por camisa de óleo térmico. As reações foram realizadas com H2SO4 (98% p/p), na concentração de 100 mg/g de matéria seca, a 121 oC por um tempo de 30 minutos, mantendo uma relação sólido:líquido de 1:10. Ao final das hidrólises o material foi submetido a um processo de filtração a vácuo, sendo o filtrado (hidrolisado hemicelulósico) conservado a 4 °C. Os ensaios foram conduzidos em um fermentador de bancada modelo BIOSTAT B (B. Braun Biotech International) de 2 litros de capacidade total, com controlador de temperatura, agitação, aeração e pH, munido com duas turbinas com 6 pás planas. As velocidades de agitação utilizadas foram: 500 rpm, 300 rpm e 200 rpm, que proporcionaram valores de KLa de 52 h-1, 15,4 h-1 e 5,5 h-1, respectivamente. O volume de meio foi fixado em 1000 mL, a temperatura mantida em 30 °C e a aeração em 1,3 vvm, durante as 72 horas do decorrer da fermentação. Com o objetivo de aumentar a concentração de xilose a um valor nove vezes maior que o inicial, o hidrolisado foi concentrado sob vácuo em evaporador com capacidade de 4 litros, a uma temperatura de aproximadamente 70 ± 5 oC. Posteriormente, para reduzir a concentração dos compostos tóxicos provenientes do processo de hidrólise, o hidrolisado concentrado foi tratado através da alteração do pH original (0,4) para pH 8,0, pela adição de NaOH (pastilhas), seguido de sua redução para o pH inicial de fermentação (6,5) pela adição de H2SO4 (72% p/p). Após cada alteração do pH, o precipitado foi removido por centrifugação a 1100xg por 15 minutos. O acompanhamento das fermentações foi realizado retirando-se amostras para verificação da concentração celular, glicose, xilose e xilitol. O crescimento foi acompanhado por medida das absorbâncias a 600 nm em espectrofotômetro. As amostras foram devidamente diluídas para uma faixa de leitura entre 0,05 a 0,5 unidades de DO. A concentração celular foi determinada utilizandose a equação obtida da regressão linear dos dados de uma curva de calibração entre peso seco e absorbância. Processo Fermentativo O microrganismo utilizado foi a levedura Candida guilliermondii FTI 20037, selecionada para produção de xilitol (Barbosa, Medeiros, Mancilha, Schneider e Lee, 1988). A cultura foi mantida repicada em tubos de ensaio contendo ágar malte inclinado e conservada em geladeira a 4 oC. Um repique com cerca de 24 horas foi utilizado para o preparo do inóculo. O inóculo foi preparado transferindo-se uma 84 Acompanhamento Analítico dos Experimentos As concentrações de glicose, xilose e xilitol foram determinadas por Cromatografia Líquida de Alta Eficiência (HPLC), nas condições: coluna BIO-RAD Aminex HPX87H (300 x 7,8 mm); temperatura: 45°C; eluente: ácido sulfúrico 0,01N; fluxo 0,6 ml/min; volume de amostra: 20 µl; detector: índice de refração. 3. RESULTADOS A produção de xilitol a partir de hidrolisados lignocelulósicos vem sendo estudada através de diferentes processos que levam em conta tanto a influência das variáveis operacionais, como a presença de compostos no hidrolisado, que interferem no processo de bioconversão. Revista UniVap, v.10, n.18, 2003 Neste trabalho, o efeito do coeficiente volumétrico de transferência de oxigênio (KLa), uma das variáveis de influência em processos de bioconversão, foi avaliado na bioconversão de xilose a xilitol por Candida guilliermondii, a partir de hidrolisado hemicelulósico de palha de arroz. As Figuras 1, 2 e 3 apresentam as concentrações de glicose, xilose, xilitol e células durante os processos fermentativos conduzidos com KLa de 52; 5,5 h-1 e 15,4, respectivamente. Fig. 3 - Concentração (g/L) de glicose (T), xilose (l), xilitol (•) e células (s) durante o processo fermentativo conduzido com um KLa = 15,4 h-1. Fig. 1 - Concentração (g/L) de glicose (T), xilose (l), xilitol (Ž) e células (s) durante o processo fermentativo conduzido com um KLa = 52 h-1. Fig. 2 - Concentração (g/L) de glicose (T), xilose (l), xilitol (•) e células (s) durante o processo fermentativo conduzido com um KLa = 5,5 h-1. As Figuras 1, 2 e 3 revelam que independente do valor de KLa utilizado, a glicose foi totalmente consumida pela levedura durante as primeiras 24 horas do processo fermentativo. De acordo com a literatura, em meios contendo misturas de açúcares as hexoses são consumidas preferencialmente, pois inibem o metabolismo da D-xilose através da inativação do sistema de transporte de xilose (repressão catabólica) (Webb e Lee, 1990). Tal comportamento não foi verificado no presente trabalho, uma vez que em todos os ensaios realizados o consumo de xilose ocorreu simultaneamente ao de glicose. Lee, Ryu e Seo (2000), analisando a fermentação de produção de xilitol através de processo batelada alimentada (“fed-batch”), observaram que em fermentações com meios contendo mistura de açúcares, a glicose é usada como fonte de energia para o crescimento celular e na regeneração de cofatores, enquanto a xilose é o substrato utilizado para a conversão em xilitol. Analisando o consumo de xilose verificou-se que o aumento da taxa de aeração do processo, de um KLa de 15,4 para 52 h-1, promoveu um aumento de 90% no consumo desta pentose, o que refletiu em um aumento de 345% na produção de massa celular. Porém, a diminuição do valor de K La de 15,4 para 5,5 h -1 praticamente não interferiu no consumo de xilose e nem na produção de células. Comportamento similar a este foi observado por Martínez, Silva e Felipe (2000) na fermentação de hidrolisado de bagaço de cana-de-açúcar, também para a produção de xilitol. Segundo estes autores, o aumento do KLa do processo de 10 h-1 para 30 h-1 promoveu um aumento de 27% no consumo de xilose e 636% no crescimento celular. No presente trabalho, a utilização de um KLa de Revista UniVap, v.10, n.18, 2003 85 5,5 h-1 proporcionou um consumo de xilose de apenas 22,2% , com um crescimento celular máximo de 5,1 g/L e uma produção de xilitol de 13,3 g/L após 72 horas de fermentação. Quando o KLa foi aumentado de 5,5 para 15,4 h-1, apesar de o consumo de xilose ter sido inferior, houve um aumento na capacidade produtiva da célula, que conseguiu produzir a mesma quantidade de xilitol encontrada anteriormente (cerca de 13 g/L). A utilização de um K L a ainda maior (52 h -1 ); apesar de ter proporcionado um aumento no consumo de xilose, não melhorou os valores de produção de xilitol. Roberto, Mancilha e Sato (1999) também verificaram que para valores de KLa superiores a 15 h-1 nenhuma diferença significativa nos níveis de concentração de xilose e xilitol foi observada. Este fato demonstra que a determinação de um nível adequado de aeração é necessário para se atingir uma bioconversão de xilose em xilitol de maneira eficiente. O efeito do coeficiente volumétrico de transferência de oxigênio nos parâmetros fermentativos do processo de produção de xilitol pode ser observado na Tabela 1. Tabela 1 - Efeito do coeficiente volumétrico de transferência de oxigênio nos parâmetros fermentativos de produção de xilitol a partir de hidrolisado hemicelulósico de palha de arroz. KLa (h-1) 5,5 15,4 52 ∆S (%) 22,2 17 48,4 X (g/L) 5,1 5,6 14,5 P (g/L) 13,3 12,2 16,7 YP/S (g/g) 0,69 0,84 0,44 YX/S (g/g) 0,05 0,08 0,32 QP (g/L.h) 0,18 0,17 0,23 ∆S, consumo de xilose; X, concentração celular final; P, concentração de xilitol; YP/S , fator de conversão de xilose em xilitol; YX/S , fator de conversão de xilose em células; QP , produtividade volumétrica em xilitol. Através desta tabela observa-se que os valores do coeficiente de transferência de oxigênio utilizados não interferiram na produtividade do processo. Entretanto, apesar de em todos os casos a concentração final de produto ter sido praticamente a mesma, o rendimento do processo em xilitol diminuiu de 0,84 para 0,44 g/g, quando o valor de KLa foi aumentado de 15,4 para 52 h-1. Neste caso, o aumento da taxa de transferência de oxigênio provocou um maior consumo de xilose, porém, como conseqüência do excesso de oxigênio fornecido ao meio, ocasionou um desvio no metabolismo da levedura, da produção de xilitol para a formação de células. Quando o KLa foi reduzido de 15,4 para 5,5 h-1, os valores dos parâmetros do processo fermentativo ficaram muito próximos, porém o rendimento em xilitol foi 18% menor. 4. CONCLUSÕES Os resultados obtidos neste trabalho mostraram que a determinação do nível de aeração mais adequado ao processo é fundamental para melhorar a bioconversão de xilose em xilitol e atingir elevados rendimentos no processo. Dentre as condições aqui avaliadas, a utilização de um KLa de 15,4 h-1 mostrou ser a mais adequada, 86 proporcionando um rendimento em produto de 0,84 g/g e uma produtividade volumétrica de 0,17 g/L.h, após 72 horas de fermentação. Entretanto, estudos para otimização deste parâmetro devem ser realizados, de forma a proporcionar também elevados valores de produtividade volumétrica em xilitol e, desta forma, contribuir para que o processo seja realizado com maior rapidez e eficiência. 5. AGRADECIMENTOS Os autores agradecem à FAPESP e ao CNPq, o apoio financeiro concedido para execução deste trabalho. 6. REFERÊNCIAS ALVES, L. A.; FELIPE, M. G. A.; SILVA, J. B.; SILVA, S. S.; PRATA, A. M. R. “Pre treatment of sugar cane bagasse hemicellulose hydrolysate for xylitol production by Candida guilliermondii”. Applied Biochemistry and Biotechnology, v. 70-72, pp. 89-98, 1998. BARBOSA, M. F. S.; MEDEIROS, M. B.; MANCILHA, I. M.; SCHNEIDER, H.; LEE, H. “Screening of yeasts for production of xylitol from d-xylose and some factors which affect xylitol yield in Candida guilliermondii”. Journal of Industrial Microbiology, v. 3, p. 241-251, 1988. Revista UniVap, v.10, n.18, 2003 CANNETTIERI, E. V.; ALMEIDA E SILVA, J. 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Revista UniVap, v.10, n.18, 2003 87 Obtenção e Purificação de Quitosana a Partir de Resíduos de Camarão em Escala Piloto Niege Madeira Soares * Catarina Moura ** Sheila Vasconcelos ** Jaques Rizzi *** Luiz Antônio de Almeida Pinto *** Resumo: A quitina, β-(1-4)-N-acetil-D-glucosamina, é o segundo mais abundante biopolímero natural depois da celulose e é encontrado nos exoesqueletos de crustáceos, carapaça de fungos e outros materiais biológicos e é a principal provedora da quitosana, β-(1-4)-D-glucosamina. Cidades portuárias, como a cidade do Rio grande, possuem uma grande concentração de indústrias pesqueiras, que geram anualmente grandes quantidades de resíduos de pescado, principalmente de camarão. O camarão, em sua constituição, possui de 5 a 7% de quitina, que pode ser extraída dos resíduos e transformada em quitosana, que possui alto valor no mercado e pode ser utilizada em várias áreas devido sua estrutura possuir um grupamento amino disponível, que a mantém com características mais interessantes que a quitina. O objetivo deste trabalho é produzir quitosana em escala piloto e purificá-la para que esta possua características semelhantes ao produto comercial. As etapas de obtenção da quitina são as seguintes: desmineralização, desproteinização, desodorização. Para a produção de quitosana faz-se uma desacetilação alcalina rigorosa, que retira a molécula acetil da quitina transformando esta em quitosana. A purificação da quitosana é feita utilizando-se a capacidade policatiônica da quitosana em soluções ácidas, de onde esta é precipitada através da adição de uma solução alcalina. Palavras-chave: Resíduos de camarão, quitina, quitosana, escala piloto, purificação. Abstract: Chitin, β-(1-4)-N-acetyl-D-glucosamine, is the second most abundant natural biopolymer after cellulose and is found in the exoskeletons of crustaceans, the cells of fungi and other biological materials. It is the main source of chitosan, β-(1-4)-D-glucosamine. Ports like the city of Rio Grande have a large number of fish-related industriesfactories, which generate large volumes of fish residues, particularly from prawns, every year. Prawns contain 5 to 7% of chitin, which can be extracted from the residues and transformed into chitosan. Chitosan has a high market value and can be used in many areas since its structure has an amino-available grouping which means that it has more useful characteristics than chitin. The aim of this study is to produce chitin and chitosan on a pilot scale and purify the obtained chitosan so that it has similar characteristics to the commercial product. The steps for obtaining chitosan are as follows: demineralization, deproteinization and then deodorization. To produce chitosan, rigorous alkaline deacetylation was carried out to remove the acetyl molecule of the chitin, transforming it into chitosan. Chitosan is purified using its polycationic capacity in acid solutions, from which it is precipitated by adding an alkaline solution. Key words: Residues of prawns, chitin, chitosan, pilot scale, purification. * Graduação em Engenharia Química - Conselho Nacional de Pesquisa - PIBIC/CNPq - Fundação Universidade Federal do Rio Grande. [email protected] ** Graduação em Engenharia de Alimentos - Fundação Universidade Federal do Rio Grande. *** Departamento de Química - Fundação Universidade Federal do Rio Grande. 88 Revista UniVap, v.10, n.18, 2003 1. INTRODUÇÃO O nome quitina é derivado da palavra grega “quiton”. É o segundo mais abundante biopolímero sobre a terra, depois da celulose, é uma N-acetilglucosamina. Quitosana é o nome utilizado pela forma acetil substituída da quitina que é composta primeiramente por Nglucosamina. A quitosana tem três tipos de grupos funcionais reativos, um grupo amino como ambos grupos hidroxila primário e secundário nas posições C-2, C-3 e C-6, respectivamente. As modificações químicas destes grupos têm provido numerosas aplicações em diferentes áreas (Craveiro, 1999). A quitina, por existir em grande quantidade na natureza, e seu produto, a quitosana, ter grande valor no mercado, torna-se viável sua obtenção pelo reaproveitamento dos resíduos de camarão e de outros crustáceos. A quitosana possui uma variedade de utilizações como: área médica, tratamento de efluentes, clareamento de óleos e vinhos, pode ser utilizada na forma de filmes que possuem várias composições e funções distintas. A biodegradação da quitina é muito lenta nos resíduos de crustáceos. A acumulação de grandes quantidades de resíduos providos das indústrias de processamento de pescado tem se tornado uma das principais preocupações em relação à preservação do meio ambiente (Shahidi, Arachchi e You, 1999). No Rio Grande a grande concentração de indústrias de processamento de alimentos do mar, por conseguinte, de resíduos de camarão, gera uma preocupação para que estes tenham utilização economicamente viável, o que justifica o objetivo do presente estudo de obtenção de um produto de alto valor agregado como a quitosana a partir destes resíduos. 2. METODOLOGIA EXPERIMENTAL 2.1 Produção de quitosana: Para a produção de quitosana a matéria-prima utilizada foram resíduos de camarão, obtidos nas indústrias locais da cidade do Rio Grande, e armazenados no freezer do Laboratório de Operações Unitárias/FURG a aproximadamente –18°C. O procedimento para a produção de quitosana pode ser representado pelo fluxograma apresentado na Figura 1. Resíduos de camarão Limpeza dos resíduos Desmineralização Desproteinização Desodorização Secagem Desacetilação Secagem Quitosana Fig. 1 - Fluxograma representativo da produção de quitosana. Uma massa de 15 kg de resíduos foi colocada em um tanque com agitação, onde foi adicionada uma solução ácida, tendo essa etapa por objetivo a redução do teor de cinzas da matéria-prima. Terminada esta etapa, o reagente em excesso é retirado por lavagens com água. Revista UniVap, v.10, n.18, 2003 A etapa de desproteinização é feita com solução alcalina, sendo a principal função dessa etapa a redução do teor de nitrogênio protéico dos resíduos de camarão. O reagente é novamente retirado, através de lavagens, e assim se obtém a quitina úmida. 89 A etapa de desodorização consiste na purificação da quitina, onde há uma redução do odor característico dos resíduos de camarão e despigmentação (clareamento). A quitina é então seca, em um secador de bandejas por quatro horas a 80°C, onde a umidade alcançada fica em torno de 5-6%. aquecimento e agitação, projetado propriamente para a reação de conversão da quitina em quitosana, onde é colocada uma solução alcalina concentrada a elevada temperatura. A quitosana é seca nas mesmas condições da quitina, até sua umidade comercial, de 6-8%. 2.2 Purificação da quitosana: O processo de purificação é ilustrado pelo diagrama de blocos apresentado na Figura 2. A quitina seca é então colocada em um reator com Quitosana Seca Dissolução Filtração Precipitação Centrifugação Secagem Quitosana Purificada Fig. 2 - Diagrama de blocos para o processo de purificação da quitosana. Partindo-se da quitosana seca (6 - 8% umidade), prepara-se um sal com concentração de quitosana 1%, em uma solução de 1% de ácido acético, onde se obterá a quitosana dissolvida, já que esta possui solubilidade em ácidos orgânicos diluídos (até pH de aproximadamente 6,0). A solução é filtrada para que seja possível retirar o material que não foi dissolvido e se obter uma solução com menor quantidade de impurezas. A quitosana é precipitada em soluções alcalinas até pH de aproximadamente 12,5. Após é feita a neutralização com ácido até pH 7,0. A separação é feita por centrifugação. A secagem é feita em um secador de bandejas, até a umidade comercial, onde assim se obtém a quitosana purificada. 2.3 Metodologia Analítica: As análises de cinzas, umidade e N-total foram feitas segundo as normas da A.O.A.C (1995). Onde o ensaio de cinzas é feito pelo método de mufla, umidade pelo método de estufa e análise de N- total pelo método de Kjeldahl, seguindo os fatores de conversão de proteína, quitina e quitosana, 6,25; 14,0 e 11,0, respectivamente. 90 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO Os resultados obtidos pela análise de N- corrigido, em base úmida, por etapas da produção, são apresentados na Tabela 1. Tabela 1 - Resultados obtidos para N-corrigido Etapa Matéria-prima Desmineralização Desproteinização Desodorização Quitosana (úmida) N-corrigido (%) 13,0 ± 0,4 6,7 ± 2,1 5,7 ± 1,5 4,3 ± 0,8 12,0 ± 1,0 Os resultados apresentados na Tabela 1, para Ncorrigido, são os obtidos por uma relação entre o N-total do método analítico de Kjeldahl e os fatores de correção da proteína, quitina e quitosana. Revista UniVap, v.10, n.18, 2003 Para análise de umidade e cinzas foram feitos ensaios, em cada etapa do processo em base úmida, conforme as Tabelas 2 e 3. Tabela 2 - Resultados para análise de umidade Etapa Matéria-prima Desmineralização Desproteinização Desodorização Desacetilação Umidade B.U. (%) 78,5 ± 2,5 85,5 ± 1,5 87,5 ± 2,5 86,0 ± 1,0 80,0 ± 1,0 Tabela 5 - Caracterização da quitosana para as análises de umidade, cinzas e N-corrigido Umidade (%) 6,0±1,0 Cinzas (%) 10,0±1,0 N-quitosana (%) 84,0± 1,0 A quitosana produzida apresentou N- total na faixa de 39,0±1,0%, onde, utilizado o fator de conversão da quitosana, o N- quitosana ficou como apresentado na Tabela 5, acima. A quitosana obtida pelo processo de purificação apresentou a caracterização segundo a Tabela 6. Tabela 3 - Resultados para análise de cinzas Etapa Matéria-prima Desmineralização Desproteinização Desodorização Desacetilação Cinzas (%) 7,5 ± 0,5 0,6 ± 0,4 0,35 ± 0,05 1,2 ± 0,2 0,07 ± 0,01 Pela análise da Tabela 2 pode-se notar que a matéria-prima apresentou umidade variando entre 76,0 e 80,0% e que esta aumentou ao longo das etapas para obtenção da quitina devido à adição de soluções aquosas e lavagens do processo. A Tabela 3 mostra que a matériaprima apresentou teor de cinzas entre 7,0 e 8,0% e na etapa de desmineralização, caracterizada pela redução deste teor, houve uma queda considerável, mostrando a eficiência desta etapa. A Tabela 4 apresenta o rendimento do processo por etapas, com relação à matéria-prima inicial. Tabela 4 - Rendimento por etapas do processo em relação a massa de matéria-prima inicial. Etapa Matéria-prima Desmineralização Desproteinização Desodorização Desacetilação % (mat. prima) 59,5 ± 0,5 40,5 ± 0,5 33,5 ± 1,0 5,0 ± 1,0 2,5 ± 0,5 Pela análise da Tabela 4, pode-se concluir que o rendimento diminui a cada etapa do processo, devido à redução mássica característica de cada uma das etapas. Tabela 6 - Caracterização da quitosana purificada para as análises de umidade, cinzas e N-corrigido Umidade (%) 4,0±1,0 Cinzas (%) -traços- N-quitosana (%) 96,0± 1,0 Foram feitos ensaios de caracterização da quitosana comercial para esta ser utilizada como parâmetro comparativo com a quitosana purificada obtida. Os resultados destes ensaios foram que a umidade da quitosana comercial encontrou-se na faixa de 5,0±1,0%, as cinzas ao nível de traços e a percentagem de Nquitosana na faixa de 95,0±1,0%. Observando-se estes resultados pode-se concluir que a quitosana purificada obtida teve uma caracterização semelhante à da quitosana comercial. 4. CONCLUSÃO A metodologia experimental para a produção de quitosana em escala piloto mostrou-se adequada, pois apresentou resultados similares aos encontrados na literatura. O rendimento em quitina seca permaneceu na faixa de 5 - 6% e o rendimento de quitosana seca de 2 - 3%, em relação à massa inicial de resíduo de camarão utilizado. A quitosana purificada obtida apresentou caracterização semelhante à quitosana comercial. 5. REFERÊNCIAS AOAC - Association of Official Analytical Chemists, 1995. A Tabela 5 apresenta os resultados para o produto final (quitosana seca), obtida em escala piloto. Revista UniVap, v.10, n.18, 2003 91 CRAVEIRO, A. A.; CRAVEIRO, A. C.; QUEIROZ, D. C. Quitosana: a fibra do futuro. Fortaleza: Parque de Desenvolvimento Tecnológico - PADETEC, 1999, 124p. DALLABRIDA, V. F. Otimização do processo de obtenção de quitosana a partir de cascas de camarão. Rio Grande, 105p. Relatório Final da BIC/FURG, 2000. 92 ROBERTS, G.A.F.; DOMSZY, J. G. Int. J. Biol. Macromol., p. 374-377, 1982. SHAHIDI, F.; ARACHCHI, J. K. V.; YOU, J. J. Food applications of chitin and chitosan. Trends in Food Science & Technology, v. 10, p. 37, 1999. Revista UniVap, v.10, n.18, 2003 Drogas Farmacológicas para o Alívio da Espasticidade em Pacientes com Esclerose Múltipla: Uma Revisão Bibliográfica Claudia Franco * Resumo: A espasticidade é caracterizada por uma condição anormal do tônus muscular encontrada em várias patologias advindas de lesões no Sistema Nervoso Central. Dentre elas, a Esclerose Múltipla tem sido alvo de várias pesquisas voltadas a fármacos que promovem o alívio da espasticidade. Apesar de algumas drogas disponíveis no mercado produzirem um efeito terapêutico variável e efeitos colaterais indesejáveis, estudos realizados com fármacos como Gabapentin, Baclofen e Tizanidine mostraram bons resultados sem produzir efeitos colaterais significantes. Palavras-chave: Espasticidade, esclerose múltipla, fármacos. Abstract: Spasticity is an abnormal condition of the muscle tone, found in many pathologies of the Central Nervous System. Among those pathologies, Multiple Sclerosis has been the target of several researches on drugs that might relieve the symptoms of spasticity. Although some drugs available in the market produce variable therapeutic effects and undesirable side effects, studies carried out with drugs like Gabapentin, Baclofen and Tizanidine, showed good results without significant side effects. Key words: Espasticity, multiple sclerosis, drugs. 1. INTRODUÇÃO A espasticidade é uma condição clínica resultante de lesões no Sistema Nervoso Central e pode ser responsável por causar disfunções motoras graves a um indivíduo portador desta síndrome. Caracteriza-se por padrões alterados de atividades das unidades motoras, levando a contrações, movimentos de massa e anormalidades do controle postural (Mansini, 2000). Existem várias causas para a espasticidade; entre elas, estão as doenças desmielinizantes como a esclerose múltipla. Esta doença crônica e auto-imune possui prevalência e incidência bastante variáveis. Segundo Tilbery (2000), tem sido considerada uma forte preocupação para os Órgãos de Saúde NorteAmericanos, acometendo atualmente 300.000 indivíduos entre 20 a 40 anos de idade. Ao longo do tempo, vários estudos foram realizados para aliviar a espasticidade em pacientes portadores de esclerose múltipla, a fim de * Professora e mestranda em Bioengenharia - UNIVAP 2003. Revista UniVap, v.10, n.18, 2003 prevenir perdas funcionais graves. Esta condição motora, caracterizada pela hipertonicidade muscular, pode gerar dificuldades ao paciente para assumir a posição sentada, o que o impossibilitaria de realizar transferências e o levaria à dependência para as atividades cotidianas como vestir-se e higienizar-se, afetando, assim, a sua qualidade de vida. 2. MÉTODOS Foi realizada uma revisão de literatura utilizando o site da Google, com as palavras-chave: spaticity/multiple sclerosis, sendo retirados 25 artigos científicos. Desses 25, 8 trabalhos destinaram-se ao estudo farmacológico para esta condição clínica. 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO Vários estudos sobre os efeitos farmacológicos para o alívio da espasticidade, causada por esclerose múltipla, foram realizados nos últimos 30 anos. Esses fármacos atuam como depressores das ações dos motoneurônios gama, responsáveis em grande parte pela hiperexcitabilidade dos músculos, resultante da interrupção do sistema supra-segmentar. 93 Entre as drogas mais antigas usadas para diminuir a espasticidade está o Baclofen. Estudos realizados sobre seu efeito clínico demonstraram sua ação minimizadora da espasticidade associada ao alívio da dor causada por espasmos. Apesar de a medicação ter surtido alguns efeitos colaterais como sonolência, vômitos e náuseas, essas sensações foram bem toleradas pelos pacientes portadores de esclerose múltipla. Nenhum dos estudos observou alterações hepáticas, renais ou na função hematológica dos pacientes (Sawa e Paty, 1979; Feldman et al., 1978; Sachais et al.,1977). Tratamentos realizados com o fármaco Tizanidine também demonstraram significantes resultados para o controle do clono e espasmos, além da redução do tônus muscular observado no grupo comparado em relação ao placebo. Seus efeitos sobre a espasticidade foram observados após a primeira semana do início do tratamento e foram mantidos até uma semana após cessar a terapia. Os pacientes também apresentaram boa tolerância aos efeitos colaterais (Smith et al.,1994; United Kingdom Tizanidine Trial Group, 1994). A Gabapentin é a droga que apresenta estudos mais recentes para o tratamento da espasticidade causada por esclerose múltipla. Seus efeitos foram analisados entre grupos controles e placebos, através de escalas como de Ashworth, Escala de Freqüência de Espasmos, Escala de Clono, Escala de Avaliação Global, Escala da Resposta de Babinsk e avaliações por eletromiógrafo (EMG). Apesar de alguns resultados demonstrarem pequenas variações entre as escalas, em geral os estudos com Gabapentin concluíram que este fármaco reduz significantemente a espasticidade nos grupos controlados em relação ao placebo, sem produzir efeitos colaterais importantes (Cutter et al., 2000; Dunevsky e Perel, 998; Mueller et al., 1997). 4. CONCLUSÃO As propostas de tratamento para aliviar ou controlar a espasticidade são diversas e, até então, nenhuma delas conseguiu promover a cura definitiva desta condição patológica. Os fármacos apresentados neste trabalho mostraram um bom resultado para o tratamento da espasticidade causada por esclerose múltipla. Medicação como o Baclofen tem sido utilizada em outras doenças neurológicas como a paralisia cerebral, oferecendo respostas similares para o alívio da espasticidade. Portanto, a utilização dos remédios 94 Gabapentin, Baclofen e Tizanidine como proposta complementar às outras terapias no tratamento da espasticidade mostra-se promissora, merecendo mais pesquisas. 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CUTTER, N. C.; SCOTT, D. D.; JOHNSON, J. C.; WHITENECK, G. Gabapentin’s efectts on spasticity in MS. Arch. Phys. Med. Rehabil. v. 81, n. 2, p. 164-9. 2000. DUNEVSKY, A.; PEREL, A. B. Gabapentin for relief of spasticity associated with multiple sclerosis. Am. J. Phys.Med. Rehabil. v. 77, n. 5, p. 451-4. 1998. FELDMAN, R. G.; KELLY-HAYES, M.; CONOMY J. P.; FOLEY, J. M. Baclofen for spasticity in multiple sclerosis. Neurology. v. 28, n. 11, p. 1094-1098. 1978. MANSINI, M. Espasticidade. In: MELO-SOUZA, S. E. Tratamento das doenças neurológicas. Rio de Janeiro: Guanabara/Koogan. p. 780-783. 2000. MUELLER, M. E.; GRUENTHAL, M.; OLSON, W. L.; OLSON, W. L. Gabapentin for relief of upper motor neuron symptoms in multiple sclerosis. Arch. Med. Rehabil. v. 78, n. 5, p. 521-514. 1997. SACHAIS, B. A.; LOGUE, J. N.; CAREY, M. S. Baclofen, a new antispastic drug. Arch. Neurol. v. 34, n. 7, p. 422428. 1977. SAWA, G. M.; PATY, D. W. The use of baclofen in treatment of spasticity in multiple sclerosis. Can. J. Neurol. Sci. v. 6, n. 3, p. 351-354. 1979. SMITH, C.; BIRNBAUM, G.; CARTER, J. L.; GREENSTEIN, J.; LUBLIN, F. D. Tizanidine treatment of spasticity caused by multiple sclerosis. Neurology. v. 44, n. 11 suppl. 9, p. S34-42; S42-3. 1994 TILBERY, C. P. Esclerose múltipla. In: MELO-SOUZA, S. E. Tratamento das doenças neurológicas. Rio de Janeiro: Guanabara/Koogan. p. 559-561. 2000. UNITED KINGDOM TIZANIDINE TRIAL GROUP. Tizanidine in the treatment of spasticity caused by multiple sclerosis. Neurology. v. 44, n. 11 suppl 9, p. S70-8. 1994. Revista UniVap, v.10, n.18, 2003 Resenha ARENDT, Hannah. A Condição Humana. 7 ed. Trad. Roberto Raposo. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995. 338p. Elizabeth Moraes Liberato * A TRAMA DA CONDIÇÃO HUMANA “Respostas são dadas diariamente no âmbito da política prática, sujeitas ao acordo de muitos; jamais poderiam se basear em considerações teóricas ou na opinião de uma só pessoa, como se se tratasse de problemas para os quais só existe uma solução possível” (p. 13). Hannah Arendt, filósofa e pensadora política, nasceu em 1906, na Alemanha; faleceu em 1975. Foi aluna de Heidegger, Husserl e Karl Jaspers. Sua obra, considerada uma das mais originais do pensamento no séc. XX, reflete, basicamente, sobre a teoria e a prática políticas. O livro A Condição Humana foi publicado em 1958; a autora escreve no Prólogo: “limitou-me, de um lado, a uma análise daquelas capacidades humanas gerais decorrentes da condição humana, e que são permanentes, isto é, que não podem ser irremediavelmente perdidas enquanto não mude a própria condição humana” (p. 14). O pensamento de Hannah Arendt, em seu livro “A Condição Humana” ressalta que todo diálogo deve ser aberto às diferentes idéias e experiências para que ocorra necessária reflexão das ações. Para se refletir sobre a Condição Humana é preciso considerar, inicialmente, as atividades fundamentais: labor, trabalho e ação. O labor representa o processo biológico que vai da geração inicial ao declínio, expresso pelas necessidades essenciais à vida do homem e que asseguram a sobrevivência da espécie humana. Diferentemente de todas as coisas vivas, os seres humanos imprimem ao movimento cíclico de sua chegada e partida do mundo, uma expressão de indivíduos únicos, singulares e irrepetíveis. Isto atribui ao ciclo vital uma dinâmica e diversidade impressas na própria história da humanidade. O significado da vida seria linear se designasse um intervalo de tempo, uma trajetória com começo e fim, movida por uma força motriz; ao contrário, é um evento pleno de significados, de sentidos que expressam e traduzem as diferentes formas de apreensão da realidade que não é estática, que se move e adquire sempre novas configurações. Através do trabalho o homem produz as coisas necessárias à sua existência e que, muitas vezes, a transcende. Para Marx é “a mais humana e produtiva das atividades do homem” (cit. p. 116). A ação corresponde à pluralidade, é ligada ao coletivo, à expressão da vida política, porém respeitando as individualidades. A ação cria “ corpos políticos” e a história. Está sempre ligada à capacidade de agir e criar algo novo. Ao contrário da natureza humana, a Condição Humana é a soma das atividades e capacidades do homem. Deve-se ter presente que as condições do existir humano - natalidade, mortalidade – criam para as ciências o seu objeto de estudo, mas as explicações daí decorrentes não podem excluir o sentido filosófico de que não somos “meras criaturas terrenas”. O homem, ser pensante, pode discernir e transcender sua materialidade, transformando potencial e possibilidades em ações criativas. O homem, ser social e político, se expressa pela “vita activa”, num mundo que não teria sentido se, desde seus primórdios, não se reconhecesse a sua presença e atividade. “Nenhuma vida humana (...) é possível sem um mundo que, direta ou indiretamente, testemunhe a presença de outros seres humanos” (p. 31). Em Aristóteles encontra-se a expressão “bios politikos”, cujas atividades constituintes seriam a ação (praxis) e o discurso (lexis) capacidades afins do ser humano que as realiza no plano social e político. * Professora e Pró-reitoria de Avaliação da UNIVAP. Revista UniVap, v.10, n.18, 2003 95 Assinala Arendt: “A pluralidade humana, condição básica de ação e do discurso, tem o duplo aspecto de igualdade e diferença. Se não fossem iguais, os homens seriam incapazes de compreender-se entre si e aos seus ancestrais, ou de fazer planos para o futuro e prever as necessidades das gerações vindouras. Se não fossem diferentes, se cada ser humano não diferisse de todos os que existiram, existem ou virão a existir, os homens não precisariam do discurso ou da ação para se fazerem entender” (p. 188). No alter – o outro - está implícito a pluralidade de seres singulares, terreno das distinções e partilhas. Perceber e compreender o outro permite o agir coletivo que sedimenta o terreno das trocas essenciais ao homem. Pelo discurso e pela ação os homens se comunicam e se inserem no mundo, desde o nascimento, quando se percebem como seres viventes e são estimulados a movimentar-se, a agir. “O fato de que o homem é capaz de agir significa que se pode esperar dele o inesperado, que ele é capaz de realizar o infinitamente improvável” (p. 191). Responder à questão: Quem és? tem o significado de uma revelação através de palavras e atos. O ator precisa ser autor, anunciando-se, sinalizando e assumindo uma identidade. O silêncio oculta; o anonimato mantém as pessoas fora do cenário histórico; o isolamento é privação. Por outro lado, existem discursos que nada revelam, nada desvendam. Expor-se é manifestar-se, é entregar ao outro as chaves do seu próprio domínio, o que só é possível quando as pessoas estão com as outras, num plano de convivência. A cada ação corresponde uma reação, uma resposta, que, como círculos que se expandem, atingem cada vez um número maior de pessoas. A ação política é desencadeadora de um número ilimitado de relações, transpõe os limites da singularidade e da particularidade, para alcançar o conjunto maior, a universalidade: a revelação do homem como sujeito coletivo. O fluxo contínuo do discurso e da ação interpreta e reinterpreta a história. As realizações contidas no ato vivo e na palavra falada, na concepção aristotélica, representam a energeia (efetividade), a obra do homem, cujo fim não se esgota em si mesma. Na sociedade moderna, em que os fins justificam os meios, desvirtua-se e degrada-se a condição essencial da atividade humana. A aparência tem maior peso no 96 mundo das coisas, perde-se o sentido do relacionamento humano. O poder de destruição e a falta de responsabilidade nos atos, sem avaliação das possíveis conseqüências desastrosas, espelham o processo de depredação que se instaura na sociedade. Restringe-se a capacidade de liberdade do ser humano, que ao criar a teia de relações enreda-se de tal forma que já não se encontra como ser íntegro, nem tem ao seu redor possibilidades essenciais ao seu pleno existir. Essa expropriação do ambiente natural e social caracteriza, na era atual, a alienação do sujeito coletivo, o alheiamento às causas verdadeiras. A ciência tem alcançado patamares jamais cogitados, muitas experiências suscitam questões éticas até mesmo sobre a possibilidade de se criar e recriar a vida; chega a extrapolar a compreensão dos limites que a mente do homem pode atingir. Em busca de certezas, no seu caminhar filosófico e histórico, o homem se defronta, em relação ao futuro, com a perplexidade de um processo vital que o desafia a rever suas convicções. Nada está tão claro ou firmado; suas posições têm de ser revistas a cada momento. Assim, a moderna concepção do mundo incorpora o embate entre a matéria e a mente, entre o infinitamente pequeno e o infinitamente grande; deve levar ao reencontro da unidade e da pluralidade, da capacidade de contemplar, criar e agir. Através dos tempos, a diversidade da CONDIÇÃO HUMANA tem afirmado o bem supremo que é a vida como experiência de liberdade, condição primeira e única para o homem, que sem ela nega sua própria natureza. A capacidade de pensar e agir não é prerrogativa de poucos, intelectuais, cientistas, mas deve ser assumida por todos os membros da sociedade, reafirmando a experiência de estarem ativos, capazes de produzir histórias que iluminem a existência humana e ações que alcancem a realização de todos, pela efetivação de direitos, num processo de construção que não é individual, mas coletivo. O discurso, assim, deixa de ser a simples composição de palavras, mas convoca ao agir, adquire a força que se liga ao “elan” vital, pela capacidade de somar o ato de pensar à ação que transforma e reafirma a CONDIÇÃO HUMANA. Revista UniVap, v.10, n.18, 2003 NORMAS GERAIS PARA A PUBLICAÇÃO DE TRABALHOS NA REVISTA UNIVAP A Revista UniVap é uma publicação de divulgação científica da Universidade do Vale do Paraíba (UNIVAP), que procura cumprir com a sua tríplice missão de ensino, pesquisa e extensão. Assim, a pesquisa na UNIVAP tem, dentre suas funções, a de formar elites intelectuais, sem as quais não há progresso. Esta publicação incentiva as pesquisas e procura o envolvimento de seus professores e alunos em pesquisas e cogitações de interesse social, educacional, científico ou tecnológico. Aceita artigos originais, não publicados anteriormente, de seus docentes, discentes, bem como de autores da comunidade científica nacional e internacional. Publica artigos, notas científicas, relatos de pesquisa, estudos teóricos, relatos de experiência profissional, revisões de literatura, resenhas, nas diversas áreas do conhecimento científico, sempre a critério de sua Comissão Editorial e de acordo com o formato dos artigos aqui publicados. Solicita-se observar as instruções a seguir para o preparo dos trabalhos. 1. Os originais devem ser apresentados em papel branco de boa qualidade, no formato A4 (21,0cm x 29,7cm) e encaminhados completos, definitivamente revistos, com no máximo 15 páginas, digitadas em espaço 1,5 entre as linhas. Recomenda-se o uso de caracteres Times New Roman, tamanho 12, em 2 vias, acompanhadas de disquete (de 3,5"), de computador padrão IBM PC, com gravação do texto no Programa Word for Windows e, se possível, enviar o Artigo pelo e-mail [email protected]. Somente em casos muito especiais serão aceitos trabalhos com mais de 15 páginas. Os títulos das seções devem ser em maiúsculas, numerados seqüencialmente, destacados com negrito. Não se recomendam subdivisões excessivas dos títulos das Seções. 2. Língua. Os artigos deverão ser escritos preferencialmente em Português, aceitando-se também textos em Inglês e Espanhol. No caso do uso das línguas Portuguesa e Espanhola, deverá ser anexado um resumo em Português (ou Espanhol) e em Inglês (Abstract). 3. Os trabalhos devem obedecer à seguinte ordem: - Título (e subtítulo, se houver). Deve estar de acordo com o conteúdo do trabalho, conforme os artigos aqui apresentados. - Autor(es). Logo abaixo do título, apresentar nome(s) do(s) autor(es) por extenso, sem abreviaturas, com asterisco, colocado logo após o nome completo do autor ou autores, remetendo a uma nota de rodapé relativa à(s) informação(ões) referentes às instituições a que Revista UniVap, v.10, n.18, 2003 pertence(m) e às qualificações, títulos, cargos ou outros atributos. - Resumo. Com no máximo 500 palavras, o resumo deve apresentar o que foi feito e estudado, seu objetivo, como foi feito (metodologia), apresentando os resultados, conclusões ou reflexões sobre o tema, de modo que o leitor possa avaliar o conteúdo do texto. - Abstract. Versão do resumo para a língua Inglesa. Caso o trabalho seja escrito em Inglês, o Abstract deverá ser traduzido para o Português (Resumo). - Palavras-chave (Key words). Apresentar de duas a cinco palavras-chave sobre o tema. - Texto. Deve ser distribuído de acordo com as características próprias de cada trabalho. Um trabalho pode, por exemplo, ter uma Introdução, um Desenvolvimento, Considerações Finais e Referências Bibliográficas. De um modo geral, contém: a) Introdução, b) Material e Métodos, c) Apresentação e Análise dos Dados d) Resultados, e) Discussão f) Conclusões, Recomendações ou Considerações Finais, g) Agradecimentos (quando necessário), h) Referências Bibliográficas. - Citações dentro do texto. As citações textuais longas (mais de três linhas) devem constituir um parágrafo independente. As menções a autores no decorrer do texto devem subordinar-se ao esquema sobrenome do autor, data (Novo, 1989, p. 20). Se as idéias dos autores forem apresentadas de modo interpretado e resumido, portanto não sendo “textuais”, devem trazer apenas o sobrenome do autor e a data. Ex.: Segundo Demo (1991), nenhum texto diz tudo. As linhas não dizem tudo. As entrelinhas muitas vezes dizem mais. Caso o nome do autor já estiver no texto, indica-se apenas a data entre parênteses. Ex.: Segundo dados do SEBRAE (1993), o grupo de áreas destinadas às lavouras temporárias ficava em torno de 7% do total das terras. Se a citação for textual, deve-se adicionar o número da página. Ex.: Segundo Jaime Lerner (1992, p. 20), “A cidade ambientalmente correta evita a industrialização forçada, rejeita as indústrias poluentes...”. - Refências Bibliográficas. Elas devem ser apresentadas no final do trabalho, em ordem alfabética de sobrenome do(s) autor(es), como nos seguintes exemplos: a) Livro: SOBRENOME, Nome. Título da obra. Local de publicação: Editora, data. Exemplo: PÉCORA, A. Problemas de redação. 4.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1992. 97 b) Capítulo de livro: SOBRENOME, Nome. Título do capítulo. In: SOBRENOME, Nome (org.). Título do livro. Local de publicação: Editora, data. Página inicial-final. Exemplo: LACOSTE, Y. Liquidar a geografia... liquidar a idéia nacional? In: VESENTIN, José William (org.). Geografia e ensino: textos críticos. Campinas: Papirus, 1989. p. 31-82. c) Artigo de periódico: SOBRENOME, Nome. Título do artigo. Título do periódico, local de publicação, volume do periódico, número do fascículo, página inicial-página final, mês(es). Ano. Exemplo: ALMEIDA JÚNIOR, M. A economia brasileira. Revista Brasileira de Economia, São Paulo, v. 11, n.1, p. 26-28, jan./fev. 1995. d) Dissertações e Teses: SOBRENOME, Nome. Título da dissertação (ou tese). Local. Número de páginas (Categoria, grau e área de concentração). Instituição em que foi defendida. data. Exemplo: CECCATO, V. Proposta metodológica para avaliação da qualidade de vida urbana a partir de dados convencionais de sensoriamento remoto, Sistema de Informações Geográficas e banco de dados georrelacional. São José dos Campos, 140 p. (INPE-5457-TDI/499). Dissertação (Mestrado em Sensoriamento Remoto) Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, 1992. e) Outros casos: Consultar as Normas da ABNT para Referências Bibliográficas. 4. As figuras (desenhos, gráficos, ilustrações, fotos) e tabelas devem apresentar boa qualidade e serem acompanhados de legendas breves e claras. Indicar, no verso das ilustrações, escritos a lápis, o sentido da figura, o nome do autor e o título abreviado do trabalho. As figuras devem ser numeradas seqüencialmente com números arábicos e iniciadas pelo termo Fig., devendo ficar na parte inferior da figura. Exemplo: Fig. 4 - Gráfico de controle de custo. No caso das tabelas, elas também devem ser numeradas seqüencialmente, com números arábicos, e colocadas na parte superior da tabela. Exemplo: Tabela 5 - Cronograma da Pesquisa. As figuras e tabelas devem ser impressas juntamente com o original e quando geradas no computador deverão estar gravadas no mesmo arquivo do texto original. No caso de fotografias, desenho artístico, mapas etc., estes devem ser de boa qualidade e em preto e branco. 98 5. O encaminhamento do original para publicação deve ser feito acompanhado do disquete e com a indicação do software e versão usada. 6. O Corpo Editorial avaliará sobre a conveniência ou não da publicação do trabalho enviado, bem como poderá indicar correções ou sugerir modificações. A cada edição, o Corpo Editorial selecionará, dentre os trabalhos considerados favoráveis para publicação, aqueles que serão publicados imediatamente. Os não selecionados serão novamente apreciados na ocasião das edições seguintes. 7. Os conteúdos e os pontos de vista expressos nos textos são de responsabilidade de seus autores e não apresentam necessariamente as posições do Corpo Editorial da Revista UniVap. 8. Originais. A Revista não devolverá os originais dos trabalhos e remeterá, gratuitamente, a seus autores, cinco exemplares do número em que forem publicados. 9. O Corpo Editorial se reserva o direito de introduzir alterações nos originais, com o objetivo de manter a homogeneidade e a qualidade da publicação, respeitando, porém, o estilo e a opinião dos autores. 10. Endereços. Deverá ser enviado o endereço completo de um dos autores para correspondência. Os trabalhos deverão ser enviados para: UNIVERSIDADE DO VALE DO PARAÍBA - UNIVAP PRÓ-REITORIA DE INTEGRAÇÃO UNIVERSIDADE/SOCIEDADE Conselho Editorial da Revista UniVap Av. 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