A aquisição de onsets complexos no português brasileiro Trabalho apresentado no IV Congresso Internacional da ABRALIN – Brasília – 2005 4-1 A aquisição de onsets complexos no português brasileiro Christina Abreu Gomes (UFRJ) [email protected] Thaïs Cristófaro-Silva (UFMG) [email protected] Abstract Este trabalho avalia casos de aquisição de onsets complexos no português brasileiro. Os onsets complexos são seqüências de (obstruintes+líquida), sendo que um tepe ou uma lateral alveolar pode ocupar a posição da líquida. As obstruintes podem ser [p,b,t,d,k,g,f,v]. Inúmeros trabalhos já avaliaram a aquisição de onsets complexos no português brasileiro (Azambuja (1998), Cristófaro-Silva & Miranda (2003), Ribas (2002), Teixeria (1998), Yavas et al (1992)). A contribuição do presente trabalho é avaliar não apenas os parâmetros maturacionais envolvidos na aquisição destes onsets complexos mas também oferecer subsídios para uma melhor compreensão da variabilidade atestada nos mesmos. Tal variabilidade é basicamente de dois tipos: ou a líquida é cancelada (livru!livu) ou há troca entre as líquidas (tipicamente a lateral ocorre como um tepe: blusa!brusa). Enquanto a troca entre as líquidas é estigmatizada o cancelamento da líquida não apresenta estigma social. Os resultados a serem discutidos evidenciam que: a) a aquisição de onsets complexos se dá lexicalmente e é regulada por parâmetros estruturais (mais especificamente a tonicidade); b) a aquisição de onsets complexos se dá na infância e a variabilidade atestada na fala adulta afeta a aquisição; c) os parâmetros probabilísticos atestados para onsets complexos no português brasileiro contribuem para uma compreensão mais ampla da aquisição dos mesmos. As conclusões deste trabalho evidenciam que o item léxico é a unidade de aquisição da linguagem (Vihman (2002), Bybee (2001)) e que parâmetros probabilísticos atestados nas línguas contribuem para a análise de sua aquisição (Pierrehumbert (2003)). 1. Proposta de avaliar casos de aquisição de onsets complexos no português brasileiro. Os onsets complexos são seqüências de (obstruintes+líquida), sendo que um tepe ou uma lateral alveolar pode ocupar a posição da líquida. As obstruintes podem ser [p,b,t,d,k,g,f,v]. Há restrições no PB a seqüências *dl, *tl (palavras de origem grega) e *vl. Inúmeros trabalhos já avaliaram a aquisição de onsets complexos no português brasileiro (Azambuja (1998), Cristófaro-Silva & Miranda (2003), Ribas (2002), Teixeira (1998), Yavas et al (1992)). 2. Este trabalho pretende oferecer subsídios para uma melhor compreensão de casos de variação atestados na aquisição dos encontros consonantais tautossilábicos ao avaliar dois casos distintos de variabilidade. 3. Tal variabilidade é basicamente de dois tipos: a. a líquida é cancelada (livru ~ livu) ou b. há troca entre as líquidas (tipicamente a lateral ocorre como um tepe: blusa ~ brusa). Enquanto a troca entre as líquidas (3b) é estigmatizada o cancelamento da líquida (3a) não apresenta estigma social, quando ocorre, principalmente, em sílabas átonas finais (livru ~ livu). Mas o cncelamento da líquida é altamente estigmatizado em itens como pograma e poblema. 4. Foco Teórico: Fonologia de Uso, Teoria de Exempalres e Fonologia Probabilística 4a.⇒ multirpresentacionalidade das formas lingüísticas: implica dizer que a variação não é processo, conforme a abordagem clássica da sociolingüística variacionista. A variação é representacional, isto é, está representada no léxico, estruturado em redes de conexões, através de relações de similaridade tanto fonológicas/fonéticas quanto semânticas (cf. Bybee, 1995) 4b ⇒ a informação é redundante: a Fonologia de Uso sugere que as representações lingüísticas ou representações mentais são maximamente redundantes e que os segmentos fonológicos com as redundâncias removidas não constituem unidades cognitivas autônomas (veja também Langacker, 1987, 2000). A teoria que acolhe redundâncias nas representações é a Teoria dos Exemplares. Tal teoria foi apresentada por Johnson (1997) e desenvolvida em Pierrehumbert (2001). 4c ⇒ as unidades estocadas são as ocorrências de uso: Com relação à representação fonológica, os modelos multirepresentacionais propõem que as unidades estocadas sejam as ocorrências de uso. No modelo de exemplares, todos as ocorrências percebidas são categorizadas e estocadas criando categorias que representam diretamente a variação encontrada no uso. 4d ⇒ A freqüência de tipo e a freqüência de ocorrência desempenham papeis diferentes neste modelo: De acordo com Bybee (2001:11-12), a freqüência de ocorrência tem dois efeitos importantes tanto na fonologia quanto na morfologia. Um destes efeitos é que a mudança foneticamente motivada se implementa mais rapidamente em itens lexicais que têm freqüência de ocorrência mais alta. Um outro efeito da freqüência é o efeito da freqüência do tipo (type frequency) na determinação da produtividade. Produtividade é o alcance que um determinado padrão estrutural possui para ser aplicado a novas formas. (reescrever) A aquisição de onsets complexos no português brasileiro Trabalho apresentado no IV Congresso Internacional da ABRALIN – Brasília – 2005 4-2 4e⇒ implicação desses pressupostos para a aquisição: a aquisição constitui no armazenamento de estruturas em função da experiência e exposição aos dados lingüísticos, e consistirá no conjunto de possibilidades disponíveis no uso, portanto, o conhecimento lingüístico/gramática internalizada será inerentemente variável e incluirá o gerenciamento probabilístico das unidades estocadas em função da freqüência de type e de token. 5. Onsets complexos e onsets simples no português Cr pr br tr dr kr gr fr vr Cr types 4.484 3.850 13.532 2.641 4.449 4.429 2.022 206 35.613 Cl pl bl tl dl kl gl fl vl Cl types 2.734 800 95 9 1.994 1.034 1.303 2 7.971 CC pr+pl br+bl tr+tl dr+dl kr+kl gr+gl fr+fl vr+vl CC types 7.218 4.650 13.627 2.650 6.443 5.463 3.325 208 43.584 C P B T D K G F V C Types 33.108 20.876 77.826 54.967 38.640 17.135 20.470 16.071 279.083 Tabela 1: CCV e CV no PB As duas primeiras colunas indicam casos de (obstuinte+tepe) e o números encontrados para esta categoria. As colunas 3 e 4 indicam casos de (obstuinte+lateral) e o números encontrados para esta categoria. As colunas 5 e 6 indicam a soma de (obstruinte+tepe) e (obstruinte+lateral), i.e. padrão silábico CCV. Finalmente as colunas 7 e 8 indicam o número de tipos para (obstruinte+vogal), i.e. sílabas CV. Dados coletados no Michaelis – Moderno Dicionário da Língua Portuguesa . Edições Melhoramentos. www. uol. com. br /michaelis/, em 2003 (Cristófaro-Silva (2003)). Observações gerais: tem mais CV do que CCV e tem mais CrV do que ClV 6. A variação CrV e ClV ~CV na aquisição do português mineiro (Cristófaro-Silva (2004)). a. Amostras a serem avaliadas Amostras Sociais 1 Adultos (18F/18M), 3 faixas etárias , 3 níveis educacionais Crianças alfabetizandas (106F/ 92M), 5-7 anos, 2 níveis sócio-economicos Crianças (7F/4M), 4:0 a 5:3 anos, Alunos de creche 2 3 Fonte Dados Cristófaro-Silva (2001) 85 itens Freitas (2001) 22 itens Miranda (2003) 20 itens A hipótese central que foi testada é de que a aquisição de EC pela criança se dá por implementação lexical e reflete padrões recorrentes da fala (variável) do adulto. Esta proposta avalia que ao invés de termos a REC, de fato temos a aquisição de padrões sonoros concorrentes ou variáveis. A tabela (b) indica os resultados da amostra dos adultos e de crianças de 5-7 anos. b. REC nas amostras de Cristófaro-Silva (2001) e Freitas (2001) tônica átona Total Adultos Cristófaro-Silva (2001) 21/173 12% 464/1842 25% 485/2015 24% Crianças 5-7 Freitas (2001) 17/216 8% 136/751 18% 153/931 16% pretônica 227/1010 22% 109/416 26% postônica 237/832 28% 27/335 8% total 464/1842 25% 136/751 18% Os resultados indicam que os adultos de fato apresentam maior REC (24%) do que as crianças (16%). Contudo, nas duas amostras observa-se que a REC é mais recorrente em posição átona (25% e 18%) do que em posição tônica (12% e 8%). Uma avaliação mais acurada da posição átona indica que as crianças favorecem a REC em posição átona pretônica (26%) enquanto os adultos preferem a posição átona postônica (28%). c. Um resultado interessante dos trabalhos de Cristófaro-Silva (2001) e Freitas (2001) é de que é significativa a influência lexical na REC. Ou seja, a palavra é crucial na promoção da REC. Atestou-se grande diferença entre os índices de REC em diferentes palavras e postulou-se que a REC seja de fato regulada lexicalmente. Isto levou a formulação da hipótese lexical que pode ser formulada como: a REC é regulada lexicalmente. Tal resultado é interessante por ser compatível com a proposta da Fonologia de Uso e da Teoria de A aquisição de onsets complexos no português brasileiro Trabalho apresentado no IV Congresso Internacional da ABRALIN – Brasília – 2005 4-3 Exemplares que assumem ser a palavra o lócus de representação. A hipótese lexical foi então testada para as amostras 1 (adultos) e 2 (crianças) ao se proceder uma avaliação dos itens lexicais comuns à ambas: d. Hipótese lexical: Cristófaro-Silva (2001) e Freitas (2001) item lexical Tônica Atlético Bruxa Estrela Total Adultos Cristófaro-Silva (2001) 0/31 0% 1/32 3% 1/34 3% 2/97 2% Crianças 5-7 Freitas (2001) 2/48 4% 7/31 22% 4/63 6% 13/142 9% pretônica Biblioteca Cruzeiro refrigerante Total 13/33 4/35 21/36 38/104 39% 11% 58% 36% 14/47 8/55 49/90 71/192 30% 15% 54% 36% postônica Lágrima Pedra Pública Vidro Total 4/34 6/34 4/28 3/32 17/128 12% 18% 14% 10% 13% 5/59 3/51 3/25 5/22 16/157 8% 6% 12% 23% 10% e. REC nas amostras de Cristófaro-Silva (2001) e Miranda (2003) Adulto Criança CETEM Cristófaro-Silva(2001) Miranda (2003) N % N % cobra 3/32 9 0/7 0 663 cofre 7/33 21 1/4 25 179 livro 10/15 67 4/7 57 8.439 quatro 13/23 56 4/5 80 15.028 zebra 5/35 14 0/6 0 70 Total 38/138 27% 9/29 31% Observa-se o comportamento análogo entre adultos e crianças em relação ao comportamento dos EC em itens lexicais específicos. Um fator interessante a ser observado é que as palavras com maior índice de REC são aquelas que são mais freqüentes na língua (cf. índice de freqüência de ocorrência no corpus do CETEM). As ponderações registradas até o momento nos levam a retomar a seguinte questão: como se adquirem padrões sonoros variáveis? como operam as generalizações relacionadas a variação? como se organizam as representacoes mentais? f. Se postulamos que as generalizações lingüísticas emergem a partir do uso devemos avaliar casos que afetam uma mesma estrutura de outra maneira. Até aqui consideramos CC>C. Vamos considerar a seguir casos de Cl>Cr. 7. A variação ClV ~ CrV na aquisição do português carioca (Gomes (em andamento). Tabela 1. Distribuição das ocorrências em função da faixa etária Idade ClV CrV 2;6 1/20 5% 3;0 3/11 27% 5/11 46% 4;0 36/43 84% 4/43 9% 5;0 33/41 80% 6/41 15% 19/20 3/27 3/43 2/41 C_V 95% 27% 7% 5% Tabela 2. Distribuição das ocorrências de CrV em função do item lexical (*) Item lexical 3 anos 4 anos 5anos Apl/Total % Tônica bicicleta 1/5 2/8 0/7* 3/20 15 chiclete 1/1 2/3 3 /4 75 Flor ½ 0/6 0/4 1/12 8 Pretônica Flamengo 0/3 1/4 1/5 2/12 16 (*) somente itens que ocorreram em todas as faixas (**) [br]ici[kε]ta . - 3/7 Tabela 3 Distribuição de CrV em função da tonicidade da sílaba (***) Apl/Total % P. R. Tônica 14/65 22 .62 Pretônica 3/46 7 .32 (***) todas as ocorrências de postônica (final) foram em nomes próprios sem rotacismo A aquisição de onsets complexos no português brasileiro Trabalho apresentado no IV Congresso Internacional da ABRALIN – Brasília – 2005 4-4 Tabela 1: freqüência de type baixa da estrutura ClV se reflete na quantidade de dados, que foram obtidos por indução em entrevista; o type mais freqüente (Crv) só é predominante na faixa de 3;0. Pergunta: pode significar uma tendência de aquisição pelo padrão mais freqüente ou essa estratégia pode diferir em função de características do dialeto social? Tabela 2. estudo preliminar indica a importância de se observar a incidência de maior ou menor freqüência do rotacismo em função do item Tabela 3. variação no período aquisitivo também é regulada por parâmetro estrutural. 8. Retomando a tabela de tipos silábicos em (5). O papel da freqüência de ocorrência (token frequency) e da freqüência de tipo (type frequency) na organização do componente fonológico. 9. Gomes (1987): estudo sincrônico revelou forte condicionamento lexical. Itens lexicais mais comuns, especializados tendem a ser mais sujeitos à variação (44%) (ex: inclusive, exemplo, bicicleta), enquanto os menos comuns, + especializados tendem a ser menos afetados (14%) (x;: planície, ampliar). Mas nas duas categorias há itens que ocorreram categoricamente com a lateral, respectivamente, (é) claro e Beijaflor. A tabela X0. mostra que alguns itens são mais suscetíveis ao rotacismo que outros, ee também dependem do falante. Constam da amostra somente indivíduos que apresentam a alternância ClV ~CrV. X0. Distribuição da ocorrências de CrV por item lexical – Amostra de adultos (RJ) inclusive 22/33 67% Flamengo 14/51 27% Fuminense 0/9 0% Flávio 3/3 100% Flávia 0/4 0% 10. a. Uma hipótese interesseante de trabalho é considerar que o léxico tem papel crucial na organização do componente lingüístico e é organizado em redes alinhavadas por generalizações que emergem a partir do uso lingüístico (Bybee (2001)). b. Falantes diferentes têm léxicos diferentes. O que falantes compartilham são as generalizações que se organizam em redes interconectadas relacionando padrões sonoros, semânticos e morfológicos. c. As redes que interelacionam os padrões sonoros, semânticos e morfológicos são semelhantes entre os falantes porque estes compartilham experiências semelhantes através do uso lingüístico em uma mesma comunidade de fala. 11. Os estudos de caso discutidos neste trabalho evidenciam que: a) a aquisição de onsets complexos se dá lexicalmente; b) a aquisição de onsets complexos se dá na infância e a variabilidade atestada na fala adulta regula/afeta a aquisição; c) os parâmetros probabilísticos – DE TIPOS - atestados para onsets complexos no português brasileiro contribuem para uma compreensão mais ampla da aquisição dos mesmos. 12. Fatores adicionais a serem investigados: a. avaliação de dados de amostras análogas em variedades lingüísticas difererentes. b. categorizacao de unidades lgtcas (Ellis (2002) e Bybee (2002)). c. a gradualidade fonética inerente as representacoes mentais. d. papel da freqüência de ocorrência nas representações mentais e modelos probablilisticos de mesurar tal freqüência para diferentes individuos (Pierrehumbert (2001, 2003)) CONCLUSÃO GERAL: Os resultados deste trabalho evidenciam que o item lexical é a unidade de aquisição da linguagem (Vihman (2002), Bybee (2001)) e que parâmetros probabilísticos atestados nas línguas contribuem para a análise de sua aquisição (Pierrehumbert (2003)).