PUC Minas – campus Poços de Caldas 25 e 26 de Setembro de 2012 Revista Gestão & Conhecimento ISSN 1808-6594 EDIÇÃO ESPECIAL – Nov/2012 O MINISTÉRIO PÚBLICO COMO ORGANIZAÇÃO DEMOCRÁTICA E VIÁVEL: A PROMOÇÃO DA CIDADANIA NA SOCIEDADE DO CONHECIMENTO C. L. SILVESTRE 1 Seção Temática I Sistemas Jurídicos http://www.pucpcaldas.br/graduacao/administracao/revista/artigos/esp1_8cbs/artigos_8cbs_2012.html RESUMO Promover a dignidade dos cidadãos através de políticas públicas é atuação crucial dos policymakers que compõem a organização do Ministério Público brasileiro. Este estudo objetiva apontar um modelo que aproxime a identidade dessa instituição à da sociedade, expresso na política de promoção da autonomia das pessoas no mercado econômico do trabalho através da educação, na inserção dos cidadãos na sociedade do conhecimento. Quanto ao método, firma-se no enfoque sistêmico, valendo-se dos construtos da organização democrática de Ackoff e do modelo de sistemas viáveis - VSM. Aponta como resultado um modelo que alarga a comunicação democrática para além do mecanicismo dominante na gestão de políticas públicas. Palavras-chave: Ministério Público; políticas públicas; sistemas; complexidade; educação para o trabalho. 1 Introdução Dentre as diversas organizações públicas que compõem a burocracia no Estado Brasileiro, este artigo elege objeto o Ministério Público Brasileiro - MP. Como as práticas institucionais dele realizam o propósito de incremento da cidadania, da realização da dignidade dos cidadãos, dos direitos fundamentais, destacadamente dos de viés social? 1 Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Administração das Organizações da Faculdade de Economia Administração e Contabilidade de a Ribeirão Preto – FEARP/USP. Procurador do Trabalho lotado na Procuradoria Regional do Trabalho da 2 Região 558 | C. L. SILVESTRE Este artigo tem por objetivo geral descrever a conformação do Ministério Público, segundo a visão sistêmica. Especificamente, visa apontar isomorfia entre a estrutura do Ministério Público e modelos da visão sistêmica e, assim, viabilizar uma inédita compreensão da organização estudada (objetivo específico 1), apresentar um modelo consistente com a identidade da organização de política pública: promoção de educação ao ambiente do mercado de trabalho – doravante, educação para o trabalho (objetivo específico 2) -, destacar a necessidade contínua de a organização estudada atualizar o conhecimento de si própria, com fundamento nas interações com o ambiente e as partes integrantes (objetivo específico 3), com fundamento metodológico nos conceitos ou pressupostos da teoria de sistemas, da visão sistêmica e da complexidade (objetivo específico 4). A pesquisa consistirá em relatar a incorporação do pensamento sistêmico acerca das organizações públicas, segundo as visões de mundo mecanicista, organicista e complexo. Após, identificar-se-á o Ministério Público como organização democrática, alargando a compreensão das diversas relações estabelecidas entre as organizações internas dessa instituição e entre elas e as organizações exteriores, dos integrantes da sociedade e dos três setores econômicos. Sucessivamente, a educação para o trabalho é apresentada como meio para o desenvolvimento das diversas organizações implicadas. Em um momento final, esse propósito é casado com a identidade do Ministério Público, de modo que seus fins e seus meios mostrem a sinergia dessa instituição com as demais partes da sociedade. Uma prática que sintetize a criação de política pública coerente com a identidade dessa instituição será apresentada em instrumentos originados no ramo trabalhista, denominado Ministério Público do Trabalho. O procedimento metodológico aqui empregado compõe-se da descrição da estrutura, da autoridade e dos poderes formais da organização em foco, notadamente quando exerce a faculdade de promover políticas públicas. Sucessivamente, do confronto dessa estrutura formal com conceitos e modelos próprios do pensamento sistêmico, notadamente (i) o de corporação democrática de Ackoff (1994) e (ii) o modelo cibernético denominado Modelo de Sistema Viável – VSM (Espejo et al, 1996; Martinelli et al, 2006), para o apontamento das relações internas entre as partes integrantes dessa organização e das relações externas entre essas partes e os demais grupamentos do ambiente social. Nesse momento, destacar-se-ão os conceitos de identidade (Espejo et al, 1996), de recursividade (Ackoff, 1994), de redundância (Bauer, 1999) e de feedback positivo e negativo (Bauer, 1999; Beer, 1969). Finalmente, com apoio nesses marcos teóricos e, aproximando-se do quotidiano exercício de autoridade pelos policymakers integrantes do Ministério Público, serão apontados exemplos concretos de atuação institucional, um modelo de promoção de uma política pública específica, a de educação para inserir e manter as pessoas no mercado de trabalho, a de dação de conhecimento para a autonomia delas nesse sistema continente. Como resultado, espera-se, demonstrar que a política de educação para o trabalho representa uma estratégia viável de cumprimento do objetivo que é a razão de existir da organização apontada naquelas ilustrações: o propósito institucional de promover a cidadania. 559 | C. L. SILVESTRE 2 Método de pesquisa. Aqui apresenta-se uma pesquisa qualitativa, ao momento em que relata a evolução do pensamento sistêmico no Estado Brasileiro e confronta-a com uma prática institucional expressa em documentos atinentes a uma política pública específica. A pesquisa também exploratória, por buscar um modelo que promova o status da cidadania - ou um dos múltiplos aspectos e direitos que a ele se relacionam. Na presente hipótese, cuidar-se-á da política pública de dação de conhecimento para o exercício do direito ao trabalho com dignidade. A revisão literária busca um processo lógico que resulte no apontamento de um modelo coerente com a autoridade e o poder formal atribuída à organização pública estudada, expressos naqueles exemplos. O ingresso do pensamento sistêmico nas ciências sociais e a proposição de um novo paradigma, o da complexidade, convidam a uma análise da autoridade e do poder formal da organização focada e à perseguição de exemplos de atuação iminentemente favorecedores do alcance da razão de existir, da identidade dessa organização. Trata-se de três aplicações de um negócio jurídico hodiernamente celebrado com diversos integrantes da sociedade civil, do Estado e do mercado. Com o apoio em uma explicação sistêmica atenta a pressupostos da complexidade, três exemplos de atuações institucionais inspiradas na política pública de dação de conhecimento aos cidadãos que, em algum momento de suas vidas, ingressem no mercado de trabalho. A efetividade e os modos de uso desses instrumentos são objeto de um estudo mais detalhado, em uma dissertação de mestrado em organizações da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto (FEA-USP-RP). 3 3.1 Marco teórico Evolução do pensamento sistêmico na aplicação do Direito Como o Ministério Público pode promover a mudança de uma sociedade complexa como a brasileira? Como fomentar a realização dos valores tidos pelo poder racional-legal do Estado como fundamentais, em um ambiente em essência marcado pela incerteza, pela infinitude das informações implicadas, pela subjetividade das pessoas e dos grupos respectivos e pela limitação das técnicas de aferição dos fenômenos sociais? Haveria modelo de ação institucional necessariamente consentâneo com a identidade dessa organização? No quotidiano exercício de atribuições, a instituição pública brasileira denominada Ministério Público depara-se com a necessidade de esclarecer a razão de existir (identidade), de delimitar os objetivos mediatos e imediatos de suas ações e de conhecer a efetividade delas. Assim, uma instituição pública que 560 | C. L. SILVESTRE assume o ofício de operar o Direito para promover a dignidade humana e, pari passu, a cidadania2, não raras vezes, deve-se valer de conceitos das ciências sociais até então ignorados ao campo do conhecimento denominado Direito. Desde o séc. XIX, prospera o ideal positivista de pureza das ciências e de desenvolvimento através da metodologia delas, de plena satisfação das necessidades humanas por meio das técnicas acumuladas. As ciências sociais nos países industrializados, assim, divulgavam a estrutura ideal das organizações como sendo a de máquinas, de sistemas fechados, não dissipativos de energia. Neles estaria o modelo a ser perseguido de eficiência e de equilíbrio na organização. Nota-se, nesse momento, o predomínio da cosmovisão mecanicista (Bauer, 1999). Essa cosmovisão ou weltanschauung (Martinelli; Ventura, 2006) justifica a busca da especialização de conhecimento na Ciência da Administração. Nesse período desenvolveram-se os esforços de identificação do profissional de gestão, de funções essenciais à gestão de organizações e das hierarquias internas delas3. Ganhou valor e uso intensivo de métodos das ciências naturais nos estudos da produção humana, notadamente os estudos mecânicos de Taylor de tarefas no ambiente de trabalho (Motta; Vasconcelos, 2008). Difundiu-se o modelo de organização do ambiente do trabalho em linhas de produção taylorista-fordista. A industrialização a partir de meados do séc. XIX e o concomitante desenvolvimento dos Estados Liberais nos países industrializados foram terreno fértil para o pensamento estruturalista acerca das organizações. Motta e Vasconcelos (2008) bem resumem a paridade entre avanço o avanço do processo de industrialização e a difusão do modelo burocrático de organização da produção. O pensamento estruturalista funda-se num conceito particular de estrutura, pois (2008: 124): [...] estrutura (...) em termos amplos significa tudo o que a análise interna de uma totalidade revela, ou seja, os elementos internos de um sistema, suas interrelações e sua disposição. O conceito de estrutura é especialmente importante para a ciência, porque pode ser aplicado a coisas diferentes, permitindo a comparação entre elas. De fato, embora a popularização da expressão estrutura social tenha ocorrido após 1930, seu uso na língua inglesa remonta a um período anterior ao século XVI, quando designava simplesmente o modo pelo qual um edifício era construído. Posteriormente, a palavra estrutura foi empregada também para denotar as interrelações entre as partes componentes de um todo, sentido esse usado em biologia. Segundo Motta e Vasconcelos (2008: 124), dentro da cosmovisão mecanicista, o estruturalismo “é um método analítico comparativo” e difunde o conceito de sistema: 2 3 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. Especialmente, Arts. 1o., incs. II e III, e 127, caput. FAYOL, Henri. Administração industrial e geral: previsão, organização, comando, coordenação, controle, 10. ed. São Paulo: Atlas, 2009. 561 | C. L. SILVESTRE Para o estruturalismo o conceito de sistema é de especial importância, pois considera em sua análise o relacionamento das partes na constituição do todo, isto é, o estruturalismo implica totalidade e interdependência, já que exclui os conjuntos cujos elementos sejam relacionados por mera justaposição. Perceba-se que, no pensamento estruturalista, os sistemas são observados internamente, nada importando ao método de pesquisa as interferências externas a ele. Deveras, a metodologia consagrada por René Descartes, Francis Bacon e Isaac Newton, difundiram o ideal de isolamento do objeto estudado, de sistemas fechados e da análise de seus componentes intrínsecos. A partir de meados do séc. XX, a teoria geral dos sistemas - TGS, inaugurada por Bertalanffy (2008), despertou a ambição pela unidade conceitual das ciências, notadamente buscando indicar caracteres comuns das formas de organização que elas estudam. Bertalanffy também destacou os sistemas abertos às interações com integrantes do ambiente. Assim se manifestou em 1968 (2008, p. 31): Entretanto, só recentemente se tornou visível a necessidade e a exequibilidade da abordagem dos sistemas. A necessidade resulta do fato do esquema mecanicista das séries causais isoláveis e do tratamento por partes terem se mostrado insuficientes para atender aos problemas teóricos, especialmente nas ciências biossociais, e aos problemas práticos propostos pela moderna tecnologia. A viabilidade resultou de novas criações – teóricas, epistemológicas, matemáticas etc. – que embora ainda no começo tornaram progressivamente realizável o enfoque dos sistemas Antes da difusão dessa visão sistêmica, prevalecia nos ordenamentos jurídicos de tradição romanogermânica (como o português e o brasileiro) o valor do distanciamento político do aplicador do direito positivo: o poder participa da gênese do direito, quando é declarado em lei, mas seria algo bem diverso dele, distinto e incomunicante. Assim, o interesse que não tenha previsão objetiva, em lei, não poderia ser considerado um direito. Com a “Teoria Pura do Direito”, Hans Kelsen4 consolidou um paradigma de isolamento do Direito em face dos fenômenos políticos não tratados por lei. Segundo ele, não existiria direito sem uma forma necessária, cuja aplicação não é interferida por fenômenos políticos a ela estranhos. Nesse contexto restritivo ao acolhimento dos interesses emergentes da comunidade política, que não sejam blindados por uma forma estrita, despontou a necessidade concreta de abertura do “sistema jurídico” às interferências sociais. Ora, internamente, enquanto sistema, o Direito caracteriza-se pelas interrelações complexas entre as normas que lhe compõem. Bobbio (1982) conceitua Direito como ordenamento normativo, como sistema normativo, como a complexa organização de normas jurídicas, cuja execução é garantida pelo poder coercitivo do Estado. A unidade desse sistema é destacada por aquele cientista social como resultado da observância ao “poder originário”, a “fonte das fontes”, já teorizado por KELSEN (2006). Porém, enquanto esse vislumbrava uma exterioridade dessas fontes, remanescendo um direito puro, Bobbio defende uma abertura do referido sistema, uma vez que, “num ordenamento real as normas afluem de diversos canais”, notadamente quando o Estado exerce o poder regulamentar, de 4 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 7 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006. 562 | C. L. SILVESTRE integração de normas já produzidas, com vista à normatização das necessidades locais, ou quando os cidadãos exercem “o poder de regular os próprios deveres através de negócios jurídicos (o poder de negociação)” (1982: 41- 42). Para Niklas Luhman (1985), um dos expoentes do pensamento sistêmico no Direito5, a função desse é a de promover a generalização congruente de expectativas e a tutela dos direitos sociais. Assim, o Direito precisa ser informado dos elementos políticos que lhe correspondem, mas, para que o sistema jurídico seja capaz de processar internamente os elementos políticos que envolvem um direito social, é preciso que esses sejam expressos através de uma forma reconhecível pelo Direito. Apregoa Luhman a ideia da possibilidade de sistemas distintos poderem interrelacionaram-se, ou, como prefere, “interpenetrarem-se”, na medida em que as partes de alguns sistemas podem ser explicadas como intersecções recíprocas. Assim, o sistema jurídico e o político se interpenetram e penetram nos indivíduos, construindo-se reciprocamente. Para ele (2009, p. 267): Fala-se em penetração quando um sistema disponibiliza a sua própria complexidade, para que outro se construa. Nesse sentido, precisamente os sistemas sociais pressupõem vida. Assim, existe interpenetração quando essa situação é recíproca; ou seja, quando ambos os sistemas mutuamente permitem-se proporcionar sua própria complexidade préconstituída. Em caso de penetração, o comportamento do sistema penetrador está codeterminado pelo sistema receptor. No caso da interpenetração, o sistema receptor exerce também uma influência retroativa sobre a formação de estruturas do sistema penetrador, intervindo nele, portanto, de duas formas: a partir do interior e do exterior Nesse cenário, os órgãos componentes da burocracia pública brasileira, dotados da autoridade racional para a concretização dos interesses sociais previstos nas diversas leis em vigor, transitam entre uma tradição positivista, de “pureza” do Direito, que entende o Direito exclusivamente como interesse solenemente expresso em norma escrita, garantido pelo poder de coerção estatal, cuja realização depende da leitura estrita dos respectivos enunciados linguísticos (KELSEN, 2006) -, e uma outra de integração das normas objetivas, da busca de significados para elas que, embora não sejam referidos expressamente pelas palavras escritas, resulte do confronto de normas diversas e da compreensão dos fenômenos sócias emergentes. Embora bem diversas, uma e outra tradição adotam o discurso uníssono do Direito como sistema e da interpretação sistemática dele. 5 Além do alemão Niklas Luhman, autor de “Legitimação pelo Procedimento” (1980), de “O Direito da Sociedade” (2002) e de “Introdução à Teoria dos Sistemas” (2009), podem-se citar alguns estudiosos do tema “sistemas” no âmbito do Direito, elencando as respectivas obras emblemáticas: Vandyck Nóbrega de Araújo (“A Idéia de Sistema e de Ordenamento no Direito”, 1986), Claus-Wilhelm Canaris (“Pensamento sistemático e conceito de Sistema na Ciência do Direito”, 1996), Juarez Freitas (“A interpretação sistemática do Direito”, 2004), Alexandre Pasqualini (“Sobre a interpretação sistemática do Direito”, 2007), André Trindade (“Direito Educacional Sob uma Ótica Sistêmica”, 2007, e, “Para entender Luhman e o Direito como Sistema Autopoiético”, 2008) e Mario G. Losano (“Sistema e estrutura no direito [volumes I, II e III]”, 2011). 563 | C. L. SILVESTRE Assim, a interpretação desse direito, dito objetivo, demandaria um processo sistêmico de “comparar o dispositivo sujeito a exegese, com outros do mesmo repositório ou de leis diversas mas referentes ao mesmo objeto”, uma vez que (MAXIMILIANO, 1993: 128): possui todo corpo órgãos diversos; operam-se, coordenados, os movimentos, e é difícil, por isso mesmo, compreender bem um elemento sem conhecer os outros, sem os comparar, verificar a recíproca interdependência, por mais que a primeira vista pareça imperceptível. O processo sistemático encontra fundamento na lei da solidariedade entre os fenômenos coexistentes. O direito objetivo não é um conglomerado caótico de preceitos; constitui vasta unidade, organismo regular, sistema, conjunto harmônico de normas coordenadas, em interdependência metódica, embora fixada cada uma no seu lugar próprio. De princípios jurídicos mais ou menos gerais deduzem corolários; uns e outros se condicionam e restringem reciprocamente embora se desenvolvam de modo que constituem elementos autônomos operando em Campos diversos. Coelho (1996) conclui que, inobstante o evidente apego de estudiosos, intérpretes e aplicadores do direito a conceitos da teoria dos sistemas, ela teve repercussão principalmente no campo da hermenêutica, de interpretação daquele direito objetivo. Note-se, nesse cenário, a dominância da visão mecanicista no Direito e nas organizações criadas por meio dele. Também, o ensejo dado na evolução do pensamento sistêmico ao questionamento dela. 3.2 A estruturação do poder formal do Ministério Público A sociedade brasileira organiza-se como um Estado Democrático de Direito. E essa sociedade, estruturalmente, desenvolve seu Estado por meio de um sistema normativo que declara a primazia de interesses e garante a existência das diversas instituições públicas que sirvam à realização deles. É da previsão legal que surge a permissão para existir e para agir de qualquer instituição gravada com o ônus de atender a finalidade pública pré-definida. Os poderes correlatos a tal autoridade somente se justificam quando compatíveis com aqueles valores. Trata-se de fundamento da legitimidade de todas as instituições públicas integrantes do sistema social. A busca da efetividade no alcance dos objetivos sociais solenemente assumidos pelo Estado é, tradicionalmente, exercida por sistemas com poderes-formais e estruturas regulamentados, firmes em previsões com pretensão de continuidade no arcabouço funcional desse Estado (instituições permanentes), especialmente no controle ad hoc, resultantes do exercício de opção dada pela lei ao gestor público para cuidar da eficiência, da eficácia ou da efetividade de situação específica. A aplicação dos objetivos públicos expressos em tais leis demanda interpretações dos diversos agentes investidos da autoridade estatal. Nesse ambiente de interpretações, os diversos indivíduos e grupos representantes da autoridade do Estado devem buscar a afinidade de seus respectivos propósitos e o conserto de ações indispensáveis a tais objetivos. 564 | C. L. SILVESTRE Inserido nesse sistema social, no Estado, em meio aos três poderes instituídos – Executivo, Legislativo e Judiciário -, existe a organização sui generis do Ministério Público. As diversas atribuições hoje exercidas pelo Ministério Público encontram precedentes nos Estados Ocidentais antigos e modernos. No Brasil, mesmo que tenha surgido com conformações organizacionais, autoridade e atribuições distintas nos primórdios do direito brasileiro, o Ministério Público, com a Constituição Federal de 1988, consolidou-se como um órgão estatal singular seja pelo seu regime jurídico diferenciado, seja em sua proximidade com a sociedade civil e com a missão de realizar o Estado Providência previsto no contrato social formalizado nessa Constituição.6 Cuida-se de organização pública que se relaciona com os três setores em nossa economia. O primeiro, o Estado Brasileiro, é subdividido em quatro subsetores independentes, correspondentes às funções e instituições constituintes dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, todos com o propósito de realização dos interesses protegidos pelo sistema normativo e, destaque-se, a própria organização ora focada. O segundo setor, o mercado, representa as pessoas e o exercício da vontade delas com propósito de produzir riquezas ou contratar o modo de dominá-las. O terceiro setor, a sociedade civil organizada, representa todas as frações sociais com mesmos propósitos de interferência nesse processo produtivo. O Ministério Público é organização componente desse Estado e se encontra constitucionalmente definido como “função essencial à justiça”.7 Importa, desse modo, compreender o MP como parte integrante do Estado, não obstante a criação ressalte a independência, a autonomia em relação aos demais integrantes desse Estado, devendo adstringir-se à ordem jurídico-normativa e aos ditames do regime democrático consolidado segundo fatos históricos nacionais e as formas valoradas como legítimas por esses integrantes. No seu relacionamento com os órgãos da função de “editar a lei” (Poder Legislativo, principalmente), encontra o regulamento do conceito e dos meios de defesa do bem comum: a a expressão da vontade social dotada de poder formal, de autoridade racional-legal (WEBER, 2004). Com os órgãos da função de “aplicar a lei” (Poder Executivo, principalmente), exerce o controle sobre os serviços públicos necessários a esse bem comum. Com os órgãos da função de “dizer o direito” em um conflito de interesses (Poder Judiciário, principalmente), inaugura as medidas extremas de coerção para fazê-lo valer (ação e processo judicial). O Ministério Público, ao menos quanto o objeto estudado, exerce um papel de controlador da conformidade da atividade empresarial com os direitos dos demais integrantes do mercado econômico, como o sistema financeiro, o mercado de trabalho e o mercado de consumo. A sociedade civil 6 7 A Constituição Federal de 1934, influenciada pela Constituição do Estado Social de Weimar, foi a primeira a criar uma instituição com o nome “Ministério Público”. Ali era considerado “órgão de cooperação nas atividades governamentais” (MAZZILLI, 2007). A Constituição de 1937, autoritária, restringia a independência da instituição, vinculando-a aos desígnios do Poder Executivo. As constituições sucessivas, anteriores à de 1988, previam o Ministério Público como ente integrante ora do Poder Executivo, como órgão consultivo ou de defesa do interesse imediato do governo, e não da sociedade, ora do Poder Judiciário, como incumbido de defender interesses sociais por meio do exercício do direito de ação. Art. 127 da Constituição Federal: O Ministério Público e instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. 565 | C. L. SILVESTRE organizada deve ser inspiradora da conceituação do interesse público que demanda a interferência institucional naqueles setores; e, não menos importante, também participa da criação ou mudança dos regulamentos que pautam a atuação dessa instituição. Portanto, nesse contexto de interrelacionamentos, a instituição pública tratada, já por dever legal, assume a tarefa de promover a justiça, ou o consenso do que seja justo. Fala-se em “interpenetração” entre a instituição em exame e esses setores, no citado conceito de Luhman (1985). 3.3 Organizações democráticas e Ministério Público O Ministério Público Brasileiro apresenta todos os atributos de uma corporação democrática, como conceituada por Russel L. Ackoff (1994). Ele propôs um modelo de organização adequado à sociedade global e estabeleceu uma série de conceitos e explicações convergentes com o ideal de democracia, entendida como unidade de propósitos nas diversas organizações implicadas. Para esse autor, em qualquer sistema social sob os impactos da Segunda Revolução Industrial - caracterizada pela substituição da importância da força mecânica do operário pela valorização da habilidade do trabalhador na comunicação e no processamento de informações – deve-se buscar a convergência de propósitos entre suas partes, entre ele próprio e a sociedade que lhe abrange e entre ele e os demais integrantes dessa sociedade. Na organização do Ministério Público, as pessoas influenciam-se mutuamente, mediante a assunção e o exercício de cargos públicos (internos) para a representação fundamental da sociedade. Essas relações resultam um produto de regras e de procedimentos adotados por essa instituição, um agir institucional. A compatibilidade de propósitos entre os diversos colaboradores, também individual ou coletivamente considerados, é apontada por Ackoff (1994) como necessária a atender uma missão e, ao mesmo passo, à construção da identidade “corporativa” no ambiente social. O objetivo do desenvolvimento dos diversos colaboradores, vale dizer, o aumento do desejo de transformação de cada colaborador e da respectiva habilidade em realizá-lo (competência), para ele, deve ser constante e revelase mais adequado que o de simples crescimento de ganho, que a racionalidade econômica focada em processos e quantificação de tarefas impõe. De fato, mesmo no mercado econômico em que o Ministério Público também atua por execução de políticas públicas vale a estratégia atual de marketing dirigido ao mercado, segundo o qual a estratégia da venda agressiva, através de objetivos de curto termo, deu lugar aos fatores culturais e tecnológicos ligados à satisfação por longo termo do mercado e ao mercado verde, ambientalmente responsável. Os novos comportamentos estratégicos demandam uma performance (Espejo et al, 1996: 45) focada na vantagem competitiva da sustentabilidade e na inclusão de novos integrantes no mercado - promoção da democracia -, mesmo tendo que arcar com os custos de mudança (Lambin, 2000). Da mesma forma que no campo das organizações privadas importa atualizar a compreensão do marketing como função administrativa voltada para os valores sociais do mercado, no setor público, é relevante promover uma releitura das funções de 566 | C. L. SILVESTRE determinadas organizações públicas, especialmente daquelas que, como o MP, atuam nas interações entre a entre a sociedade civil e o Estado, entre o mercado e o Estado e entre a sociedade civil e o mercado, como visto acima. A racionalidade econômica, com mais razão no setor governamental, dá lugar ao propósito de desenvolvimento progressivo dos diversos setores sociais e o MP ocupa um papel diferenciado na implementação desse propósito. Portanto, também vale ao MP a orientação aos consumidores externos, compreendidos como cidadãos interessados pelo respeito ao contrato social, à ordem jurídica posta e aos interesses sociais. A identidade (Espejo et al, 1996) da organização Ministério Público dá-se, portanto, por sua missão única no direito brasileiro em defender o cumprimento da ordem jurídica posta, dos valores fundamentais previstos no contrato social transcrito solenemente na Constituição Federal e regulamentados pelas sucessivas leis, segundo os ditames necessários da democracia. Trata-se de instituição única no arcabouço do sistema burocrático do Estado, dotado do atributo de representação dos interesses públicos ou individuais indisponíveis dos cidadãos perante o Estado que compõe e perante os outros setores econômicos. Nesse ente estatal, percebe-se a notória necessidade (obrigação) de compatibilizar os diversos propósitos sociais, de visar à sinergia entre suas partes componentes e as estruturas sociais exteriores. Em seu ambiente interno, o MP convive com a necessidade contínua de aproximar seus colaboradores internos, policymakers ou servidores públicos, através de contínuos processos que propiciem a aprendizagem e o desenvolvimento da identidade organizacional, de modo a se tornarem idôneos a realizar a vontade de promover a cidadania, ao concretizar um certo interesse social numa situação contrária a ele. O aumento da competência desses colaboradores, portanto, depende da vontade e da aprendizagem contínua dos integrantes da organização (Ackoff, 1994). É a partir do comprometimento dos integrantes que se fala de efetividade da organização. Os colaboradores exercentes do atributo de promover políticas públicas, também chamados “membros” da instituição, são pessoas dotadas do dever institucional e de autoridade racional do Estado, tendo-lhes o sistema normativo ordenado a autonomia quanto aos fins e aos modos do atendimento de finalidades públicas. Ora se apresentam como indivíduos dotados de autoridade e poderes próprios dessa instituição, ora como coletividades compostas por tais indivíduos em ação coordenada. Tais partes do sistema social MP podem eventualmente exercer tarefas específicas através de coletividades, em prestígio à necessidade de coordenação das partes individuais. Note-se que a instituição aqui tratada exerce a autoridade pública mediante atuação tanto individual quanto coletiva. Nesse contexto, fala-se na convivência dos princípios institucionais da unidade e da independência funcional, que tornam mais evidente a adequação dos conceitos de sistema social, e dos consectários de desenvolvimento dos colaboradores (internos e externos), de competência e de qualidade de vida no trabalho. Vale ressaltar que cada membro integrante do MP, ao tempo que tem reconhecidos sua autonomia na formação de sua vontade em realizar um interesse público específico, construído a partir do conhecimento técnico sobre o direito (conhecimento adquirido e dinâmico) e do conceito de justiça, 567 | C. L. SILVESTRE consoante ao sentido de cidadania (recursividade). A independência funcional encontra limite no dever de perseguir uma atuação coordenada dos integrantes da instituição (princípio da unidade), de modo que prevaleça a sinergia dentro dela. Assim, a cultura organizacional implica a construção democrática de valores e normas que repliquem esse binômio, e não somente o domínio de conhecimentos técnicojurídicos, como sugeriria a denominação “tecnoburocracia” (Weber, 2004). Trata-se de um estado constante de transformação, de premência contínua de aprendizado, de superação de resistências a tal aprendizado e de fortalecimento do comprometimento daqueles colaboradores. Sua identidade, portanto, exige um sistema viável, capaz de adaptação em uma sociedade complexa, caracterizada por uma multiplicidade de fins e de meios mutáveis, voláteis e globais (Espejo et al, 1996). Aqui cabem os modelos de análise da visão sistêmica, desse modo conhecendo e propondo estados, desenvolvendo o conceito de identidade própria da organização e gerando competências, internas à instituição e no ambiente social em que se insere (aprendizagem organizacional). A performance da organização aqui tratada, notadamente no planejamento de políticas públicas efetivas, requer a máxima valorização do Direito, da disseminação de uma forma de convívio social nele prevista. Em outras palavras, o MP realiza a razão de existir por meio do incremento da cidadania, através da via democrática de empoderamento dos cidadãos e de seus grupos. Nesse aspecto, o Ministério Público revela-se como verdadeiro policymaker, ou agente de implementação do desenvolvimento social, realizador das políticas públicas segundo os interesses manifestos desses componentes sociais. 3.4 Análise VSM do Ministério Público e o objetivo de promoção da cidadania O pensamento sistêmico sobre o Ministério Público e o propósito dele de promoção da cidadania através de políticas de educação, em uma sociedade em que o conhecimento é crucial à participação autônoma das pessoas no mercado de trabalho (DRUKER, 2008), conduzem a ilações úteis à compreensão dessa organização pública e à respectiva efetividade das políticas que implementa. Bertalanffy (2008), quando da inauguração da Teoria dos Sistemas, pensou o termo cibernética como “teoria dos sistemas de controle baseada na comunicação (transferência de informação) entre o sistema e o meio e dentro do sistema”, entendendo sistema como conjunto de elementos relacionados, integrados, com respostas coerentes (Martinelli et al: 106). Os sistemas de comunicação eficiente, por meio dos quais, a organização possa sobreviver e manter a competitividade no mercado em que atua, nesse momento, são apresentados como sistemas de comunicação para o controle efetivo (Martinelli et al: 105-118). Esse controle interage com os demais subsistemas por meio de feedbacks. Por feedback ou retroalimentação entenda-se “regulador do processo através do qual as informações atuais são verificadas (...) comparado a objetivos” (Espejo et al, 1996: 65). O feedback diz respeito à informação resultante de uma transformação e enviada de volta ao sistema. Entenda-se feedback positivo (de amplificação) o caráter da informação de acelerar a transformação a 568 | C. L. SILVESTRE favor de uma transformação precedente. Entende-se por feedback negativo (de amortecimento) o de a informação de produzir um resultado na direção contrária à da transformação anterior. Tanto um quanto outro são preocupação do controle cibernético da homeostase, sendo ela o estado de equilíbrio dinâmico do sistema, “por meio do qual o dispositivo de controle mantém as variáveis críticas em um nível desejado, por meio de um mecanismo autorregulador.” (Martinelli et al: 107) Tendo em vista o objetivo concreto do fomento à educação para o trabalho, notadamente pelo ramo especializado em matéria trabalhista, o Ministério Público do Trabalho, mostra-se oportuna a aplicação do Modelo de Sistema Viável – VSM (Espejo et al, 1996; Martinelli et al, 2006). De fato, o VSM é um modelo útil ao “diagnóstico da eficiência da estrutura de uma organização e de seus canais de comunicação”. Segundo Martinelli e Ventura (2006), o modelo do VSM constitui uma tentativa de aplicar os conceitos da cibernética à gestão empresarial e, notadamente, do controle de uma organização viável, com um eficiente fluxo de informações. Os conceitos da cibernética têm plena aplicação na vertente aqui apresentada do modelo VSM. Esses autores propõem uma estrutura como a representada às figuras Fig. 1 e Fig. 2, abaixo. Nelas vemos o sistema dividido em cinco subsistemas: implementação, coordenação, controle, auditoria, inteligência e política. A implementação diz respeito à divisão funcional ligada à produção (outputs), de produtos ou de prestação de serviços relacionados à identidade da organização. Caracteriza-se por práticas em um nível “inferior” de redundância e de recursividade e por atuarem diretamente naquela produção (na Fig. 1: Div. A, Div. B. Div. C) (Martinelli et al, 2006). A coordenação é o conjunto de regras e comportamentos utilizado para controlar as operações de produção rumo aos objetivos previstos. Segundo os preceitos cibernéticos seguidos pelo modelo VSM, o sistema deve permitir que os vários subsistemas dele possam resolver problemas de forma autônoma e descentralizada. Para a atuação viável, combatem-se as oscilações descontroladas entre as diversas divisões funcionais da organização (Na Fig. 1: Div. A, Div. B, Div. C, Adm. A, Adm. B, Adm. C e controle). O controle, conhecido também como Inside&Now, é subsistema pelo qual as informações acerca das operações entre o sistema de implementação (na Fig. 1: Div. A, Div. B e Div. C) e o ambiente (na Fig. 1: Amb. A, Amb. B e Amb. C), e das ordens (comandos) respectivos são difundidas pelo meio interno do sistema. Esse subsistema recebe essas informações do sistema de coordenação, “filtradas”, e é o único subsistema com comunicação com o sistema de auditoria. É o sistema regulador da homeostase em um sistema que reconhece a autonomia desses subsistemas. Por homeostase entende-se a regulação de “variáveis críticas do sistema, até certos limites”. Nesse ponto, Espejo ressalta que “as atividades primárias da organização são a sua razão ser”, são “o objeto do controle por parte da administração” (Espejo et al: 112). A auditoria é o subsistema de coleta de informações necessárias aos responsáveis pelo sistema de 569 | C. L. SILVESTRE controle acerca de qualquer parte do sistema. Ela transmite e processa informações no interesse do controle. Sua utilização busca garantir o estado de sinergia do sistema. Vale dizer, o subsistema de auditoria “só é acionado para fim sinérgico”, quando o subsistema de controle identifica um conflito entre as informações obtidas nos subsistemas de coordenação e de controle. Como exemplos, citam-se as auditorias internas, as inspeções no sistema de implementação e os controles de qualidade de produtos. FIGURA 14: Mecanismo de monitorização e controle na organização social Auditoria CONTROLE Comandos Amb.A Div.A Adm. A Div. B Adm. B Coordenação Amb. B Amb. C Div. C Adm. C Fonte: Martinelli et al, 2006, p. 117 A inteligência é o subsistema que proporciona a integração do sistema com o ambiente externo. Ela fornece ao sistema informações acerca das condições externas que possam determinar seu futuro, tornando possível a prospecção de cenários futuros para ele. Aqui fala-se em identificar feedbacks positivo e negativo do macrossistema social. O subsistema da política diz respeito com a definição de direções para o sistema. Utiliza as informações do subsistema de inteligência para indicar direções ao subsistema de controle, a fim de implementar outputs, produtos e serviços, coerentes com aquelas direções. Também serve a projetar a identidade da organização no ambiente interno. Assim, é uma canal de informações entre os subsistemas da inteligência e os subsistemas do controle da implementação. Arrematam Martinelli e Ventura (2006: 114), que o subsistema da política deve, ainda, verificar o equilíbrio das ações ao longo prazo sugeridas pelo subsistema da inteligência e as que são indicadas em curto prazo pelo subsistema de controle, “certificando-se de que a organização é capaz de adaptar-se ao ambiente externo ao mesmo tempo em que mantém um grau apropriado de estabilidade interna (Prêmio Descartes 1998 – Resumos)”. 570 | C. L. SILVESTRE É valioso, no pensamento de Espejo et al sobre o subsistema da política, o esclarecimento do papel dos policymakers no sistema em que se inserem: “o papel de policymakers é redefinido como de prover clareza acerca da direção geral, dos valores e do propósito da organização, tanto quanto desenhar, no mais alto nível, as condições para a efetividade organizacional” (1996: 112). A Fig. 2 destaca a interação dos subsistemas da figura anterior com os subsistemas de inteligência e de política. Nela, mais detalhadamente, a função de controle deve interagir com as funções política e de inteligência, que levam em conta a dimensão política da organização e a interação direta com os colaboradores externos, colhendo informações deles e repassando-as as funções política e de controle. FIGURA 15: Mecanismo de Adaptação POLÍTICA AMBIENTE EXTERNO INTELIGÊNCIA CONTROLE AMBIENTE INTERNO Fonte: Fonte: Martinelli; Ventura, 2006, p. 115 O modelo VSM apresenta dois mecanismos para a manutenção da viabilidade dos sistemas. O primeiro mecanismo, o de adaptação, de administração da complexidade, através do emprego de estruturas flexíveis, capazes de se adaptar rapidamente às mudanças no meio ambiente. Fala-se aqui em duas ordens de complexidade a ser administradas: a do próprio sistema, com habilidades e fraquezas imanentes, e a do ambiente externo, cheio de oportunidades e ameaças. Aqui os subsistemas de controle e de inteligência informam ao subsistema de política as complexidades internas e ambientais. Correspectivamente, é o subsistema da política que “mantém um balanceamento adequado” entre o controle e a inteligência, permitindo a efetividade dos objetivos e das ações de curto e de longo prazo (Fig. 2). O segundo mecanismo, o de monitoração e controle, exercido pelo subsistema de controle, com apoio do subsistema de auditoria, visa às ações primárias da organização, que definem a identidade dela, através 571 | C. L. SILVESTRE da criação de variedade de gestão das diversas divisões de modo que possam lidar com a complexidade das atividades primárias de modo autônomo. “No modelo em estudo, a ideia de controle não é a imposição direta de ordens de um controlador sobre um controlado, mas o resultado de autorregulação e comunicações efetivas” (Martinelli et al, 2006: 116). Assim, o modelo VSM, do modo explanado, abre inúmeras discussões acerca de políticas públicas viáveis, que efetivamente promoveriam a cidadania. Dentre elas, citam-se as atinentes aos limites da comunicação, à autonomia dos sistemas envolvidos, à redundância das partes nela envolvidas e aos meios de redução da complexidade do ambiente social, com aquisição da variedade de informações e de funções útil à performance institucional. 3.5 A política pública de educação para o trabalho como meio de desenvolvimento da sociedade brasileira Não existe um consenso científico acerca do conceito de política pública. Apresentar-se-ão aqui algumas das definições trabalhadas na literatura. Merecem referência alguns estudos realizados pelos autores franceses Y. Mény e J. C. Thoening segundo os quais “uma política pública se apresenta sob a forma de um programa de ação governamental num setor da sociedade ou num espaço geográfico” (MEDAUAR, 2009: 222). Assim, no entendimento destes autores e de P. Muller, cinco são os elementos fundamentais da existência de uma política pública: i) é constituída de um conjunto de medidas concretas que formam a sua essência; ii) abrange decisões de natureza mais ou menos imperativas; iii) se inscreve num quadro geral de ação, o que permite distinguir uma política pública de simples medidas isoladas; iv) afeta a situação de indivíduos, grupos ou organizações, e v) define obrigatoriamente fins ou objetivos a atingir. Pierre Muller alerta para a falta de “congruência” entre o sentido da política pública e a promessa divulgada pela autoridade (Medauar, 2009, p. 222). Políticas públicas são “metas coletivas conscientes” e, como tais, um problema de direito público, em sentido lato. Enxerga-se na definição de Bucci dois elementos chaves: o Estado e a coordenação governamental, sendo que esta se volta para a realização da lei, ou seja, daquilo que chama de metas coletivas conscientes, já politicamente determinadas, definidas pela legislação do direito público, veículo próprio para tanto. Para Maria Paula Dallari Bucci (apud PIRES, 2009: 285), políticas públicas são programas de ação governamental visando a coordenar os meios à disposição do Estado e as atividades privadas, para a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados (adequação de propósitos, recursividade). Para Tenório (2002), ela é uma ação deliberada dos poderes públicos constituídos visando atender necessidades de uma sociedade em suas dimensões setoriais - educação, saúde, habitação, segurança, justiça, saneamento, transporte, ou, geograficamente delimitadas – nacional, regional, estadual, 572 | C. L. SILVESTRE municipal, local. Tem-se assim, um conjunto de ações desenvolvimentistas expressas nas relações entre os diversos sistemas sociais. Apresentadas algumas definições de políticas públicas, necessário se faz registrar que o princípio da soberania popular, impresso na Constituição Federal de 1988, impõe observar a faculdade da sociedade civil em defender os próprios interesses direta ou indiretamente. E nesse sentido a gestão destas políticas públicas deve ser um processo em que se compatibilize na sua formulação, elaboração, execução e implementação a participação não apenas do Estado (gestão de cima para baixo, top-down), mas também do corpo social (gestão de baixo para cima, bottom-up). Partindo deste pressuposto, a literatura trabalha com o conceito de gestão social como um processo gerencial dialógico (HABERMAS, 2004) no qual a autoridade decisória é compartilhada entre os participantes da ação, sem que sobre eles se exerça qualquer tipo de coação e onde as relações tradicionais entre sociedade-Estado e capital-trabalho sofrem uma revaloração, incremento de valor dentro deste processo, de importância no atendimento de específicas necessidades, mesmo que abstratas, programáticas, mas que concretizáveis por meio dessa participação conjunta. As decisões tomadas devem sempre se basear na estratégia do consenso e não da busca pela unanimidade ou pelo “voto majoritário”. A gestão social apoia-se na compreensão da inversão destes pares de palavras, que para além da aparente troca de posições, importa compreender como substantivas alterações no sentido de enxergar a sociedade e o trabalho como protagonistas da relação e transformação social (TENÓRIO, 2005). Perpassa, outrossim, pelo conceito de cidadania deliberativa que é a categoria intermediadora da relação entre a sociedade e o Estado, e entre o trabalho e o capital por meio da qual as políticas públicas são concertadas democraticamente. Para Tenório (2005, p. 105) “democracia deliberativa significa, em linhas gerais, que a legitimidade das decisões políticas deve ter origem em processos de discussão, orientados pelos princípios da inclusão, do pluralismo, da igualdade participativa, da autonomia e do bem comum”. Outro ponto a se destacar no processo de gestão das políticas públicas diz respeito ao pensamento de Peter Drucker (2008) que lança referências nas ciências econômicas e empresarias quanto a “novos paradigmas de gestão” e a “cidadania no setor social”. Nesse sentido, o pensador neoclássico da Administração traz uma importante contribuição para o tema presente, ao falar sobre a principal transformação social do século XX: a emergência da sociedade do conhecimento por meio da ascensão da classe dos trabalhadores do conhecimento, que, paulatinamente, substituem os trabalhadores manuais que têm dificuldade em se adaptar à nova realidade e necessidade da modernidade. Mesmo nas atividades industriais, a instrução é uma ferramenta de trabalho essencial nesta nova sociedade que exige uma abordagem ao trabalho e uma atitude mental diferentes, com importância destacada para a qualificação e o hábito da aprendizagem contínua. Na sociedade do conhecimento a instrução formal é o meio indispensável para o acesso do trabalhador ao trabalho, ao emprego e à posição social e as primeiras implicações desta emergência são a 573 | C. L. SILVESTRE de que a instrução é o centro social e o ensino uma instituição principal. A competitividade do mercado de trabalho e as necessidades de especialização do trabalhador são decorrências naturais deste processo e apontam para o atendimento das necessidades da educação para o trabalho e da formação da chamada “pessoa instruída”. É justo nessa oportunidade de aprendizado que se possibilita o aprendizado de competências pelos trabalhadores, colaboradores internos fundamentais às organizações. A formação do trabalhador do conhecimento por meio da educação, na visão de Drucker, era a resposta adequada para a superação dos desafios do século XX e deveriam ser resolvidos antes do desencadeamento das transformações deste século que, por sua vez, demandariam inovações sociais e políticas possivelmente ainda mais assombrosas para fazer frente aos problemas postos no século XXI. Afirma Drucker (2008: 346): O século XXI será seguramente um século de agitação e desafio social, econômico e político, pelo menos nas suas décadas iniciais. A Era das Transformações Sociais ainda não terminou e os desafios que se aproximam podem ser mais graves e assombrosos do que aqueles colocados pelas transformações sociais do século XX que já ocorreram. Contudo, não teremos sequer a possibilidade de resolver estes novos problemas que se aproximam no futuro se não enfrentarmos primeiro os desafios apresentados pelo desenvolvimento que já são fatos consumados. Se o século XX foi um século de transformações sociais, o século XXI terá de ser um século de inovações sociais e políticas. A esse entendimento converge também o pensamento de Ackoff (1994), segundo o qual a sobrevivência das atuais organizações, entendidas como sistemas sociais, e a capacidade em facilitar ou encorajar o desenvolvimento das organizações maiores que as contêm dependem da qualidade da vida de trabalho dentro dessas organizações, obtida através do contínuo aprendizado dos trabalhadores, em que desenvolvem suas necessidades e vontades e as correspondentes habilidades em realizá-los (competências). O trabalho desafiador e agradável resulta do desenvolvimento ideal da empresa em fomentar o comprometimento do trabalhador. A educação para o trabalho, enquanto política pública, se insere no contexto destas inovações necessárias para o enfrentamento da questão social e do desenvolvimento sustentável no Brasil do século XXI. A educação para o trabalho ganha, histórica e sistematicamente, contornos de políticas públicas e sua importância está não apenas em se garantir a qualificação profissional necessária para a inserção no mercado de trabalho, mas também a reinserção do trabalhador por meio da mudança ocupacional frequente nos atuais sistemas produtivos. Elias (2008) desenvolveu estudo no mercado de trabalho do Reino Unido com vistas a pesquisar a requalificação e desqualificação do trabalhador dispensados involuntariamente e, assim, fazer referência à formação ou à subutilização da competência ocupacional. Compreende o autor por qualificação “o período normalmente necessário para que uma pessoa se torne competente na execução de um dado trabalho” 574 | C. L. SILVESTRE diante da reestruturação (mudanças ocorridas no mercado de trabalho) do mercado com vistas à mudança ocupacional. Seus estudos têm como objeto as diversas categorias das ocupações em progressões de escolaridade. Esta possui três posições definidas na metodologia da pesquisa, sendo que o seu foco primordial diz respeito às posições intermediárias que são entendidas como aquelas que se situam entre os “empregos que exigem investimento significativo em escolaridade, além dos anos de ensino obrigatório de treinamento-experiência para se alcançar a competência” e “aquelas para os quais os requisitos de escolaridade, além dos anos de ensino obrigatório de treinamento-experiência de trabalho são de um ano ou menos”. Com relação aos grupos de ocupações superiores e mais baixas, a grande surpresa da pesquisa foi a da queda no aumento da proporção dos empregos masculino e feminino de baixa qualificação, contrariando um consenso de que a economia britânica passava por um período de desqualificação entre 1981-1991 e entre 1991-1995. Neste mesmo período houve uma ascensão quantitativa e qualitativa (relativas à remuneração) das ocupações superiores altamente qualificadas. Por sua vez, quanto ao grupo focal de seu estudo, concluiu Elias que (2008: 66): As ocupações intermediárias manuais qualificadas estão em constante declínio, caindo em cerca de dois por cento de todos os empregados entre 1981 e 1991. Surpreendentemente, a taxa de queda aumentou no período 1991-1995, caindo três vírgula cinco pontos percentuais. No caso das ocupações intermediárias manuais não qualificadas ocorreu o inverso verificando-se no período de 1981-1991 um aumento, no caso de homens e mulheres, e uma fase de estabilidade de 1991 a 1995. Tudo isto aponta para a importância da qualificação do trabalhador como real e sustentável instrumento de ascensão e desenvolvimento social na medida em que apenas por meio da educação para o trabalho poder-se-á falar de inclusão social e da manutenção das pessoas no sistema produtivo em uma “sociedade de organizações” estritamente dependente do conhecimento e da instrução, como exposto na visão de Drucker e Ackoff acima. Claro está que o conceito de desenvolvimento não pode se basear em uma visão simplista, com base apenas na realidade econômica (renda per capita, taxa de emprego etc.), mas deve ter por ponto de partida os conceitos de capital humano e capital social. Afinal, o homem está no centro da questão do desenvolvimento e o crescimento que se deseja é o do homem e do meio no qual ele vive: a sociedade e se assim o é, pode-se concluir que os demais fatores relacionados de natureza estritamente econômica, não fazem parte dos objetivos, mas seriam condições necessárias para que os objetivos possam ser alcançados (Ackoff, 1994; Passador; Nalle-Jr, 2007: 18). Por capital humano deve-se entender a capacidade que temos individualmente de agir em prol do desenvolvimento, ao assumirmos um papel ligado às responsabilidades dentro de uma visão global de sociedade. Claro que os elementos que compõem o capital humano não dizem respeito apenas ao nível de 575 | C. L. SILVESTRE escolaridade ou ao ajustamento pessoal aos processos de produção econômica, mas envolvem uma concepção de construção pessoal de futuro que passa, necessariamente, pela possibilidade de promover as mudanças sociais necessárias proporcionando o acesso à educação, à informação e à reciclagem da aprendizagem. O gasto social (melhor seria se falar em investimento social) com a formação garante a inserção e a reinserção do trabalhador, criando um ciclo virtuoso de desenvolvimento econômico e socialmente responsável de qualificação continuada. Por isso para Passador e Nalle-Jr (2007: 27) os investimentos no capital humano envolvem: Ampliação do acesso ao ensino e à educação: necessidade básica quando pensamos em capital humano, a educação não pode ser entendida como simples repasse de informações, mas deve imprimir nos indivíduos qualidades sociais e uma maior percepção da realidade. Ampliação das oportunidades de capacitação e qualificação profissional: a educação para a produção que responde por tornar as pessoas capazes de assumirem determinadas funções produtivas de acordo com as necessidades econômicas do local. (...) Outro conceito relevante a ser aqui trabalhado é o de capital social. Antes de mais nada, é necessário se pontuar que não existe um consenso na literatura acerca da sua conceituação ou acerca dos elementos que o compõe, apesar de ser possível se constatar sua importância como elemento fundamental de desenvolvimento regional, como bem aponta Valentim (2008: 259). Passador (2006) apresenta conceito de capital social: como o conjunto das características da organização social, que engloba as redes de relações entre indivíduos, suas normas de comportamento, laços de confiança e obrigações mútuas, o capital social, quando existente em uma região, torna possível a tomada de ações colaborativas que resultem em benefício para toda a comunidade A participação da comunidade, seu envolvimento em programas e projetos em prol do desenvolvimento regional, está intimamente ligada às características culturais da comunidade, à confiança, à organização social, enfim, à acumulação de capital social (VALENTIM, 2008). Se as características culturais do corpo social têm peso neste processo de investimento no capital social, ao Estado, por sua vez, incumbe criar condições para que o capital social seja um elemento ativo do desenvolvimento e, nesse sentido, importa estimular a participação popular na tomada de decisões, especialmente, no plano das políticas públicas. A resposta estatal é, sem dúvida, a gestão societal das políticas públicas por meio do seu capital social que é crucial, estratégica para o desenvolvimento social, na medida em que a própria sociedade tem a capacidade de identificar suas necessidades e estabelecer conjuntamente seus objetivos. A adoção de políticas públicas pelo Ministério Público num contexto social assim estruturado nos remete à recursividade do valor da dignidade da pessoa e dos direitos que dele resultam nos diversos segmentos sociais, compondo o status de cidadania no Estado Brasileiro (SARLET, 2006a). Isso fica mais 576 | C. L. SILVESTRE evidente quando o propósito comum do ambiente seja a promoção cidadania através da educação. O princípio democrático compõe a essência da função política da organização pública examinada. O interesse público resguardado pelo direito nasce da convergência entre o enunciado linguístico da regra jurídica e o conceito social de justiça, que evolui na medida da mudança dos sistemas sociais envolvidos. Nesse terreno, mostra-se importante a função de inteligência, tal como prevista na análise VSM, que colhe e fornece informações essenciais do meio ambiente para as funções política e de controle. O controle atua sobre as funções operacionais - conciliação, investigação, recomendação, exercício do direito de ação etc. A função de coordenação entre as funções operacionais e o controle tem grandeza destacada por meio da criação de diversas coordenadorias temáticas (meio ambiente do trabalho, trabalho infantil, trabalho escravo, trabalho portuário, trabalho na administração pública e fraudes contra as relações do trabalho), que emitem recomendações e organizam inspeções. A promoção da educação nesse sistema social resulta do dever de promover o desenvolvimento da qualidade de vida no trabalho das diversas outras organizações sociais (e dentro de si própria). Essas organizações geram necessidades específicas de educação, que devem informar as ações do Ministério Público do Trabalho, de modo a supri-las adequadamente. 3.6 Termos de Ajustamento de Conduta: instrumentos potenciais de promoção da política pública de educação para o trabalho O código mesopotâmico de Hamurabi (por volta de 1.700 a.C.) inaugurou o modelo de coerção estatal fundado na norma escrita e estruturada segundo o binômio das obrigações: a toda situação A hipoteticamente prevista em uma norma corresponderá uma situação também prevista B, cujo cumprimento seja garantido por um Estado. Tal modelo foi amplamente adotado pelos ordenamentos normativos que lhe sucederam, mundo afora. Ao acatamento da autoridade da instituição Ministério Público servem diversos instrumentos legais: o direito de ação em face de práticas atentatórias ou violadoras da obrigação de atendimento do valor da dignidade, a criação de negócios jurídicos hábeis aos seguimento de práticas com ele condizentes – aqui chamados de termos de ajustamento de conduta - TACs, a requisição de informações e a prática de ações em face do Poder Judiciário. A celebração desses instrumentos jurídico-formais, a constituição de um título idôneo a criar obrigações daquela natureza, úteis à promoção de interesses próprios das políticas públicas, e do poder formal do Estado, coercitivo, para fazê-los valer. Como ilustração, elenco três desses instrumentos, celebrados cronologicamente em Ribeirão Preto, São Paulo e Palmas8. Os três documentos apresentaram como elementos estruturais as declarações de obrigações civis que ora dizem com o compromisso de realizar uma conduta conforme o direito ameaçado ou violado, ora com a garantia do cumprimento desse compromisso antecedente, a assunção da obrigação 8 Disponíveis em <<<http://www.pgt.mpt.gov.br/portaltransparencia/tac.php>>>. Acesso em: 1/5/2012. 577 | C. L. SILVESTRE de pagar uma multa, cuja importância econômica seja proporcional ao atraso no cumprimento dela, de modo a instigar compromissado a se comportar conforme aquela conduta prontamente. Esses instrumentos são apresentados tão-somente como exemplos de um modelo de promoção de uma política pública específica, a de educação para o trabalho. Fogem ao objeto deste estudo: os critérios de fixação de valores das sanções econômicas hipoteticamente previstas nos referidos instrumentos; e as medidas sucessivamente adotadas pelo Ministério Público para ver cumprida a referida política. Os três exemplos apresentados reproduzem a premente necessidade de adoção de uma política pública sistemática, consistente em atender específica finalidade reparatória, em que os benefícios oriundos do exercício da prática institucional do Ministério Público resultem em um meio de incremento do mercado de trabalho e da qualidade de vida do trabalhador. Ao primeiro TAC (TAC 1), uma empresa com mais de mil empregados na cidade de Ribeirão Preto se obrigou, em substituição ao pagamento de multa pelo não cumprimento da obrigação legal de contratar pessoas com deficiência, a custear cursos para desenvolvimento de habilidades em pessoas nessa qualidade. Dele constam as seguintes obrigações: A multa prevista no item III do TAC de fls. 59/61 passa a ser substituída pelas seguintes obrigações: a) a compromitente empresa X, em pareceria com o SENAI (ou outra entidade que entenda idônea), realizará um curso de aprendizagem industrial (assistente administrativo) para pessoas com deficiência, composto por 4 turmas com 17 aprendizes cada (contratos de aprendizagem com registro em CTPS), com duração de 11 meses (de 26/01/2011 a 26/12/2011, segundo calendário letivo), nas instalações da empresa e na instituição de ensino (aulas práticas e teóricas), na cidade de Ribeirão Preto/SP; b) durante o curso a empresa promoverá a substituição dos aprendizes desistentes mediante a contratação de novos PCDs – as contratações de PCDs externamente ao projeto de qualificação de aprendizes referido supra serão computadas para fim de atendimento da cota do artigo 93 da Lei 8213/91 e do TAC de fls. 59/61; (...) Fica ciente a compromissária de que o presente TERMO DE COMPROMISSO tem eficácia de título executivo extrajudicial, conforme dispositivos legais acima referidos, e que o seu descumprimento implicará multa no valor diário de R$ 100,00 (cem reais), por postulante a emprego prejudicado ou vaga preenchida em desconformidade com as cláusulas acima estipuladas, reajustável até a data o efetivo pagamento e reversível ao FAT (Fundo de amparo ao Trabalhador) ou a destinação outra que melhor atenda ao interesse público, a critério do Ministério Público do Trabalho. Ao segundo termo de ajuste (TAC 2), uma empresa na cidade de Belém assume a obrigação de realizar programa de aprendizagem, com atividades teóricas e práticas, de modo a atender a exigência legal de contratação temporária de aprendizes. Gerou estas obrigações: I – A COMPROMISSADA se obriga a observar todas as condições de validade do contrato especial de aprendizagem previstas na legislação atinente à espécie, notadamente: ... c) inscrição do aprendiz em curso de aprendizagem desenvolvido sob a orientação de entidade qualificada em formação técnico-profissional metódica, nos moldes do artigo 578 | C. L. SILVESTRE 430 da CLT e da Portaria n. 702, de 18 de dezembro de 2001, do Ministério do Trabalho e Emprego; Ao terceiro (TAC 3), empresa com sede em São Paulo e atividade econômica em todo o Pais se compromete a desenvolver programa de capacitação de pessoas com deficiência nos seguintes termos: A empresa compromete-se a desenvolver e implementar, diretamente, ou por meio de terceiros, programas de capacitação profissional para pessoas com deficiência, nos termos do artigo 4o do Decreto n. 3298/99 (...) no prazo deste termo. Assim, nesses três exemplos, há evidente atuação institucional no sentido de promover a educação de cidadãos, atuais ou potenciais integrantes do mercado econômico de trabalho, por meio da formação de consenso com agentes integrantes do mercado econômico do trabalho e com o propósito claro de promoção do conhecimento de trabalhadores. 4 Conclusões A partir das premissas explanadas, pontuo algumas conclusões: 1. O Ministério Público tem o dever de promover mudanças na sociedade que realizarem os direitos fundamentais, ou seja, existe para fomentar políticas públicas, ações com fundamento nesses direitos e na autoridade racional-legal dessa instituição. A ele cumpre o papel da promover a cidadania, respeitando as formas de um Estado Democrático de Direito, aos procedimentos instrumentais nele previstos e ao potencial envolvimento de diversos grupos sociais. Assim, a atuação dessa organização pública não deve ser inibidora da atuação da sociedade civil, tendo em vista que a autoridade e o poder formal que lhe são conferidos existem, dão-lhe identidade, na ação institucional fundamentada na defesa do regime democrático e no princípio da soberania popular. É pressuposto de qualquer modelo ou estrutura aplicado à organização estudada o anseio de conhecer os modos de interação de todos os envolvidos, notadamente os cidadãos interessados. 2. O ramo do Ministério Público no universo do mercado econômico do trabalho – Ministério Público do Trabalho – tem dentre as diversas atribuições legais, a de fomentar a autonomia do trabalhador nesse ambiente, notadamente, no “chão de fábrica”, o ambiente concreto de prestação de labor, diversamente do que postula Taylor e as diversas vertentes de pensamento clássico, sejam fordistas ou pós-fordistas. Aqui apontou-se a preocupação do policymaker com a educação e o incremento de oportunidades para a aquisição do conhecimento indispensável à convivência cidadã no ambiente de trabalho. Fala-se, nesse contexto, em esse ramo institucional que visa promover uma transformação, um aprendizado das pessoas dos trabalhadores, ou seja, um fomentar a competência, o comprometimento, o desejo e a habilidade dos trabalhadores em participar ativa e autonomamente do sistema social conhecido como mercado de trabalho. 3. A realização de políticas públicas pelo Ministério Público se trata de atuação suplementar ou 579 | C. L. SILVESTRE subsidiária à dos setores desorganizados da sociedade, que não deixam de valer-se diretamente de oportunidades de escolha dos meios ou dos fins que lhe interessam. Entretanto, a realidade revela ser essa organização pública o agente majoritário de promoção de iniciativas no âmbito judiciário e mesmo na celebração de acordos fora de juízo (Bucci, 2006). Além disso, o Ministério Público, por suas características singulares e por sua missão de defesa do regime democrático, determinadas pela Constituição Federal vigente, é um interlocutor qualificado pelo fundamento de autoridade racional previsto no sistema político brasileiro, para lidar com as demandas sociais atentatória aos fundamentos de dignidade dos cidadãos. Assim, o sistema jurídico brasileiro, como não lhe é dado negar as interpenetrações com o sistema político, deve estar aberto às diversas formas de manifestação democrática. Particularmente, o Ministério Público, por meio de policymakers, realiza interações com os mais diversas combinações sociais, do que resulta a concretização de políticas públicas que, recursivamente, assemelhem-se com as necessidades dos cidadãos. 4. A democracia na gestão das políticas públicas, em que a comunidade é diretamente ouvida na definição de finalidades e de meios relativos a elas, só ganhará contornos de realidade mediante a iniciativa própria dos policymakers dessa instituição, o que diz respeito à abertura institucional, ao funcionamento de fóruns temáticos, de conselhos gestores de políticas públicas, do orçamento participativo e da construção de identidade com os representantes dos interesses dos cidadãos. Aí parece também estar o próprio fenômeno de elaboração da Administração Pública, da interação dela com os cidadãos, da ampliação de variedade nas diversas organizações sociais envolvidas e do entendimento consciente da complexidade social. 5. O pensamento acerca da organização ora tratada segundo o modelo VSM mostra-se particularmente útil ao apontar a necessidade do desenvolvimento de funções, hoje ainda incipientes nela, como (i) a de inteligência, idônea a aproximar os colaboradores dessa organização pública das necessidades específicas dos diversos sistemas sociais exteriores, e (ii) a de auditoria, exercida por parte integrante dela que seja diversa dos que já exercem o controle (Corregedorias, Câmaras Temáticas e Conselhos Superiores). Esse pensamento também aponta para o desafio em compatibilizar o princípio da independência funcional (autonomia das partes) e o da unidade da instituição (redundância de partes e de funções), ou seja, como sugere a mentalidade complexa, o desafio de viver caracteres antípodas, em meia à cultura organizacional. Afinal, é imanente aos sistemas complexos a composição de valores antípodas, tais como (i) a autonomia e a uniformidade de propósitos das partes, elementos ou subsistemas, (ii) a variedade e a redundância de funções e dessas partes, ou, (iii) como prefere Edgar Morin (1996:259-272), o todo e as partes, a unidade e a diversidade, a ordem e a desordem. 6. Da visão do Ministério Público como organização democrática extrai-se um conceito de identidade, de razão de existir, e o de propósito, o que existe de modo recursal nas partes organizacionais, 580 | C. L. SILVESTRE aproximando-as. Tanto a identidade como o propósito dessa organização encontram-se na promoção da cidadania, valor próprio dos Estados Democráticos no Ocidente e expresso solenemente por nossa sociedade politicamente organizada. Da qualificação de organização democrática também resulta assumir a premissa organizacional de adaptação diante das transformações do ambiente social. O Ministério Público convive em um ambiente social composto por diversas outras organizações e com elas estabelece relações com habilidade de modificar esse ambiente. Tais organizações interagem diretamente com diversas partes integrantes da organização em foco; estas por sua vez, internamente, sofrem a ação de funções de administração das respectivas tarefas. Simultaneamente as funções operacionais e de administração são controladas, auditadas e coordenadas por funções autônomas, responsáveis pela manutenção cibernética do fluxo de informações e de controle indispensável à viabilidade daquela organização. De fato, o ramo trabalhista do Ministério Público deve interagir com trabalhadores, empresas, sindicatos, entidades representativas de interesses de incapazes e entidades integrantes do Estado Brasileiro a fim cumprir seu objetivo de desenvolvimento do valor do trabalho em nossa sociedade. Agregue-se a isso terem sido conferidos a ele poderes de controle sobre a sociedade, manifestos através das faculdades de requisitar informações suficientes à tomada de decisões, de recomendar condutas, de produzir e legitimar negociações (construir e dotar de autoridade compromissos) e de originar a necessária intervenção dos órgãos da Justiça para constituir uma situação ou estado congruente com a lei, através do cumprimento forçado de uma obrigação de fazer, de não fazer, de pagar (“direito público de ação”). 7. Valem também na instituição em foco as visões de organização circular e de organização multidimensional, características ao modelo de Organização Democrática (Ackoff, 1994). O caráter circular revela-se em uma hierarquia democrática, em que os policymakers que lhe integram, no exercício de suas práticas institucionais, não obedecem a comandos exteriores e convivem com diversos colaborados sem lhes poder ordenar condutas9. O caráter multidimensional revela-se pela concentração em cada policymaker que integra a organização de funções de entrada de recursos e de informações, de conhecimento das necessidades dos colaboradores externos, de saída de informações e prestações de serviços úteis aos cidadãos titulares dos interesses fundamentais a serem fomentados. Isso notabiliza-se pela concentração de atribuições em indivíduos considerados individualmente, não havendo falar na especialização de tarefas próprias da Administração Clássica. 8. A política de educação para o trabalho representa uma estratégia viável de cumprimento do objetivo que é a razão de existir da organização apontada nos instrumentos de acordo trazidos como ilustrações: o propósito institucional de promover a cidadania numa sociedade complexa. 9 Esse estado existe com as previsões regulamentares de controle interno, exercível pelos órgãos do Conselho Superior do Ministério Público, de Corregedoria, por Câmaras Temáticas ou por qualquer membro da instituição, ou de colaboradores externos. 581 | C. L. SILVESTRE Referências bibliográficas ACKOFF, Russell L. The democratic corporation. New York: Oxford University Press, 1994. BAUER, Ruben. Gestão da Mudança – Caos e Complexidade nas Organizações. São Paulo: Atlas, 1999. BEER, S. Cibernética e Administração Industrial. Rio de Janeiro: Zahar, 1969. BERTALANFFY, Ludwig V. Teoria Geral dos Sistemas: fundamentos, desenvolvimento e aplicações. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2008. BONAVIDES, Paulo. 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