PÁG. 4 l SÃO PAULO l EDIÇÃO: 29/03/2009 DATA DE ENVIO: 28/03/2009 — 20: 10 h AZUL - MAGENTA - AMARELO - PRETO ................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................ A4 SÃO PAULO x SÃO PAULO, DOMINGO, 29 DE MARÇO DE 2009 F DIÁRIO DE S.PAULO ................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................ EM NOME DA PAZ EDILSON DANTAS/ DIÁRIO CAIO acha absurdo ser obrigado a servir o Exército. Ele alegou questões filosóficas Ele usou a lei e se livrou do Exército w Paulistano argumentou que é contra guerra e conseguiu respaldo legal para não prestar serviço militar, nem ser reservista FRED CHALUB/ DIÁRIO CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA, DE 1988 Artigo 143 - O serviço militar é obrigatório nos termos da lei páragrafo 1º: Às Forças Armadas compete, na forma da lei, atribuir serviço alternativo aos que, em tempo de paz, após alistados, alegarem imperativo de consciência, entendendo-se como tal o decorrente de crença religiosa e de convicção filosófica ou política, para se eximirem de atividades de caráter essencialmente militar. Sem negar, instituição desconversa LEI 8.239, DE 4 DE OUTUBRO DE 1991 Artigo 4º - Ao final do período de atividade, será conferido Certificado de Prestação Alternativa ao Serviço Militar Obrigatório, g com os mesmos efeitos jjurídicos do Certificado de Reservista. PORTARIA NORMATIVA 147 DO MINISTÉRIO DA DEFESA, DE 14 DE FEVEREIRO DE 2004 Artigo 1° - O Serviço Alternativo ao Serviço Militar Obrigatório poderá ser implementado mediante convênios com os demais ministérios. Parágrafo 1º - O convênio será firmado após a apresentação prévia de plano de trabalho, devendo ainda obedecer às seguintes diretrizes: I - os optantes não serão submetidos a qualquer compromisso tipicamente militar II - a prestação será efetuada fora de instalações castrenses (militares) Artigo 4° - Fica concedida dispensa aos optantes que não forem aproveitados no Serviço Alternativo ao Serviço Militar Obrigatório. opinião dele, o problema não deve crescer. “Hoje, com o excesso de contingente, há possibilidade de dispensa”. O Movimento Humanista brasileiro, que participa este ano da Marcha Mundial pela Paz e Não-Violência, vai incluir a campanha “Serviço Militar, Não Obrigado” na pauta brasileira. Personalidades como Ariano Suassuna e o Dalai Lama vão participar do evento que tem como bandeiras principais o desarmamento nuclear e a liberação de territórios ocupados. que enviasse o número de alist a m e n t o d e C a i o M a n i e ro D’Auria e as leis usadas para confirmar a dispensa. Não negou nada, mas enviou resposta tratando de outros pontos da constituição. Em nota, respondeu: “O Exército Brasileiro, fiel defensor e cumpridor da Constituição Federal, tem o seu papel delimitado pelo Artigo 142 (as Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem). Logo, compreende-se que a instituição Exército Brasileiro é uma carreira do Estado, independentemente de doutrinas ideológicas ou políticas”. A mesma nota diz que percebe-se um aumento de voluntários na seleção. “Que se deve, entre outros fatores, à chance de obtenção de qualificação para melhor concorrer no mercado de trabalho”, diz a nota. O DIÁRIO foi à porta de um batalhão do Exército no Paraíso, na Zona Sul, no horário de saída de jovens que prestam o Serviço Militar Obrigatório. Todos disseram não poder ou não querer dar entrevista. Um cabo deu sua opinião: “Errado não está, é um país livre. Mas se tiver uma guerra, ele vai fazer o quê? Se esconder?”. Saiba mais Testemunha de Jeová é dispensado wA Certificado de dispensa do Serviço Alternativo, que difere Caio de um reservista Portaria Normativa 147 publicada em fevereiro de 2004 e que regulamentava o Serviço Alternativo ao Serviço Militar Obrigatório foi feita por pressão de religiosos. Milhares de jovens que não serviam ao Exército por crença religiosa — item que está no mesmo artigo da convicção filosófica — estavam irregulares. Testemunhas de Jeová não EDIÇÃO: 29/03/2009 Caio Maniero D’Auria ser dispensado por motivos filosóficos também permite o uso de razões políticas. Para o cientista político da Fundação Escola de Sociologia e Política (Fesp) Aldo Fornazieri, a motivação de Caio é plausível, mas a lei abriga um risco. “As nações modernas respeitam este direito de consciência, mas é preciso muito critério. Quando a lei diz política, por exemplo, alguém pode alegar ser da oposição ao governo”, alerta. Ainda assim, na w O Exército pediu ao DIÁRIO Artigo 1, parágrafo 1º - Entende-se por Serviço Alternativo o exercício de atividades de caráter administrativo, assistencial, filantrópico ou mesmo produtivo, em substituição às atividades de caráter essencialmente militar. Parágrafo 3º - O Serviço Alternativo será prestado em organizações militares da ativa e em órgãos de formação de reservas das Forças Armadas ou em órgãos subordinados aos Ministérios Civis, mediante convênios entre estes e os Ministérios Militares, desde que haja interesse recíproco e, também, sejam atendidas as aptidões do convocado. Professor vê risco em legislação w A brecha que per mitiu a SAÍDA de pelotão do serviço militar obrigatório em São Paulo l Aos 21 anos, Caio foi o primeiro brasileiro a ser encaminhado, por filosofia de vida, ao Serviço Alternativo Militar — dispositivo que deveria propor outros trabalhos voluntários a quem não quer ingressar no Exército. Como ainda não foi estabelecido qualquer serviço alternativo, em dezembro de 2008 ele recebeu a dispensa do Serviço Alternativo ao Serviço Militar de número 0001. O Movimento Humanista diz que duas pessoas que souberam do caso procuraram a ONG com o mesmo objetivo. “Quem quiser mais informações, estamos à disposição (www.humanizarbrasil.org.br)”, convida Genovese. Artigo 32 - Todo cidadão, após ingressar em uma das Forças Armadas mediante incorporação, matrícula ou nomeação, prestará compromisso de honra, no qual afirmará a sua aceitação consciente das obrigações e dos deveres militares e manifestará á a sua firme disposição de bem cumpri-los. podem jurar fidelidade a imagens como a bandeira. Sem isto, eles não conseguiam o certificado de dispensa e ficavam ilegais para efeitos jurídicos e eleitorais. Milhares de religiosos que se candidataram ao Serviço Alternativo aguardavam até 2004 que o Ministério da Defesa fizesse um convênio com outras áreas onde eles deveriam prestar serviços não militares. A portaria deu a dispensa desta alternativa e regularizou a situação deles. SÃO PAULO Caio explicava que era contra guerras, contra armas e discordava do Estatuto dos Militares, que diz que o cidadão deve dar até a própria vida pela pátria. “Eu não daria a minha por espontânea vontade”, afirma. Segundo ele, a atendente consultou um superior e concluiu que a lei valia para religião. “Isto é para as Testemunhas de Jeová”, disse, entregando um papel que devia ser levado à igreja. As Forças Armadas já conheciam o uso do artigo constitucional por crença religiosa, mas não por motivo filosófico. A alternativa oferecida era fazer o juramento à bandeira e fi- Artigo 31 - Os deveres militares emanam de um conjunto de vínculos racionais, bem como morais, que ligam o militar à Pátria e ao seu serviço, e compreendem, essencialmente: I - a dedicação e a fidelidade à Pátria, cuja honra, integridade e instituições devem ser defendidas mesmo com o sacrifício da própria vida; í ó l Se a moda pega Contra guerra e armas ESTATUTO DOS MILITARES , DE 1980 Artigo 27 - São manifestações essenciais do valor militar: I - o patriotismo, traduzido pela vontade inabalável de cumprir o dever militar e pelo solene juramento de fidelidade à Pátria até com o sacrifício da própria vida; c V - o amor à profissão das armas e o entusiasmo com que é exercida PÁG. 4 D’Auria, de 21 anos, achava absurdo ser obrigado a servir ao Exército. “Eu pensava: ah, até eu crescer vão mudar isto”, lembra. Quando completou 18 anos, foi informado de que estava tudo igual, e ele deveria se alistar como todo rapaz que completa maioridade. Por pura teimosia, foi conferir a Constituição. E achou um artigo que eximia do serviço militar quem tivesse convicções filosóficas contrárias. “Sou eu”, pensou. Morador de Perdizes, na Zona Oeste de São Paulo, ele voltou à Junta Militar da Lapa, onde havia se alistado, acompanhado de uma cópia da lei. “Mostrei para a atendente e ela disse que desconhecia”, conta o jovem, que começava ali uma saga de quatro anos até conseguir fazer valer um direito constitucional. POR DENTRO DA LEGISLAÇÃO AZUL - MAGENTA - AMARELO - PRETO w Desde criança, Caio Maniero car como reservista, o que ocorre com a maioria dos paulistanos por excesso de contingência. “Fui contra. Não queria ser reserva e, amanhã, ter que ir para guerra”, conta. Caio buscou instâncias superiores e foi informado de que teria que ser ligado a um movimento com as convicções que dizia ter. “Sou anarquista”, declarou, mas não achou um anarquista que tivesse Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ), para declarar que ele fazia parte do movimento. “Como eu ia achar um anarquista legalizado?” Depois de três anos, ele encontrou o Movimento Humanista. A doutrina pela paz, que coloca a vida em primeiro lugar, era exatamente o que ele precisava. “Abraçamos a causa, achamos que a pessoa deve ter liberdade de não servir”, conta o coordenador do Movimento Humanista, Paulo Genovese. DATA DE ENVIO: 28/03/2009 — 20: 10 h CINTHIA RODRIGUES [email protected]