PODER JUDICIÁRIO
JUSTIÇA FEDERAL
1ª TURMA RECURSAL – RIO GRANDE DO SUL
VOTO
TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PARA O FUNDO DE SAÚDE DAS FORÇAS ARMADAS
(FUSEX. FUNSA). NATUREZA JURÍDICA. PRESCRIÇÃO. BASE DE CÁLCULO.
1. O prazo para repetição de indébito das contribuições para o Fundo de Saúde das
Forças Armadas é regido pelo Direito Tributário, porquanto a contribuição tem
natureza tributária a partir da Constituição Federal de 1988, artigo 149.
2. As contribuições para o Fundo de Saúde das Forças Armadas são lançadas por
homologação. Com isso, em relação aos recolhimentos anteriores à Lei
Complementar 118/2005 aplica-se o prazo decenal para repetição de indébito (cinco
anos de decadência para revisão do lançamento mais cinco anos de prescrição)
3. Até março de 2001 (MP 2.121/2000) a contribuição era devida à alíquota de 3%
(militares ativos e inativos) ou 1,5% (pensionistas), tendo como base de cálculo
apenas o valor do soldo ou cota do soldo, nos termos do Decreto 92.512/86,
recepcionado como lei ordinária pela Constituição Federal de 1988.
4. Deverão ser restituídas pela União todas as contribuições que tenham por finalidade a
manutenção do Sistema de Saúde, e que foram cobradas em percentual excedente às
alíquotas reconhecidas como devidas.
5. Não se incluem no cálculo de restituição os descontos referentes a co-participação
nas despesas, bem como indenização por emissão do cartão de usuário.
6. A partir de abril de 2001 a contribuição é devida à alíquota máxima de 3,5%, tendo
como base de cálculo o total das parcelas que compõem a remuneração ou a pensão.
7. A base de cálculo no caso de existência de parcela de complementação de salário
mínimo será o valor do soldo acrescido dessa complementação, ou seja, a base de
cálculo da contribuição será o valor do salário mínimo.
8. A atualização das parcelas devidas é de ser feita pela SELIC.
9. Recurso parcialmente provido.
Prescrição
A Turma Regional de Uniformização de Jurisprudência da 4ª Região, na sessão do
dia 13.09.2007, uniformizou o entendimento no mesmo sentido do que foi decidido pelo
STJ na Argüição de Inconstitucionalidade nos Embargos de Divergência em RESP nº
644.736, julgado em 06.06.2007, quanto ao prazo para o pedido de repetição de indébitos
tributários, fixando-o em 10 anos para os pagamentos indevidos que ocorreram antes de
09.06.2005. Somente os recolhimentos de tributos posteriores a essa data estão sujeitos
ao prazo de cinco anos para o pedido de restituição.
Conforme o entendimento acima, deve ser observada a prescrição decenal,
contada do ajuizamento da ação.
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Natureza jurídica da exação e do lançamento
A contribuição para o Fundo de Saúde das Forças Armadas é estabelecida de
maneira compulsória para todos os militares, à exceção apenas daqueles que prestam
serviço militar obrigatório. Tendo em vista a sua compulsoriedade, caracteriza-se a
natureza tributária.
A isso se acresce a destinação da arrecadação a um fundo público, que é
gerenciado por Exército (FUSEX), Marinha ou Aeronáutica (FUNSA). Os valores
arrecadados pelo Estado são gerenciados por órgão estatal, a caracterizarem-se como
recursos públicos, o que reforça a natureza tributária.
Os valores são descontados da remuneração dos militares pelo órgão encarregado
da folha de pagamento e repassado ao respectivo gerenciador do fundo. Essa situação
caracteriza o lançamento por homologação na sistemática de cobrança de tributos.
A esse respeito veja-se:
“A assistência médico-hospitalar fornecida aos servidores militares é
custeada por meio de contribuição ao chamado Fundo de Saúde do
Exército - FUSEX - a quem incumbe a referida prestação. Sendo
compulsório tanto a filiação ao sistema de saúde, quanto o desconto para o
seu financiamento, está caracterizada a natureza tributária da exação, eis
que, pela definição legal, tributo é 'toda prestação pecuniária compulsória,
em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção
por ato ilícito' (art. 3º do CTN)." (TRF da 4ª Região, AC 2003.70.000852561, 2ª turma, Rel. Desembargador Federal Dirceu de Almeida Soares, DJU
06.04.2005, p. 455)
.
Contribuição para o FUSEX e FUNSA
O Estatuto dos Militares - Lei nº 6.880/81 - em seu artigo 50, inciso IV, alínea "e",
conferiu aos militares o direito à assistência médico-hospitalar, para si e seus
dependentes, nos termos impostos pela legislação e regulamentação específicas.
Na Lei nº 5.787, de 27 de junho de 1972, que dispôs sobre a remuneração dos
militares, em seu artigo 81, consta que "Os recursos para a assistência médico-hospitalar
aos dependentes dos militares provirão de verbas consignadas no Orçamento da União e
de contribuições estabelecidas na forma do disposto no parágrafo 1º". No parágrafo 1º
consta que "Poderá ser estabelecida a contribuição de até 3% (três por cento) do soldo do
militar, para constituição de um Fundo de Saúde de cada Força Armada, regulamentado
pelo respectivo Ministro."
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A regulamentação dessa Lei se deu pelo Decreto nº 73.787, de 11 de março de
1974. E, a partir do Decreto nº 92.512, de 02 de abril de 1986, a contribuição para o
Fundo de Saúde das Forças Armadas passou a ser obrigatória, mediante percentual
incidente sobre o soldo, nestes termos:
“Art 13. Os recursos financeiros para a constituição e manutenção dos fundos de
saúde de cada Força Armada, de que trata a letra a do item II do artigo 11, advirão
de contribuições mensais obrigatórias dos militares, da ativa e na inatividade, e
dos pensionistas dos militares, e destinam-se a complementar o custeio da
assistência médico-hospitalar.
Art 14. As contribuições mensais, para a constituição e manutenção dos fundos de
saúde de cada Força Armada, corresponderão:
I - a 3% (três por cento) do valor do soldo, para os militares da ativa e na
inatividade;
II - a 1,5% (um e meio por cento) do valor do soldo, ou cota-parte do soldo, que
serviu de base para o cálculo da respectiva pensão militar, para o pensionista.”
Esse dispositivo do Decreto 92.512/86 foi recepcionado pela Constituição Federal
como Lei ordinária, porquanto a contribuição para o fundo de saúde das forças armadas
passou a ter a natureza jurídica de tributo, com fundamento no artigo 149 da Constituição
Federal, dispositivo inserido no Sistema Tributário Nacional.
No sistema constitucional anterior a 1988 permitia-se a delegação legislativa, qual
seja, a possibilidade de a lei ordinária delegar a decreto presidencial a fixação de certos
elementos legais, como a alíquota de contribuições. Em assim sendo, o percentual de 3%
sobre o soldo estava corretamente fixado à época, e foi recepcionado pela CF/1988 como
se lei ordinária fosse.
Todavia, face o disposto no artigo 25, I, do ADCT da CF/1988, não mais foi
possível tal delegação.
Estão, pois, em desacordo com o sistema tributário as alterações de alíquota feitas
por Decreto no período posterior a 1988, como o Decreto 906/93, que aumentou a
contribuição para 10% do soldo e o Decreto 1.961/96, que majorou para 25% do soldo.
Somente ocorreu inovação legislativa que efetivamente alterou a alíquota e a
base de cálculo da contribuição com a edição da MP 2.131, de 28 de dezembro de 2000,
que dispôs sobre a reestruturação da remuneração dos militares das Forças Armadas.
Nos artigos 14 e 15, essa norma manteve a obrigatoriedade do desconto da contribuição
para o Fundo de Saúde, e em seu artigo 25, estabeleceu o percentual do desconto
incidente sobre a remuneração dos militares. Referida Medida provisória (e suas edições
posteriores, até a MP 2.215-10/2001) fixou os novos parâmetros da contribuição, com
validade a partir de abril de 2001, tendo em vista a anterioridade nonagesimal (art. 195,
6º, da CF):
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Art. 14. Descontos são os abatimentos que podem sofrer a remuneração ou
os proventos do militar para cumprimento de obrigações assumidas ou
impostas em virtude de disposição de lei ou de regulamento.
§ 1º Os descontos podem ser obrigatórios ou autorizados.
§ 2º Os descontos obrigatórios têm prioridade sobre os autorizados.
§ 3º Na aplicação dos descontos, o militar não pode receber quantia inferior
a trinta por cento da sua remuneração ou proventos.
Art. 15. São descontos obrigatórios do militar
I - ...,
II - contribuição para a assistência médico-hospitalar e social do militar;
Art. 25. A contribuição para a assistência médico-hospitalar e social é de
até três e meio por cento ao mês e incidirá sobre as parcelas que
compõem a pensão ou os proventos na inatividade, conforme previsto
no art. 10 desta Medida Provisória.
Com esse arcabouço legislativo, a situação posta é a seguinte:
a) até março de 2001 (MP 2.121/200) a contribuição era devida à alíquota
de 3% (militares ativos e inativos) ou 1,5% (pensionistas), tendo como base
de cálculo apenas o valor do soldo ou cota do soldo, nos termos do
Decreto 92.512/86, recepcionado como lei ordinária pela Constituição
Federal de 1988;
b) a partir de abril de 2001 a contribuição é devida à alíquota máxima de
3,5%, tendo como base de cálculo o total das parcelas que compõem a
remuneração ou a pensão.
c) a contribuição tem natureza tributária a partir da Constituição Federal de
1988, artigo 149.
d) a alteração legislativa promovida em dezembro de 2000, determinou
mudança de alíquota e de base de cálculo.
e) a cobrança de 3% do soldo é válida até março/2001.
Dessa forma, o autor faz jus à restituição dos valores descontados acima do
percentual de 3% (ou 1,5%, conforme o caso) do soldo até 03/2001, com atualização pela
SELIC acumulada mensalmente, por se tratar de débito tributário (art. 39, § 4º, da Lei
9.250/1995). A base de cálculo no caso de existência de parcela de complementação de
salário mínimo será o valor do soldo acrescido dessa complementação, ou seja, a base
de cálculo da contribuição será o valor do salário mínimo.
A União deve restituir as contribuições pagas ao respectivo Fundo de Saúde acima
do percentual de 3% no caso de militar ou de 1,5% no caso de pensionista, até a MP
2.131/00 em 12/2000, nos termos da fundamentação, observada a prescrição decenal do
ajuizamento da ação. O cálculo será feito na Vara de origem, atualizando-se os valores
em atraso pela SELIC, observada a prescrição decenal do ajuizamento da ação.
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Nesse cálculo deverão ser restituídas todas as contribuições que tenham por
finalidade a manutenção do Sistema de Saúde, incluídos, no caso do FUSEX, os valores
descontados sob a rubrica Z01 (desconto mensal obrigatório relativo ao titular e esposa),
Z11 (desconto mensal obrigatório atrasado relativo ao titular e esposa), ZM5 (desconto
mensal obrigatório relativo aos dependentes do titular), ZM1 (desconto mensal obrigatório
atrasado relativo aos dependentes do titular), ZM7 (desconto mensal obrigatório relativo
aos dependentes indiretos do titular) e ZM2 (desconto mensal obrigatório atrasado relativo
aos dependentes indiretos do titular). Não cabe restituição dos valores descontados com
os códigos ZM3 (desconto eventual relativo à co-participação do titular nas despesas de
atendimentos médicos efetivados), ZM9 (desconto eventual atrasado relativo à coparticipação do titular nas despesas de atendimentos médicos efetivados) e ZM4
(indenização de confecção do cartão do FUSEX).
No caso do FUNSA cabe a restituição das parcelas descontadas sob as rubricas
L30 (FUNSA TITULAR) e L80 (FUNSA DEPENDENTE), excluídas da restituição
descontos eventuais de co-participação nas despesas, bem como indenização por
emissão de cartão de usuário.
Dessa forma, é dado provimento ao(s) recurso(s) para adequação do julgado ao
entendimento acima. O cálculo será feito no Juízo de origem, com atualização pela
SELIC.
Em relação à condenação em honorários advocatícios no âmbito dos Juizados
Especiais Federais, a orientação advinda do V FÓRUM NACIONAL DOS JUIZADOS
ESPECIAIS FEDERAIS – FONAJEF, realizado em Porto Alegre, em Agosto de 2008 é no
sentido de que: “O provimento, ainda que parcial, de recurso inominado afasta a
possibilidade de condenação do recorrente ao pagamento de honorários de sucumbência”
(Enunciado 97).
Tal situação afasta a aplicação dos dispositivos do Código de Processo Civil, que
tratam da sucumbência mínima ou da sucumbência recíproca, porquanto nos Juizados
Especiais somente o recorrente vencido é condenado em verba honorária, condenação
afastada ainda que a vitória seja mínima.
Ante o exposto, voto por dar parcial provimento ao(s) recurso(s), nos termos da
fundamentação.
PAULO PAIM DA SILVA
Relator
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Trata-se da interposição de embargos de declaração