IV ENCONTRO DE PESQUISADORES EM COMUNICAÇÃO E MÚSICA POPULAR
Linguagens e identidades da musica contemporânea
15 a 17 de agosto de 2012, Universidade de São Paulo – ECA/USP
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CONTE UMA CANÇÃO – ESPECIAIS: ROBERTO PAIVA, ESTER DE ABREU E
SEGUNDA GUERRA MUNDIAL 1
Criação e desenvolvimento de um programa de rádio que articula trajetória artística e
percurso histórico da música popular brasileira como ferramenta didática entre projetos de
ensino, pesquisa e extensão no Departamento de Comunicação Social/DCS - UFMG
Nísio Teixeira2
Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG
Resumo: Este trabalho apresenta marcos teóricos e exemplos que norteiam os especiais do
programa Conte uma Canção, uma ferramenta didática que articula, através de um programa
especial de graduação (PEG) e da disciplina Laboratório de Produção de Rádio, parte da
produção de grupo de extensão “O Aqui e o Outrora - Indústria cultural e cotidiano na música
popular e no jornalismo cultural brasileiros nos anos 1930 e 1950” e também do grupo de
pesquisa GrisSom. A partir da escuta, transcrição e discussão, individual e coletiva, pelos
alunos, de canções produzidas até os anos 1950, organizadas em torno de um intérprete e/ou
uma temática e permeadas por textos que analisam a canção e sua relação com o início do
rádio no Brasil, o contexto histórico e a trajetória do artista, os alunos produzem os especiais
do programa, transmitido pela UFMG Educativa 104,5 FM e disponibilizado no Soundcloud.
Em 2011 foram trabalhadas as canções interpretadas por Roberto Paiva (1921-), gerando
cerca de 30 programas e caderno de letras de 77 páginas revisado pelo próprio artista. Outra
intérprete estudada foi Ester de Abreu (1921-1997), numa associação ao acervo da fã Antônia
de Morais, gerando 46 programas e caderno com 100 páginas. Em 2012, segue-se transcrição
de mais de 200 canções interpretadas por Araci de Almeida (1914-1988) e a temática “MPB
na Segunda Guerra”, analisando cerca de 70 canções no ano em que a entrada oficial do país
no conflito completa 70 anos (agosto de 1942).
Palavras-chave: Memória; Rádio; MPB; Canção; Brasil.
1 – Introdução
Em sua importante revisão de literatura sobre as teorias das notícias, Nelson Traquina propõe
um olhar em retrospectiva para toda uma reflexão acadêmica sobre o tema no século XX.
Acertadamente, o autor acredita que só com esse salto para o passado – em que revê da teoria
do espelho à etnoconstrucionista – é possível lançar as bases de conhecimento necessárias
para o futuro do jornalismo ou, como prefere chamar, da cibermídia (TRAQUINA, 2001). A
proposta que ora se apresenta parte dessa mesma premissa: em tempos em que tanto o
jornalismo, quanto o seu ensino, acham-se mergulhados na cibermídia, como se apropriar,
1
Trabalho apresentado ao GT Nº1: Memória e história midiática da música, do IV Musicom – Encontro de
Pesquisadores em Comunicação e Música Popular, realizado no período de 15 a 17 de agosto de 2012, na Escola
de Comunicação e Artes da USP, São Paulo/SP.
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Doutor em Ciência da Informação pela ECI/UFMG. Professor adjunto do curso de Jornalismo do
Departamento de Comunicação Social da UFMG e pesquisador dos grupos Som e Mídia e GrisSom, vinculados
ao mesmo departamento. Lattes: http://lattes.cnpq.br/4229136782672980. E-mail: [email protected]
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didática e construtivamente das potencialidades e recursos oferecidos por este novo suporte
para lançar um olhar à produção jornalística do passado? Em nossa proposta, a ambição
maior, ao projetar o olhar do aqui, do contemporâneo, na leitura e produção jornalísticas e
culturais para a dimensão do outrora é não apenas compreender os nomes, os fazeres e os
bastidores jornalísticos do Brasil dos anos 1930 e 1940, mas, com este exercício, entender
melhor a comunicação e o jornalismo que se praticam hoje.
Esta preocupação começou a tomar forma a partir de um estudo pessoal sobre o
intérprete João Petra de Barros (1914-1948), um dos expoentes e integrantes do que Frota
(2003) chama de “geração Noel Rosa”, que vivenciou o início da indústria cultural brasileira.
O pouco conhecimento acerca de Petra conduziu a pesquisa, inclusive fonográfica, a uma
série de outros nomes como Roberto Paiva (cantor da célebre “Oh, Minas Gerais”),
Antenógenes Silva (sanfoneiro de Minas que lançou Luiz Gonzaga), Elsie Houston, Nuno
Roland, Déo, Gilberto Alves, Vassourinha, Cristina Marigany, Carmen Barbosa, Dilú Melo,
Eurisenes Pires, Floriano Belham, Margarida Max, Orquestra Colbaz, Chiquinho, Marilu,
Sônia Barreto... nomes que, mesmo diante de outros mais conhecidos como Carmen Miranda,
Dalva de Oliveira, Herivelto Martins, Cartola, Irmãs Pagãs, Dircinha e Linda Batista,
padecem de um mesmo problema: praticamente tudo o que a televisão e o rádio brasileiros
são atualmente se deve a essas pessoas, que pertenceram à primeira e segunda geração do
rádio, mas que hoje se encontram e permanecem absolutamente invisíveis, inaudíveis,
esquecíveis... se ligamos o rádio e a TV brasileiras, que são o que são hoje por causa dessas
pessoas - sem mencionar aqui os demais compositores, speakers, técnicos - elas estão, em sua
grande maioria, ausentes dessa história. Como apontam PICCINO E COELHO (2009) a partir
da experiência dos autores na digitalização do acervo musical de Oneyda Alvarenga:
apesar do privilégio de ter o Brasil publicado a Discografia Brasileira 78 RPM, o
acesso aos documentos sonoros se torna um problema quando se precisa ouvir uma
gravação de mais de quarenta anos, em especial as realizadas no sistema de 78
RPM, vigente no país de 1902 a 1964. Apesar de iniciativas como a de Omar
Jubran ou também a de Leon Barg, que mantém o Selo Revivendo Músicas,
responsável pela maioria dos relançamentos de gravações realizadas no sistema em
78 RPM, a música popular deste período continua sob o risco diário da extinção
(PICCINO e COELHO, 2009, p. 2)3
Salvo uma ou outra honrosa exceção de emissora pública ou iniciativas pontuais em
canais privados – são nomes, histórias e, principalmente, canções esquecidas. Canções que
3
Cabe ressaltar aqui o importante papel desempenhado por uma série de blogs e sites que têm disponibilizado
este conteúdo a partir da digitalização de fonogramas – em especial o acervo de música do site do Instituto
Moreira Salles (www.ims.com.br)
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remetem a um país em transformação, que cantam o amor, a separação, a guerra, mas também
o trabalho, a malandragem, o transporte, o telefone, o próprio rádio e a imprensa, dentre
outras referências já percebidas. E, como atesta VINCI DE MORAES (2010), antes da
historiografia oficial e do próprio jornalismo considerarem as canções como “cápsulas da
memória” (VALENTE, 2003) de uma época, coube aos próprios atores sociais do rádio
divulgar, no próprio meio, os expoentes dessa geração, como visto nos programas de
Almirante (Curiosidades Musicais) e Heber Bôscoli (Museu de Cera).
Paralelo a esse manancial, ou melhor, muito próximo dele, houve uma série de
publicações que fizeram história a partir de um núcleo de produção no Rio de Janeiro, então
capital federal. Uma série de revistas publicadas nos anos 1930 e 1940, por exemplo,
começam a dedicar seções ao binômio rádio e música popular. Visto no início como “menor”
ante a erudita ou “de arte” (que aparece em seções separadas), este binômio, gradativamente,
começa a conquistar páginas graças à incipiente indústria cultural que vai se formando a partir
do pólo carioca de produção, formado por um complexo e pioneiro esquema de artistas que
empregavam seu capital cultural em instâncias de produção que saíam das casas de partituras
e teatro de revista para gravadoras, discos e auditórios. Destacamos aqui as publicações Fon
Fon (e a seção PR1 Fon Fon, conduzida, em boa parte, por Alziro Zarur e Djalma Maciel),
Carioca (a seção Por trás do dial, criada por Jorge Maia e tendo como redatores Hélio do
Soveral, Cássio Chaves e Júlio Pires. Mário Castellar assume posteriormente a redação da
coluna), Cinearte (curiosamente chamada de Televisão, por Hamilton Burns) e A Scena
Muda (Astros e Microfones, depois Astros e Nebulosas, em Boa Noite Teatro Rádio, de João
José e Armando Migueis).
Tais seções são exemplos de um jornalismo cultural que acompanha a produção da
indústria cultural da época e são marcadas pela análise e popularidade das canções e
radioteatros; os bastidores contratuais das emissoras (dentro e fora da então capital federal); o
contato, a manifestação e as enquetes dos fãs e a discussão dos rumos da própria indústria a
qual, sabemos, vai se consolidar, ainda que sob censura, em meio ao impacto nacionalizante
do projeto varguista ante o rádio (JAMBREIRO, 2010).
Assim, compreender os processos de produção jornalística nessas seções, bem como
sua correlação com as músicas que despontavam na mesma época, parece-nos importante e
essencial. Combinar as potencialidades existentes dos recursos on line hoje disponíveis para a
pesquisa das publicações e músicas daquele período, que possam, duplamente, divulgar o
valor e o potencial dessa produção notoriamente esquecida pelos meios tradicionais de
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comunicação foram articulados no projeto Conte uma Canção em três diretrizes dispostas da
seguinte forma: i) Indústria cultural brasileira – anos 1930 a 1950: aqui partimos dos
conceitos e das revisões clássicas sobre o tema (MORIN, 1975; ECO, 1993; ALEXANDER,
1994; BENJAMIN, 1994; TREMBLAY e LACROIX, 2002 ; DUARTE, 2003; MÉNARD,
2004; BOURDIEU, 2005; ADORNO & HORKHEIMER, 2006) para chegar às
peculiaridades, reconsiderações e interrelações, em especial entre a indústria fonográfica e
radiofônica brasileiras no início do século XX, através de autores como AZEVEDO et alli,
1982; MÁXIMO e DIDIER, 1990; ORTIZ, 1994; CABRAL, 1996; TAVARES, 1991;
ALMEIDA, 1999; SANDRONI, 2001; FRANCESCHI, 2002; REVISTA USP 2002-2003;
BRAGA, 2002; SOUZA, 2003; FROTA, 2003; CALABRE, 2003; TINHORÃO, 2005;
CARDOSO FILHO e PALOMBINI, 2006; TESSER, 2007 e CARDOSO FILHO, 2007. ii)
Processos de produção jornalística no Brasil – anos 1930 a 1950: além de um panorama
sobre o jornalismo brasileiro no período, faz-se necessário enumerar, dentro da produção
jornalística da época, uma série de características observadas no jornalismo cultural da época,
além da relação com o leitor de rádio – uma situação que, muitas vezes aproxima os redatores
do papel de locutor, bem como o leitor da condição de ouvinte e fã. Afinal, em sua grande
maioria, os redatores das seções destinadas ao rádio eram provenientes do meio. Este é,
precisamente, um ponto importante a considerar: boa parte da discussão crítica sobre o rádio e
as produções musicais não acontecia somente no rádio, mas também nas seções das
publicações destinadas a esse veículo. Por isso, parte-se das questões mais gerais voltadas à
trajetória da imprensa brasileira, bem como da produção jornalística e do jornalismo cultural
como em SODRÉ, 1998; TRAQUINA, 2001; CUNHA, MAGALHÃES E TEIXEIRA, 2002;
PIZA, 2003; MARQUES DE MELO, 2003; TEIXEIRA, 2005 e TEIXEIRA, 2009 para
perpassar as características mais específicas relacionadas às publicações trabalhadas, aos
elementos de sociabilidade gerados pelo discurso radiofônico e à importância de aspectos do
cotidiano apresentados pela imprensa (CASTRO E VAZ, 1997; TINHORÃO, 2000;
REVISTA USP, 2002-2003; SALOMÃO, 2003; LUCAS, 2005). Por fim, iii) a música,
particularmente a canção, como documento e instrumento de pesquisa comunicacional.
A proposta considera a música e, mais especificamente, a canção popular como um
documento importante para se incorporar à avaliação do processo histórico e do cotidiano – e
consequentemente do próprio jornalismo - em sintonia com os pressupostos lançados pelos
estudiosos da Nova História. Nesse especial interesse, destacamos os trabalhos de VALENTE
(2003); VINCI DE MORAES 1999, 2000 e 2010; destacando ainda a relação entre música e
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texto em OLIVEIRA, 2002; os esquemas de trabalho propostos em STEFANI, 1989 e a
importância educativa que deve haver por trás de tudo isso, como sugere KOELLREUTTER,
1990.
Estas diretrizes teóricas balizaram a proposição e evolução da pesquisa no projeto
Conte uma Canção, cuja trajetória e formatação será detalhada no tópico seguinte.
2 – Conte uma Canção - Breve histórico
A proposta do programa Conte uma Canção surgiu no final de 2010 como uma
atividade extensionista a ser desenvolvida a partir das discussões realizadas pelo grupo Som e
Mídia do curso de Comunicação Social da UFMG formado pelo então professor visitante,
hoje mestrando, Elias Santos, pelos professores recém-concursados e incorporados ao
DCS/Fafich, Graziela Mello Vianna e Nísio Teixeira e por alunos voluntários vinculados ao
projeto: Rafael Rodrigues, Gustavo Pio, Peter Abram, Manuel Marçal, Paulo Silvestrini, Júlia
Pelinson e João Paulo Rabelo. No semestre seguinte incorporam-se ao grupo dois projetos de
extensão: “Propaganda Educativa Radiofônica” (profa. Graziela) e “O Aqui e o Outrora Indústria cultural e cotidiano na música popular e no jornalismo cultural brasileiros nos anos
1930 e 1950” (prof. Nísio), além de um projeto PEG que passa a levar o nome do programa,
coordenado também pela profa. Graziela e tendo como bolsistas Gustavo Magalhães e Ana
Carolina Rodarte.
Finalmente, também no início de 2011 ocorre a articulação do programa com a
disciplina Laboratório de Produção em Rádio promovendo a trajetória ensino-pesquisaextensão (que conta aqui com o apoio técnico do funcionário Gilberto Correia). Assim, já a
partir de abril de 2011, o programa passa a integrar a grade da rádio UFMG Educativa 104,5
FM (www.ufmg.br/radio) de segunda a sexta, às 15h15, como um programa-pílula de sete a
oito minutos de duração, em média. Outros programas e produtos são desenvolvidos pelo
grupo Som e Mídia que, por essa razão, em 2012, desmembra seus encontros de pesquisa e
estudo junto ao Grupo de Imagem e Sociabilidade do DCS/UFMG, o Gris, e forma o GrisSom
– ficando ao Som e Mídia a articulação aplicada, aos programas, das discussões teóricas e
estudos desenvolvidos pelo GrisSom, que gradativamente incorporou músicos, mestrandos,
doutorandos e outros interessados na discussão.
No caso do Conte uma Canção, grande parte de sua produção é hoje definida junto
aos intérpretes e/ou temáticas estudados no semestre na disciplina Laboratório de Rádio, a
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grande maioria deles voltados para o período estudado pelo projeto de extensão, ou seja, os
anos 1930 a 1950 (conforme será destacado no próximo tópico). A disciplina conta, em
média, com um grupo de 20 alunos e cada um deles deve produzir seis programas-pílula
Conte uma Canção. Atualmente, quatro canções estão relacionadas aos artistas ou temáticas
estudadas na disciplina no semestre, necessariamente vinculados ao período, e duas canções
relacionadas a artistas definidos livremente pela escolha do aluno da disciplina. À essa
produção discente incorpora-se também aquela desenvolvida à parte pelos bolsistas e
voluntários da pesquisa. A partir das discussões em sala e/ou no grupo de pesquisa,
incorporadas à leitura das letras e pesquisas complementares, integrantes do grupo e alunos da
referida disciplina apresentam ao ouvinte uma abordagem em torno de uma canção (podendo
também incluir, eventualmente, hinos, programas radiofônicos, jingles, dentre outros).
Assim, a metodologia empregada combina, de um lado, aulas expositivas acerca do
percurso dos sons e da canção na história da MPB e sua articulação com o início de uma
indústria cultural brasileira com o teatro de revista, o rádio e as publicações estudadas pela
pesquisa – conforme estipuladas nas diretrizes teóricas do tópico anterior. E, de outro,
material sonoro, como as próprias músicas: os alunos têm um prazo para transcrever as letras
(seis, em média) para que, em seguida, as mesmas sejam projetadas em sala e possam ser
novamente escutadas por todos os demais colegas, com possíveis erros de transcrição sendo
dirimidos ou esclarecidos, observações e inserções da canção no percurso proposto pela aula
expositiva apontados e discutidos e, ao final da transcrição, uma sequência de palavras-chave
estipuladas à canção, devidamente titulada e com seu ano de gravação, intérprete(s) e
compositor(es) devidamente creditados. Com base nessas discussões, os alunos produzem o
texto de locução e efeitos sonoros e/ou trilhas para compor os sons de fundo (BGs). Em
seguida, o material produzido – incluindo programa, letra e palavras-chave – é colocado no
site Soundcloud seguindo um padrão de postagem e ficha técnica possibilitando o acesso
universal à produção, bem como sua replicação.
Portanto, a meta do Conte uma Canção é criar, produzir e roteirizar programas de
rádio visando possibilitar a criação de uma ferramenta didático-pedagógica comum às
disciplinas e pesquisas relacionadas à produção sonora. O objetivo é oferecer ao ouvinte uma
informação diferenciada sobre uma canção a partir de um processo de pesquisa, redação,
produção e locução de texto que reflita aspecto relevante em torno da história da referida
canção, sua composição, letra e/ou correlação com a biografia do(a) intérprete e/ou
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compositor (es) ou mesmo do momento histórico/ contexto social em que ela foi gravada ou
executada.
Após a produção dos programas-piloto, confirmamos o potencial do programa para se
tornar uma ferramenta didática a ser utilizada para destacar as produções dos anos 1930 e
1950 (podendo inclusive abordar períodos anteriores a esse) relacionadas ao rádio, ao som, à
canção popular. Ferramenta essa que, portanto, faz uso do próprio meio rádio ao criar um
material didático sonoro que utiliza uma linguagem radiofônica, requalificando o meio – e as
próprias produções de outrora - junto aos jovens como um espaço de prática e reflexão, como
detalharemos nos exemplos a seguir.
3. Conte uma Canção – especiais da Era do Rádio: Roberto Paiva, Ester de Abreu e
Segunda Guerra Mundial
Além da produção desenvolvida por bolsistas e voluntários, a proposta dos especiais
do Conte uma Canção destaca, desde o seu início em 2011 através da disciplina Laboratório
de Produção em Rádio e a cada semestre, um nome importante dos anos 1930 a 1950. O
objetivo era que as canções de determinado intérprete funcionassem, ao mesmo tempo, como
exemplos que ilustrassem e perpassassem as discussões das diretrizes teóricas (citadas no
início deste texto), mas também como uma imersão na biografia e na trajetória do artista, de
forma a reforçar ainda mais as particularidades do período e, claro, propiciar uma
aproximação e conhecimento por parte dos alunos a esses artistas. Após um ano de projeto,
optou-se ainda pela escolha de uma temática, de modo que essa aproximação também pudesse
ser reforçada não só em torno de um nome, mas também em torno de um assunto celebrado
pelas canções (conforme também exposto nas diretrizes), potencializando ainda mais a
recorrência e o uso às publicações da época.
Sendo assim, no primeiro semestre de 2011, o intérprete trabalhado em sala foi
Roberto Paiva. No segundo semestre de 2011, a cantora luso-brasileira Ester de Abreu e Araci
de Almeida e, neste primeiro semestre de 2012, novamente Araci de Almeida e, como
temática, as canções produzidas em torno da Segunda Guerra Mundial, no ano em que a
entrada oficial do país no conflito completa 70 anos (agosto de 1942).
No caso do trabalho em torno de Roberto Paiva (1921-), o caderno com as 77 letras
transcritas e trabalhadas pelos alunos foi revisado pelo próprio intérprete. Foram produzidos
cerca de 30 programas. Analisando mais de perto a obra de Paiva, que cresceu em Vila Isabel,
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pôde-se constatar sua influência e admiração pela obra de Noel Rosa, desde a primeira música
por ele gravada, “Último samba”, de Laurindo de Almeida, uma homenagem ao Poeta da Vila
com direito à incidental “Silêncio de um minuto”, do próprio Noel, até a produção de dois
álbuns que congregam os sambas que marcaram a polêmica entre Noel Rosa e Wilson Batista,
lançados em 1956 e 1974 com, respectivamente, Francisco Egídio e Jorge Veiga cantando as
músicas de Batista.
Também foram discutidos os 55 anos de um álbum que é um divisor de águas ao
colocar Paiva, um nome da geração do rádio, cantando os primeiros sambas da parceria Tom
Jobim-Vinicius de Moraes, ícones da Bossa-Nova que ali se forjava no disco da peça teatral
de “Orfeu da Conceição”. Paiva, que após quase 15 anos, retornava à sua primeira casa, a
Odeon, foi enviado pelo diretor artístico e ex-Bando da Lua, Aloysio de Oliveira, para ir até
um endereço de Ipanema: Rua Nascimento Silva, 107. Ali estava morando um pianista e
arranjador, parceiro de Newton Mendonça e Billy Blanco em alguns trabalhos, um certo
Antônio Carlos Jobim. Ele estava terminando uma série de “sambinhas” que fizera com um
novo parceiro, Vinicius de Moraes – já famoso na roda da poesia, do cinema e do próprio
rádio – para o espetáculo “Orfeu da Conceição”. Era uma adaptação aos morros cariocas do
célebre mito grego de Orfeu, que estrearia a 25 de setembro de 1956, com cenários de Oscar
Niemeyer. Gravada no sistema Hi-fi, em LP, a solução técnica acabou por desagradar a Paiva,
que gostaria de ter lançado imediatamente - e no então formato mais popular de 78 RPM - Se
todos fossem iguais a você. Para desgosto maior do artista, em pouco tempo a música já
estava entre as mais gravadas nesse formato por outros intérpretes (TEIXEIRA, 2011).
Também se constatou uma série de canções interpretadas por Paiva que remetem a
relatos sobre a fidelidade dos amigos, como “É natural” (Augusto Garcez e Estanislau Silva),
“Marcha do conselho” (Paquito e Romeu Gentil), “Não acredito” (Ari Monteiro e José
Batista) e “Noite de reis” (de Curi e Maffia, na versão de Virgínia Amorim). Sua participação
em programa ao vivo por telefone de sua residência no Rio de Janeiro, desenvolvido pelos
alunos e que encerrou a disciplina no primeiro semestre de 2011 garantiu o pico da audiência
da emissora UFMG Educativa na internet em 29 de junho do ano passado.
No caso de Ester de Abreu (1921-1997), o caderno de 100 letras está em fase de
revisão pela sra. Antônia Lúcia de Morais, moradora de Vespasiano, cidade da região
metropolitana de Belo Horizonte. Dona Antônia, como prefere ser chamada, procurou o
projeto para ajudá-la a desenvolver o próprio trabalho que faz sobre a intérprete Ester de
Abreu. Fã e detentora de impressionante acervo da intérprete, Antônia ainda se dispôs a
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participar da disciplina ao longo de oito aulas no segundo semestre de 2011 comentando as
letras transcritas pelos alunos com informações sobre a biografia da cantora, que incluíam a
sua vivência como ouvinte de rádio. Destarte, as produções deste especial refletiram não só o
universo das canções, mas também a biografia de Ester, como a evidente relação entre Brasil
e Portugal que promovia em canções como em “Ai, ai Portugal” (Humberto Teixeira e Luiz
Gonzaga), “Cabral no Carnaval” (Blecaute), “Moreninha de Lisboa” (dueto com Francisco
Carlos, de Irani de Oliveira e William Duba) e “Mambo em Lisboa” (Júlio Dantas);
participações e influências no e do cinema, como em “Samba no Havaí” (Irany de Oliveira e
Bruno Marnet, da chanchada “Vamos com Calma”) e nas versões para as faixas principais dos
filmes “Baião de Ana” (Roman Vatro e Franco Giordano, versão de Caribé da Rocha para o
filme “Anna”), “Marcelino, Pão e Vinho” (Sorozabal e Sanchez Silva, versão de Ribeiro Filho
para o filme homônimo); “Que Será, Será” (Jay Livingston, Ray Evans, na versão Rui Rei
para o filme “O homem que sabia demais”), “Volta ao mundo” (Harold Adamson e Victor
Young, na versão de Ribeiro Filho para o filme “A volta ao mundo em 80 dias”), além de seu
principal universo de interpretação, que incluía muitos clássicos do fado, em especial e
incrível quantidade aqueles que eram a própria “cápsula de memória” da cantora por se
referirem à sua Lisboa natal, como “Ai, Mouraria” (Frederico Valério e Amadeu do Vale),
“Canção da Madragoa” (Raul Ferrão, José Galhardo e Vasco Sant’Anna), “Canção do
imigrante” (Irani de Oliveira e Lourival Faissal), “Canoas do Tejo” (Frederico de Brito),
“Cheira Bem, Cheira Lisboa” (Carlos Dias e César de Oliveira), “Lisboa” (Raul Ferrão e José
Galhardo), “Lisboa à noite” (Carlos Dias e Fernando Santos), “Lisboa antiga” (José Galhardo,
Amadeu do Vale e Raul Portela), “Lisboa não seja francesa” (José Galhardo e Raul Ferrão),
“Mas sou fadista” (Artur Ribeiro, Max e Ferrer Trindade), “Recado a Lisboa” (João Villaret e
Artur Ribeiro), “Rua do Capelão” (Frederico Valério e João Bastos) e “Sempre que Lisboa
canta” (João Nobre).
Por fim, a partir das discussões suscitadas em torno da relação entre ouvintes e o rádio,
incluiu-se a própria relação entre Dona Antônia e Ester de Abreu, peculiar desde o início:
Antônia, curiosamente, primeiro conheceu Ester de Abreu como leitora das revistas de rádio
pois, impressionada pela beleza da cantora e dos vestidos que trajava, buscava inspiração para
produzir e costurar versões menores dos mesmos para suas bonecas. A partir daí é que
começou a ouvir a Ester intérprete, aumentando o seu interesse pela cantora luso-brasileira.
Com a parceria estabelecida com os alunos da disciplina e a produção dos cerca de 50
programas Conte uma Canção especiais sobre Ester de Abreu, a sra. Antônia conseguiu, no
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início deste ano, ter seu projeto aprovado na lei municipal de incentivo da prefeitura daquela
cidade para efetivar a publicação de um almejado livro sobre a intérprete.
Naquele semestre também teve início a transcrição e produção de um caderno de mais
de 200 letras da intérprete Araci de Almeida (1914-1988), processo que teve continuidade e
vislumbra possível conclusão agora em 2012, sem maior ênfase, no momento, na produção de
programas.
Também em 2012, como assinalado, a abordagem também foi temática em torno das
canções produzidas no período da Segunda Guerra Mundial, em especial a partir de 1942, ano
em que o Brasil entra oficialmente no conflito contra o Eixo. Até o momento foram
produzidos 55 programas e detectadas muitas peculiaridades, como canções ufanistas e
patrióticas (“Mocidade feliz”, por Francisco Alves, de Carlos Maul e Martinez Grau e “Pátria
irmã”, por Carlos Galhardo, de Francisco Cannaro, Ivo Palayo, versão de Osvaldo Santiago)
passando por aquelas que fazem uma espécie de apresentação do Brasil ao mundo (“Brasil
usina do mundo”, por Déo, de João de Barro e Alcir Pires Vermelho e “Só vindo ao Brasil pra
ver”, por Francisco Alves, de Arlindo Marques Júnior e Roberto Roberti), além do esforço de
guerra dos soldados (“A carta”, por Orlando Silva, de Custódio Mesquita, “Canção do
Expedicionário”, por Francisco Alves, de Guilherme de Almeida e Spartaco Rossi e “Mulato
patriota”, pelos Anjos do Inferno, de David Nasser e J. Batista) e crônicas urbanas da guerra
(“Blecaute”, por Gilberto Alves, de A.F. Silva e Geraldo Augusto e “Comício em
Mangueira”, por Carlos Galhardo, de Germano Augusto e Wilson Batista) até chegar a
verdadeiras caricaturas sonoras dos líderes de países do Eixo como o imperador Hiroito
(“Chupando um pirulito”, por Linda Batista, de Cristóvão de Alencar e Benedito Lacerda) e
Hitler (“Adolfito Mata Mouros”, por Orlando Silva, de Alberto Ribeiro e João de Barro e
“Abaixa o braço”, por Ataulfo Alves, de Elpídio Viana e Nelson Trigueiro).
Por fim, ressalto a integração desta proposta em ações de extensão importantes ligadas
à difusão sonora da música popular brasileira, como a produção de programas radiofônicos
relacionados aos intérpretes para a rádio universitária da UFMG e sua possível e posterior
replicação, via download creditado dos programas, em emissoras públicas e privadas, bem
como a articulação de todo o projeto na dimensão não só de sua pesquisa, mas também ensino
(a disciplina Produção em Rádio no curso de Jornalismo do DCS/UFMG) e extensão. Nesse
aspecto, incluiria ainda um último exemplo: o formato do programa também foi utilizado com
sucesso em março de 2012 numa parceria do GrisSom e o curso de Formação Intercultural de
Educadores Indígenas da Faculdade de Educação da UFMG numa oficina de rádio em que
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indígenas das etnias Xakriabá, Pataxó e Tupiniquim puderam ter noções introdutórias de
produção, locução e montagem do programa de rádio, sendo responsáveis também pelo
registro e gravação das músicas (que eles próprios cantaram), uma vez que os Xacriabá, por
exemplo, estão em processo de consolidação de uma emissora que possa integrar suas aldeias,
muitas delas dispersas por quilômetros entre si.
Por fim, destaco ainda o caráter transdisciplinar desta proposta e sua abertura à
evidente cumplicidade com professores e/ou pesquisadores de temáticas relacionadas à
história do jornalismo, radiojornalismo, jornalismo e novas mídias, além de outras áreas,
como, notadamente, História, Música e Sociologia – cumplicidade confirmada pelas parcerias
estabelecidas com a rádio UFMG Educativa e com a presença de historiadores, músicos ou
meros apreciadores nas discussões quinzenais da pesquisa.
Abaixo os links diretos dos resultados de busca (search) no site Soundcloud para os
programas dos artistas e temáticas citadas:
Roberto Paiva
http://soundcloud.com/search?q[fulltext]=Roberto+Paiva
Ester de Abreu
http://soundcloud.com/search?q[fulltext]=ester+de+abreu
Especial FIEI – Conte uma Canção indígena
http://soundcloud.com/elizamar-xakriaba
Segunda Guerra Mundial
(Postagem prevista dos 55 programas a partir de 11 de junho)
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GT 01_Nísio Teixeira - Curso de Música