Imagens
&
memórias
República
A primeira
no concelho
de
Viana do Alentejo
Francisco José Baião
Introdução
Ficha técnica
Recolha fotográfica, textos e concepção gráfica: Francisco José Baião
Recolha de dados e revisão final: Joana Margarida Baião
Tratamento de imagem: Jerónimo Heitor Coelho
Impressão e acabamentos: Milideias, comunicação visual, Lda
Editor: Câmara Municipal de Viana do Alentejo
Tiragem: 260 exemplares
ISBN 978-989-95943-1-9
Depósito Legal
Setembro de 2010
Exposição
Produção: Câmara Municipal de Viana do Alentejo
Concepção e coordenação: Francisco José Baião
Ampliações fotográficas: J.B.Photo Lda
Concepção do dispositivo expositor: Manuel José Baião
Agradecimentos: Juntas de Freguesia de Aguiar, Alcáçovas e Viana do Alentejo, pela
cedência dos espaços.
Câmara Municipal de
Viana do Alentejo
Ao cumprirem-se cem anos
sobre a data da implantação da
República em Portugal, entendeu
a Câmara Municipal de Viana do
Alentejo aderir ao programa nacional de comemorações que assinalam a efeméride. Acedendo
ao convite da autarquia para integrar o grupo incumbido de promover as iniciativas locais, propus a
realização de uma exposição fotográfica e documental, onde fosse possível ao visitante entrever
um pouco a forma como se vivia,
há um século atrás, no nosso concelho. Aceite o projecto, à medida
que se recolhiam e tratavam materiais foram surgindo pequenas
histórias que se transformaram
em textos, alguns demasiado extensos para integrarem o espaço
expositivo. Mas o seu interesse
reclamava a sua divulgação, motivo pelo qual surge este pequeno
catálogo.
Duas advertências haverá que
fazer, contudo, ao seu leitor. A colecção de fotografias antigas que
serve de base a este projecto é
essencialmente de Viana do Alentejo, minha terra natal e fulcro natural da minha atenção. Daí a centralidade que a sede do concelho
possa aqui apresentar, apesar do
esforço feito para que a exposição
e o catálogo apresentem algum
equilíbrio entre freguesias. Por
outro lado, não tem esta pequena brochura quaisquer veleidades
de se constituir como uma história
da 1ª República no concelho de
Viana do Alentejo. Esse trabalho
está por fazer, requerendo ciência e habilidade de competente
oficial do ofício… Este livrinho é
apenas o que é: uma singela recolha de fragmentos de episódios
e vivências que envolveram os
nossos avós e bisavós, ocorridos
ao longo das três primeiras décadas do século XX, apresentados
de forma cronológica, com preocupações mínimas, mas ainda
assim rigorosas, de contextualização histórica. Como fontes
privilegiadas de informação, para
além das orais (infelizmente já
em segundas ou mais mãos…),
recorremos a alguma da documentação existente no Arquivo
Histórico da Câmara Municipal
de Viana do Alentejo, a jornais
nacionais, regionais e locais, e às
poucas publicações que tratam
sobre o nosso concelho.
Alguns agradecimentos devem aqui ser inscritos: ao actual
executivo municipal, pronto no
acolhimento a este projecto. À
D.Teresa Salsinha Fonseca, de
Aguiar, pela história do seu avô
Magalhoa. Ao Nuno Grave, pelo
apoio em Alcáçovas. Ao António
“Beijinho”, fonte inesgotável e
credível de memórias do seu tempo e de outros tempos que não
foram o seu. À minha filha Joana,
pelo auxílio continuado e recolha
de dados na Biblioteca Nacional.
Enfim, a todos os meus conterrâneos e amigos, muitos, que ao
longo dos anos me têm cedido as
suas velhas fotografias, pedaços
inestimáveis de memórias pessoais e familiares, agora metamorfoseadas pela acção do tempo
em memórias de todos nós.
Francisco José Baião
5|10| 2010 |
1900|1910
Castelo de Viana do Alentejo.
Aguarela. Roque Gameiro, 1922
Casa dos Patudos - Museu de Alpiarça.
Os tempos afiguravam-se
auspiciosos para o Concelho de
Vianna do Alemtejo na entrada
do século XX. Ao isolamento milenar opunham-se agora as chegadas do comboio e do telégrafo,
ligando-nos a Lisboa e, através
dela, a todo o Mundo. Apesar da
autonomia municipal ter sido interrompida em 1895, por decreto
de João Franco, três anos depois seria restabelecida, a 13 de
Janeiro de 1898, por via da acção
política promovida pelo médico
veterinário António Isidoro de
Sousa. Também a este ilustre
vianense se deviam, já em 1900,
grande parte das iniciativas de
desenvolvimento então em curso. A União Vinícola e Oleícola
do Sul (porventura a primeira cooperativa agrícola portuguesa),
a Escola Industrial de Desenho
Médico Sousa, a Oficina de Cerâmica, a divisão das herdades
do Montinho e Cega-Gatos em
pequenas glebas (posteriormente
vendidas em condições muito favoráveis a pequenos agricultores
locais), o Viveiro, a Caixa Económica Operária, a Loja do Povo,
todos estes projectos pretendiam
colocar Viana do Alentejo na rota
do progresso, agora que um novo
século se avizinhava.
Monárquico e católico,
António Isidoro de Sousa teve
em José Fernando de Sousa,
seu irmão, o intermediário indispensável junto das estâncias
centrais do poder político. Nascido em Viana mas residente em
Lisboa, antigo tenente-coronel
do exército, José Fernando de
Sousa foi também engenheiro e
quadro superior dos Caminhos-de-ferro, jornalista e conselheiro
de Estado. A propósito do alcance social da obra de António Isidoro de Sousa, um projecto que
hoje designaríamos de “desenvolvimento integrado”, escreveu
Joaquim dos Reis Branco num
artigo publicado no jornal local “O
Transtagano”, em 20 de Setembro de 1929:
Largo da Officina de Cerâmica,
o edifício alto à direita
e chafariz dos Escudeiros,
c. 1910.
| 1900 |
“Aqui está pois como Isidoro de Sousa encarava os problemas sociaes,
fornecendo ao seu povo todo o apoio moral e intelectual, com o fim de
o tornar livre, procurando o seu bem-estar e fornecendo-lhe os dois
elementos necessários: água e terra, faltando apenas o Sol, esse astro
que nos ilumina de que o mesmo era portador, devido à sua inteligência
de espírito que por muitos anos iluminou a sua terra natal”.
REPUBLICA
5
| 1910 |
Garrafa de Vinho Xarrama,
produzido e engarrafado pela
Cooperativa União Vinícola e
Oleícola do Sul,
de Viana do Alentejo
Subitamente, a partir
de 1904, todo este admirável
mundo novo começou precocemente a desabar. … Queda no
preço do vinho, surto de doenças vitícolas, desinteresse e falta
de cumprimento das promessas
do governo no financiamento à
cooperativa, as próprias contradições internas e interesses
opostos entre os participantes
nos diversos projectos, tudo
isto contribuiu para o desmoronar do sonho. Tendo chegado a
exportar vinho engarrafado para
o Brasil, a União Vinícola deixa
de o produzir a partir de 1905.
O Viveiro é arrendado, em 1907,
a um pequeno agricultor, por 80
mil réis anuais. As instalações da
Adega Social, junto à Estação
de Caminhos-de-ferro de Viana,
consideradas modelares, são
vendidas pelo Estado, em 1911,
pela quantia de 237$150.
É pois a um concelho vivendo um clima de algum
desencanto que, em Outubro
de 1910, chega a República,
imposta pela via revolucionária em Lisboa, pelo telégrafo na
província… Os republicanos não
O professor Augusto Alberto Sanches
com um grupo de alunos, na escola da
Casa Pia, em Viana do Alentejo, c.1900.
Republicano, será mais tarde
vereador da Câmara Municipal.
6 REPUBLICA
estavam organizados, em Viana
do Alentejo, aquando da revolução de 5 de Outubro, ao contrário
do que acontecia em Alcáçovas,
onde já dispunham de algumas
estruturas, pelo menos desde
Março de 1908. A ideia da República tinha, contudo, alguns seguidores de longa data em Viana, tal
como nos dá notícia o jornal “O
Mundo”, de 1 de Maio de 1911:
“É simples fazer a história políticorepublicana de Vianna. (…) Há
entretanto um homem que, apesar
de afastado agora de Vianna,
não deve ser esquecido: José
Francisco de Moraes, operário
rolheiro. A sua tenaz propaganda
cria alguns prosélitos, que
devotadamente trabalham em
favor da causa, e, mais, tarde,
esse trabalho é secundado por
José António Direitinho, que reúne
em sua casa alguns elementos
como Francisco Manuel Silveiro,
Manuel Rosado Pereira, José
António Duarte, João de Oliveira e
outros, os quais decidem concorrer
às eleições de 5 de Abril de
1908, obtendo 47 votos. Nessa
eleição ainda os defensores do
antigo regime se propunham a
dar 50 votos aos franquistas [os
partidários de João Franco]! Vem
finalmente a eleição de 28 de
Agosto e o governo de Teixeira
de Sousa engoda os vianenses
com 500$000 réis para ocorrer às
despesas de construção de uma
escola, pois que a antiga ficara
quasi destruída pelo terramoto de
1909, com a promessa de mais
1.000$000 réis para o mesmo
fim e ainda com a nomeação
definitiva do distincto professor
Augusto Alberto Sanches, que
regia temporariamente a aula e
para a conservação do qual, os
elementos liberais de Vianna se
interessavam absolutamente. De
nada serviu, porém, o engodo, pois
os republicanos nessas eleições
conseguiram afirmar-se com 79
votos.”
O Núcleo Alcaçovense de Instrução
A criação deste núcleo
tinha sido precedida, estamos em
crer que ainda em anos finais do
século XIX, pelo “Gabinete de
Instrução Popular”, que esteve
instalado numas casas da Rua
dos Sevilhanos. Os mentores
e fundadores deste “Gabinete”
foram José António do Carmo,
Feliciano Paiva e Alberto Batista (os dois primeiros serão, depois
de 5 de Outubro e durante longos
anos, vereadores da Câmara).
Estas escolas populares serviam
muitas vezes de pretexto para a
disseminação das ideias republicanas, pelo que os monárquicos e
o seu regime não as viam, obviamente, com bons olhos. Este
Gabinete acabou mesmo por ser
encerrado, alvo da perseguição
de algumas forças políticas locais
e do Administrador do Concelho.
De tudo isto nos dava notícia o
jornal republicano “O Mundo”, na
sua edição de 3 de Maio de 1911:
“Dessa guerra geral à instrução
sofreu Alcáçovas os seus duros
efeitos. Havia cinco annos que
o ensino estava aqui, por assim
dizer, abandonado. O professor,
durante esse lapso de tempo, nem
sequer um alumno, para amostra,
levara a exame. Perante tamanho
atentado contra uma geração que
se estiolava, foi lançada a ideia de
um “Gabinete de Instrução Popular”, e, reunidos para tal fim, em
casa de José António do Carmo,
uns catorze cidadãos, assentou-se na fundação de uma escola,
na qual, por falta de recursos, se
prestaram desde logo a prestar
o ensino os próprios sócios do
grupo. E assim se fez. Feliciano
Paiva e Alberto Baptista roubavam
ao seu trabalho algumas horas
REPUBLICA
7
O grupo fundador
do Núcleo Alcaçovense da
Liga Portuguesa de Instrução.
c.1908
| 1910 |
O padre Joaquim Pedro d’Alcântara
pároco de Alcáçovas, monárquico, um
dos fundadores da Sociedade União
Alcaçovense, viu-se no final da sua vida
( faleceu em 1911) alvo de críticas dos
republicanos daquela Vila.
| 1910 |
de dia, para ensinarem as pobres
crianças; à noite, os outros doze
apóstolos prosseguiam na faina
encetada pelos dois colegas. Algumas dedicações, umas sinceras,
outras especulativas, secundaram
o esforço benemérito dos agrupados. No número das sinceras pode
contar-se a do sr. conde da Esperança que gratuitamente cedeu
uma casa na Rua dos Sevilhanos;
no número das especulativas
figurava a do padre Alcântara,
oferecendo o mobiliário da escola
da antiga junta de parochia e o
seu talento para a elaboração dos
estatutos do Gabinete, confiado
em que a obra não progrediria e
que ella serviria até para que os
republicanos nella integrados se
envolvessem à bulha e…fosse
uma vez…o partido da democracia em Alcáçovas. Mas porque os
jesuíticos cálculos lhe falhassem,
visto que a escola do Gabinete
começava de engrandecer-se,
dando profícuos resultados, padre
Alcântara conluiado com o seu
reverendíssimo colega António
dos Santos Coelho, secretário do
seráfico ex-bispo de Beja, e então
administrador do concelho de Vianna do Alemtejo, principiou movendo combate acérrimo ao “Gabinete
Alcaçovense de Leitura e Instrução
Popular”.
Assim, e sob o fundamento de que
não eram diplomados os indivíduos que se entregavam à missão
carinhosa e bemfazeja de dar luz
ao cérebro das criancinhas, foram
intimados Feliciano Paiva e Alberto
Baptista, por meio de contra-fés,
emanadas da administração de
Vianna, a encerrar imediatamente
a escola! Representavam a força
e…venceram! Não esmoreceram,
porém, os audazes paladinos da
instrução e, apenas fundada a
Liga Nacional, estabeleceram acto
contínuo, e de acordo com a direcção da mesma, o Núcleo a que
a digna e distinctamente preside
Alberto Baptista e cujos serviços
seria ocioso estar a encarecer.
Novas dedicações surgiram, entre
as quais é justo consignar a do sr.
José Braamcamp de Mattos que
fez a cedência da casa, onde se
encontra actualmente instalado o
Núcleo, e a do illustre professor e
nosso querido correligionário Pedro
José Teixeira, o qual apesar de
afastado actualmente de Alcáçovas, ainda conserva perduráveis o
seu nome e os seus esforços no
coração de todos os bons cidadãos
alcaçovenses. De nada valeram
as perseguições do clericalismo.
Outros poderes mais altos se alevantaram.”
A Liga Nacional de Instrucção,
a que atrás se faz referencia, teve
fundação nacional em 1907, sendo provável que a sua delegação
das Alcáçovas, também conhecida por Núcleo Alcaçovense de
Instrucção, tivesse nascido ainda nesse ano ou no ano seguinte.
Certo é que em 1909 celebrou,
pela primeira vez, a “Festa da
Árvore”, iniciativa que associava
o culto da árvore a outros valores
centrais do republicanismo, como
a fraternidade, a educação e o
culto da pátria. A acta da sessão
da Câmara de 28 de Janeiro de
1909 mandava:
“Agradecer ao Núcleo Alcaçovense
o seu convite [para a Festa da
Árvore] e pede ao Snr. Vice-
Presidente, para que se digne
representar a Câmara n’aquella
festa, ao que S. Exª de bom grado
aceitou”.
De referir ainda a figura
do professor da instrução primária Pedro José Teixeira que,
pelas suas ideias republicanas,
se viu afastado do ensino em
Alcáçovas. Foi reintegrado, já
depois da implantação do novo
regime, como nos dá conta uma
pequena notícia publicada em 9
de Novembro de 1910, no jornal
“O Século”:
“O antigo professor interino da
escola da freguesia de Alcáçovas,
sr. Pedro José Teixeira, afastado
daquele lugar por violentas
perseguições do extinto regime,
foi provido no mesmo cargo,
provisoriamente, até que tenha
colocação efectiva noutra
escola. Ser-lhe-ão abonados os
vencimentos de diferença entre a
sua pretérita situação e a actual.”
Orientando a sua propaganda para o incremento do associativismo e do municipalismo,
é natural que o ideário republicano fosse caro às gentes das Alcáçovas, que veriam nele o meio
O professor Pedro José Teixeira.
Republicano, foi afastado de Alcáçovas
antes de 5 de Outubro. Depois da
revolução foi reintegrado.
| 1910 |
O concelho de Viana do
Alentejo já tinha
instrução primária
desde os finais do
século XIX.
O antigo Largo de S. Sebastião,
num bilhete postal de inícios do século
XX. Nesta altura já tinha começado
a ser urbanizado.
8 REPUBLICA
REPUBLICA
9
para a recuperação do concelho
perdido em 6 de Novembro de
1836. Esta hipótese é corroborada pela leitura de uma pequena
notícia local, publicada no jornal
“O Século” de 7 de Dezembro de
1910:
| 1910 |
“Alcáçovas, 5 – Prepara-se,
nesta vila, uma excursão a
Lisboa, a fim de cumprimentar o
governo provisório da República
e expressar-lhe a homenagem
e congratulação deste povo,
pela obra prodigiosa de reforma
e saneamento moral que está
realizando, especializando o ilustre
ministro da justiça, e bem assim
para solicitar que, nas novas
reforma e divisão administrativa,
esta importante, populosa e
riquíssima freguesia fique, quanto
possível, autónoma, para o que
tem suficientes recursos.
Esta excursão é organizada por
uma comissão de que fazem parte
os srs. dr. Joaquim Júlio Cutileiro,
José Manuel d’Assunção e João
Garcia Santos, que envidam
todos os esforços para que ela
revista o maior brilho e mostre,
bem claramente, quanto este povo
se sente feliz e satisfeito com a
mudança de instituições e quanto
ama a liberdade.”
A última
Vereação Monárquica
José Manuel d’Assumpção
veterinário e republicano, foi eleito vicepresidente da Câmara, pela freguesia de
Alcáçovas, em 1908.
A Câmara Municipal instalavase, à época, na Praça do Município, actual Praça da República,
no edifício onde hoje se encontra
a Biblioteca Municipal. Partilhava
o espaço do primeiro andar com
o tribunal, cuja sala de sessões
ocupava o local, mais coisa menos coisa, onde agora está a sala
de leitura. A última reunião do
executivo municipal “monárquico”, realizada em 30 de Setembro de 1910, não deixa entrever
os acontecimentos que em breve iriam alterar o viver político
do País. Empossada em sessão
de 5 de Janeiro de 1910, a vereação era composta por Joaquim Maria dos Santos Carvalho, presidente, José Manuel
d’Assumpção,vice-presidente
e pelos vereadores António de
Sousa Faria e Melo, Francisco
Lúcio Máximo, Joaquim Lopes
e substituto José Luís Vasques
Fadista. A Administração do
Concelho, cargo de escolha e
10 REPUBLICA
confiança do governo, uma espécie de representante local do
poder central, estava então entregue ao Dr. José da Conceição
de Carvalho.
José Manuel d’Assumpção,
republicano e anti-clerical, era
médico veterinário e residia
em Alcáçovas, vila e freguesia
que representava na vereação
vianense. Recordemos que os
partidários da República tinham
feito eleger alguns dos seus
candidatos nas eleições de 1
de Novembro de 1908, tendo
mesmo logrado ganhar algumas
Câmaras, como a de Lisboa, a
de Lagos ou a de Aldeia Galega
(actual Montijo). Dotado de grande capacidade intelectual e política, tudo indica que José Manuel
d’Assumpção contava, apesar
de republicano, com a confiança
dos restantes membros da vereação de maioria monárquica. O
vice-presidente Assumpção não
participou, contudo, nesta última
reunião do executivo. Na sessão
de 1 de Setembro desse mesmo
mês, tinha pedido a sua substituição temporária:
“Conceder a licença que pede o
Senr. Vereador Assumpção para
se ausentar do concelho, até 5 de
Outubro próximo, officiando-se ao
vereador substituto para suprir a
sua falta”
Fica-nos a forte convicção
de que, conhecedor da revolta
que se preparava, presumivelmente membro da Carbonária,
José Manuel d’Assumpção poderá ter passado todo o mês de
Setembro em Lisboa, ajudando
a preparar – sendo possível que
até nela tenha participado – a
revolução republicana. Simbólica é, sem dúvida, a data em que
conta voltar a assumir as suas
funções na vice-presidência da
autarquia: 5 de Outubro!...
Voltemos então à última
sessão da Câmara:
“Sessão extraordinária em 30 de
setembro de 1910. Pelas doze horas do dia o Senr. Presidente abrio
a sessão estando presentes os
Senr.es Veredaores Souza Mello
e António Lopes, faltando justificadamente os Senr.es Vereadores
substitutos João Cabral e Vasques
Fadista.
Assistio à sessão o Snr. Administrador do Concelho Júlio Victor
Machado.
Expediente e deliberações.
Lida, approvada e assignada a
acta da sessão anterior. Como fora
resolvido na sessão d’hontem a
Câmara reúne hoje extraordinariamente para auctorizar defferentes despezas geraes, da importância de 313,185 reis, representada
pelas ordens de pagamento nºs
REPUBLICA
11
A antiga Praça do Município,
agora da República, nos inícios do
século XX. À esquerda o edifício da
Caixa Económica Operária e da Loja do
Povo, inaugurado em Janeiro de 1900.
| 1910 |
| 1910 |
O Largo Alexandre Herculano
recebeu este nome em Abril de 1910, no
âmbito das comemorações locais do
1º centenário do nascimento do escritor.
À direita o antigo coreto de madeira,
desmontável, substituído em 1929
pelo actual.
249 a 270, viação, ordem nº 271 da
importancia de 7.800 reis, e assistir
ao pagamento dos expostos maiores e menores de 7 annos e outros
subsidiados, vendo se o estado
das respectivas crianças é bom.
Sem outro assumpto mais foi
levantada a sessão à uma hora da
tarde, de que se lavrou a presente acta que eu, Eduardo Máximo
Fragozo, Secretario da Câmara,
subscrevi, tendo a submettido em
minuta à approvação e assignatura
dos vereadores presentes.”
de leite, que recebia, para a criar,
uma determinada verba mensal.
Na acta da sessão de 15 de
Setembro de 1910 pode ler-se:
Estas sessões extraordinárias do Município nada
tinham, realmente, de extraordinário. Durante o ano havia várias,
sendo que se destinavam a que
os vereadores assistissem ao
pagamento dos subsídios que
eram entregues para ajuda da
criação de menores, expostos ou
não. Esta era, de resto, uma das
principais atribuições sociais das
Câmaras de há cem anos: tomar
conhecimento dos “expostos”,
isto é, dos recém nascidos deixados anonimamente, no escuro
da noite, à porta de alguém, que
depois os recolhia e entregava
à Câmara. Esta, por sua vez,
entregava a criança a uma ama
Também as famílias pobres podiam solicitar um subsídio mensal para ajudar a criar os
seus filhos. Na sessão de 23 de
Janeiro de 1911, a Câmara decide:
12 REPUBLICA
“Tomar conhecimento da exposição
d’uma creança do sexo masculino,
que recebeu o nome de Manuel,
effectuada pelas doze horas da
noite do dia 1 do presente mez,
à porta da casa da residência de
Joanna da Encarnação Figueira na
rua do Reitor Cruz d’esta villa.”
essenciais, iluminação pública,
fornecimento de água em quantidade e qualidade razoáveis,
conservação de estradas e caminhos, entre muitos outros –, a
grande preocupação da Câmara
de Viana do Alentejo era a construção de uma nova escola para
o ensino elementar, na sede do
Concelho, para crianças do sexo
masculino. A vila das Alcáçovas
já tinha esse problema em grande parte resolvido, desde 1890,
apenas com a chegada da República ela se concretizou, com a
construção da Escola de S. João,
concluída em 1912. Foi porém na
então aldeia de Aguiar, anexada à
freguesia de Viana, que o problema do ensino demorou mais
tempo a ser resolvido (na verdade, apenas em meados do século
XX, em pleno Estado Novo, com
a construção da Escola do Centenário), pois os concursos para
professor naquele povoado fica-
com a construção da escola feminina e masculina no Rocio de S.
Sebastião, rebaptizado, em Abril
desse mesmo ano de 1910 e no
âmbito das comemorações locais
do centenário do nascimento
de Alexandre Herculano, com o
nome do escritor. Desde 1898
que a Câmara vinha fazendo
constantes diligências, junto do
poder central, no sentido de ver
realizada essa aspiração, mas
vam frequentemente desertos.
Na acta da sessão camarária de
25 de Março de 1912, pode lerse:
| 1912 |
“Conceder o subsídio de lactação
que pede Maria Simôa, viúva de
José Merca, natural d’Alcáçovas,
para seu filho de nome Francisco e
de 1 mez de idade, sendo a mensalidade de 1300 reis, pelo tempo
de 9 mezes a começar em fevereiro próximo, visto a sua provada
pobreza e recente viuvez.”
Para além dos assuntos correntes – tabelamento dos
preços dos produtos alimentares
“Representar ao Ex.mo Ministro
do Interior pedindo que nomeie
interinamente uma professora para
a Escola mixta da freguezia de
Aguiar, visto terem ficado desertos os concursos abertos para
provimento definitivo do logar de
professora da mesma Escola.”
REPUBLICA
13
Tendo começado a funcionar em 1912,
a construção da Escola de S. João
obrigou a Câmara a contratar um
empréstimo de 3.500$00 (cerca de
17,5€), junto da C.G.D., amortizável
em 15 anos. O gradeamento em ferro
custou mais 350$00.
O Cinco de Outubro no Concelho
Remetidas para o lar,
às mulheres estava praticamente
interdita a vida política. Na foto,
um grupo de senhoras de Viana, c.1910.
À direita, Maria da Gloria, mais tarde
esposa do sapateiro
Joaquim Figueira.
| 1910 |
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As notícias dos acontecimentos revolucionários que
começaram a agitar Lisboa a
partir da uma hora da madrugada
do dia 4 de Outubro terão certamente chegado ao nosso concelho ainda no mesmo dia, por
telégrafo ou mesmo pelo correio.
Por esse tempo, uma carta colocada de manhã em Lisboa, era
distribuída em Viana à noite…do
mesmo dia. Pelo que nem sempre
o evoluir dos tempos pressupõe,
Professora era uma das poucas
profissões que se aceitavam para a
mulher instruída. Na fotografia, turma feminina de 1910 da Escola de Alcáçovas.
14 REPUBLICA
como seria de esperar, a simultânea evolução da qualidade dos
serviços…
Não sabemos como
foi aqui vivido e sentido, pelos
nossos bisavós e avós, o dia 5 de
Outubro de 1910. Muito provavelmente sem muita surpresa e
interesse, já que a queda do regime monárquico se vinha desde
há muito fazendo anunciar, sendo
certo que apenas uma minoria da
população se preocuparia com a
política ou prosseguiria o ideal
republicano.
Taxas altas de analfabetismo caracterizavam a sociedade portuguesa de inícios do
século XX, o município de Viana
do Alentejo não era excepção. O
analfabetismo atingia principalmente as mulheres, que se viam,
na sua esmagadora maioria,
afastadas dos processos de intervenção cívica e política. Entre
nós, à mulher estava reservada a
casa e, nas classes sociais mais
desfavorecidas, o emprego sazonal na agricultura. Em 1911 as
mulheres adquiriram o direito de
trabalhar na função pública, mas
na prática e em meios fechados e
ruralizados como o nosso, esses
empregos continuaram apenas
no domínio dos homens.
A Comissão Municipal Republicana
Em 10 de Outubro de
1910 reuniu-se, pela primeira
vez, uma Comissão Municipal
Republicana, que veio substituir a vereação anterior. Pelo
seu interesse transcrevemos, na
íntegra, a acta da sua primeira
sessão de trabalho:
“Governo Provisorio da Republica
Sessão da constituição e posse da
commissão municipal
Republicana do concelho de Vianna do Alentejo.
Aos dez dias do mez de
outubro de mil novecentos e dez,
pelas onze horas da manhã, n’esta
villa de Vianna do Alemtejo, Paços
do Concelho e sala das sessões da
Camara Municipal, ahi compareceram os cidadãos Dr Antonio Bento
d’ Araujo, Jose Antonio Direitinho,
Venancio Augusto Ferro, Antonio
dos Santos Peres e Feleciano Dias
Paiva que apresentaram um alvará
do Governador Civil d’ Evora que
eu, Eduardo Maximo Fragoso,
secretario d’esta Camara, li e é do
theor seguinte:
“ Governo Provisorio da Republica
– Governo Civil d’ Evora
- Nomeio os cidadãos: Dr Antonio Bento d’ Araujo, Jose Antonio
Direitinho, Venancio Augusto Ferro,
Antonio dos Santos Peres, Feleciano Dias Paiva para constituirem
a Camara Municipal de Vianna
do Alentejo devendo tomar posse
immediatamente e entrar no exercicio das suas funcções. Governo
Civil d’ Evora, 8 de Outubro de
1910. O Governo Civil, Estevão da
Cunha Pimentel”.
Depois da leitura os ditos cidadãos
nomearam por aclamação, Dr.
Antonio Bento d’ Araujo; Vice Presidente Jose Antonio Direitinho
Constituida assim a Commissão
Administrativa do Municipio de
Vianna do Alentejo e investidos
os seus vereadores na posse dos
respectivos cargos, occuparam
os seus lugares e deliberaram o
seguinte:
- Declarar, perante os cidadãos
que se achavam presentes na
sala das sessões, sob sua palavra
de honra, cumprir fielmente os
deveres dos seus cargos, durante
o tempo que gerirem os negócios
d’este municipio.
- Effectuar as suas sessões ordinarias, até fim do corrente anno, às
quintas feiras, pelas doze horas do
dia onze será publicado por editaes
affixados nos logares do costume.
- Destribuir entre si os pelouros
para os serviços da Camara, os
quaes classificados em grupos
serão assignados pelo Presidente
no fim da presente acta.
- Proceder ao balanço do cofre da
Camara encontrando-se os seguintes valores:
1º Saldo existente n’esta data
1:299.233 reis
2º O duplicado da guia nº 8 que
mostra ter dado entrada na Caixa
Geral de Depositos a quantia de
24.922 reis, para fundo de viação.
3º 99 conhecimentos de foros por
cobrar, dos annos de 1907 a 1910,
importancia total de 53.630 reis.
Saldo e documentos que
continuam a permanecer debaixo
da responsabilidade do actual
thezoureiro, Augusto dos Santos
Carvalho, amanuense d’esta
Camara.
- Addiar por mais quinze dias o
assumpto relativo à construcção
da escola de instrucção primaria
d’esta villa e reparos nos edificios
escolares das Alcáçovas para se
tratar do seguinte:
Officiar ao cidadão Jose de Souza
Faria e Mello Cabral se mantem
a sua offerta do emprestimo para
as obras escolares, nas mesmas
condições.
- Representar ao Governo Provi-
REPUBLICA
15
| 1910 |
A instrução primária
continuou a ser uma das
principais preocupações
do novo executivo
republicano.
Fac-símile da primeira página
da acta da primeira sessão de trabalho
da Comissão Municipal Republicana,
realizada em 20 de Outubro de 1910.
| 1910 |
sorio da Republica, pedindo-lhe
um subsidio para a construcção da
escola d’esta villa.
- Communicar ao empreiteiro
Ricardo Roberto da Silva, residente
na cidade d’Evora, o prolongamento do praso para a assignatura do
auto da adjudicação.
- Que seja organisado um inventario de todos os predios, moveis e
utensilios pertencentes ao Municipio, para ser presente na proxima
sessão.
Sem outro assumpto mais foi
levantada a sessão às duas horas
da tarde, do que, para constar,
se lavrou a presente acta que
eu, Eduardo Maximo Fragoso,
secretario da Camara, subscrevi e
submetto á approvação e assignatura dos vereadores presentes.”
O Dr. António Bento
d’Araújo, facultativo (médico)
municipal,
reformado
desde
1905, presidiu à Comissão até
Novembro de 1911, data em
que foi substituído no cargo por
José António Direitinho, até
então vice-presidente. A família Direitinho, com origens na
vizinha vila de Alvito, tinha aqui
negócios no ramo corticeiro,
sendo proprietária de vastos
bens imóveis na vila, entre
elas o quarteirão denominado
de “Paraíso”, junto ao então
Largo da Oficina de Cerâmica, actual Largo 25 de Abril.
José António era o “histórico”
local do Partido Republicano,
tendo os seus filhos, Manuel
e Francisco, seguido as suas
pisadas.
Completavam
a
Comissão Venâncio Augusto
Ferro (cremos que bisavô do
engº Ferro Rodrigues, pai da
sua avó paterna) e os alcaçovenses António dos Santos
Peres e Feleciano Dias Paiva.
As alterações à toponímia antiga
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O novo regime republicano recorreu a uma vasta gama
de expedientes para obter a
sua legitimação perante o “país
real”. Um dos mais usados foi o
da alteração da toponímia dos
meios urbanos, rebaptizando
as ruas, as praças e os largos
com os nomes dos novos heróis
nacionais. Cumprindo escrupulosamente as instruções recebidas
de Lisboa, a Comissão Municipal
Republicana de Viana do Alentejo, na sua segunda sessão de 20
de Outubro de 1910, decorridos
que estavam apenas quinze dias
sobre a data da revolução, decidiu:
onde existia, à época, a taberna e a mercearia de José João
Lopes, seu fervoroso apoiante. A Primeira Guerra Mundial
também contribuiu para a toponomía republicana, com duas
artérias, em Viana e Alcáçovas,
a evocarem os Combatentes
nacionais naquele conflito. A
sede do concelho manteve quase
inalterada, até aos dias de hoje,
a toponomástica republicana.
Alcáçovas, desiludida talvez com
o novo regime, regressou, com
raras excepções, às designações
anteriores. Em Aguiar, a toponímia republicana apenas está
presente na Rua 5 de Outubro.
“Por proposta do Vice Presidente foi deliberado determinar a mudança de
denominação de algumas ruas e largos d’esta villa, pela seguinte forma:
Rua de S. Francisco para Rua Theophylo Braga
Carreira do Rocio para Rua António José d’Almeida
Rua das Pedras para Rua Euzebio Leão
Rua da Assumpção para Rua Cândido dos Reis
Rua dos Infantes para Rua Brito Camacho
Largo Officina Cerâmica para Largo Bernardino Machado
Rua do Rego para Rua Miguel Bombarda
Praça do Município para Praça da Republica
Também por proposta do vereador Dias Paiva se resolveu mudar de denominação as seguintes ruas e largos da villa das Alcáçovas:
Largo das Escolas para Avenida Alexandre Herculano
Praça para Praça da Republica
Rua Direita para Rua Miguel Bombarda
Rua de S. Pedro para Rua 5 de Outubro
Rua dos Cyprestes e Amadas para Rua Consiglier Pedroso
Rua do Paço para Rua Cândido dos Reis”
Esta lista irá ser aumentada,
nos meses que se seguiram, com
a Praça da Palha a transformarse em Largo José Falcão ou o
Beco da Chafurda a transmutarse em Beco João Chagas, entre
muitos outros. Até o Dr. Afonso
Costa, um dos políticos mais
amados e odiados deste período,
tem aqui a sua rua, um troço que
fazia parte da Rua da Figueira,
Largo da Oficina de Olaria,
depois Largo Bernardino
Machado, hoje Largo 25 de
Abril. O muro do fundo vedava o Paraíso, propriedade
de José António Direitinho.
Fotografia de Viriato de Campos, colorida manualmente,
já de finais dos anos vinte.
16 REPUBLICA
Rua Direita na Idade Média,
mais tarde Rua da Assumpção, com a
chegada da República viu-se baptizada
com o nome do almirante
Cândido dos Reis.
REPUBLICA
17
| 1910 |
As reacções da Igreja às medidas
políticas da República
| 1911 |
Festa religiosa na Senhora d’Aires
c.1910. Nesta altura já muitas das
antigas romarias se tinham deixado de
realizar. Faziam-se ainda a Festa dos
Lavradores e a Festa do Povo, para além
da Feira de Setembro e de duas
festas particulares.
O regime republicano
instituído em 5 de Outubro de
1910 caracterizou-se pela sua
forte acção anti-clerical. Para os
defensores da República, a Igreja
Católica e a sua hierarquia partilhavam fortes responsabilidades
no atraso endémico em que se
encontrava o País. Perseguição
e expulsão dos Jesuítas, encerramento de conventos, destituição de bispos, laicização da vida
pública, muitos foram os episódios ocorridos nos anos que se
seguiram à implantação da República Portuguesa que pretenderam minimizar, ou mesmo
suprimir, o poder
exercido
pela Igreja junto do Estado
e das populações. A reacção da Igreja
não
se fez
esperar, sendo
que no nosso
concelho
ela
foi, de alguma
maneira, muito
evidente.
Terão liderado
esses processos de resistência religiosa,
em Alcáçovas
o velho padre
Joaquim Pedro d’Alcântara, em Viana
do Alentejo o
pároco Francisco Xavier
de Ataíde. A
este respeito
18 REPUBLICA
deitemos uma vista de olhos no
que escrevia o jornal “O Mundo”,
numa reportagem publicada na
sua edição de 1 de Maio de 1911:
“Em Vianna, doloroso é dizêlo, há ainda uma certa corrente
de reacção. O povo não é
propriamente reaccionário, mas
deixa-se arrastar por três ou quatro
especuladores que se valem, para
agir, da primitiva preponderância
de que dispunham. Muito
habilmente, esses elementos não
hostilizam a República, de uma
maneira directa; mas procuram
hostilizar alguns republicanos,
como sucedeu ainda há pouco
nesse caso das procissões. A
procissão dos Passos deixara
de se realizar, sem que o facto
levantasse protestos. A tolerância,
porém, dada depois para as
exibições do culto externo,
veio imediatamente servir à
especulação política. Por detrás
da cortina e com o manifesto
interesse de apalpar a opinião
pública, alguém manobrou os
cordelinhos, e empurrando
uma parcela inconsciente do
povo para a reclamação das
procissões, conseguiu o seu
almejado fim, isto é, levar a
sizania ao seio das comissões
republicanas, desgostando alguns
dos respectivos membros que
se haviam intransigentemente
manifestado contra tais actos e
levando-os a indispor-se com a
autoridade administrativa. E tão
característico se tornou esse
propósito, a roçar como que por
uma revanche, que a procissão,
ordinariamente entregue a
rapazitos, que a constituíam a
troco de amêndoas, foi este anno
organizada por adultos, e em tão
avultado número que as opas
não chegaram!... Porventura as
A procissão pascal do Senhor Morto
subindo a Rua de S. Francisco, actual
Rua Teófilo Braga. Em Viana do Alentejo
a igreja católica reagiu com algum sucesso às medidas repressivas da República.
| 1911 |
crenças religiosas – respeitáveis
sem dúvida – se arreigaram mais
no espírito dessa gente após
a proclamação da República?
Não, evidentemente. De onde se
conclue, clara e logicamente, a
especulação política, agravada
com o facto de se apontarem à
execração da massa inconsciente
os nomes de alguns republicanos,
como os responsáveis da
oposição ao pseudo acto religioso.
Desolador, não é verdade?”
O jornal republicano “O Mundo”
na sua edição de 1 de Maio de 1911, faz o
ponto da situação do novo regime
em Viana do Alentejo.
REPUBLICA
19
O Centro Democrático
Vianense
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O primeiro documento que alude ao Centro Democrático Vianense, existente no
Arquivo Histórico da Câmara
Municipal de Viana do Alentejo,
reporta-se a 13 de Julho de 1915.
No entanto parece que esta agremiação política republicana teria
sido criada mais cedo, logo após
a revolução de 5 de Outubro.
Tinha instalações na actual Rua
Padre Luís António da Cruz,
num prédio que não foi possível
identificar. Os recursos dos seus
associados não seriam muitos,
segundo se infere na leitura da
acta de uma das suas reuniões,
em 1915:
Joaquim dos Reis Branco
(na fotografia em 1931) e o seu pai,
Joaquim Inácio Branco, fizeram parte do
grupo fundador do Centro
Democrático Vianense, associação
política próxima do Partido Democrático
do Dr. Afonso Costa.
| 1911 |
“Aos vinte e sete dias do mês de
Julho de mil novecentos e quinze
nesta Vila de Viana e Casa do
Centro, compareceu a Direcção
do Centro, ficando resolvido que
cada sócio deste Centro forneça cada um sua cadeira para se
sentar. Seguidamente procedeu-se
à nomeação de Joaquim António
Pires, para o cargo de contínuo e
cobrador de quotas, com a condição de pagar a quota mensal de
$05 centavos, tendo por obrigação
de proceder à limpeza da casa e
mais serviços inerentes, competindo-lhe proceder à cobrança de
quotas e avizar todos os sócios
para qualquer reunião que se pretenda fazer (…)”
O número de associados
não terá sido muito elevado. De
notar que entre eles não figura qualquer elemento da família
Direitinho, certamente porque
20 REPUBLICA
A Primeira Grande Guerra
estes integravam a clientela política do Dr. António José de Almeida e do seu “Partido Republicano Evolucionista”, enquanto o
Centro Democrático Vianense
andaria mais perto de Afonso
Costa e do seu “Partido Democrático” (ambos os partidos nasceram de cisões do velho Partido
Republicano Português). A acta
da sessão de 13 de Maio de 1916
enumera os associados:
José Heleodoro Sezões,
ou Zé da Magalhoa, de Aguiar, membro
do Corpo Expedicionário Português em
França. Bilhete postal datado de 28 de
Novembro de 1917, enviado por correio
militar para a sua namorada Ludovina
Flór.
“(…) à data existem filiados
neste Centro 35 sócios os quaes seguem: Aleixo José Duarte,
André Maldonado Vilalobos Vieira,
António Carlos Figueira, António
Corchado Viegas, Augusto Alberto
Sanches, Carlos de Assunção
Fonseca, Francisco António
Branco, Francisco Manuel Cadino (de Aguiar?), Francisco Maria
das Neves, Francisco dos Santos
Duro, Joaquim António Pires,
Joaquim Duarte Piteira, Joaquim
Inácio Branco, Joaquim Leonardo
da Silva Paetio, Joaquim da Rosa
Lopes, Joaquim dos Reis Branco,
João Augusto Branco, José João
Lopes, José Lúcio Máximo, José
Alberto dos Santos, José da Silva,
José Joaquim da Silva, José Paetio, Ludgero Augusto Silveiro, Luís
António Branco, Manuel Carlos
Figueira, Martiniano da Fonseca,
Alberto (?) Vera, Norberto Campos,
Thomaz Figueira, Rodrigo Pimenta
de Massapina, António Francisco
Branco, António de Mira Neves,
Thiago Augusto dos Santos, José
Deodato Piza”
1914|1918
Nos inícios de Março de
1916 a Inglaterra pediu a Portugal o aprisionamento dos navios
alemães fundeados em portos
portugueses. Portugal, que até
aí tinha conseguido manter uma
posição neutral, atendeu este
pedido. Estava assim aberta a
porta para a entrada do nosso
País no conflito que se tinha
iniciado em 1914 e que se traduziria, no seu balanço final, na
REPUBLICA
21
Fac símile do verso do bilhete postal
enviado pelo Zé da Magalhoa para a
namorada, em 28 de Novembro de
1917, provavelmente escrito nas difíceis
condições das trincheiras
A Primeira Grande Guerra
|1914 | 1918 |
morte de cerca de dez milhões de
seres humanos. Com um Império
Ultramarino muito frágil e alvo da
cobiça de alemães e ingleses, a
participação do nosso País nesse
conflito deveu-se, antes de tudo,
à necessidade de o defender. A 2
de Fevereiro de 1917 chegaram
a Brest, na Bretanha, as primeiras tropas do CEP-Corpo Expedicionário Português. Integravam-nas muitos mancebos do
concelho de Viana, sobretudo da
freguesia de Alcáçovas. Mário
do Rosário, no seu livro “A Vila
de Alcáçovas – Sua História,
suas belezas, seu Comercio
e sua Industria”, publicado em
1924, dá detalhada notícia dos
nomes dos militares alcaçovenses que estiveram presentes na
guerra, quer em França quer em
Africa: Joaquim António Assencadas, João Augusto da Mata, António Joaquim do Tiro, Luiz Augusto Amado, Luiz Antonio Banha,
Sátiro José Martins, Armando
Julio Rodrigues, Luis Augusto
Sequeira, Gregorio Batista, Arsenio Maria Batista, Luiz Gregorio
Matadinho, José Carlos Sardé
Pires, Ricardo Galrote, Manuel
José Galvão, Silvério Assencadas, André Martinho Chibeles,
Ilidio Antonio Bagão, João António Perna, António Afonso Henriques, Manuel Antonio Tardão e
João Penetra. Depois da guerra
constituiu-se em Alcáçovas um
Núcleo dos Combatentes da
Grande Guerra, que todos os
anos, por altura das comemorações da batalha de La Lyz, fazia
pelo concelho a chamada “venda
do capacete”, uma miniatura
de um capacete militar que se
pregava com um alfinete à lapela.
A receita dessa venda destinavase a auxiliar as famílias dos militares mortos ou incapacitados.
Aguiar, pela sua pequena
22 REPUBLICA
dimensão, não teve muitos soldados naquela guerra. Entre eles
José Heleodoro Sezões, cuja
família guarda ainda a memória da sua passagem por aquele
sangrento conflito:
“O meu avô José Heleodoro
Sezões, ou “Zé da Magalhoa” –
alcunha com que era conhecido e
que lhe advinha do facto de morar
no monte da Magalhoa, na freguesia de Nª. Sª. da Tourega – foi
“convidado” a participar na Guerra,
assim como outros dois rapazes de
Aguiar seus conhecidos, o Barril e
o Zé Gaio. Como sempre acontece
nestes casos, não lhe foi dado o
direito de opção e assim lá partiu
para França. Durante a sua estadia
nesse teatro de angústia e sofrimento muita coisa lhe aconteceu,
a ele e aos companheiros, factos
que hoje apenas são conhecidos
pelo relato dos que conseguiram
voltar, como felizmente foi o caso
do avô Zé.
Os episódios que vou descrever
chegaram até mim pelo testemunho oral do meu tio Custódio
Sezões, filho mais novo do avô, a
quem ele contou várias das situações dramáticas que viveu. Corro
o risco de fazer uma descrição
anacrónica mas…lá vai:
Uma vez numa retirada tiveram de
fugir. Eram cerca de duzentos e tal
militares. Quando chegou a noite
meteram-se nalgumas das casas
de uma aldeia, que não estavam
ainda destruídas. Tentavam assim
agasalhar-se e proteger-se, mas
provavelmente alguém fumou de
noite, o que era proibido, e foram
descobertos pelo inimigo. Os alemães mandaram gás para esses
refúgios e a consequência foi
trágica. Os soldados tinham aparelhos que detectavam a presença
de gás, mas como a maior parte
dormia, só seis ficaram vivos, os
que estavam acordados e tiveram
tempo de colocar as máscaras.
Todos os outros morreram, porque
apesar de terem sido chamados
não tiveram tempo de fazer os
procedimentos necessários que
evitassem a morte.
Certa vez durante um bombardeamento, o Barril gritava: “Ò Magalhoa, corre atrás de mim!” O avô
assim fez mas, ia a certa distância
do amigo, o que veio a revelar-se
uma sorte. Foi esse atraso que lhe
salvou a vida. O objectivo da fuga
era abrigarem-se debaixo de uma
ponte, para não serem atingidos
pelas bombas, que eles julgavam
ser de estilhaços. Acontece que
as bombas não eram dessas e
quando o Barril e muitos outros
já lá estavam debaixo, a ponte foi
atingida, caiu e todos morreram.
Como chegou atrasado, o avô
salvou-se. Este acontecimento
deu-se no dia 9 de Abril de 1918
durante a batalha de La Lys, que
determinou a derrota dos alemães
e seus aliados e onde as tropas
portuguesas tiveram um comportamento heróico.
Noutra altura o meu avô foi atingido por uma bomba de estilhaços,
no lábio. Foi para o hospital de
campanha onde só havia mulheres, todas de nacionalidade
inglesa, já que os homens estavam
todos “ocupados “ com a guerra. A
guerra não era compatível com a
higiene, por isso o corte do cabelo
e da barba não acontecia. Assim, a
juntar às agruras da vida nas trincheiras, ainda tinham de aturar os
indesejados piolhos, que por sua
vez adoravam toda esta falta de
asseio. Quando entrou no hospital
levava o cabelo muito comprido, tal
como a barba, onde habitava uma
colónia dos “ditos”. Tendo em conta
a situação, o pessoal do hospital
agiu em conformidade e despiramno, raparam-lhe todo o “pelinho”,
tomou banho e só depois foi para
a sala de operações. Aqui deramlhe duas opções: ficar com o lábio
rachado e ser mais curta a sua
estada no hospital, ou ficar com o
lábio perfeito e permanecer lá mais
tempo. O avô optou, tal como eu
ou qualquer um faria, pela segunda
hipótese...Esteve internado dois
meses. Passado esse tempo voltou
à linha de fogo, o que lhe custou
muito.
Uma vez caiu uma granada que
atingiu a cozinha e o amigo Zé
Gaio, que era cozinheiro, desorientou-se e fugiu para o sítio errado,
pelo que foi feito prisioneiro pelos
alemães.
Quando em 1919 regressavam a
Portugal, após terminada a guerra
e ainda no comboio, receberam
uma ordem para partirem para
o Porto porque havia uma revolução. Esta revolução mais não
era que o movimento designado
por “Monarquia do Norte”, dirigido
por Paiva Couceiro, que em 19 de
Janeiro de 1919 tentava restaurar
a monarquia em Portugal. Era
para contrariar este movimento e
defender a república que certamente iriam. Desceram do comboio
em Setúbal e dirigiram-se para um
quartel. Quando chegou a ordem
para partirem rumo ao Porto, o
avô disse ao Campino, um colega:
“Estou cansado e farto de guerras.
Vou fugir”.
Nesta decisão o avô revelou uma
extrema coragem, porque os prós
e os contras dela eram igualmente
incertos e dolorosos. Entre ser
morto na defesa duma causa que
mal compreendia e ser castigado
com a pena de morte (reintroduzida em 1916, para situações
relacionadas com a guerra, como
a deserção), arriscou a segunda
hipótese.
O colega aconselhou-o a que não
o fizesse, mas ele fê-lo. Na confusão da partida saiu por uma janela,
desceu pela parede e foi para o
comboio, mas como não tinha
dinheiro teve de andar a fugir do
cobrador. Nesse comboio seguiam
outros militares que o esconderam
debaixo do banco e taparam com
os capotes. Quando interpelados
pelo cobrador negaram sempre
que tivesse entrado algum soldado. Numa povoação próxima de
Montemor o comboio abrandou a
velocidade e ele aproveitou, saiu
de onde estava, abriu a porta da
carruagem, atirou-se e rebolou
REPUBLICA
23
Maria Ludovina Flór,
numa fotografia com data provável de
1918, quando ainda era solteira. Casou
em 1920 com o Zé da Magalhoa.
A Primeira Grande Guerra
|1914 | 1918 |
Entre ser morto na
defesa duma causa que
mal compreendia e ser
castigado com a pena
de morte, arriscou a
segunda hipótese.
|1914 | 1918 |
pela barreira abaixo. Feriu a mão,
andou a monte, veio andando a pé.
Ao chegar a uma aldeia, dirigiu-se
a uma padaria e pediu pão, informando que não tinha dinheiro. A
mulher disse: “Outro? Não há pão
para ninguém!”. Mas o marido da
padeira interveio e ele lá recebeu
um pão.
Continuou o caminho até chegar a
casa de uns primos, que moravam
num monte na zona de Évora.
Foi ter com esses primos e pediu
uma manta para dormir na rua.
As primas e primos não concordaram, era o que faltava o primo
agora dormir na rua!... Perante a
insistência para que dormisse em
casa, lá disse que tinha piolhos e
iria empestá-la, era por isso que
ficava na rua. No outro dia aqueciam água, metiam lá a manta e
os piolhos morriam. Era preferível
assim. Perante tais argumentos,
aceitaram a decisão.
No dia seguinte foi para casa,
mas não contou a ninguém que
tinha fugido. Disse que tinha vindo
passar oito dias de férias. Passado esse tempo vestiu-se à militar,
levando porém escondida uma
muda de roupa à civil, para a vestir
e não ser descoberto. No caminho
ouviu dizer que a revolta no Porto
tinha terminado. Foi então ter com
o tio e primos e andou por lá a
trabalhar durante dois meses para,
caso os militares o fossem procurar em casa, não ser encontrado.
Passado esse tempo regressou a
casa, informando que já tudo tinha
terminado.
Em 1920 casou com a minha avó
Ludovina Flór. Já depois de casado
tornou-se seareiro. Um dia, quando
foi dar o trigo ao manifesto, isto é,
vendido ao estado, disseram-lhe:
“Como pode ser lavrador se há a
informação de que morreu?”
O que se passou é que o comandante dele, amigo, tinha-o dado
como morto, embora soubesse que
ele tinha desertado, e por isso é
que não o tinham vindo procurar.
O meu avô, aflito com o processo
para levantar o dinheiro do trigo,
24 REPUBLICA
foi falar com esse capitão que lhe
disse: “Eu vou dar-te aqui a hora a
que “chegaste” ao Porto, as ruas
por onde “andaste”, os lugares
onde “estiveste” e a hora a que
“abalaste”. Tu chegas ao tribunal
e dizes que nunca fugiste, mandaram-te foi embora para Lisboa
e que houve aqui uma confusão
qualquer...”
E assim foi. O juiz ao ouvir e
comprovar que tudo batia certo
disse-lhe: “Não tem nada a temer,
está livre civilmente, mas para
resolver a situação militar tem de
ir ao quartel das Janelas Verdes
buscar a sua caderneta militar, que
lá há-de estar, e assim provar que
não morreu.”
Ao saber desta conversa o dito
capitão aconselhou-o: “Não faças
isso. Anda descansado civilmente,
mas não apareças no quartel durante muitos anos, senão és logo
apanhado e ficas preso, porque
eles sabem que é mentira teres ido
ao Porto!”
Enquanto o prazo referido não
prescreveu, o avô Zé optou por
se desviar de confusões e conversas, não queria falar sobre o que
lhe tinha acontecido. Era assunto
interdito, não fosse o diabo tecêlas. Passado esse tempo começou
então a referir-se aos factos, provavelmente se a ocasião se proporcionava e mais no meio familiar.
Nunca foi, porém, às Janelas
Verdes recuperar os documentos
militares.
Apesar do sofrimento porque
passou, que até o podia ter transformado num indivíduo áspero
e azedo, do meu avô guardo a
terna memória de uma pessoa
afável, bem disposta, cordata, que
gostava de jogar ás cartas e de
conversar.
texto de Maria Teresa Salsinha
Fonseca, neta“
A gripe Espanhola
ou
A anatomia de uma fotografia
E quando parecia que
se tinha tocado no fundo, eis
que nova calamidade se abateu
sobre a já tão sofrida Europa:
a pneumónica, ou gripe espanhola, pois que de Espanha nem
bom vento nem bom casamento.
Pandemia transversal e democrática da ceifa, não vai olhar a classes sociais ou a grupos etários.
Entre Abril de 1918 e Maio do ano
seguinte, terá sido responsável
por vinte a quarenta milhões de
mortes em todo o mundo. A medicina, de resto inacessível aos
menos abastados – a grande, a
enorme maioria – deixou cair os
braços, vencida, sem armas para
compreender e enfrentar o flagelo. Só dez anos mais tarde Flemming descobrirá o curativo salvador no fungo Penicillium notatum,
um vulgar bolor.
21 de Janeiro de 1918,
uma segunda-feira. Lenta e triste, a
procissão sai da Igreja Matriz de Viana.
Viriato Campos, o fotógrafo,
monumentaliza o momento para a
eternidade.
| 1918 |
REPUBLICA
25
Entre outros são possíveis de
identificar José Duque Carracha,
Leonardo dos Reis Baião,
João de Sousa Faria e Melo, o padre
Fragoso e o padre Ataíde.
A gripe Espanhola
| 1918 |
Ontem como hoje, quando desenganados pela ciência, viram-se os
homens para os céus. E porque
o acesso directo à divindade
suprema é sempre difícil (ocupada que está por mil solicitações
e requerimentos), a solução é
intermediar pelos santos caseiros,
que é para isso que eles servem.
Santa de muitos e comprovados
milagres, é sabido que sempre a
Virgem Senhora d’Aires acudiu
ao povo transtagano nas suas
aflições. Atesta-o a multidão de
ex-votos que atapetam as paredes
dos corredores do piso térreo do
santuário, testemunhos da eficácia
milagreira da divina criatura.
E o ritual antigo foi cumprido
naquele longínquo mês de Janeiro de 1918. Desceu o povo à
branca ermida barroca a trazer a
imagem para a Vila, para a Igreja
Matriz. Depois e durante uma
semana sucederam-se os terços,
as missas, os “te deum”. Por fim,
no dia 21, uma segunda feira, a
imagem percorreu as ruas calcetadas de Viana em solene procissão,
cumprindo um percurso quase tão
velho como a própria terra: rua de
Nossa Senhora da Assumpção,
depois à praça virar direito à rua
Souza Pinto, Largo dos Isentos,
Fonte da Cruz pela carreira de
Portel, rua dos Carreteiros, novamente a rua da Assumpção que
também já foi rua Direita, rua das
Pedras, rua de S. Francisco, rua
de Pedro Homem, rua do Rego
virando ao Poço Novo e Largo de
S. Luís, entrando novamente no
castelo pela larga porta sul. Mas
agora as ruas têm outros nomes,
Cândido dos Reis, Teófilo Braga,
António José de Almeida, figurões
saídos de uma república recente
e parcamente sentida. Aqui e ali o
cortejo quedava-se uns momentos, em oração mais pungente,
frente a uma ou outra casa: nesta
só sobrou um filho, o mais velho,
todos os outros deram anjinhos;
naquela outra foram-se os pais, as
irmãs da mãe e uma avó, quem irá
cuidar agora das crianças?
26 REPUBLICA
Momento dramático e
marcante na história da pequena
vila de Viana do Alentejo, consideraram os seus protagonistas
ser dele necessário guardar memória para advertência das gerações futuras. Advertência dupla,
pois trata-se não só de relembrar
a natureza precária e imprevisível da condição humana, como
também de recordar que, nas
circunstâncias limite, apenas
o recurso ao divino é eficaz. O
momento da saída da procissão
foi pois convertido em monumentum, objecto que interpela a
memória, que recorda o passado
fazendo-o vibrar à maneira do
presente.
A procissão começa a sair da
Igreja Matriz. O fotógrafo aguarda-a em cima do passo de ronda da
muralha do castelo, posição certamente planeada com antecedência, vantajosa porque permite obter
um plano alargado e de conjunto
do acontecimento. Manda parar a
multidão, pretende que se imobilizem o mais possível. Mas antes é
ainda necessário compor a cena,
dispor os actores, cada um deverá
ocupar o seu espaço. Mesmo no
sofrimento e na morte os homens
não são todos iguais, já Santo
Agostinho o dizia: a cidade dos homens deve mimetizar a cidade de
Deus, onde tudo tem uma ordem,
onde todos têm um lugar que é o
seu e não outro.
É este o pano de fundo do
nosso “cliché”. A magna porta
assemelha-se a uma enorme
boca escancarada – o mainel
central as suas amígdalas –
vomitando uma multidão que
não se consegue mais conter
nas estomacais naves da igreja.
Dispõem-se pois as gentes para
a pose. O fotógrafo instalou a
câmara sensivelmente para a
direita do eixo do portal, de forma
a poder colocar o maior número
possível de pessoas no campo
da objectiva e a dar visibilidade a
parte das que ainda se encontram
no interior da igreja. Tal faz com
que a mancha alva do páleo se
desvie para a esquerda, sem no
entanto deixar de ser o centro da
nossa atenção. Sob o simbólico
pano o clero local, também ele
de branco, em flagrante contraste
com os tons escuros e lutuosos de
que se veste a quase totalidade
dos outros personagens. Preside
à cerimónia o padre Ataíde, reitor
da paróquia e anti-republicano,
que irá falecer curtos meses
após este acontecimento. À sua
esquerda e armado de missal, o
padre Fragoso, iminência de longa
vida que substituirá nas funções o
anterior e que viverá até à década
de cinquenta. Seguram as varas
da tenda sagrada alguns dos
“homens-bons” e terratenentes
da vila: reconhecemos os então
jovens João de Sousa Faria e
Mello e Manuel Rosado Pereira
(o senhor Pereirinha), o escultor
Lopes, o vereador da Câmara
Leonardo dos Reis Baião. A banda
distribui-se algo caoticamente pela
direita do “cliché”. Dela nomeamos
algumas caras porque no-las
identificaram, outras porque as
conhecemos dezenas de anos
depois, já muito envelhecidas: o
velho Beijinho, pedreiro. O mestre
Acácio, aqui com 23 anos e o seu
pai, Bernardino Serpa, sacristão
do Santuário de Nossa Senhora
d’Aires, que poderia ter participado
no cortejo nessa condição, mas
que preferiu fazê-lo enquanto
músico. Atrás da banda a pequena
burguesia da terra. Lá mais para
o fundo, no limiar do portal e
ainda dentro da igreja, o povo
miúdo, sobretudo mulheres. Os
rostos expressam sofrimento, dor.
Ali ao lado, de lenço branco na
cabeça, a Maria Fadista, colega de
profissão da pneumónica, porque
também ela “tecedora de anjos”.
À frente do cortejo duas crianças,
a mais velha compenetrada na
sua função, mão no braço da mais
nova, visivelmente distraída pelo
som de algum instrumento musical.
Vestiram-nas de anjinhos, lúgubre
premonição de um muito provável
próximo destino.
A gripe Espanhola
| 1918 |
A família Flór, de Aguiar,
também terá participado nesta procissão.
No adro da Igreja Matriz de Viana, junto
ao muro do antigo cemitério, da esquerda
para a direita: Francisco Flór, Ludovina
Flór, a mãe Maria Flór, José Miguel Flór,
o pai Miguel Agostinho Murteira,
Joaquina das Neves Flór e João Flór
Murteira.
Torna-se difícil assegurar
se a escolha do portal da Igreja
Matriz para pano de fundo foi intencional ou meramente circunstancial. Para além dos benefícios
estéticos que lhe proporciona tal
enquadramento, a fotografia sai
ainda reforçada na sua dimensão
trans-temporal, informa de diversos tempos um tempo, o de hoje,
que já não é o seu.
REPUBLICA
27
“Apresento a V.Exª o
meu amigo senhor
Viriato Campos,
distinto fotógrafo e
bela alma de artista”.
A anatomia de uma fotografia
Viriato Campos, o fotógrafo
Depois destas considerações acerca daquela que
é, sem dúvida, uma das mais
completas e belas fotografias de
Viana do Alentejo, onde a vila e
as suas gentes se fizeram retratar de corpo e alma, cabem aqui
algumas palavras sobre o seu
autor, Viriato Campos. A sua história está por fazer, assim como
a inventariação da sua obra.
Natural da vizinha freguesia de
Alcáçovas, Viriato Campos terá
nascido por volta dos finais da
década de 70 do século XIX. Ainda rapazinho foi empregado de
comércio em Lisboa, onde teria
aprendido a arte. Logo após a
eclosão da revolução republicana
mudou-se para Viana do Alentejo, onde exerceu a profissão de
empregado de escritório do negociante Rodrigo Gusmão. A nu-
José Albino Dias
escultor e professor, manteve durante
muitos anos correspondência com o
etnógrafo e arqueólogo José Leite de
Vasconcelos.
_______________________________
Fonte da Cruz, colecção de “vistas” de
Viana produzidas por Viriato Campos
c.1925.
28 REPUBLICA
merosa família Gusmão vivia – e
vive – numa casa na antiga Rua
da Assumpção, a nossa “Rua das
Lojas”. Viriato Campos também
viveu nessa casa, que também
era pensão, tendo adaptado uma
pequena divisão interior do primeiro andar a laboratório fotográfico. Em 20 de Janeiro de 1916,
já empregado da casa Gusmão
e tendo de se deslocar a Lisboa,
foi portador de uma carta para o
professor Leite de Vasconcelos,
remetida por um seu correspondente e amigo de Viana, o escultor José Albino Dias. Este, nas
primeiras linhas, introduz o mensageiro:
“Apresento a V.Exª o meu amigo
senhor Viriato Campos, distinto fotógrafo e bela alma de artista”.
Viriato Campos fotografou
Viana do Alentejo durante algumas décadas, as suas gentes, as
suas paisagens, o seu património
arquitectónico, os seus momentos mais relevantes.
Não foi um fotógrafo popular no
sentido restrito do conceito, isto
é, não fotografava para o povo.
Apesar da fotografia se ter constituído, quando surgiu por volta
de 1830, como uma alternativa
acessível à pintura, destinava-se
pelo seu custo a um público dotado de algum poder económico.
Para os mais pobres aparecerão,
algumas décadas mais tarde, os
fotógrafos “a la minuta”, quase
sempre ambulantes, parte que
foram das memórias de infância
de muitos de nós. Viriato Campos
terá sido o fotógrafo da então numerosa pequena burguesia vianense, gente que se ocupava do
comércio, dos ofícios, dos serviços, do funcionalismo público, da
pequena lavoura. Viriato Campos
também colaborou na imprensa:
são dele os “clichés” publicados
na revista Ilustração Portuguesa, de 27 de Maio de 1922, ilustrando uma reportagem de que
mais adiante daremos notícia.
Para além de fotógrafo, Viriato
Campos foi ainda um amador de
teatro, caracterizador de serviço
às inúmeras peças, operetas e
récitas que nesse tempo se realizavam no teatrinho da Sociedade
Vianense. Nos anos finais da sua
vida ensinou a arte da fotografia
ao jovem discípulo Teófilo Duarte, que acabou por herdar parte
do seu equipamento e o improvisado estúdio na Rua Afonso
Costa.
O jovem Teófilo Duarte
fotografado por Viriato Campos, junto a
uma das janelas do primeiro andar da
casa da família Gusmão, em Viana. Um
contraluz difícil para os meios disponíveis
na época. c.1925..
REPUBLICA
29
A vida quotidiana
|1910 | 1930 |
Debulha mecânica em 1922
A agricultura tenta modernizar-se, mas
as velhas ferramentas - na fotografia,
os carros de mula e as parelhas de bois
- manter-se-ão ainda durante muitas
décadas. O indivíduo sentado num barril
é o lavrador José Fragoso, mais tarde
presidente da Câmara Municipal.
Não deve ter sido muito
diferente o dia a dia dos nossos
avós e bisavós, no antes e no
depois da República. O ensino
continuou a ser o fulcro da acção
da Câmara, primeiro com a construção da Escola de S. João,
que começou a funcionar no ano
lectivo de 1912-13, depois com
a procura de instalações para o
sexo feminino. Este acabou por
ficar “provisoriamente” instalado,
durante quase quarenta anos e
até à construção da Escola do
Centenário das Escadinhas, já
nos finais dos anos 50, na antiga casa paroquial de Viana (ou
Reitorado, como comummente
aqui era conhecida), no Largo de
S. Luís.
Com a legislação de 1911, que
introduziu o ensino primário obrigatório e gratuito para todas as
crianças, a população escolar de
30 REPUBLICA
Viana cresceu vertiginosamente.
Disso nos dá notícia uma pretensão que a Vereação da Câmara
entende fazer, em 13 de Março
de 1913, ao Ministro do Interior:
“Sendo actualmente a população
escolar de Viana de cerca de 113
creanças a cargo de um só professor, o que evidentemente prejudica o ensino, resolve a Câmara
solicitar de S. Ex.ª o Senr. Ministro
do Interior a creação do segundo
logar de professor para a Escola
de Instrucção Primaria do sexo
masculino de Viana”.
O quadro de pessoal da Autarquia era também diminuto. Entre
os seus funcionários destacavase o pregoeiro, cuja função era
dar publicidade aos editais e
decisões camarárias, mas também a anúncios de particulares.
Geralmente havia um em cada
localidade do concelho. De canto
em canto, normalmente ao luscofusco do cair da noite, o pregoeiro
gritava o seu pregão:
“Quem tiver achado uma corrente
de oiro na estrada a caminho do
cemitério, venha estar comigo que
eu lhe direi quem é o dono”.
E concluía, num registo de voz
mais grave:
“Ganhará as suas alvíssaras!...”
necessitem e lho fôr ordenado pelo
vereador do pelouro respectivo.
6º Limpar de hervas as praças,
largos e mais logares a cargo da
Câmara, tantas vezes quantas as
necessárias para que os mesmos
logares se conservem sempre
devidamente limpos.
7º Regar a árvore da Praça 3
vezes por semana nos mezes de
Abril a Setembro inclusive.
8º Conduzir diariamente para o
mercado, ás horas regulamentares, os taboleiros, retiral-os depois
de aquele ter terminado e limpar
|1910 | 1930 |
Mas as tarefas do pregoeiro eram muito mais vastas. O
“Regulamento do pessoal menor”
da Câmara Municipal de Viana do
Alentejo, aprovado em sessão de
17 de Julho de 1913, é muito preciso:
“O Pregoeiro da Câmara tem por
obrigação:
1º Limpar o chafariz da Praça José
Falcão e respectivo recinto uma
vez por semana nos mezes de
Outubro a Março e duas vezes nos
mezes de Abril a Setembro.
2º Limpar o lavadouro e chafariz
à horta do Marco e respectivos
recintos nas condições do numero
anterior.
3º Limpar o chafariz e lavadouro
do Rocio e respectivos recintos
uma vez por semana nos mezes
de Abril a Setembro inclusive e
uma vez por quinzena nos restantes meses do ano.
4º Limpar a vala do Rocio tanto por
dentro como por fora tantas vezes
quantas forem necessárias ou lhe
fôr ordenado pelo vereador do
respectivo pelouro.
5º Limpar as taças das fontes da
Cruz e Convento e respectivos
recintos uma vez por semana
ou sempre que d’essa limpeza
diariamente o logar do mesmo
mercado logo em seguida a ele ser
levantado.
9º Fazer gratuitamente todos os
pregões e publicações de editaes
que pela Câmara, Administração
do Concelho e sub-delegado de
saude lhe forem ordenados.
10º Fazer os pregões que por
particulares lhes forem solicitados, mediante a remuneração do
costume, não podendo porem fazer
qualquer pregão que ofenda a
moral, regime, leis vigentes ou que
diga respeito à vida particular ou
publica de qualquer cidadão.” (…)
Cansativa, muito cansativa a vida do pobre pregoeiro municipal!...
REPUBLICA
31
Chafariz e fonte do Rocio
A água canalizada só chegou ao
concelho quase no final da
década de cinquenta. Até lá o
abastecimento era feitos nas fontes,
pelos próprios ou recorrendo-se
ao serviços dos aguadeiros.
A limpeza e recolha de
dejectos e lixo era, por vezes,
também posta a concurso pela
Câmara, sobretudo em Alcáçovas, vila onde a autarquia possuía uma reduzida logística. Em
22 de Maio de 1911 resolve o
município:
Candeeiro a petróleo
junto ao Paço das Alcáçovas. Como
medida de poupança, não eram acesos
nas noites de lua cheia.
A vida quotidiana
|1910 | 1930 |
Um dos serviços que a
Câmara tinha mais dificuldade
em prestar era o da iluminação
pública, se tal se pode chamar à
meia dúzia de candeeiros a petróleo que tremeluziam nas noites cerradas de lua nova. Aguiar
tinha apenas quatro candeeiros,
que por vezes passavam anos
sem ser acendidos, disso se
queixando repetidamente a sua
população. O serviço era posto a
concurso, em Viana e em Alcáçovas, mas nem sempre aparecia
gente interessada em prestá-lo.
Na acta da sessão de 27 de Novembro de 1911 pode ler-se:
“Annunciar as praças para a adjudicação dos serviços de limpeza e
illuminação das villas de Vianna e
Alcáçovas com as condições dos
anteriores contractos e as seguintes alterações: na illuminação que
a base de licitação seja de 4:200
reis por candieiro; que os candieiros sejam accesos logo dois dias
depois da lua cheia; e que a multa
seja de 500 reis por cada candieiro
que for encontrado apagado nas
noites de illuminação, sem ser
devido a temporal ou outra causa
justa (…)”
32 REPUBLICA
“Adjudicar a Gualberto Vidasinha
pela quantia de 590 reis diários,
menor lanço offerecido em praça
d’hoje, o serviço de limpeza na
villa das Alcáçovas. Auctorizar o
Presidente a assignar o respectivo
auto de adjudicação, sujeitando-se
n’elle o arrematante às seguintes
condições:
1º Recolher todas as manhãs com
a fossa móvel os dejectos lixo,
aguas sujas e outras immundices que os moradores d’aquella
villa queiram fazer despejar na
dita fossa, devendo para isso os
respectivos locatários collocar os
recepientes do lixo às portas de
suas casas ou quintaes.
(…)
3º O carro referido terá uma
campainha collocada de modo que
timbre ao menor movimento.
4º O animal que puxar o carro
andará a passo natural para que
algumas pessoas que estejam
ainda deitadas possam ouvir à
distancia a campainha e tenham
o tempo necessário para estarem
levantadas quando o carro lhes
passe à porta”.
A regulamentação de
alguns dos preços de bens alimentares era também uma das
competências do executivo autárquico, pelo que duas ou três
vezes por ano a vereação tinha
de promulgar novas tabelas, nem
sempre bem aceites pelos consumidores, que achavam caros os
preços, ou pelos comerciantes,
que frequentemente se lamentavam de estarem a perder dinheiro. Na sessão de 29 de Dezembro de 1910 decide-se:
de Largo Alexandre Herculano.
Por vezes são as próprias populações a pedir à Câmara terrenos
onde possam edificar as suas
habitações. Na sessão de 30 de
Setembro de 1912:
“Foi presente um requerimento
dos habitantes de Aguiar pedindo
que se proceda a venda em praça
de um tracto de terreno no Rocio
do Lagar d’aquella Villa”.
“Estabeler os preços reguladores dos géneros infra mencionados, relativos
ao presente mez, pela forma seguinte:
Cabeças de montado………………...... 10500 reis cada
Perus……………………………………. 1400 reis cada
Peruas…………………………………... 700 reis cada
Galinhas………………………………… 400 reis cada
Frangos…………………………………. 200 reis cada
Azeitonas……………………………….. 300 reis deca [litro]
Bolotas………………………………….. 140 reis deca [litro]
Importa aqui esclarecer
o leitor mais jovem que 1000
réis equivaliam a 1 escudo antigo (1$00), e que o actual euro
equivale a cerca de 200 escudos.
Logo 1 euro seria o equivalente
a 200.000 réis, uma pequena fortuna para a época!...
Durante todo este período conheceram as três localidades do concelho algum desenvolvimento urbano, principalmente
Viana, onde já antes de 1910 tinha começado a construção de
casas na Serrinha e no Adro
dos Judeus. Por volta de 1920
foi urbanizado o chamado “Bairro Cabral”, hoje conhecido pelo
Altinho, com a abertura e terraplanagem da Rua D. Ana Cabral
e da parte norte da Rua de S.
Pedro. Em Alcáçovas
constrói--se na zona da Laje e nas
envolventes do antigo Rocio de
S. Sebastião, denominado agora
A falta de habitação
e famílias normalmente grandes levam
as populações a solicitar à Câmara
terrenos onde possam erguer as suas
casas. Na fotografia, António Diogo de
Oliveira, regedor de Aguiar
e parte da sua família.
c.1925.
A construção já estava
sujeita a algumas normas, porventura não tão complexas como
as que hoje vigoram. A acta da
reunião de Vereação de 27 de
Novembro de 1913 manda:
“Conceder a José Augusto Branco
a licença que requereu para
edificar vários prédios na Serrinha
de Viana, sujeitando-se ao alinhamento e mais disposições legaes.”
Ontem, como hoje, nem
sempre os munícipes procedem
com grande civilidade. Em 18 de
Setembro de 1913 a Câmara vêse obrigada a:
“ Fazer intimar Manuel Luiz Casadinho a desmanchar um bocado
de muro na horta do Fidalgo e a
construil-o conforme o alinhamento
que a Câmara marcar de modo a
não tomar terreno pertencente à
azinhaga do Cruzeiro.”
REPUBLICA
33
Codigo de posturas municipais
de 1915. A inflacção obrigou a
autarquia a actualizar o valor
das coimas previstas para
os infractores
Vivendo com grandes dificuldades financeiras, em parte
causadas pela falta de cumprimento da promessa republicana
de descentralização – que em
Portugal só se veio a concretizar
com o 25 de Abril –, o município de Viana do Alentejo via-se
frequentemente impossibilitado
de realizar os mais comezinhos
projectos. Muitas vezes foram
as próprias populações a arregaçar as mangas e a meter mãos à
obra, substituindo-se à autarquia.
A Fonte da Cruz e a respectiva
canalização tinham sido construídas por subscrição popular, o
mesmo sucedeu com o restauro
da Fonte das Freiras. Ainda em
novo, em 1912, para instalar na
torre de S. Luís. A prática do voluntariado chegou também às
vizinhas povoações de Aguiar e
Alcáçovas, que viam nela uma
forma expedita de resolver algumas das carências locais. Na
acta da sessão da Câmara de 6
de Abril de 1914 é dada notícia
da:
“Oferta do povo de Alcáçovas
de construir à sua custa e com o
seu trabalho pessoal, a estrada
marginal da Avenida Alexandre
Herculano, n’aquela vila, e outra
de alguns cidadãos da mesma
vila para, à sua custa, por meio de
subscrição abrirem um poço no
referido Largo”.
O Largo de S. Luis.
O relógio tinha sido oferecido, em 1912,
pela Comissão de Pastos. O quadrante
foi retirado durante as obras de 1942.
As crianças, em primeiro plano, seriam
provavelmente alunas da vizinha escola
do Reitorado.
A vida quotidiana
|1910 | 1930 |
A Câmara resolve aceitar esta oferta realisando essas obras quando
houvesse oportunidade.”
Mas a vida das comunidades não se restringia à vida
municipal e às relações dos cidadãos com a autarquia, bem antes
pelo contrário. Como já atrás referimos, o programa republicano
atribuía bastante importância ao
incremento de formas variadas
de associativismo; nesse âmbito
foram criadas, em 1911, as Caixas de Crédito Agrícola, instituições que pretendiam reproduzir
o que lá fora já se fazia há mais
de cinquenta anos. De todas as
produções da 1ª República, terão
sido estas e o ensino oficial obrigatório aquelas que alcançaram
o maior sucesso. Na acta da sessão de Câmara de 6 e Março de
1911, lê-se:
trais do século vinte, de quem
já demos atrás notícia. Teófilo
Duarte nasceu em 3 de Outubro
de 1910, razão pela qual o progenitor lhe deu o nome daquele
que foi o primeiro presidente do
governo provisório da República
Portuguesa, Teófilo Braga.
A vida quotidiana
|1910 | 1930 |
“Por proposta do vereador Direitinho telegraphar ao Ex.mo Ministro
do Fomento felecitando-o pela
publicação do decreto que institue
o Crédito Agrícola.”
Viana, a Comissão de Pastos,
que geria os coutos concelhios
e deles recebia substanciais proveitos, promoveu ao longo de
muitos anos diversas obras de
interesse público, calcetamentos
de ruas, reparação de poços e
bebedouros para uso dos gados,
a construção do chafariz do Largo da Officina Cerâmica, até
mesmo a compra de um relógio
34 REPUBLICA
E em 3 de Agosto do mesmo ano:
“Pelo Senr. Vereador António Diogo d’Oliveira foi dito que o povo de
Aguiar oferece 50 jornaes [dias de
trabalho] de trabalhadores e cinco
fretes de parelha e dez escudos
em dinheiro para obras de aproveitamento da água de um dos poços
de Aguiar e sua conducção para o
chafariz e lavadouro d’aquela Vila.
O concelho de Viana foi
dos primeiros a aderir ao projecto das Caixas Agrícolas, tendo
sido fundadas, ainda nesse ano
de 1911, as de Viana e de Alcáçovas. Na sede do concelho a
Caixa de Crédito Agrícola teve
as suas primeiras instalações na
Rua Teófilo Braga, no piso térreo
do edifício então pertencente à
família Direitinho, conhecido entre nós como o “Centro”, onde
mais tarde esteve instalada a primeira sede do Sporting Clube
de Viana do Alentejo. Um dos
seus primeiros funcionários foi
José António Duarte, um dos
precursores locais dos ideais republicanos, anti-clerical convicto,
pai de Teófilo Duarte, carteiro e
fotógrafo amador nos anos cen-
José António Duarte
foi um dos primeiros funcionários
da Caixa de Crédito Agrícola
de Viana - aqui, à porta das suas
primeiras instalações,
na Rua Teófilo Braga.
REPUBLICA
35
A oficina de sapateiro
de Pedro Figueira, na antiga Rua
de S. Francisco, frente à Sociedade
Vianense, por volta de 1932.
Da esquerda para a direita: José
Luís Amante, Pedro Figueira e a
mulher Angélica Falé, João Parrado
e o menino António Pedro
A vida quotidiana
|1910 | 1930 |
As actividades comerciais e industriais que nesse início de século se espalhavam
pelas ruas das povoações do
concelho, eram de alguma forma
muito mais variadas do que as
actuais. Tendo a economia local
características
predominantemente agrícolas, natural era que
essas actividades estivessem em
grande parte ligadas à agricultura. Existiam assim numerosas oficinas de abegão, algumas delas
ligadas a casas agrícolas (como
a dos Cabrais), albardeiros, ferradores, ferreiros, tanoeiros,
oleiros, mas também peneireiros, funileiros, estanqueiros,
carpinteiros, barbeiros e alfaiates, em Alcáçovas chocalheiros.
Os sapateiros eram numerosos,
de tal forma que chegaram a ter
uma associação de classe, da
qual ainda hoje existe o respectivo estandarte guardado em casa
particular. Igualmente numerosas
eram as tabernas, o consumo de
vinho estava muito vulgarizado. A
moda dos cafés chegou relativamente tarde a Viana, na década
36 REPUBLICA
de vinte, com o Café Bijou de
Tomás Bettencout (entre nós
conhecido pela escatológica alcunha do “Caga e tosse”…), que
se instalou numas casas da Rua
Cândido dos Reis, perto do Castelo, mais tarde propriedade de
João Félix. A animação do espaço estava a cargo de um aparelho de telefonia, novidade para a
altura.
A Sociedade Vianense
é uma das colectividades portuguesas mais antigas do nosso
País, fundada ainda na primeira
metade do século XIX, em 1838.
Possuiu durante largas décadas
um pequeno teatro do tipo “à
italiana” (a mesma tipologia do
Teatro Garcia de Resende, de
Évora, mas numa escala muito
mais reduzida), com uma lotação
que rondava os duzentos lugares
sentados. A Sociedade Vianense
albergou, durante muitos anos,
a Filarmónica Vianense, mais
tarde dissolvida por dissenções
entre os músicos e a direcção
da colectividade. Decorridos uns
anos e por empenho de José
António Direitinho, Manuel Rosado Pereira e Leonardo dos
Reis Baião, foi criado o Grupo
Musical 1º de Dezembro, tendo
como primeiro maestro Francisco Carracha. Falecido este,
foi substituído pelo então jovem
músico Acácio Viana Serpa.
Era também na Sociedade Via-
nense que funcionava o “Cine
Teatro”, que exibia regularmente
as melhores películas mudas que
se produziam lá fora, por vezes
acompanhadas por uma pequena
orquestra de músicos amadores.
As récitas e teatros eram muito
frequentes, pretexto para que os
filhos e filhas da pequena burguesia local pudessem conviver e
mostrar os seus dotes artísticos.
A vida quotidiana
|1910 | 1930 |
Programa de cinema mudo
no Cine Teatro que então funcionava
na Sociedade Vianense.
________________________________
A Filarmonica Vianense
fotografada junto à sua sede, a
Sociedade Vianense, c.1910.
São visíveis as três janelas dos
camarins do pequeno “cine teatro” e o
vão do antigo “passo”.
REPUBLICA
37
Em princípios da década
de vinte foi fundada, em Viana, a
Tuna Democrática Vianense. Ficaram famosos os bailes na sua
sede, onde a função de MestreSala era frequente e competentemente assegurada pelo carteiro e
fotógrafo Teófilo Duarte. O jornal
“O Transtagano”, na sua edição
de 19 de Fevereiro de 1930, deu
a notícia:
“No dia 9 do corrente mês realizouse um baile numa das salas da
Tuna Democrática Vianense,
promovido por uma comissão
de sócios daquela sociedade. A
comissão promotora, constituída
pelos srs. Jorge Augusto Cristo, Teófilo Branco Duarte, Feliciano Augusto Caldeira, António Rodrigues
Garrochinho, João José da Silva
e Joaquim dos Reis Carracha,
empregou o melhor do seu esforço
para que aquela festa resultasse
brilhante, o que de facto sucedeu,
dançando-se animadamente até
de madrugada. No porto de honra
trocaram-se afectuosos brindes
tendo usado da palavra o sr. José
Paulo da Rocha, presidente da
Tuna Democrática, Filipe de Sousa,
Teófilo Branco Duarte, Jorge AuPrograma de uma Récita
de amadores, realizada no teatro
da Sociedade Vianense, c.1925. A
receita reverteu a favor do Hospital
da Misericórdia.
A vida quotidiana
|1910 | 1930 |
38 REPUBLICA
gusto Cristo, Fernando Malheiros e
pelo Transtagano os srs. Joaquim
Lopes e Alberto Carvalho. Agradecemos reconhecidos o convite que
a aludida comissão teve a amabilidade de nos enviar.”
A vida quotidiana
|1910 | 1930 |
Algumas vezes as festas
locais foram notícia na imprensa
nacional. O jornal “O Século”, de
5 de Março de 1911, numa secção titulada de “Ecos do Carnaval nas Províncias”, dá conta do
que se passou em Viana:
“Durante o Carnaval apareceram
dignos de menção uma revista aos
costumes da terra, um carro paródia às cozinhas económicas, outro
com a família Direitinho e uma crítica às últimas modas das senhoras,
que despertou as atenções gerais,
pelo bom gosto com que se apresentaram os srs. Joaquim Varela
Gusmão, vestido de travadinha,
Rodrigo Varela Gusmão, trajando
saia, saco e chapéu da última
moda, e Miguel Pimenta Massapina, de saia-calção. Em casa da sr.ª
D. Mariana José Lopes houve um
baile que correu animado.”
Banda da Sociedade União
Alcaçovense. Por estar publicada no
livro de Mário do Rosario, infere-se que a
fotografia é de 1924 e que foi tirada por
Vasco Serra Ribeiro.
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Em Alcáçovas a vida cultural e recreativa orbitava à volta
da Sociedade União Alcaçovense, fundada em 1885, a partir da
fusão de duas bandas existentes:
a dos ricos, localmente conhecida como a dos “nalgueiros”
e a dos pobres, também conhecida como dos “pés frescos”. A
razão de tais ápodos é fácil de
discernir: os primeiros, abastados, reflectiam nas suas fartas
nádegas o bem viver. Os segundos, menos beneficiados pela
fortuna, faltava-lhes a verbazita
para o sapatinho… Entre os fundadores da Sociedade contavase o já referido padre Joaquim
Pedro d’ Alcântara e alguma da
elite local. A Banda Filarmónica
e a respectiva escola de música
foram o centro da actividade da
SUA, os concertos eram dados
na sede e num pequeno coreto
de madeira, desmontável, que se
instalava na Praça da República
ou no Largo Alexandre Herculano. Mais tarde promoveram uma
campanha para a construção de
um grande coreto, no Largo, inaugurado em 29 de Setembro de
1929. Na reunião de direcção de
25 de Outubro de 1910, a primeira após a revolução republicana,
entenderam os sócios presentes
clarificar as futuras relações da
colectividade com o novo regime:
“Aberta a sessão o presidente
declarou que em vista da mudança
de instituição, a philarmonica continuaria a tocar em todas as festas
quer civicas ou relegiosas sem
caracter politico, mas mediante remuneração ajustada com o regente
de acordo com os philarmonicos.
Em vista d’esta declaração pedia
aos sócios músicos que tomassem
a tal respeito a deliberação que
julgassem justa.
A assembleia considerando que a
declaração era aceitável, resolveu
unanimamente aproval-a.”
Esta acta é, no final, assinada pelo então presidente
Luís Guilherme Bamond, pelo
secretário Luís Francisco Fernandes Pires e pelos sócios
músicos José Maria Bamond,
Francisco António Caneca,
Manuel Maria Passão, António
Augusto Passão e Fernando
Mello, entre outros.
REPUBLICA
39
Luís Guilherme Bamond
era, em 1910, presidente da
Sociedade União Alcaçovense.
A Feira d’Ayres
Garraiada na Feira d’Aires
A o fundo, sobre um palanque,
a Filarmónica Vianense
abrilhantava a faena.
c.1922.
A vida quotidiana
|1910 | 1930 |
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O ano dividia-se, em Viana do Alentejo, em dois grandes
períodos: o antes e o depois da
Feira. As gentes chegavam, um
pouco de todo o lado, em churriões, carroças com ou sem toldo,
charretes, pernoitando na Alameda, ao ar livre, ou nas casas
dos romeiros que circundam o
Santuário. Alguns chegavam
com semanas de antecedência,
aproveitando para uns banhos
nas vizinhas águas termais da
Casqueira. Nalguns anos a
Companhia dos Caminhos-de-ferro organizou, a partir de Lisboa, comboios especiais. A feira
era ocasião de rever familiares e
amigos, de fazer negócios com
gados e fazendas, de pagar as
rendas que se venciam pelo S.
Miguel.
Um pitoresco episódio
ocorreu por altura de 1922, mais
ano menos ano. Um grupo de
“aficionados” vianense lembrouse de organizar uma “Grandiosa
Tourada” por ocasião da Feira
40 REPUBLICA
d’Aires. A coisa foi levada ao pormenor, mandaram fazer cartazes
e tudo, publicitando que a festa
iria ser abrilhantada pela nata
dos matadores espanhóis, pela
primeira vez em Viana seria possível ver actuar os grandes “El
Fulano” e “El Beltrano”!... O povo
acorreu em peso, encheu-se a
improvisada praça, construída
com paus de eucalipto na bela
“Alameda” contígua ao Santuário.
Sobre um palanque, animava o
espectáculo a Filarmónica local.
O pior foi quando o público descobriu que os “el’s” afinal eram…
eles, o grupo de castiços locais!
Vestidos a rigor para a tauromáquica lide, por pouco não levaram
uma sova do público, pois houve
gente que não gostou da brincadeira e exigiu o dinheiro de volta. Mas a garraiada fez-se e dela
ficou a memória para a posterioridade. Entre os organizadores
contava-se o então estudante de
medicina, Manuel Prates e o sapateiro Chico da Rosa.
Mário do Rosario
e a Vila de Alcáçovas
Momento alto para a vida
de Alcáçovas foi o da reabertura,
em 18 de Maio de 1924, do Hospital da Misericórdia, depois de ter
beneficiado de grandes obras de
remodelação. A festa foi pretexto para uma visita à vila de uma
equipa de reportagem de “O Século”, na qual se integrava o fotógrafo Vasco Serra Ribeiro. Este
aproveitou a oportunidade para
realizar uma série de “clichés” sobre a terra, o seu património e as
suas gentes, mais tarde utilizados por Mário do Rosário no seu
pequeno livro “A Vila de Alcáçovas: sua História, suas belezas,
seu Comercio e sua Industria”,
editado ainda nesse ano de 1924,
em Lisboa, pela Sociedade Nacional de Tipografia. De parte das
fotografias tiradas por Serra Ribeiro foi feita, na mesma altura,
uma colecção de bilhetes-postais
ilustrados, dois dos quais aqui
reproduzidos. Apesar dos nos-
sos esforços, não foi
possível utilizar essa
colecção de “clichés”
na exposição.
Republicano de longa
data, Mário do Rosário estava
ligado a Alcáçovas por ter aqui
trabalhado, alguns anos antes,
como empregado dos telégrafos.
Tendo desenvolvido uma grande
afectividade pela Vila, foi um dos
impulsionadores das obras que
então se inauguravam. No seu livro contou com a colaboração de
vários amigos e correligionários,
entre eles Júlio Dantas, Eduardo de Noronha, Amadeu de
Freitas e o antigo professor primário de Alcáçovas Pedro José
Teixeira.
Vasco Serra Ribeiro,
fotógrafo do jornal “O Século”,
realizou em 1924 uma série de “clichés”
da Vila Alcáçovas, alguns dos quais
usados numa colecção de
bilhetes postais.
A vida quotidiana
|1910 | 1930 |
REPUBLICA
41
A Visita do Arcebispo de Évora
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A pouco e pouco as conturbadas relações da República
com a Igreja Católica foram conhecendo alguma normalização,
sobretudo a partir do consulado
de Sidónio Pais (Dezembro de
1918 a Dezembro de 1919). A
vida religiosa voltou de novo a fazer parte do dia a dia local, embora já sem a omnipresença de outrora. As procissões da Câmara
deixaram de se realizar, a de S.
Sebastião e a do Corpo de Deus,
assim como algumas das festas
e romarias ligadas ao culto de
Nossa Senhora d’Aires. Em Maio
de 1924 o Arcebispo de Évora, D.
Manuel Mendes da Conceição
Santos, visitou Aguiar e Viana
do Alentejo. Viriato Campos, o
fotógrafo, acompanhou a visita.
Algumas dessas fotografias foram depois publicadas, em 27 do
mesmo mês, na revista quinzenal
Ilustração Portuguesa, que se
publicava em Lisboa, propriedade do grupo editorial de “O Século”.
| 1924 |
O Estado Novo
| 28 | 5 | 1926 |
Da Revolução de 28 de
Maio de 1926, começo do fim
da Primeira República, não nos
dão qualquer sinal as actas das
sessões da Câmara. Inicialmente
semanais, as reuniões das vereações começaram a ser mais
espaçadas, sobretudo a partir de
1917. Em 1918, provavelmente
por causa da pneumónica, o Executivo autárquico reuniu apenas
uma vez, a 2 de Janeiro. A sessão de 17 de Junho de 1926, a
segunda e última desse ano, foi
presidida por Francisco Lúcio
Máximo, estando presentes os
42 REPUBLICA
vereadores José António Direitinho, Manuel Maria Passão,
Luiz de Sousa Fernandes Cabral, Francisco António Beija
Júnior, António Viriato Machado, José António do Carmo,
Júlio Victor Machado e João de
Sousa Faria e Melo. Esta reunião teve como objectivo a aprovação do relatório de receitas e
despesas do ano anterior. Nesse
ano de 1925 a Câmara Municipal
de Viana do Alentejo tinha tido
uma receita total de 142.036$43,
qualquer coisa como 710 euros.
Os aviões
de Sarmento de Beires
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A inaudita visita aconteceu no dia 12 de Fevereiro de
1928, já em plena ditadura militar instalada pelo golpe de 28 de
Maio de 1926, quando dois aviões
aterraram em Viana do Alentejo.
Para receber os ilustres visitantes
improvisou-se uma pista no Monte Ruivo, pertença da casa Cabral. As duas aeronaves faziam
parte da então recém criada “Esquadrilha Republica”, instalada
na Amadora, pioneira da aviação
militar em Portugal. Comandava
este “raid” o major Sarmento de
melhores pensadores republicanos da época. Estas pequenas
viagens de avião, “raides” como
na altura lhes chamavam, tinham
por objectivo político divulgar junto das populações da província
o ideal seareiro. A visita a Viana
deveu-se, porém, a razão muito
menos prosaica: amigo do Dr.
Mário Castro, disponibilizou-se
Sarmento de Beires a trazê-lo
a Viana, pois aquele namorava
aqui uma menina, Ofélia Carracha. Esta senhorita, que vivia no
actual número 19 da Rua Prof.
Beires, republicano e consagrado herói nacional. Recordemos
que Brito Pais e Sarmento de
Beires tinham conseguido ligar,
por via aérea e pela primeira
vez, Lisboa a Macau, em 1924.
Sarmento de Beires era um dos
fundadores da “Seara Nova” –
uma revista doutrinária e crítica,
fundada em Lisboa em 1921, que
juntava à sua volta alguns dos
Manuel Prates, era irmã de Francisco Carracha, celebrizado entre nós pelas operetas que compunha, ensaiava e levava à cena
no teatrinho que então existia na
Sociedade Vianense. Durante
décadas existiu no gabinete da
Direcção desta colectividade um
grande retrato de Sarmento de
Beires, memorial da sua passagem por Viana do Alentejo.
REPUBLICA
43
Sarmento de Beires
teve uma recepção apoteótica em Viana,
com direito a banda e muito povo. No
canto inferior esquerdo, um cão
assiste, desinteressado, à festa...
| 1928 |
O Transtagano
No dia 1 de Maio de 1929
viu a luz do dia o primeiro número
do jornal local “O Transtagano”. A
publicação apresentava-se como
quinzenal, mas nem sempre lhe
foi possível cumprir essa periodicidade. A sua direcção e edição
estava a cargo de Joaquim Lopes, o redactor era Francisco
Direitinho, filho de José António
Direitinho, o “histórico” vianense
do partido republicano. Como
administrador apresentava-se Alberto Carvalho, pai do homónimo recentemente falecido (2010).
O secretário da redacção era
Liberato Oliveira. Surgindo na
fase terminal da primeira república (para muitos ela até já teria terminado, com o golpe militar de 28
de Maio de 1926), o projecto “O
Transtagano” pode considerar-se
como uma sua produção serôdia.
A redacção instalou-se na Rua
Dr. António José de Almeida, presumimos que no “Paraíso”, então
propriedade da família Direitinho.
O editorial do primeiro número,
titulado “Duas Palavras”, permitenos percepcionar o caminho que
a novel publicação irá trilhar:
| 1929 |
| 1931 |
Colaborador de “O Transtagano”, Joaquim Silva Dias
era o filho mais velho da numerosa prole do escultor José Albino
Dias. Natural de Coimbra, José
Albino tinha vindo para Viana nos
finais do século XIX, a convite de
António Isidoro de Sousa, para
leccionar desenho e modulação
cerâmica nos projectos de formação que então se iniciavam. Todos os seus filhos cá nasceram.
Joaquim Silva Dias, licenciou-se
em Direito, em Lisboa. Seduzido
pelas ideias integralistas, expandidas em Portugal pelo escritor
alentejano António Sardinha,
de quem tinha sido amigo, acabou assassinado em Évora, a
12 de Dezembro de 1931, em
plena Praça do Geraldo, quando se encontrava ao volante do
seu automóvel. Ao seu lado estava Francisco Rolão Preto, um
dos fundadores do movimento
integralista lusitano, mentor e
dirigente dos “camisas azuis”, falange nacional-socialista de raiz
fascista. O funeral de Joaquim
Silva Dias constituiu, provavelmente, uma das maiores manifestações de pesar a que Viana
do Alentejo já assistiu. No momento em que Silva Dias descia à
terra encerrava-se localmente, de
forma simbólica, o tempo a que
convencionámos chamar de Primeira República Portuguesa.
“O Transtagano terá um cunho
acentuadamente regionalista,
nele cabendo, portanto, todos os
credos políticos e religiosos, e
orientar-se-ha dentro do mais puro
nacionalismo, acudindo sempre
e prontamente para a luta contra
tudo o que possa pôr em perigo
a integridade da Pátria que nos
serviu de berço, deste abençoado
rincão que é um jardim da Europa
á beira mar plantado”.
44 REPUBLICA
REPUBLICA
45
Largo Bernardino Machado,
c.1930. Poucos anos depois seria o
Largo 28 de Maio, hoje é
o Largo 25 de Abril.
Créditos de fotografias e documentos
Página 4 – Castelo de Viana do Alentejo.
Roque Gameiro, 1922. Aguarela.
Reprodução digital feita a partir de
cartela editada pela Casa dos Patudos Museu de Alpiarça.
Página 5 – Largo da officina de cerâmica,
Viana do Alentejo. Bilhete-postal, s.d.
Cedido por Iria Cardoso.
Página 6– Garrafa de vinho Xarrama.
Garrafa cedida por Francisco Cabral,
fotografada pelo autor.
Página 6– Professor Augusto Alberto
Sanches com um grupo de alunos. Autor
desconhecido, c.1900. Prova sobre
papel, 17 x 12 cm. Espólio de Miguel
Figueira, cedida por Maria José Figueira.
Página 7 – Fundadores do Núcleo
Alcaçovense da Liga Nacional de
Instrução. Autor desconhecido, c.1908.
Reprodução digital cedida por Nuno
Grave.
Página 8 – Padre Joaquim Pedro
d’Alcântara. Autor desconhecido, s.d.
Reprodução digital de original existente
na Sociedade União Alcaçovense.
Página 9- Pedro Teixeira. Autor
desconhecido, s.d. Reprodução digital a
partir de: ROSÁRIO, Mário do. A vila de
Alcáçovas: sua história, suas belezas,
seu comércio e sua indústria. Lisboa:
Sociedade Nacional de Tipografia. 1924,
p.17.
Página 9– Antigo Largo de S. Sebastião,
Alcáçovas. Bilhete-postal, início do séc.
XX. Cedido por João Ilhéu.
Página 10 – José Manuel d’Assumpção.
Autor desconhecido, s.d. Reprodução
digital de original existente na Sociedade
União Alcaçovense.
Página 11 – Antiga Praça do Município,
Viana do Alentejo. Bilhete-postal, s.d.
Colecção do autor.
Página 12 – Largo Alexandre Herculano,
Alcáçovas. Bilhete-postal, s.d. Colecção
do autor.
Página 13 – Escola de S. João, Viana do
Alentejo. Fotografia de Viriato Campos,
s.d. Prova sobre papel 30 x 24cm, colada
sobre cartão 37x32cm. Cedida pela
Câmara Municipal de Viana do Alentejo.
Página 14 – Grupo de senhoras. Autor
desconhecido, c.1910. Prova sobre papel
17 x 12cm, colada sobre cartão. Espólio
de Miguel Figueira, cedida por Maria
46 REPUBLICA
José Figueira.
Página 14 – Grupo Escolar. Autor
desconhecido, s.d. Reprodução digital
cedida por Nuno Grave.
Página 16 – Largo da Officina de Olaria.
Fotografia de Viriato Campos, s.d.
Positivo sobre vidro 9 x 9 cm, colorido
manualmente. Cedido por Rui Gusmão.
Página 17 – Viana do Alentejo. Autoria
desconhecida, provavelmente Viriato
Campos. Bilhete-postal, sd. Colecção do
autor.
Página 18 – Igreja de Nossa Senhora
de Aires, Viana do Alentejo. Autor
desconhecido, c.1910. Reprodução
digital. Arquivo Fotográfico da Câmara
Municipal de Évora.
Página 19 – Procissão, Viana do
Alentejo. Autor desconhecido,
provavelmente Viriato Campos, s.d.
Prova sobre papel tipo “post card” 14
x 9cm. Cedida por Francisco Cardoso
Miguel.
Página 20 – Joaquim dos Reis Branco.
Autor desconhecido, provavelmente
Viriato Campos. Prova sobre papel 18 x
24cm, colada sobre cartão. Cedida por
Joaquina Fonseca.
Página 21 – José Heliodoro Sezões.
Autor desconhecido, c.1917. Prova sobre
papel tipo “post card” 13 x 9cm. Cedida
por Maria Teresa Salsinha Fonseca.
Página 22 – Verso da fotografia anterior.
Página 23 – Maria Ludovina Flór. Autor
desconhecido, provavelmente Estúdio
Ricardo Santos, Évora, c.1918. Prova
digital sobre papel 13,8 x 9 cm. Cedida
por Maria Teresa Salsinha Fonseca.
Páginas 25 e 26 – Procissão à saída
da Igreja Matriz de Viana do Alentejo.
Fotografia de Viriato Campos, 21 de
Janeiro de 1918. Prova sobre papel tipo
“post card” 11 x 8cm. Colecção do autor.
Página 27 – A família Flór. Autor
desconhecido, provavelmente Viriato
Campos, 1918. Prova sobre papel
17,5 x 12,3cm, colada sobre cartão
24 x 18,1cm. Cedida por Maria Teresa
Salsinha Fonseca.
Página 28 – José Albino Dias. Autor
desconhecido, provavelmente Viriato
Campos, s.d. Reprodução digital cedida
por João Dias Carvalho.
Página 28 – Fonte da Cruz. Fotografia
de Viriato Campos, c.1925. Prova sobre
papel 30 x 24cm, colada sobre cartão 37
x 32cm. Cedida pela Câmara Municipal
de Viana do Alentejo.
Página 29 – Teófilo Duarte. Fotografia
de Viriato Campos, c.1925. Prova sobre
papel tipo “post card” 14 x 9cm. Cedida
por Nuno Duarte, Isolina Duarte e
Gabriela Duarte.
Página 30 – Debulha mecânica. Autor
desconhecido, 1922. Prova sobre papel
colada sobre cartão. Cedida por Carlos
Marques.
Página 32 – Chafariz e fonte do Rocio,
Viana do Alentejo. Autor desconhecido,
provavelmente Viriato Campos, s.d.
Prova sobre papel. Colecção do autor.
Página 32 – Paço das Alcáçovas.
Fotografia de Vasco Serra Ribeiro, 1924.
Bilhete-postal. Cedido por João Ilhéu.
Página 33 – António Diogo de Oliveira
e família. Autor desconhecido, s.d.
Prova sobre papel tipo “post card” 8,7 x
6,8cm. Cedida por Maria Teresa Salsinha
Fonseca.
Página 34 – Largo de S. Luís, Viana do
Alentejo. Bilhete-postal, s.d. Colecção
do autor.
Página 35 – José António Duarte.
Fotografia de Teófilo Duarte, s.d. Prova
sobre papel 13 x 8cm, colada sobre
cartão 18 x 15cm. Cedida por Nuno
Duarte, Isolina Duarte e Gabriela Duarte.
Página 36 – Oficina de sapateiros. Autor
desconhecido, s.d. Prova sobre papel
12 x 8cm. Cedida por António Pedro
Figueira.
Página 36 – Estandarte. Fotografia de
Manuel Jorge Rafael, s.d. Prova digital.
Cedida pelo próprio.
Página 37 – A Filarmónica Vianense.
Autor desconhecido, c. 1910. Prova
sobre papel 11,5 x 9cm, colada sobre
papel 22 x 16,5 cm. Espólio de Maria
Lúcia Lima, cedida por Iria Cardoso.
Página 39 – Banda da Sociedade União
Alcaçovense. Autor desconhecido,
provavelmente Vasco Serra Ribeiro, s.d.
Reprodução digital de original existente
na Sociedade União Alcaçovense.
Página 39 – Luís Guilherme Bamond.
Autor desconhecido, s.d. Reprodução
digital de original existente na Sociedade
União Alcaçovense.
Página 40 – Garraiada na Feira de Aires,
Viana do Alentejo. Autor desconhecido,
provavelmente Viriato de Campos, s.d.
Prova sobre papel tipo “post card” 13,5
x 9cm. Cedida por Maria Luísa da Paz
Serpa.
Página 40 – Feira de Aires, Viana do
Alentejo. Autor desconhecido, s.d.
Reprodução digital. Cedida por Rita
Massapina.
Página 41– Alcáçovas. Fotografias de
Vasco Serra Ribeiro, 1924. Bilhetespostais. Cedidos por João Ilhéu.
Página 42 – Ilustração Portuguesa, II
Série, n.º849, 27 de Maio de 1922, p.506.
Fotografias de Viriato Campos.
Página 43 – Os aviões de Sarmento
Beires. Fotografia de Viriato Campos,
28 de Maio de 1926. Prova sobre papel
tipo “post card” 13,5 x 8,5cm. Espólio de
Miguel Figueira, cedida por Maria José
Figueira.
Página 44 – O Transtagano, ano 1, n.º
1, 1 de Maio de 1929, p.1. Espólio de
Miguel Figueira, cedido por Maria José
Figueira.
Página 45 – Largo Bernardino Machado,
Viana do Alentejo. Fotografia de Viriato
Campos, s.d. Positivo sobre vidro 9 x 9
cm, colorido manualmente. Cedido por
Rui Gusmão.
Página 47 – Castelo de Viana do Alentejo
(pormenor). Roque Gameiro, 1922.
Aguarela. Reprodução digital feita a
partir de cartela editada pela Casa dos
Patudos - Museu de Alpiarça.
REPUBLICA
47
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Edição da
48 REPUBLICA
Câmara Municipal de
Viana do Alentejo
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