Imagens & memórias República A primeira no concelho de Viana do Alentejo Francisco José Baião Introdução Ficha técnica Recolha fotográfica, textos e concepção gráfica: Francisco José Baião Recolha de dados e revisão final: Joana Margarida Baião Tratamento de imagem: Jerónimo Heitor Coelho Impressão e acabamentos: Milideias, comunicação visual, Lda Editor: Câmara Municipal de Viana do Alentejo Tiragem: 260 exemplares ISBN 978-989-95943-1-9 Depósito Legal Setembro de 2010 Exposição Produção: Câmara Municipal de Viana do Alentejo Concepção e coordenação: Francisco José Baião Ampliações fotográficas: J.B.Photo Lda Concepção do dispositivo expositor: Manuel José Baião Agradecimentos: Juntas de Freguesia de Aguiar, Alcáçovas e Viana do Alentejo, pela cedência dos espaços. Câmara Municipal de Viana do Alentejo Ao cumprirem-se cem anos sobre a data da implantação da República em Portugal, entendeu a Câmara Municipal de Viana do Alentejo aderir ao programa nacional de comemorações que assinalam a efeméride. Acedendo ao convite da autarquia para integrar o grupo incumbido de promover as iniciativas locais, propus a realização de uma exposição fotográfica e documental, onde fosse possível ao visitante entrever um pouco a forma como se vivia, há um século atrás, no nosso concelho. Aceite o projecto, à medida que se recolhiam e tratavam materiais foram surgindo pequenas histórias que se transformaram em textos, alguns demasiado extensos para integrarem o espaço expositivo. Mas o seu interesse reclamava a sua divulgação, motivo pelo qual surge este pequeno catálogo. Duas advertências haverá que fazer, contudo, ao seu leitor. A colecção de fotografias antigas que serve de base a este projecto é essencialmente de Viana do Alentejo, minha terra natal e fulcro natural da minha atenção. Daí a centralidade que a sede do concelho possa aqui apresentar, apesar do esforço feito para que a exposição e o catálogo apresentem algum equilíbrio entre freguesias. Por outro lado, não tem esta pequena brochura quaisquer veleidades de se constituir como uma história da 1ª República no concelho de Viana do Alentejo. Esse trabalho está por fazer, requerendo ciência e habilidade de competente oficial do ofício… Este livrinho é apenas o que é: uma singela recolha de fragmentos de episódios e vivências que envolveram os nossos avós e bisavós, ocorridos ao longo das três primeiras décadas do século XX, apresentados de forma cronológica, com preocupações mínimas, mas ainda assim rigorosas, de contextualização histórica. Como fontes privilegiadas de informação, para além das orais (infelizmente já em segundas ou mais mãos…), recorremos a alguma da documentação existente no Arquivo Histórico da Câmara Municipal de Viana do Alentejo, a jornais nacionais, regionais e locais, e às poucas publicações que tratam sobre o nosso concelho. Alguns agradecimentos devem aqui ser inscritos: ao actual executivo municipal, pronto no acolhimento a este projecto. À D.Teresa Salsinha Fonseca, de Aguiar, pela história do seu avô Magalhoa. Ao Nuno Grave, pelo apoio em Alcáçovas. Ao António “Beijinho”, fonte inesgotável e credível de memórias do seu tempo e de outros tempos que não foram o seu. À minha filha Joana, pelo auxílio continuado e recolha de dados na Biblioteca Nacional. Enfim, a todos os meus conterrâneos e amigos, muitos, que ao longo dos anos me têm cedido as suas velhas fotografias, pedaços inestimáveis de memórias pessoais e familiares, agora metamorfoseadas pela acção do tempo em memórias de todos nós. Francisco José Baião 5|10| 2010 | 1900|1910 Castelo de Viana do Alentejo. Aguarela. Roque Gameiro, 1922 Casa dos Patudos - Museu de Alpiarça. Os tempos afiguravam-se auspiciosos para o Concelho de Vianna do Alemtejo na entrada do século XX. Ao isolamento milenar opunham-se agora as chegadas do comboio e do telégrafo, ligando-nos a Lisboa e, através dela, a todo o Mundo. Apesar da autonomia municipal ter sido interrompida em 1895, por decreto de João Franco, três anos depois seria restabelecida, a 13 de Janeiro de 1898, por via da acção política promovida pelo médico veterinário António Isidoro de Sousa. Também a este ilustre vianense se deviam, já em 1900, grande parte das iniciativas de desenvolvimento então em curso. A União Vinícola e Oleícola do Sul (porventura a primeira cooperativa agrícola portuguesa), a Escola Industrial de Desenho Médico Sousa, a Oficina de Cerâmica, a divisão das herdades do Montinho e Cega-Gatos em pequenas glebas (posteriormente vendidas em condições muito favoráveis a pequenos agricultores locais), o Viveiro, a Caixa Económica Operária, a Loja do Povo, todos estes projectos pretendiam colocar Viana do Alentejo na rota do progresso, agora que um novo século se avizinhava. Monárquico e católico, António Isidoro de Sousa teve em José Fernando de Sousa, seu irmão, o intermediário indispensável junto das estâncias centrais do poder político. Nascido em Viana mas residente em Lisboa, antigo tenente-coronel do exército, José Fernando de Sousa foi também engenheiro e quadro superior dos Caminhos-de-ferro, jornalista e conselheiro de Estado. A propósito do alcance social da obra de António Isidoro de Sousa, um projecto que hoje designaríamos de “desenvolvimento integrado”, escreveu Joaquim dos Reis Branco num artigo publicado no jornal local “O Transtagano”, em 20 de Setembro de 1929: Largo da Officina de Cerâmica, o edifício alto à direita e chafariz dos Escudeiros, c. 1910. | 1900 | “Aqui está pois como Isidoro de Sousa encarava os problemas sociaes, fornecendo ao seu povo todo o apoio moral e intelectual, com o fim de o tornar livre, procurando o seu bem-estar e fornecendo-lhe os dois elementos necessários: água e terra, faltando apenas o Sol, esse astro que nos ilumina de que o mesmo era portador, devido à sua inteligência de espírito que por muitos anos iluminou a sua terra natal”. REPUBLICA 5 | 1910 | Garrafa de Vinho Xarrama, produzido e engarrafado pela Cooperativa União Vinícola e Oleícola do Sul, de Viana do Alentejo Subitamente, a partir de 1904, todo este admirável mundo novo começou precocemente a desabar. … Queda no preço do vinho, surto de doenças vitícolas, desinteresse e falta de cumprimento das promessas do governo no financiamento à cooperativa, as próprias contradições internas e interesses opostos entre os participantes nos diversos projectos, tudo isto contribuiu para o desmoronar do sonho. Tendo chegado a exportar vinho engarrafado para o Brasil, a União Vinícola deixa de o produzir a partir de 1905. O Viveiro é arrendado, em 1907, a um pequeno agricultor, por 80 mil réis anuais. As instalações da Adega Social, junto à Estação de Caminhos-de-ferro de Viana, consideradas modelares, são vendidas pelo Estado, em 1911, pela quantia de 237$150. É pois a um concelho vivendo um clima de algum desencanto que, em Outubro de 1910, chega a República, imposta pela via revolucionária em Lisboa, pelo telégrafo na província… Os republicanos não O professor Augusto Alberto Sanches com um grupo de alunos, na escola da Casa Pia, em Viana do Alentejo, c.1900. Republicano, será mais tarde vereador da Câmara Municipal. 6 REPUBLICA estavam organizados, em Viana do Alentejo, aquando da revolução de 5 de Outubro, ao contrário do que acontecia em Alcáçovas, onde já dispunham de algumas estruturas, pelo menos desde Março de 1908. A ideia da República tinha, contudo, alguns seguidores de longa data em Viana, tal como nos dá notícia o jornal “O Mundo”, de 1 de Maio de 1911: “É simples fazer a história políticorepublicana de Vianna. (…) Há entretanto um homem que, apesar de afastado agora de Vianna, não deve ser esquecido: José Francisco de Moraes, operário rolheiro. A sua tenaz propaganda cria alguns prosélitos, que devotadamente trabalham em favor da causa, e, mais, tarde, esse trabalho é secundado por José António Direitinho, que reúne em sua casa alguns elementos como Francisco Manuel Silveiro, Manuel Rosado Pereira, José António Duarte, João de Oliveira e outros, os quais decidem concorrer às eleições de 5 de Abril de 1908, obtendo 47 votos. Nessa eleição ainda os defensores do antigo regime se propunham a dar 50 votos aos franquistas [os partidários de João Franco]! Vem finalmente a eleição de 28 de Agosto e o governo de Teixeira de Sousa engoda os vianenses com 500$000 réis para ocorrer às despesas de construção de uma escola, pois que a antiga ficara quasi destruída pelo terramoto de 1909, com a promessa de mais 1.000$000 réis para o mesmo fim e ainda com a nomeação definitiva do distincto professor Augusto Alberto Sanches, que regia temporariamente a aula e para a conservação do qual, os elementos liberais de Vianna se interessavam absolutamente. De nada serviu, porém, o engodo, pois os republicanos nessas eleições conseguiram afirmar-se com 79 votos.” O Núcleo Alcaçovense de Instrução A criação deste núcleo tinha sido precedida, estamos em crer que ainda em anos finais do século XIX, pelo “Gabinete de Instrução Popular”, que esteve instalado numas casas da Rua dos Sevilhanos. Os mentores e fundadores deste “Gabinete” foram José António do Carmo, Feliciano Paiva e Alberto Batista (os dois primeiros serão, depois de 5 de Outubro e durante longos anos, vereadores da Câmara). Estas escolas populares serviam muitas vezes de pretexto para a disseminação das ideias republicanas, pelo que os monárquicos e o seu regime não as viam, obviamente, com bons olhos. Este Gabinete acabou mesmo por ser encerrado, alvo da perseguição de algumas forças políticas locais e do Administrador do Concelho. De tudo isto nos dava notícia o jornal republicano “O Mundo”, na sua edição de 3 de Maio de 1911: “Dessa guerra geral à instrução sofreu Alcáçovas os seus duros efeitos. Havia cinco annos que o ensino estava aqui, por assim dizer, abandonado. O professor, durante esse lapso de tempo, nem sequer um alumno, para amostra, levara a exame. Perante tamanho atentado contra uma geração que se estiolava, foi lançada a ideia de um “Gabinete de Instrução Popular”, e, reunidos para tal fim, em casa de José António do Carmo, uns catorze cidadãos, assentou-se na fundação de uma escola, na qual, por falta de recursos, se prestaram desde logo a prestar o ensino os próprios sócios do grupo. E assim se fez. Feliciano Paiva e Alberto Baptista roubavam ao seu trabalho algumas horas REPUBLICA 7 O grupo fundador do Núcleo Alcaçovense da Liga Portuguesa de Instrução. c.1908 | 1910 | O padre Joaquim Pedro d’Alcântara pároco de Alcáçovas, monárquico, um dos fundadores da Sociedade União Alcaçovense, viu-se no final da sua vida ( faleceu em 1911) alvo de críticas dos republicanos daquela Vila. | 1910 | de dia, para ensinarem as pobres crianças; à noite, os outros doze apóstolos prosseguiam na faina encetada pelos dois colegas. Algumas dedicações, umas sinceras, outras especulativas, secundaram o esforço benemérito dos agrupados. No número das sinceras pode contar-se a do sr. conde da Esperança que gratuitamente cedeu uma casa na Rua dos Sevilhanos; no número das especulativas figurava a do padre Alcântara, oferecendo o mobiliário da escola da antiga junta de parochia e o seu talento para a elaboração dos estatutos do Gabinete, confiado em que a obra não progrediria e que ella serviria até para que os republicanos nella integrados se envolvessem à bulha e…fosse uma vez…o partido da democracia em Alcáçovas. Mas porque os jesuíticos cálculos lhe falhassem, visto que a escola do Gabinete começava de engrandecer-se, dando profícuos resultados, padre Alcântara conluiado com o seu reverendíssimo colega António dos Santos Coelho, secretário do seráfico ex-bispo de Beja, e então administrador do concelho de Vianna do Alemtejo, principiou movendo combate acérrimo ao “Gabinete Alcaçovense de Leitura e Instrução Popular”. Assim, e sob o fundamento de que não eram diplomados os indivíduos que se entregavam à missão carinhosa e bemfazeja de dar luz ao cérebro das criancinhas, foram intimados Feliciano Paiva e Alberto Baptista, por meio de contra-fés, emanadas da administração de Vianna, a encerrar imediatamente a escola! Representavam a força e…venceram! Não esmoreceram, porém, os audazes paladinos da instrução e, apenas fundada a Liga Nacional, estabeleceram acto contínuo, e de acordo com a direcção da mesma, o Núcleo a que a digna e distinctamente preside Alberto Baptista e cujos serviços seria ocioso estar a encarecer. Novas dedicações surgiram, entre as quais é justo consignar a do sr. José Braamcamp de Mattos que fez a cedência da casa, onde se encontra actualmente instalado o Núcleo, e a do illustre professor e nosso querido correligionário Pedro José Teixeira, o qual apesar de afastado actualmente de Alcáçovas, ainda conserva perduráveis o seu nome e os seus esforços no coração de todos os bons cidadãos alcaçovenses. De nada valeram as perseguições do clericalismo. Outros poderes mais altos se alevantaram.” A Liga Nacional de Instrucção, a que atrás se faz referencia, teve fundação nacional em 1907, sendo provável que a sua delegação das Alcáçovas, também conhecida por Núcleo Alcaçovense de Instrucção, tivesse nascido ainda nesse ano ou no ano seguinte. Certo é que em 1909 celebrou, pela primeira vez, a “Festa da Árvore”, iniciativa que associava o culto da árvore a outros valores centrais do republicanismo, como a fraternidade, a educação e o culto da pátria. A acta da sessão da Câmara de 28 de Janeiro de 1909 mandava: “Agradecer ao Núcleo Alcaçovense o seu convite [para a Festa da Árvore] e pede ao Snr. Vice- Presidente, para que se digne representar a Câmara n’aquella festa, ao que S. Exª de bom grado aceitou”. De referir ainda a figura do professor da instrução primária Pedro José Teixeira que, pelas suas ideias republicanas, se viu afastado do ensino em Alcáçovas. Foi reintegrado, já depois da implantação do novo regime, como nos dá conta uma pequena notícia publicada em 9 de Novembro de 1910, no jornal “O Século”: “O antigo professor interino da escola da freguesia de Alcáçovas, sr. Pedro José Teixeira, afastado daquele lugar por violentas perseguições do extinto regime, foi provido no mesmo cargo, provisoriamente, até que tenha colocação efectiva noutra escola. Ser-lhe-ão abonados os vencimentos de diferença entre a sua pretérita situação e a actual.” Orientando a sua propaganda para o incremento do associativismo e do municipalismo, é natural que o ideário republicano fosse caro às gentes das Alcáçovas, que veriam nele o meio O professor Pedro José Teixeira. Republicano, foi afastado de Alcáçovas antes de 5 de Outubro. Depois da revolução foi reintegrado. | 1910 | O concelho de Viana do Alentejo já tinha instrução primária desde os finais do século XIX. O antigo Largo de S. Sebastião, num bilhete postal de inícios do século XX. Nesta altura já tinha começado a ser urbanizado. 8 REPUBLICA REPUBLICA 9 para a recuperação do concelho perdido em 6 de Novembro de 1836. Esta hipótese é corroborada pela leitura de uma pequena notícia local, publicada no jornal “O Século” de 7 de Dezembro de 1910: | 1910 | “Alcáçovas, 5 – Prepara-se, nesta vila, uma excursão a Lisboa, a fim de cumprimentar o governo provisório da República e expressar-lhe a homenagem e congratulação deste povo, pela obra prodigiosa de reforma e saneamento moral que está realizando, especializando o ilustre ministro da justiça, e bem assim para solicitar que, nas novas reforma e divisão administrativa, esta importante, populosa e riquíssima freguesia fique, quanto possível, autónoma, para o que tem suficientes recursos. Esta excursão é organizada por uma comissão de que fazem parte os srs. dr. Joaquim Júlio Cutileiro, José Manuel d’Assunção e João Garcia Santos, que envidam todos os esforços para que ela revista o maior brilho e mostre, bem claramente, quanto este povo se sente feliz e satisfeito com a mudança de instituições e quanto ama a liberdade.” A última Vereação Monárquica José Manuel d’Assumpção veterinário e republicano, foi eleito vicepresidente da Câmara, pela freguesia de Alcáçovas, em 1908. A Câmara Municipal instalavase, à época, na Praça do Município, actual Praça da República, no edifício onde hoje se encontra a Biblioteca Municipal. Partilhava o espaço do primeiro andar com o tribunal, cuja sala de sessões ocupava o local, mais coisa menos coisa, onde agora está a sala de leitura. A última reunião do executivo municipal “monárquico”, realizada em 30 de Setembro de 1910, não deixa entrever os acontecimentos que em breve iriam alterar o viver político do País. Empossada em sessão de 5 de Janeiro de 1910, a vereação era composta por Joaquim Maria dos Santos Carvalho, presidente, José Manuel d’Assumpção,vice-presidente e pelos vereadores António de Sousa Faria e Melo, Francisco Lúcio Máximo, Joaquim Lopes e substituto José Luís Vasques Fadista. A Administração do Concelho, cargo de escolha e 10 REPUBLICA confiança do governo, uma espécie de representante local do poder central, estava então entregue ao Dr. José da Conceição de Carvalho. José Manuel d’Assumpção, republicano e anti-clerical, era médico veterinário e residia em Alcáçovas, vila e freguesia que representava na vereação vianense. Recordemos que os partidários da República tinham feito eleger alguns dos seus candidatos nas eleições de 1 de Novembro de 1908, tendo mesmo logrado ganhar algumas Câmaras, como a de Lisboa, a de Lagos ou a de Aldeia Galega (actual Montijo). Dotado de grande capacidade intelectual e política, tudo indica que José Manuel d’Assumpção contava, apesar de republicano, com a confiança dos restantes membros da vereação de maioria monárquica. O vice-presidente Assumpção não participou, contudo, nesta última reunião do executivo. Na sessão de 1 de Setembro desse mesmo mês, tinha pedido a sua substituição temporária: “Conceder a licença que pede o Senr. Vereador Assumpção para se ausentar do concelho, até 5 de Outubro próximo, officiando-se ao vereador substituto para suprir a sua falta” Fica-nos a forte convicção de que, conhecedor da revolta que se preparava, presumivelmente membro da Carbonária, José Manuel d’Assumpção poderá ter passado todo o mês de Setembro em Lisboa, ajudando a preparar – sendo possível que até nela tenha participado – a revolução republicana. Simbólica é, sem dúvida, a data em que conta voltar a assumir as suas funções na vice-presidência da autarquia: 5 de Outubro!... Voltemos então à última sessão da Câmara: “Sessão extraordinária em 30 de setembro de 1910. Pelas doze horas do dia o Senr. Presidente abrio a sessão estando presentes os Senr.es Veredaores Souza Mello e António Lopes, faltando justificadamente os Senr.es Vereadores substitutos João Cabral e Vasques Fadista. Assistio à sessão o Snr. Administrador do Concelho Júlio Victor Machado. Expediente e deliberações. Lida, approvada e assignada a acta da sessão anterior. Como fora resolvido na sessão d’hontem a Câmara reúne hoje extraordinariamente para auctorizar defferentes despezas geraes, da importância de 313,185 reis, representada pelas ordens de pagamento nºs REPUBLICA 11 A antiga Praça do Município, agora da República, nos inícios do século XX. À esquerda o edifício da Caixa Económica Operária e da Loja do Povo, inaugurado em Janeiro de 1900. | 1910 | | 1910 | O Largo Alexandre Herculano recebeu este nome em Abril de 1910, no âmbito das comemorações locais do 1º centenário do nascimento do escritor. À direita o antigo coreto de madeira, desmontável, substituído em 1929 pelo actual. 249 a 270, viação, ordem nº 271 da importancia de 7.800 reis, e assistir ao pagamento dos expostos maiores e menores de 7 annos e outros subsidiados, vendo se o estado das respectivas crianças é bom. Sem outro assumpto mais foi levantada a sessão à uma hora da tarde, de que se lavrou a presente acta que eu, Eduardo Máximo Fragozo, Secretario da Câmara, subscrevi, tendo a submettido em minuta à approvação e assignatura dos vereadores presentes.” de leite, que recebia, para a criar, uma determinada verba mensal. Na acta da sessão de 15 de Setembro de 1910 pode ler-se: Estas sessões extraordinárias do Município nada tinham, realmente, de extraordinário. Durante o ano havia várias, sendo que se destinavam a que os vereadores assistissem ao pagamento dos subsídios que eram entregues para ajuda da criação de menores, expostos ou não. Esta era, de resto, uma das principais atribuições sociais das Câmaras de há cem anos: tomar conhecimento dos “expostos”, isto é, dos recém nascidos deixados anonimamente, no escuro da noite, à porta de alguém, que depois os recolhia e entregava à Câmara. Esta, por sua vez, entregava a criança a uma ama Também as famílias pobres podiam solicitar um subsídio mensal para ajudar a criar os seus filhos. Na sessão de 23 de Janeiro de 1911, a Câmara decide: 12 REPUBLICA “Tomar conhecimento da exposição d’uma creança do sexo masculino, que recebeu o nome de Manuel, effectuada pelas doze horas da noite do dia 1 do presente mez, à porta da casa da residência de Joanna da Encarnação Figueira na rua do Reitor Cruz d’esta villa.” essenciais, iluminação pública, fornecimento de água em quantidade e qualidade razoáveis, conservação de estradas e caminhos, entre muitos outros –, a grande preocupação da Câmara de Viana do Alentejo era a construção de uma nova escola para o ensino elementar, na sede do Concelho, para crianças do sexo masculino. A vila das Alcáçovas já tinha esse problema em grande parte resolvido, desde 1890, apenas com a chegada da República ela se concretizou, com a construção da Escola de S. João, concluída em 1912. Foi porém na então aldeia de Aguiar, anexada à freguesia de Viana, que o problema do ensino demorou mais tempo a ser resolvido (na verdade, apenas em meados do século XX, em pleno Estado Novo, com a construção da Escola do Centenário), pois os concursos para professor naquele povoado fica- com a construção da escola feminina e masculina no Rocio de S. Sebastião, rebaptizado, em Abril desse mesmo ano de 1910 e no âmbito das comemorações locais do centenário do nascimento de Alexandre Herculano, com o nome do escritor. Desde 1898 que a Câmara vinha fazendo constantes diligências, junto do poder central, no sentido de ver realizada essa aspiração, mas vam frequentemente desertos. Na acta da sessão camarária de 25 de Março de 1912, pode lerse: | 1912 | “Conceder o subsídio de lactação que pede Maria Simôa, viúva de José Merca, natural d’Alcáçovas, para seu filho de nome Francisco e de 1 mez de idade, sendo a mensalidade de 1300 reis, pelo tempo de 9 mezes a começar em fevereiro próximo, visto a sua provada pobreza e recente viuvez.” Para além dos assuntos correntes – tabelamento dos preços dos produtos alimentares “Representar ao Ex.mo Ministro do Interior pedindo que nomeie interinamente uma professora para a Escola mixta da freguezia de Aguiar, visto terem ficado desertos os concursos abertos para provimento definitivo do logar de professora da mesma Escola.” REPUBLICA 13 Tendo começado a funcionar em 1912, a construção da Escola de S. João obrigou a Câmara a contratar um empréstimo de 3.500$00 (cerca de 17,5€), junto da C.G.D., amortizável em 15 anos. O gradeamento em ferro custou mais 350$00. O Cinco de Outubro no Concelho Remetidas para o lar, às mulheres estava praticamente interdita a vida política. Na foto, um grupo de senhoras de Viana, c.1910. À direita, Maria da Gloria, mais tarde esposa do sapateiro Joaquim Figueira. | 1910 | ��������������������� As notícias dos acontecimentos revolucionários que começaram a agitar Lisboa a partir da uma hora da madrugada do dia 4 de Outubro terão certamente chegado ao nosso concelho ainda no mesmo dia, por telégrafo ou mesmo pelo correio. Por esse tempo, uma carta colocada de manhã em Lisboa, era distribuída em Viana à noite…do mesmo dia. Pelo que nem sempre o evoluir dos tempos pressupõe, Professora era uma das poucas profissões que se aceitavam para a mulher instruída. Na fotografia, turma feminina de 1910 da Escola de Alcáçovas. 14 REPUBLICA como seria de esperar, a simultânea evolução da qualidade dos serviços… Não sabemos como foi aqui vivido e sentido, pelos nossos bisavós e avós, o dia 5 de Outubro de 1910. Muito provavelmente sem muita surpresa e interesse, já que a queda do regime monárquico se vinha desde há muito fazendo anunciar, sendo certo que apenas uma minoria da população se preocuparia com a política ou prosseguiria o ideal republicano. Taxas altas de analfabetismo caracterizavam a sociedade portuguesa de inícios do século XX, o município de Viana do Alentejo não era excepção. O analfabetismo atingia principalmente as mulheres, que se viam, na sua esmagadora maioria, afastadas dos processos de intervenção cívica e política. Entre nós, à mulher estava reservada a casa e, nas classes sociais mais desfavorecidas, o emprego sazonal na agricultura. Em 1911 as mulheres adquiriram o direito de trabalhar na função pública, mas na prática e em meios fechados e ruralizados como o nosso, esses empregos continuaram apenas no domínio dos homens. A Comissão Municipal Republicana Em 10 de Outubro de 1910 reuniu-se, pela primeira vez, uma Comissão Municipal Republicana, que veio substituir a vereação anterior. Pelo seu interesse transcrevemos, na íntegra, a acta da sua primeira sessão de trabalho: “Governo Provisorio da Republica Sessão da constituição e posse da commissão municipal Republicana do concelho de Vianna do Alentejo. Aos dez dias do mez de outubro de mil novecentos e dez, pelas onze horas da manhã, n’esta villa de Vianna do Alemtejo, Paços do Concelho e sala das sessões da Camara Municipal, ahi compareceram os cidadãos Dr Antonio Bento d’ Araujo, Jose Antonio Direitinho, Venancio Augusto Ferro, Antonio dos Santos Peres e Feleciano Dias Paiva que apresentaram um alvará do Governador Civil d’ Evora que eu, Eduardo Maximo Fragoso, secretario d’esta Camara, li e é do theor seguinte: “ Governo Provisorio da Republica – Governo Civil d’ Evora - Nomeio os cidadãos: Dr Antonio Bento d’ Araujo, Jose Antonio Direitinho, Venancio Augusto Ferro, Antonio dos Santos Peres, Feleciano Dias Paiva para constituirem a Camara Municipal de Vianna do Alentejo devendo tomar posse immediatamente e entrar no exercicio das suas funcções. Governo Civil d’ Evora, 8 de Outubro de 1910. O Governo Civil, Estevão da Cunha Pimentel”. Depois da leitura os ditos cidadãos nomearam por aclamação, Dr. Antonio Bento d’ Araujo; Vice Presidente Jose Antonio Direitinho Constituida assim a Commissão Administrativa do Municipio de Vianna do Alentejo e investidos os seus vereadores na posse dos respectivos cargos, occuparam os seus lugares e deliberaram o seguinte: - Declarar, perante os cidadãos que se achavam presentes na sala das sessões, sob sua palavra de honra, cumprir fielmente os deveres dos seus cargos, durante o tempo que gerirem os negócios d’este municipio. - Effectuar as suas sessões ordinarias, até fim do corrente anno, às quintas feiras, pelas doze horas do dia onze será publicado por editaes affixados nos logares do costume. - Destribuir entre si os pelouros para os serviços da Camara, os quaes classificados em grupos serão assignados pelo Presidente no fim da presente acta. - Proceder ao balanço do cofre da Camara encontrando-se os seguintes valores: 1º Saldo existente n’esta data 1:299.233 reis 2º O duplicado da guia nº 8 que mostra ter dado entrada na Caixa Geral de Depositos a quantia de 24.922 reis, para fundo de viação. 3º 99 conhecimentos de foros por cobrar, dos annos de 1907 a 1910, importancia total de 53.630 reis. Saldo e documentos que continuam a permanecer debaixo da responsabilidade do actual thezoureiro, Augusto dos Santos Carvalho, amanuense d’esta Camara. - Addiar por mais quinze dias o assumpto relativo à construcção da escola de instrucção primaria d’esta villa e reparos nos edificios escolares das Alcáçovas para se tratar do seguinte: Officiar ao cidadão Jose de Souza Faria e Mello Cabral se mantem a sua offerta do emprestimo para as obras escolares, nas mesmas condições. - Representar ao Governo Provi- REPUBLICA 15 | 1910 | A instrução primária continuou a ser uma das principais preocupações do novo executivo republicano. Fac-símile da primeira página da acta da primeira sessão de trabalho da Comissão Municipal Republicana, realizada em 20 de Outubro de 1910. | 1910 | sorio da Republica, pedindo-lhe um subsidio para a construcção da escola d’esta villa. - Communicar ao empreiteiro Ricardo Roberto da Silva, residente na cidade d’Evora, o prolongamento do praso para a assignatura do auto da adjudicação. - Que seja organisado um inventario de todos os predios, moveis e utensilios pertencentes ao Municipio, para ser presente na proxima sessão. Sem outro assumpto mais foi levantada a sessão às duas horas da tarde, do que, para constar, se lavrou a presente acta que eu, Eduardo Maximo Fragoso, secretario da Camara, subscrevi e submetto á approvação e assignatura dos vereadores presentes.” O Dr. António Bento d’Araújo, facultativo (médico) municipal, reformado desde 1905, presidiu à Comissão até Novembro de 1911, data em que foi substituído no cargo por José António Direitinho, até então vice-presidente. A família Direitinho, com origens na vizinha vila de Alvito, tinha aqui negócios no ramo corticeiro, sendo proprietária de vastos bens imóveis na vila, entre elas o quarteirão denominado de “Paraíso”, junto ao então Largo da Oficina de Cerâmica, actual Largo 25 de Abril. José António era o “histórico” local do Partido Republicano, tendo os seus filhos, Manuel e Francisco, seguido as suas pisadas. Completavam a Comissão Venâncio Augusto Ferro (cremos que bisavô do engº Ferro Rodrigues, pai da sua avó paterna) e os alcaçovenses António dos Santos Peres e Feleciano Dias Paiva. As alterações à toponímia antiga ���������������������� O novo regime republicano recorreu a uma vasta gama de expedientes para obter a sua legitimação perante o “país real”. Um dos mais usados foi o da alteração da toponímia dos meios urbanos, rebaptizando as ruas, as praças e os largos com os nomes dos novos heróis nacionais. Cumprindo escrupulosamente as instruções recebidas de Lisboa, a Comissão Municipal Republicana de Viana do Alentejo, na sua segunda sessão de 20 de Outubro de 1910, decorridos que estavam apenas quinze dias sobre a data da revolução, decidiu: onde existia, à época, a taberna e a mercearia de José João Lopes, seu fervoroso apoiante. A Primeira Guerra Mundial também contribuiu para a toponomía republicana, com duas artérias, em Viana e Alcáçovas, a evocarem os Combatentes nacionais naquele conflito. A sede do concelho manteve quase inalterada, até aos dias de hoje, a toponomástica republicana. Alcáçovas, desiludida talvez com o novo regime, regressou, com raras excepções, às designações anteriores. Em Aguiar, a toponímia republicana apenas está presente na Rua 5 de Outubro. “Por proposta do Vice Presidente foi deliberado determinar a mudança de denominação de algumas ruas e largos d’esta villa, pela seguinte forma: Rua de S. Francisco para Rua Theophylo Braga Carreira do Rocio para Rua António José d’Almeida Rua das Pedras para Rua Euzebio Leão Rua da Assumpção para Rua Cândido dos Reis Rua dos Infantes para Rua Brito Camacho Largo Officina Cerâmica para Largo Bernardino Machado Rua do Rego para Rua Miguel Bombarda Praça do Município para Praça da Republica Também por proposta do vereador Dias Paiva se resolveu mudar de denominação as seguintes ruas e largos da villa das Alcáçovas: Largo das Escolas para Avenida Alexandre Herculano Praça para Praça da Republica Rua Direita para Rua Miguel Bombarda Rua de S. Pedro para Rua 5 de Outubro Rua dos Cyprestes e Amadas para Rua Consiglier Pedroso Rua do Paço para Rua Cândido dos Reis” Esta lista irá ser aumentada, nos meses que se seguiram, com a Praça da Palha a transformarse em Largo José Falcão ou o Beco da Chafurda a transmutarse em Beco João Chagas, entre muitos outros. Até o Dr. Afonso Costa, um dos políticos mais amados e odiados deste período, tem aqui a sua rua, um troço que fazia parte da Rua da Figueira, Largo da Oficina de Olaria, depois Largo Bernardino Machado, hoje Largo 25 de Abril. O muro do fundo vedava o Paraíso, propriedade de José António Direitinho. Fotografia de Viriato de Campos, colorida manualmente, já de finais dos anos vinte. 16 REPUBLICA Rua Direita na Idade Média, mais tarde Rua da Assumpção, com a chegada da República viu-se baptizada com o nome do almirante Cândido dos Reis. REPUBLICA 17 | 1910 | As reacções da Igreja às medidas políticas da República | 1911 | Festa religiosa na Senhora d’Aires c.1910. Nesta altura já muitas das antigas romarias se tinham deixado de realizar. Faziam-se ainda a Festa dos Lavradores e a Festa do Povo, para além da Feira de Setembro e de duas festas particulares. O regime republicano instituído em 5 de Outubro de 1910 caracterizou-se pela sua forte acção anti-clerical. Para os defensores da República, a Igreja Católica e a sua hierarquia partilhavam fortes responsabilidades no atraso endémico em que se encontrava o País. Perseguição e expulsão dos Jesuítas, encerramento de conventos, destituição de bispos, laicização da vida pública, muitos foram os episódios ocorridos nos anos que se seguiram à implantação da República Portuguesa que pretenderam minimizar, ou mesmo suprimir, o poder exercido pela Igreja junto do Estado e das populações. A reacção da Igreja não se fez esperar, sendo que no nosso concelho ela foi, de alguma maneira, muito evidente. Terão liderado esses processos de resistência religiosa, em Alcáçovas o velho padre Joaquim Pedro d’Alcântara, em Viana do Alentejo o pároco Francisco Xavier de Ataíde. A este respeito 18 REPUBLICA deitemos uma vista de olhos no que escrevia o jornal “O Mundo”, numa reportagem publicada na sua edição de 1 de Maio de 1911: “Em Vianna, doloroso é dizêlo, há ainda uma certa corrente de reacção. O povo não é propriamente reaccionário, mas deixa-se arrastar por três ou quatro especuladores que se valem, para agir, da primitiva preponderância de que dispunham. Muito habilmente, esses elementos não hostilizam a República, de uma maneira directa; mas procuram hostilizar alguns republicanos, como sucedeu ainda há pouco nesse caso das procissões. A procissão dos Passos deixara de se realizar, sem que o facto levantasse protestos. A tolerância, porém, dada depois para as exibições do culto externo, veio imediatamente servir à especulação política. Por detrás da cortina e com o manifesto interesse de apalpar a opinião pública, alguém manobrou os cordelinhos, e empurrando uma parcela inconsciente do povo para a reclamação das procissões, conseguiu o seu almejado fim, isto é, levar a sizania ao seio das comissões republicanas, desgostando alguns dos respectivos membros que se haviam intransigentemente manifestado contra tais actos e levando-os a indispor-se com a autoridade administrativa. E tão característico se tornou esse propósito, a roçar como que por uma revanche, que a procissão, ordinariamente entregue a rapazitos, que a constituíam a troco de amêndoas, foi este anno organizada por adultos, e em tão avultado número que as opas não chegaram!... Porventura as A procissão pascal do Senhor Morto subindo a Rua de S. Francisco, actual Rua Teófilo Braga. Em Viana do Alentejo a igreja católica reagiu com algum sucesso às medidas repressivas da República. | 1911 | crenças religiosas – respeitáveis sem dúvida – se arreigaram mais no espírito dessa gente após a proclamação da República? Não, evidentemente. De onde se conclue, clara e logicamente, a especulação política, agravada com o facto de se apontarem à execração da massa inconsciente os nomes de alguns republicanos, como os responsáveis da oposição ao pseudo acto religioso. Desolador, não é verdade?” O jornal republicano “O Mundo” na sua edição de 1 de Maio de 1911, faz o ponto da situação do novo regime em Viana do Alentejo. REPUBLICA 19 O Centro Democrático Vianense ������������������� O primeiro documento que alude ao Centro Democrático Vianense, existente no Arquivo Histórico da Câmara Municipal de Viana do Alentejo, reporta-se a 13 de Julho de 1915. No entanto parece que esta agremiação política republicana teria sido criada mais cedo, logo após a revolução de 5 de Outubro. Tinha instalações na actual Rua Padre Luís António da Cruz, num prédio que não foi possível identificar. Os recursos dos seus associados não seriam muitos, segundo se infere na leitura da acta de uma das suas reuniões, em 1915: Joaquim dos Reis Branco (na fotografia em 1931) e o seu pai, Joaquim Inácio Branco, fizeram parte do grupo fundador do Centro Democrático Vianense, associação política próxima do Partido Democrático do Dr. Afonso Costa. | 1911 | “Aos vinte e sete dias do mês de Julho de mil novecentos e quinze nesta Vila de Viana e Casa do Centro, compareceu a Direcção do Centro, ficando resolvido que cada sócio deste Centro forneça cada um sua cadeira para se sentar. Seguidamente procedeu-se à nomeação de Joaquim António Pires, para o cargo de contínuo e cobrador de quotas, com a condição de pagar a quota mensal de $05 centavos, tendo por obrigação de proceder à limpeza da casa e mais serviços inerentes, competindo-lhe proceder à cobrança de quotas e avizar todos os sócios para qualquer reunião que se pretenda fazer (…)” O número de associados não terá sido muito elevado. De notar que entre eles não figura qualquer elemento da família Direitinho, certamente porque 20 REPUBLICA A Primeira Grande Guerra estes integravam a clientela política do Dr. António José de Almeida e do seu “Partido Republicano Evolucionista”, enquanto o Centro Democrático Vianense andaria mais perto de Afonso Costa e do seu “Partido Democrático” (ambos os partidos nasceram de cisões do velho Partido Republicano Português). A acta da sessão de 13 de Maio de 1916 enumera os associados: José Heleodoro Sezões, ou Zé da Magalhoa, de Aguiar, membro do Corpo Expedicionário Português em França. Bilhete postal datado de 28 de Novembro de 1917, enviado por correio militar para a sua namorada Ludovina Flór. “(…) à data existem filiados neste Centro 35 sócios os quaes seguem: Aleixo José Duarte, André Maldonado Vilalobos Vieira, António Carlos Figueira, António Corchado Viegas, Augusto Alberto Sanches, Carlos de Assunção Fonseca, Francisco António Branco, Francisco Manuel Cadino (de Aguiar?), Francisco Maria das Neves, Francisco dos Santos Duro, Joaquim António Pires, Joaquim Duarte Piteira, Joaquim Inácio Branco, Joaquim Leonardo da Silva Paetio, Joaquim da Rosa Lopes, Joaquim dos Reis Branco, João Augusto Branco, José João Lopes, José Lúcio Máximo, José Alberto dos Santos, José da Silva, José Joaquim da Silva, José Paetio, Ludgero Augusto Silveiro, Luís António Branco, Manuel Carlos Figueira, Martiniano da Fonseca, Alberto (?) Vera, Norberto Campos, Thomaz Figueira, Rodrigo Pimenta de Massapina, António Francisco Branco, António de Mira Neves, Thiago Augusto dos Santos, José Deodato Piza” 1914|1918 Nos inícios de Março de 1916 a Inglaterra pediu a Portugal o aprisionamento dos navios alemães fundeados em portos portugueses. Portugal, que até aí tinha conseguido manter uma posição neutral, atendeu este pedido. Estava assim aberta a porta para a entrada do nosso País no conflito que se tinha iniciado em 1914 e que se traduziria, no seu balanço final, na REPUBLICA 21 Fac símile do verso do bilhete postal enviado pelo Zé da Magalhoa para a namorada, em 28 de Novembro de 1917, provavelmente escrito nas difíceis condições das trincheiras A Primeira Grande Guerra |1914 | 1918 | morte de cerca de dez milhões de seres humanos. Com um Império Ultramarino muito frágil e alvo da cobiça de alemães e ingleses, a participação do nosso País nesse conflito deveu-se, antes de tudo, à necessidade de o defender. A 2 de Fevereiro de 1917 chegaram a Brest, na Bretanha, as primeiras tropas do CEP-Corpo Expedicionário Português. Integravam-nas muitos mancebos do concelho de Viana, sobretudo da freguesia de Alcáçovas. Mário do Rosário, no seu livro “A Vila de Alcáçovas – Sua História, suas belezas, seu Comercio e sua Industria”, publicado em 1924, dá detalhada notícia dos nomes dos militares alcaçovenses que estiveram presentes na guerra, quer em França quer em Africa: Joaquim António Assencadas, João Augusto da Mata, António Joaquim do Tiro, Luiz Augusto Amado, Luiz Antonio Banha, Sátiro José Martins, Armando Julio Rodrigues, Luis Augusto Sequeira, Gregorio Batista, Arsenio Maria Batista, Luiz Gregorio Matadinho, José Carlos Sardé Pires, Ricardo Galrote, Manuel José Galvão, Silvério Assencadas, André Martinho Chibeles, Ilidio Antonio Bagão, João António Perna, António Afonso Henriques, Manuel Antonio Tardão e João Penetra. Depois da guerra constituiu-se em Alcáçovas um Núcleo dos Combatentes da Grande Guerra, que todos os anos, por altura das comemorações da batalha de La Lyz, fazia pelo concelho a chamada “venda do capacete”, uma miniatura de um capacete militar que se pregava com um alfinete à lapela. A receita dessa venda destinavase a auxiliar as famílias dos militares mortos ou incapacitados. Aguiar, pela sua pequena 22 REPUBLICA dimensão, não teve muitos soldados naquela guerra. Entre eles José Heleodoro Sezões, cuja família guarda ainda a memória da sua passagem por aquele sangrento conflito: “O meu avô José Heleodoro Sezões, ou “Zé da Magalhoa” – alcunha com que era conhecido e que lhe advinha do facto de morar no monte da Magalhoa, na freguesia de Nª. Sª. da Tourega – foi “convidado” a participar na Guerra, assim como outros dois rapazes de Aguiar seus conhecidos, o Barril e o Zé Gaio. Como sempre acontece nestes casos, não lhe foi dado o direito de opção e assim lá partiu para França. Durante a sua estadia nesse teatro de angústia e sofrimento muita coisa lhe aconteceu, a ele e aos companheiros, factos que hoje apenas são conhecidos pelo relato dos que conseguiram voltar, como felizmente foi o caso do avô Zé. Os episódios que vou descrever chegaram até mim pelo testemunho oral do meu tio Custódio Sezões, filho mais novo do avô, a quem ele contou várias das situações dramáticas que viveu. Corro o risco de fazer uma descrição anacrónica mas…lá vai: Uma vez numa retirada tiveram de fugir. Eram cerca de duzentos e tal militares. Quando chegou a noite meteram-se nalgumas das casas de uma aldeia, que não estavam ainda destruídas. Tentavam assim agasalhar-se e proteger-se, mas provavelmente alguém fumou de noite, o que era proibido, e foram descobertos pelo inimigo. Os alemães mandaram gás para esses refúgios e a consequência foi trágica. Os soldados tinham aparelhos que detectavam a presença de gás, mas como a maior parte dormia, só seis ficaram vivos, os que estavam acordados e tiveram tempo de colocar as máscaras. Todos os outros morreram, porque apesar de terem sido chamados não tiveram tempo de fazer os procedimentos necessários que evitassem a morte. Certa vez durante um bombardeamento, o Barril gritava: “Ò Magalhoa, corre atrás de mim!” O avô assim fez mas, ia a certa distância do amigo, o que veio a revelar-se uma sorte. Foi esse atraso que lhe salvou a vida. O objectivo da fuga era abrigarem-se debaixo de uma ponte, para não serem atingidos pelas bombas, que eles julgavam ser de estilhaços. Acontece que as bombas não eram dessas e quando o Barril e muitos outros já lá estavam debaixo, a ponte foi atingida, caiu e todos morreram. Como chegou atrasado, o avô salvou-se. Este acontecimento deu-se no dia 9 de Abril de 1918 durante a batalha de La Lys, que determinou a derrota dos alemães e seus aliados e onde as tropas portuguesas tiveram um comportamento heróico. Noutra altura o meu avô foi atingido por uma bomba de estilhaços, no lábio. Foi para o hospital de campanha onde só havia mulheres, todas de nacionalidade inglesa, já que os homens estavam todos “ocupados “ com a guerra. A guerra não era compatível com a higiene, por isso o corte do cabelo e da barba não acontecia. Assim, a juntar às agruras da vida nas trincheiras, ainda tinham de aturar os indesejados piolhos, que por sua vez adoravam toda esta falta de asseio. Quando entrou no hospital levava o cabelo muito comprido, tal como a barba, onde habitava uma colónia dos “ditos”. Tendo em conta a situação, o pessoal do hospital agiu em conformidade e despiramno, raparam-lhe todo o “pelinho”, tomou banho e só depois foi para a sala de operações. Aqui deramlhe duas opções: ficar com o lábio rachado e ser mais curta a sua estada no hospital, ou ficar com o lábio perfeito e permanecer lá mais tempo. O avô optou, tal como eu ou qualquer um faria, pela segunda hipótese...Esteve internado dois meses. Passado esse tempo voltou à linha de fogo, o que lhe custou muito. Uma vez caiu uma granada que atingiu a cozinha e o amigo Zé Gaio, que era cozinheiro, desorientou-se e fugiu para o sítio errado, pelo que foi feito prisioneiro pelos alemães. Quando em 1919 regressavam a Portugal, após terminada a guerra e ainda no comboio, receberam uma ordem para partirem para o Porto porque havia uma revolução. Esta revolução mais não era que o movimento designado por “Monarquia do Norte”, dirigido por Paiva Couceiro, que em 19 de Janeiro de 1919 tentava restaurar a monarquia em Portugal. Era para contrariar este movimento e defender a república que certamente iriam. Desceram do comboio em Setúbal e dirigiram-se para um quartel. Quando chegou a ordem para partirem rumo ao Porto, o avô disse ao Campino, um colega: “Estou cansado e farto de guerras. Vou fugir”. Nesta decisão o avô revelou uma extrema coragem, porque os prós e os contras dela eram igualmente incertos e dolorosos. Entre ser morto na defesa duma causa que mal compreendia e ser castigado com a pena de morte (reintroduzida em 1916, para situações relacionadas com a guerra, como a deserção), arriscou a segunda hipótese. O colega aconselhou-o a que não o fizesse, mas ele fê-lo. Na confusão da partida saiu por uma janela, desceu pela parede e foi para o comboio, mas como não tinha dinheiro teve de andar a fugir do cobrador. Nesse comboio seguiam outros militares que o esconderam debaixo do banco e taparam com os capotes. Quando interpelados pelo cobrador negaram sempre que tivesse entrado algum soldado. Numa povoação próxima de Montemor o comboio abrandou a velocidade e ele aproveitou, saiu de onde estava, abriu a porta da carruagem, atirou-se e rebolou REPUBLICA 23 Maria Ludovina Flór, numa fotografia com data provável de 1918, quando ainda era solteira. Casou em 1920 com o Zé da Magalhoa. A Primeira Grande Guerra |1914 | 1918 | Entre ser morto na defesa duma causa que mal compreendia e ser castigado com a pena de morte, arriscou a segunda hipótese. |1914 | 1918 | pela barreira abaixo. Feriu a mão, andou a monte, veio andando a pé. Ao chegar a uma aldeia, dirigiu-se a uma padaria e pediu pão, informando que não tinha dinheiro. A mulher disse: “Outro? Não há pão para ninguém!”. Mas o marido da padeira interveio e ele lá recebeu um pão. Continuou o caminho até chegar a casa de uns primos, que moravam num monte na zona de Évora. Foi ter com esses primos e pediu uma manta para dormir na rua. As primas e primos não concordaram, era o que faltava o primo agora dormir na rua!... Perante a insistência para que dormisse em casa, lá disse que tinha piolhos e iria empestá-la, era por isso que ficava na rua. No outro dia aqueciam água, metiam lá a manta e os piolhos morriam. Era preferível assim. Perante tais argumentos, aceitaram a decisão. No dia seguinte foi para casa, mas não contou a ninguém que tinha fugido. Disse que tinha vindo passar oito dias de férias. Passado esse tempo vestiu-se à militar, levando porém escondida uma muda de roupa à civil, para a vestir e não ser descoberto. No caminho ouviu dizer que a revolta no Porto tinha terminado. Foi então ter com o tio e primos e andou por lá a trabalhar durante dois meses para, caso os militares o fossem procurar em casa, não ser encontrado. Passado esse tempo regressou a casa, informando que já tudo tinha terminado. Em 1920 casou com a minha avó Ludovina Flór. Já depois de casado tornou-se seareiro. Um dia, quando foi dar o trigo ao manifesto, isto é, vendido ao estado, disseram-lhe: “Como pode ser lavrador se há a informação de que morreu?” O que se passou é que o comandante dele, amigo, tinha-o dado como morto, embora soubesse que ele tinha desertado, e por isso é que não o tinham vindo procurar. O meu avô, aflito com o processo para levantar o dinheiro do trigo, 24 REPUBLICA foi falar com esse capitão que lhe disse: “Eu vou dar-te aqui a hora a que “chegaste” ao Porto, as ruas por onde “andaste”, os lugares onde “estiveste” e a hora a que “abalaste”. Tu chegas ao tribunal e dizes que nunca fugiste, mandaram-te foi embora para Lisboa e que houve aqui uma confusão qualquer...” E assim foi. O juiz ao ouvir e comprovar que tudo batia certo disse-lhe: “Não tem nada a temer, está livre civilmente, mas para resolver a situação militar tem de ir ao quartel das Janelas Verdes buscar a sua caderneta militar, que lá há-de estar, e assim provar que não morreu.” Ao saber desta conversa o dito capitão aconselhou-o: “Não faças isso. Anda descansado civilmente, mas não apareças no quartel durante muitos anos, senão és logo apanhado e ficas preso, porque eles sabem que é mentira teres ido ao Porto!” Enquanto o prazo referido não prescreveu, o avô Zé optou por se desviar de confusões e conversas, não queria falar sobre o que lhe tinha acontecido. Era assunto interdito, não fosse o diabo tecêlas. Passado esse tempo começou então a referir-se aos factos, provavelmente se a ocasião se proporcionava e mais no meio familiar. Nunca foi, porém, às Janelas Verdes recuperar os documentos militares. Apesar do sofrimento porque passou, que até o podia ter transformado num indivíduo áspero e azedo, do meu avô guardo a terna memória de uma pessoa afável, bem disposta, cordata, que gostava de jogar ás cartas e de conversar. texto de Maria Teresa Salsinha Fonseca, neta“ A gripe Espanhola ou A anatomia de uma fotografia E quando parecia que se tinha tocado no fundo, eis que nova calamidade se abateu sobre a já tão sofrida Europa: a pneumónica, ou gripe espanhola, pois que de Espanha nem bom vento nem bom casamento. Pandemia transversal e democrática da ceifa, não vai olhar a classes sociais ou a grupos etários. Entre Abril de 1918 e Maio do ano seguinte, terá sido responsável por vinte a quarenta milhões de mortes em todo o mundo. A medicina, de resto inacessível aos menos abastados – a grande, a enorme maioria – deixou cair os braços, vencida, sem armas para compreender e enfrentar o flagelo. Só dez anos mais tarde Flemming descobrirá o curativo salvador no fungo Penicillium notatum, um vulgar bolor. 21 de Janeiro de 1918, uma segunda-feira. Lenta e triste, a procissão sai da Igreja Matriz de Viana. Viriato Campos, o fotógrafo, monumentaliza o momento para a eternidade. | 1918 | REPUBLICA 25 Entre outros são possíveis de identificar José Duque Carracha, Leonardo dos Reis Baião, João de Sousa Faria e Melo, o padre Fragoso e o padre Ataíde. A gripe Espanhola | 1918 | Ontem como hoje, quando desenganados pela ciência, viram-se os homens para os céus. E porque o acesso directo à divindade suprema é sempre difícil (ocupada que está por mil solicitações e requerimentos), a solução é intermediar pelos santos caseiros, que é para isso que eles servem. Santa de muitos e comprovados milagres, é sabido que sempre a Virgem Senhora d’Aires acudiu ao povo transtagano nas suas aflições. Atesta-o a multidão de ex-votos que atapetam as paredes dos corredores do piso térreo do santuário, testemunhos da eficácia milagreira da divina criatura. E o ritual antigo foi cumprido naquele longínquo mês de Janeiro de 1918. Desceu o povo à branca ermida barroca a trazer a imagem para a Vila, para a Igreja Matriz. Depois e durante uma semana sucederam-se os terços, as missas, os “te deum”. Por fim, no dia 21, uma segunda feira, a imagem percorreu as ruas calcetadas de Viana em solene procissão, cumprindo um percurso quase tão velho como a própria terra: rua de Nossa Senhora da Assumpção, depois à praça virar direito à rua Souza Pinto, Largo dos Isentos, Fonte da Cruz pela carreira de Portel, rua dos Carreteiros, novamente a rua da Assumpção que também já foi rua Direita, rua das Pedras, rua de S. Francisco, rua de Pedro Homem, rua do Rego virando ao Poço Novo e Largo de S. Luís, entrando novamente no castelo pela larga porta sul. Mas agora as ruas têm outros nomes, Cândido dos Reis, Teófilo Braga, António José de Almeida, figurões saídos de uma república recente e parcamente sentida. Aqui e ali o cortejo quedava-se uns momentos, em oração mais pungente, frente a uma ou outra casa: nesta só sobrou um filho, o mais velho, todos os outros deram anjinhos; naquela outra foram-se os pais, as irmãs da mãe e uma avó, quem irá cuidar agora das crianças? 26 REPUBLICA Momento dramático e marcante na história da pequena vila de Viana do Alentejo, consideraram os seus protagonistas ser dele necessário guardar memória para advertência das gerações futuras. Advertência dupla, pois trata-se não só de relembrar a natureza precária e imprevisível da condição humana, como também de recordar que, nas circunstâncias limite, apenas o recurso ao divino é eficaz. O momento da saída da procissão foi pois convertido em monumentum, objecto que interpela a memória, que recorda o passado fazendo-o vibrar à maneira do presente. A procissão começa a sair da Igreja Matriz. O fotógrafo aguarda-a em cima do passo de ronda da muralha do castelo, posição certamente planeada com antecedência, vantajosa porque permite obter um plano alargado e de conjunto do acontecimento. Manda parar a multidão, pretende que se imobilizem o mais possível. Mas antes é ainda necessário compor a cena, dispor os actores, cada um deverá ocupar o seu espaço. Mesmo no sofrimento e na morte os homens não são todos iguais, já Santo Agostinho o dizia: a cidade dos homens deve mimetizar a cidade de Deus, onde tudo tem uma ordem, onde todos têm um lugar que é o seu e não outro. É este o pano de fundo do nosso “cliché”. A magna porta assemelha-se a uma enorme boca escancarada – o mainel central as suas amígdalas – vomitando uma multidão que não se consegue mais conter nas estomacais naves da igreja. Dispõem-se pois as gentes para a pose. O fotógrafo instalou a câmara sensivelmente para a direita do eixo do portal, de forma a poder colocar o maior número possível de pessoas no campo da objectiva e a dar visibilidade a parte das que ainda se encontram no interior da igreja. Tal faz com que a mancha alva do páleo se desvie para a esquerda, sem no entanto deixar de ser o centro da nossa atenção. Sob o simbólico pano o clero local, também ele de branco, em flagrante contraste com os tons escuros e lutuosos de que se veste a quase totalidade dos outros personagens. Preside à cerimónia o padre Ataíde, reitor da paróquia e anti-republicano, que irá falecer curtos meses após este acontecimento. À sua esquerda e armado de missal, o padre Fragoso, iminência de longa vida que substituirá nas funções o anterior e que viverá até à década de cinquenta. Seguram as varas da tenda sagrada alguns dos “homens-bons” e terratenentes da vila: reconhecemos os então jovens João de Sousa Faria e Mello e Manuel Rosado Pereira (o senhor Pereirinha), o escultor Lopes, o vereador da Câmara Leonardo dos Reis Baião. A banda distribui-se algo caoticamente pela direita do “cliché”. Dela nomeamos algumas caras porque no-las identificaram, outras porque as conhecemos dezenas de anos depois, já muito envelhecidas: o velho Beijinho, pedreiro. O mestre Acácio, aqui com 23 anos e o seu pai, Bernardino Serpa, sacristão do Santuário de Nossa Senhora d’Aires, que poderia ter participado no cortejo nessa condição, mas que preferiu fazê-lo enquanto músico. Atrás da banda a pequena burguesia da terra. Lá mais para o fundo, no limiar do portal e ainda dentro da igreja, o povo miúdo, sobretudo mulheres. Os rostos expressam sofrimento, dor. Ali ao lado, de lenço branco na cabeça, a Maria Fadista, colega de profissão da pneumónica, porque também ela “tecedora de anjos”. À frente do cortejo duas crianças, a mais velha compenetrada na sua função, mão no braço da mais nova, visivelmente distraída pelo som de algum instrumento musical. Vestiram-nas de anjinhos, lúgubre premonição de um muito provável próximo destino. A gripe Espanhola | 1918 | A família Flór, de Aguiar, também terá participado nesta procissão. No adro da Igreja Matriz de Viana, junto ao muro do antigo cemitério, da esquerda para a direita: Francisco Flór, Ludovina Flór, a mãe Maria Flór, José Miguel Flór, o pai Miguel Agostinho Murteira, Joaquina das Neves Flór e João Flór Murteira. Torna-se difícil assegurar se a escolha do portal da Igreja Matriz para pano de fundo foi intencional ou meramente circunstancial. Para além dos benefícios estéticos que lhe proporciona tal enquadramento, a fotografia sai ainda reforçada na sua dimensão trans-temporal, informa de diversos tempos um tempo, o de hoje, que já não é o seu. REPUBLICA 27 “Apresento a V.Exª o meu amigo senhor Viriato Campos, distinto fotógrafo e bela alma de artista”. A anatomia de uma fotografia Viriato Campos, o fotógrafo Depois destas considerações acerca daquela que é, sem dúvida, uma das mais completas e belas fotografias de Viana do Alentejo, onde a vila e as suas gentes se fizeram retratar de corpo e alma, cabem aqui algumas palavras sobre o seu autor, Viriato Campos. A sua história está por fazer, assim como a inventariação da sua obra. Natural da vizinha freguesia de Alcáçovas, Viriato Campos terá nascido por volta dos finais da década de 70 do século XIX. Ainda rapazinho foi empregado de comércio em Lisboa, onde teria aprendido a arte. Logo após a eclosão da revolução republicana mudou-se para Viana do Alentejo, onde exerceu a profissão de empregado de escritório do negociante Rodrigo Gusmão. A nu- José Albino Dias escultor e professor, manteve durante muitos anos correspondência com o etnógrafo e arqueólogo José Leite de Vasconcelos. _______________________________ Fonte da Cruz, colecção de “vistas” de Viana produzidas por Viriato Campos c.1925. 28 REPUBLICA merosa família Gusmão vivia – e vive – numa casa na antiga Rua da Assumpção, a nossa “Rua das Lojas”. Viriato Campos também viveu nessa casa, que também era pensão, tendo adaptado uma pequena divisão interior do primeiro andar a laboratório fotográfico. Em 20 de Janeiro de 1916, já empregado da casa Gusmão e tendo de se deslocar a Lisboa, foi portador de uma carta para o professor Leite de Vasconcelos, remetida por um seu correspondente e amigo de Viana, o escultor José Albino Dias. Este, nas primeiras linhas, introduz o mensageiro: “Apresento a V.Exª o meu amigo senhor Viriato Campos, distinto fotógrafo e bela alma de artista”. Viriato Campos fotografou Viana do Alentejo durante algumas décadas, as suas gentes, as suas paisagens, o seu património arquitectónico, os seus momentos mais relevantes. Não foi um fotógrafo popular no sentido restrito do conceito, isto é, não fotografava para o povo. Apesar da fotografia se ter constituído, quando surgiu por volta de 1830, como uma alternativa acessível à pintura, destinava-se pelo seu custo a um público dotado de algum poder económico. Para os mais pobres aparecerão, algumas décadas mais tarde, os fotógrafos “a la minuta”, quase sempre ambulantes, parte que foram das memórias de infância de muitos de nós. Viriato Campos terá sido o fotógrafo da então numerosa pequena burguesia vianense, gente que se ocupava do comércio, dos ofícios, dos serviços, do funcionalismo público, da pequena lavoura. Viriato Campos também colaborou na imprensa: são dele os “clichés” publicados na revista Ilustração Portuguesa, de 27 de Maio de 1922, ilustrando uma reportagem de que mais adiante daremos notícia. Para além de fotógrafo, Viriato Campos foi ainda um amador de teatro, caracterizador de serviço às inúmeras peças, operetas e récitas que nesse tempo se realizavam no teatrinho da Sociedade Vianense. Nos anos finais da sua vida ensinou a arte da fotografia ao jovem discípulo Teófilo Duarte, que acabou por herdar parte do seu equipamento e o improvisado estúdio na Rua Afonso Costa. O jovem Teófilo Duarte fotografado por Viriato Campos, junto a uma das janelas do primeiro andar da casa da família Gusmão, em Viana. Um contraluz difícil para os meios disponíveis na época. c.1925.. REPUBLICA 29 A vida quotidiana |1910 | 1930 | Debulha mecânica em 1922 A agricultura tenta modernizar-se, mas as velhas ferramentas - na fotografia, os carros de mula e as parelhas de bois - manter-se-ão ainda durante muitas décadas. O indivíduo sentado num barril é o lavrador José Fragoso, mais tarde presidente da Câmara Municipal. Não deve ter sido muito diferente o dia a dia dos nossos avós e bisavós, no antes e no depois da República. O ensino continuou a ser o fulcro da acção da Câmara, primeiro com a construção da Escola de S. João, que começou a funcionar no ano lectivo de 1912-13, depois com a procura de instalações para o sexo feminino. Este acabou por ficar “provisoriamente” instalado, durante quase quarenta anos e até à construção da Escola do Centenário das Escadinhas, já nos finais dos anos 50, na antiga casa paroquial de Viana (ou Reitorado, como comummente aqui era conhecida), no Largo de S. Luís. Com a legislação de 1911, que introduziu o ensino primário obrigatório e gratuito para todas as crianças, a população escolar de 30 REPUBLICA Viana cresceu vertiginosamente. Disso nos dá notícia uma pretensão que a Vereação da Câmara entende fazer, em 13 de Março de 1913, ao Ministro do Interior: “Sendo actualmente a população escolar de Viana de cerca de 113 creanças a cargo de um só professor, o que evidentemente prejudica o ensino, resolve a Câmara solicitar de S. Ex.ª o Senr. Ministro do Interior a creação do segundo logar de professor para a Escola de Instrucção Primaria do sexo masculino de Viana”. O quadro de pessoal da Autarquia era também diminuto. Entre os seus funcionários destacavase o pregoeiro, cuja função era dar publicidade aos editais e decisões camarárias, mas também a anúncios de particulares. Geralmente havia um em cada localidade do concelho. De canto em canto, normalmente ao luscofusco do cair da noite, o pregoeiro gritava o seu pregão: “Quem tiver achado uma corrente de oiro na estrada a caminho do cemitério, venha estar comigo que eu lhe direi quem é o dono”. E concluía, num registo de voz mais grave: “Ganhará as suas alvíssaras!...” necessitem e lho fôr ordenado pelo vereador do pelouro respectivo. 6º Limpar de hervas as praças, largos e mais logares a cargo da Câmara, tantas vezes quantas as necessárias para que os mesmos logares se conservem sempre devidamente limpos. 7º Regar a árvore da Praça 3 vezes por semana nos mezes de Abril a Setembro inclusive. 8º Conduzir diariamente para o mercado, ás horas regulamentares, os taboleiros, retiral-os depois de aquele ter terminado e limpar |1910 | 1930 | Mas as tarefas do pregoeiro eram muito mais vastas. O “Regulamento do pessoal menor” da Câmara Municipal de Viana do Alentejo, aprovado em sessão de 17 de Julho de 1913, é muito preciso: “O Pregoeiro da Câmara tem por obrigação: 1º Limpar o chafariz da Praça José Falcão e respectivo recinto uma vez por semana nos mezes de Outubro a Março e duas vezes nos mezes de Abril a Setembro. 2º Limpar o lavadouro e chafariz à horta do Marco e respectivos recintos nas condições do numero anterior. 3º Limpar o chafariz e lavadouro do Rocio e respectivos recintos uma vez por semana nos mezes de Abril a Setembro inclusive e uma vez por quinzena nos restantes meses do ano. 4º Limpar a vala do Rocio tanto por dentro como por fora tantas vezes quantas forem necessárias ou lhe fôr ordenado pelo vereador do respectivo pelouro. 5º Limpar as taças das fontes da Cruz e Convento e respectivos recintos uma vez por semana ou sempre que d’essa limpeza diariamente o logar do mesmo mercado logo em seguida a ele ser levantado. 9º Fazer gratuitamente todos os pregões e publicações de editaes que pela Câmara, Administração do Concelho e sub-delegado de saude lhe forem ordenados. 10º Fazer os pregões que por particulares lhes forem solicitados, mediante a remuneração do costume, não podendo porem fazer qualquer pregão que ofenda a moral, regime, leis vigentes ou que diga respeito à vida particular ou publica de qualquer cidadão.” (…) Cansativa, muito cansativa a vida do pobre pregoeiro municipal!... REPUBLICA 31 Chafariz e fonte do Rocio A água canalizada só chegou ao concelho quase no final da década de cinquenta. Até lá o abastecimento era feitos nas fontes, pelos próprios ou recorrendo-se ao serviços dos aguadeiros. A limpeza e recolha de dejectos e lixo era, por vezes, também posta a concurso pela Câmara, sobretudo em Alcáçovas, vila onde a autarquia possuía uma reduzida logística. Em 22 de Maio de 1911 resolve o município: Candeeiro a petróleo junto ao Paço das Alcáçovas. Como medida de poupança, não eram acesos nas noites de lua cheia. A vida quotidiana |1910 | 1930 | Um dos serviços que a Câmara tinha mais dificuldade em prestar era o da iluminação pública, se tal se pode chamar à meia dúzia de candeeiros a petróleo que tremeluziam nas noites cerradas de lua nova. Aguiar tinha apenas quatro candeeiros, que por vezes passavam anos sem ser acendidos, disso se queixando repetidamente a sua população. O serviço era posto a concurso, em Viana e em Alcáçovas, mas nem sempre aparecia gente interessada em prestá-lo. Na acta da sessão de 27 de Novembro de 1911 pode ler-se: “Annunciar as praças para a adjudicação dos serviços de limpeza e illuminação das villas de Vianna e Alcáçovas com as condições dos anteriores contractos e as seguintes alterações: na illuminação que a base de licitação seja de 4:200 reis por candieiro; que os candieiros sejam accesos logo dois dias depois da lua cheia; e que a multa seja de 500 reis por cada candieiro que for encontrado apagado nas noites de illuminação, sem ser devido a temporal ou outra causa justa (…)” 32 REPUBLICA “Adjudicar a Gualberto Vidasinha pela quantia de 590 reis diários, menor lanço offerecido em praça d’hoje, o serviço de limpeza na villa das Alcáçovas. Auctorizar o Presidente a assignar o respectivo auto de adjudicação, sujeitando-se n’elle o arrematante às seguintes condições: 1º Recolher todas as manhãs com a fossa móvel os dejectos lixo, aguas sujas e outras immundices que os moradores d’aquella villa queiram fazer despejar na dita fossa, devendo para isso os respectivos locatários collocar os recepientes do lixo às portas de suas casas ou quintaes. (…) 3º O carro referido terá uma campainha collocada de modo que timbre ao menor movimento. 4º O animal que puxar o carro andará a passo natural para que algumas pessoas que estejam ainda deitadas possam ouvir à distancia a campainha e tenham o tempo necessário para estarem levantadas quando o carro lhes passe à porta”. A regulamentação de alguns dos preços de bens alimentares era também uma das competências do executivo autárquico, pelo que duas ou três vezes por ano a vereação tinha de promulgar novas tabelas, nem sempre bem aceites pelos consumidores, que achavam caros os preços, ou pelos comerciantes, que frequentemente se lamentavam de estarem a perder dinheiro. Na sessão de 29 de Dezembro de 1910 decide-se: de Largo Alexandre Herculano. Por vezes são as próprias populações a pedir à Câmara terrenos onde possam edificar as suas habitações. Na sessão de 30 de Setembro de 1912: “Foi presente um requerimento dos habitantes de Aguiar pedindo que se proceda a venda em praça de um tracto de terreno no Rocio do Lagar d’aquella Villa”. “Estabeler os preços reguladores dos géneros infra mencionados, relativos ao presente mez, pela forma seguinte: Cabeças de montado………………...... 10500 reis cada Perus……………………………………. 1400 reis cada Peruas…………………………………... 700 reis cada Galinhas………………………………… 400 reis cada Frangos…………………………………. 200 reis cada Azeitonas……………………………….. 300 reis deca [litro] Bolotas………………………………….. 140 reis deca [litro] Importa aqui esclarecer o leitor mais jovem que 1000 réis equivaliam a 1 escudo antigo (1$00), e que o actual euro equivale a cerca de 200 escudos. Logo 1 euro seria o equivalente a 200.000 réis, uma pequena fortuna para a época!... Durante todo este período conheceram as três localidades do concelho algum desenvolvimento urbano, principalmente Viana, onde já antes de 1910 tinha começado a construção de casas na Serrinha e no Adro dos Judeus. Por volta de 1920 foi urbanizado o chamado “Bairro Cabral”, hoje conhecido pelo Altinho, com a abertura e terraplanagem da Rua D. Ana Cabral e da parte norte da Rua de S. Pedro. Em Alcáçovas constrói--se na zona da Laje e nas envolventes do antigo Rocio de S. Sebastião, denominado agora A falta de habitação e famílias normalmente grandes levam as populações a solicitar à Câmara terrenos onde possam erguer as suas casas. Na fotografia, António Diogo de Oliveira, regedor de Aguiar e parte da sua família. c.1925. A construção já estava sujeita a algumas normas, porventura não tão complexas como as que hoje vigoram. A acta da reunião de Vereação de 27 de Novembro de 1913 manda: “Conceder a José Augusto Branco a licença que requereu para edificar vários prédios na Serrinha de Viana, sujeitando-se ao alinhamento e mais disposições legaes.” Ontem, como hoje, nem sempre os munícipes procedem com grande civilidade. Em 18 de Setembro de 1913 a Câmara vêse obrigada a: “ Fazer intimar Manuel Luiz Casadinho a desmanchar um bocado de muro na horta do Fidalgo e a construil-o conforme o alinhamento que a Câmara marcar de modo a não tomar terreno pertencente à azinhaga do Cruzeiro.” REPUBLICA 33 Codigo de posturas municipais de 1915. A inflacção obrigou a autarquia a actualizar o valor das coimas previstas para os infractores Vivendo com grandes dificuldades financeiras, em parte causadas pela falta de cumprimento da promessa republicana de descentralização – que em Portugal só se veio a concretizar com o 25 de Abril –, o município de Viana do Alentejo via-se frequentemente impossibilitado de realizar os mais comezinhos projectos. Muitas vezes foram as próprias populações a arregaçar as mangas e a meter mãos à obra, substituindo-se à autarquia. A Fonte da Cruz e a respectiva canalização tinham sido construídas por subscrição popular, o mesmo sucedeu com o restauro da Fonte das Freiras. Ainda em novo, em 1912, para instalar na torre de S. Luís. A prática do voluntariado chegou também às vizinhas povoações de Aguiar e Alcáçovas, que viam nela uma forma expedita de resolver algumas das carências locais. Na acta da sessão da Câmara de 6 de Abril de 1914 é dada notícia da: “Oferta do povo de Alcáçovas de construir à sua custa e com o seu trabalho pessoal, a estrada marginal da Avenida Alexandre Herculano, n’aquela vila, e outra de alguns cidadãos da mesma vila para, à sua custa, por meio de subscrição abrirem um poço no referido Largo”. O Largo de S. Luis. O relógio tinha sido oferecido, em 1912, pela Comissão de Pastos. O quadrante foi retirado durante as obras de 1942. As crianças, em primeiro plano, seriam provavelmente alunas da vizinha escola do Reitorado. A vida quotidiana |1910 | 1930 | A Câmara resolve aceitar esta oferta realisando essas obras quando houvesse oportunidade.” Mas a vida das comunidades não se restringia à vida municipal e às relações dos cidadãos com a autarquia, bem antes pelo contrário. Como já atrás referimos, o programa republicano atribuía bastante importância ao incremento de formas variadas de associativismo; nesse âmbito foram criadas, em 1911, as Caixas de Crédito Agrícola, instituições que pretendiam reproduzir o que lá fora já se fazia há mais de cinquenta anos. De todas as produções da 1ª República, terão sido estas e o ensino oficial obrigatório aquelas que alcançaram o maior sucesso. Na acta da sessão de Câmara de 6 e Março de 1911, lê-se: trais do século vinte, de quem já demos atrás notícia. Teófilo Duarte nasceu em 3 de Outubro de 1910, razão pela qual o progenitor lhe deu o nome daquele que foi o primeiro presidente do governo provisório da República Portuguesa, Teófilo Braga. A vida quotidiana |1910 | 1930 | “Por proposta do vereador Direitinho telegraphar ao Ex.mo Ministro do Fomento felecitando-o pela publicação do decreto que institue o Crédito Agrícola.” Viana, a Comissão de Pastos, que geria os coutos concelhios e deles recebia substanciais proveitos, promoveu ao longo de muitos anos diversas obras de interesse público, calcetamentos de ruas, reparação de poços e bebedouros para uso dos gados, a construção do chafariz do Largo da Officina Cerâmica, até mesmo a compra de um relógio 34 REPUBLICA E em 3 de Agosto do mesmo ano: “Pelo Senr. Vereador António Diogo d’Oliveira foi dito que o povo de Aguiar oferece 50 jornaes [dias de trabalho] de trabalhadores e cinco fretes de parelha e dez escudos em dinheiro para obras de aproveitamento da água de um dos poços de Aguiar e sua conducção para o chafariz e lavadouro d’aquela Vila. O concelho de Viana foi dos primeiros a aderir ao projecto das Caixas Agrícolas, tendo sido fundadas, ainda nesse ano de 1911, as de Viana e de Alcáçovas. Na sede do concelho a Caixa de Crédito Agrícola teve as suas primeiras instalações na Rua Teófilo Braga, no piso térreo do edifício então pertencente à família Direitinho, conhecido entre nós como o “Centro”, onde mais tarde esteve instalada a primeira sede do Sporting Clube de Viana do Alentejo. Um dos seus primeiros funcionários foi José António Duarte, um dos precursores locais dos ideais republicanos, anti-clerical convicto, pai de Teófilo Duarte, carteiro e fotógrafo amador nos anos cen- José António Duarte foi um dos primeiros funcionários da Caixa de Crédito Agrícola de Viana - aqui, à porta das suas primeiras instalações, na Rua Teófilo Braga. REPUBLICA 35 A oficina de sapateiro de Pedro Figueira, na antiga Rua de S. Francisco, frente à Sociedade Vianense, por volta de 1932. Da esquerda para a direita: José Luís Amante, Pedro Figueira e a mulher Angélica Falé, João Parrado e o menino António Pedro A vida quotidiana |1910 | 1930 | As actividades comerciais e industriais que nesse início de século se espalhavam pelas ruas das povoações do concelho, eram de alguma forma muito mais variadas do que as actuais. Tendo a economia local características predominantemente agrícolas, natural era que essas actividades estivessem em grande parte ligadas à agricultura. Existiam assim numerosas oficinas de abegão, algumas delas ligadas a casas agrícolas (como a dos Cabrais), albardeiros, ferradores, ferreiros, tanoeiros, oleiros, mas também peneireiros, funileiros, estanqueiros, carpinteiros, barbeiros e alfaiates, em Alcáçovas chocalheiros. Os sapateiros eram numerosos, de tal forma que chegaram a ter uma associação de classe, da qual ainda hoje existe o respectivo estandarte guardado em casa particular. Igualmente numerosas eram as tabernas, o consumo de vinho estava muito vulgarizado. A moda dos cafés chegou relativamente tarde a Viana, na década 36 REPUBLICA de vinte, com o Café Bijou de Tomás Bettencout (entre nós conhecido pela escatológica alcunha do “Caga e tosse”…), que se instalou numas casas da Rua Cândido dos Reis, perto do Castelo, mais tarde propriedade de João Félix. A animação do espaço estava a cargo de um aparelho de telefonia, novidade para a altura. A Sociedade Vianense é uma das colectividades portuguesas mais antigas do nosso País, fundada ainda na primeira metade do século XIX, em 1838. Possuiu durante largas décadas um pequeno teatro do tipo “à italiana” (a mesma tipologia do Teatro Garcia de Resende, de Évora, mas numa escala muito mais reduzida), com uma lotação que rondava os duzentos lugares sentados. A Sociedade Vianense albergou, durante muitos anos, a Filarmónica Vianense, mais tarde dissolvida por dissenções entre os músicos e a direcção da colectividade. Decorridos uns anos e por empenho de José António Direitinho, Manuel Rosado Pereira e Leonardo dos Reis Baião, foi criado o Grupo Musical 1º de Dezembro, tendo como primeiro maestro Francisco Carracha. Falecido este, foi substituído pelo então jovem músico Acácio Viana Serpa. Era também na Sociedade Via- nense que funcionava o “Cine Teatro”, que exibia regularmente as melhores películas mudas que se produziam lá fora, por vezes acompanhadas por uma pequena orquestra de músicos amadores. As récitas e teatros eram muito frequentes, pretexto para que os filhos e filhas da pequena burguesia local pudessem conviver e mostrar os seus dotes artísticos. A vida quotidiana |1910 | 1930 | Programa de cinema mudo no Cine Teatro que então funcionava na Sociedade Vianense. ________________________________ A Filarmonica Vianense fotografada junto à sua sede, a Sociedade Vianense, c.1910. São visíveis as três janelas dos camarins do pequeno “cine teatro” e o vão do antigo “passo”. REPUBLICA 37 Em princípios da década de vinte foi fundada, em Viana, a Tuna Democrática Vianense. Ficaram famosos os bailes na sua sede, onde a função de MestreSala era frequente e competentemente assegurada pelo carteiro e fotógrafo Teófilo Duarte. O jornal “O Transtagano”, na sua edição de 19 de Fevereiro de 1930, deu a notícia: “No dia 9 do corrente mês realizouse um baile numa das salas da Tuna Democrática Vianense, promovido por uma comissão de sócios daquela sociedade. A comissão promotora, constituída pelos srs. Jorge Augusto Cristo, Teófilo Branco Duarte, Feliciano Augusto Caldeira, António Rodrigues Garrochinho, João José da Silva e Joaquim dos Reis Carracha, empregou o melhor do seu esforço para que aquela festa resultasse brilhante, o que de facto sucedeu, dançando-se animadamente até de madrugada. No porto de honra trocaram-se afectuosos brindes tendo usado da palavra o sr. José Paulo da Rocha, presidente da Tuna Democrática, Filipe de Sousa, Teófilo Branco Duarte, Jorge AuPrograma de uma Récita de amadores, realizada no teatro da Sociedade Vianense, c.1925. A receita reverteu a favor do Hospital da Misericórdia. A vida quotidiana |1910 | 1930 | 38 REPUBLICA gusto Cristo, Fernando Malheiros e pelo Transtagano os srs. Joaquim Lopes e Alberto Carvalho. Agradecemos reconhecidos o convite que a aludida comissão teve a amabilidade de nos enviar.” A vida quotidiana |1910 | 1930 | Algumas vezes as festas locais foram notícia na imprensa nacional. O jornal “O Século”, de 5 de Março de 1911, numa secção titulada de “Ecos do Carnaval nas Províncias”, dá conta do que se passou em Viana: “Durante o Carnaval apareceram dignos de menção uma revista aos costumes da terra, um carro paródia às cozinhas económicas, outro com a família Direitinho e uma crítica às últimas modas das senhoras, que despertou as atenções gerais, pelo bom gosto com que se apresentaram os srs. Joaquim Varela Gusmão, vestido de travadinha, Rodrigo Varela Gusmão, trajando saia, saco e chapéu da última moda, e Miguel Pimenta Massapina, de saia-calção. Em casa da sr.ª D. Mariana José Lopes houve um baile que correu animado.” Banda da Sociedade União Alcaçovense. Por estar publicada no livro de Mário do Rosario, infere-se que a fotografia é de 1924 e que foi tirada por Vasco Serra Ribeiro. ������������������������ Em Alcáçovas a vida cultural e recreativa orbitava à volta da Sociedade União Alcaçovense, fundada em 1885, a partir da fusão de duas bandas existentes: a dos ricos, localmente conhecida como a dos “nalgueiros” e a dos pobres, também conhecida como dos “pés frescos”. A razão de tais ápodos é fácil de discernir: os primeiros, abastados, reflectiam nas suas fartas nádegas o bem viver. Os segundos, menos beneficiados pela fortuna, faltava-lhes a verbazita para o sapatinho… Entre os fundadores da Sociedade contavase o já referido padre Joaquim Pedro d’ Alcântara e alguma da elite local. A Banda Filarmónica e a respectiva escola de música foram o centro da actividade da SUA, os concertos eram dados na sede e num pequeno coreto de madeira, desmontável, que se instalava na Praça da República ou no Largo Alexandre Herculano. Mais tarde promoveram uma campanha para a construção de um grande coreto, no Largo, inaugurado em 29 de Setembro de 1929. Na reunião de direcção de 25 de Outubro de 1910, a primeira após a revolução republicana, entenderam os sócios presentes clarificar as futuras relações da colectividade com o novo regime: “Aberta a sessão o presidente declarou que em vista da mudança de instituição, a philarmonica continuaria a tocar em todas as festas quer civicas ou relegiosas sem caracter politico, mas mediante remuneração ajustada com o regente de acordo com os philarmonicos. Em vista d’esta declaração pedia aos sócios músicos que tomassem a tal respeito a deliberação que julgassem justa. A assembleia considerando que a declaração era aceitável, resolveu unanimamente aproval-a.” Esta acta é, no final, assinada pelo então presidente Luís Guilherme Bamond, pelo secretário Luís Francisco Fernandes Pires e pelos sócios músicos José Maria Bamond, Francisco António Caneca, Manuel Maria Passão, António Augusto Passão e Fernando Mello, entre outros. REPUBLICA 39 Luís Guilherme Bamond era, em 1910, presidente da Sociedade União Alcaçovense. A Feira d’Ayres Garraiada na Feira d’Aires A o fundo, sobre um palanque, a Filarmónica Vianense abrilhantava a faena. c.1922. A vida quotidiana |1910 | 1930 | ������������������������� O ano dividia-se, em Viana do Alentejo, em dois grandes períodos: o antes e o depois da Feira. As gentes chegavam, um pouco de todo o lado, em churriões, carroças com ou sem toldo, charretes, pernoitando na Alameda, ao ar livre, ou nas casas dos romeiros que circundam o Santuário. Alguns chegavam com semanas de antecedência, aproveitando para uns banhos nas vizinhas águas termais da Casqueira. Nalguns anos a Companhia dos Caminhos-de-ferro organizou, a partir de Lisboa, comboios especiais. A feira era ocasião de rever familiares e amigos, de fazer negócios com gados e fazendas, de pagar as rendas que se venciam pelo S. Miguel. Um pitoresco episódio ocorreu por altura de 1922, mais ano menos ano. Um grupo de “aficionados” vianense lembrouse de organizar uma “Grandiosa Tourada” por ocasião da Feira 40 REPUBLICA d’Aires. A coisa foi levada ao pormenor, mandaram fazer cartazes e tudo, publicitando que a festa iria ser abrilhantada pela nata dos matadores espanhóis, pela primeira vez em Viana seria possível ver actuar os grandes “El Fulano” e “El Beltrano”!... O povo acorreu em peso, encheu-se a improvisada praça, construída com paus de eucalipto na bela “Alameda” contígua ao Santuário. Sobre um palanque, animava o espectáculo a Filarmónica local. O pior foi quando o público descobriu que os “el’s” afinal eram… eles, o grupo de castiços locais! Vestidos a rigor para a tauromáquica lide, por pouco não levaram uma sova do público, pois houve gente que não gostou da brincadeira e exigiu o dinheiro de volta. Mas a garraiada fez-se e dela ficou a memória para a posterioridade. Entre os organizadores contava-se o então estudante de medicina, Manuel Prates e o sapateiro Chico da Rosa. Mário do Rosario e a Vila de Alcáçovas Momento alto para a vida de Alcáçovas foi o da reabertura, em 18 de Maio de 1924, do Hospital da Misericórdia, depois de ter beneficiado de grandes obras de remodelação. A festa foi pretexto para uma visita à vila de uma equipa de reportagem de “O Século”, na qual se integrava o fotógrafo Vasco Serra Ribeiro. Este aproveitou a oportunidade para realizar uma série de “clichés” sobre a terra, o seu património e as suas gentes, mais tarde utilizados por Mário do Rosário no seu pequeno livro “A Vila de Alcáçovas: sua História, suas belezas, seu Comercio e sua Industria”, editado ainda nesse ano de 1924, em Lisboa, pela Sociedade Nacional de Tipografia. De parte das fotografias tiradas por Serra Ribeiro foi feita, na mesma altura, uma colecção de bilhetes-postais ilustrados, dois dos quais aqui reproduzidos. Apesar dos nos- sos esforços, não foi possível utilizar essa colecção de “clichés” na exposição. Republicano de longa data, Mário do Rosário estava ligado a Alcáçovas por ter aqui trabalhado, alguns anos antes, como empregado dos telégrafos. Tendo desenvolvido uma grande afectividade pela Vila, foi um dos impulsionadores das obras que então se inauguravam. No seu livro contou com a colaboração de vários amigos e correligionários, entre eles Júlio Dantas, Eduardo de Noronha, Amadeu de Freitas e o antigo professor primário de Alcáçovas Pedro José Teixeira. Vasco Serra Ribeiro, fotógrafo do jornal “O Século”, realizou em 1924 uma série de “clichés” da Vila Alcáçovas, alguns dos quais usados numa colecção de bilhetes postais. A vida quotidiana |1910 | 1930 | REPUBLICA 41 A Visita do Arcebispo de Évora ����������������������� A pouco e pouco as conturbadas relações da República com a Igreja Católica foram conhecendo alguma normalização, sobretudo a partir do consulado de Sidónio Pais (Dezembro de 1918 a Dezembro de 1919). A vida religiosa voltou de novo a fazer parte do dia a dia local, embora já sem a omnipresença de outrora. As procissões da Câmara deixaram de se realizar, a de S. Sebastião e a do Corpo de Deus, assim como algumas das festas e romarias ligadas ao culto de Nossa Senhora d’Aires. Em Maio de 1924 o Arcebispo de Évora, D. Manuel Mendes da Conceição Santos, visitou Aguiar e Viana do Alentejo. Viriato Campos, o fotógrafo, acompanhou a visita. Algumas dessas fotografias foram depois publicadas, em 27 do mesmo mês, na revista quinzenal Ilustração Portuguesa, que se publicava em Lisboa, propriedade do grupo editorial de “O Século”. | 1924 | O Estado Novo | 28 | 5 | 1926 | Da Revolução de 28 de Maio de 1926, começo do fim da Primeira República, não nos dão qualquer sinal as actas das sessões da Câmara. Inicialmente semanais, as reuniões das vereações começaram a ser mais espaçadas, sobretudo a partir de 1917. Em 1918, provavelmente por causa da pneumónica, o Executivo autárquico reuniu apenas uma vez, a 2 de Janeiro. A sessão de 17 de Junho de 1926, a segunda e última desse ano, foi presidida por Francisco Lúcio Máximo, estando presentes os 42 REPUBLICA vereadores José António Direitinho, Manuel Maria Passão, Luiz de Sousa Fernandes Cabral, Francisco António Beija Júnior, António Viriato Machado, José António do Carmo, Júlio Victor Machado e João de Sousa Faria e Melo. Esta reunião teve como objectivo a aprovação do relatório de receitas e despesas do ano anterior. Nesse ano de 1925 a Câmara Municipal de Viana do Alentejo tinha tido uma receita total de 142.036$43, qualquer coisa como 710 euros. Os aviões de Sarmento de Beires ����������������������� A inaudita visita aconteceu no dia 12 de Fevereiro de 1928, já em plena ditadura militar instalada pelo golpe de 28 de Maio de 1926, quando dois aviões aterraram em Viana do Alentejo. Para receber os ilustres visitantes improvisou-se uma pista no Monte Ruivo, pertença da casa Cabral. As duas aeronaves faziam parte da então recém criada “Esquadrilha Republica”, instalada na Amadora, pioneira da aviação militar em Portugal. Comandava este “raid” o major Sarmento de melhores pensadores republicanos da época. Estas pequenas viagens de avião, “raides” como na altura lhes chamavam, tinham por objectivo político divulgar junto das populações da província o ideal seareiro. A visita a Viana deveu-se, porém, a razão muito menos prosaica: amigo do Dr. Mário Castro, disponibilizou-se Sarmento de Beires a trazê-lo a Viana, pois aquele namorava aqui uma menina, Ofélia Carracha. Esta senhorita, que vivia no actual número 19 da Rua Prof. Beires, republicano e consagrado herói nacional. Recordemos que Brito Pais e Sarmento de Beires tinham conseguido ligar, por via aérea e pela primeira vez, Lisboa a Macau, em 1924. Sarmento de Beires era um dos fundadores da “Seara Nova” – uma revista doutrinária e crítica, fundada em Lisboa em 1921, que juntava à sua volta alguns dos Manuel Prates, era irmã de Francisco Carracha, celebrizado entre nós pelas operetas que compunha, ensaiava e levava à cena no teatrinho que então existia na Sociedade Vianense. Durante décadas existiu no gabinete da Direcção desta colectividade um grande retrato de Sarmento de Beires, memorial da sua passagem por Viana do Alentejo. REPUBLICA 43 Sarmento de Beires teve uma recepção apoteótica em Viana, com direito a banda e muito povo. No canto inferior esquerdo, um cão assiste, desinteressado, à festa... | 1928 | O Transtagano No dia 1 de Maio de 1929 viu a luz do dia o primeiro número do jornal local “O Transtagano”. A publicação apresentava-se como quinzenal, mas nem sempre lhe foi possível cumprir essa periodicidade. A sua direcção e edição estava a cargo de Joaquim Lopes, o redactor era Francisco Direitinho, filho de José António Direitinho, o “histórico” vianense do partido republicano. Como administrador apresentava-se Alberto Carvalho, pai do homónimo recentemente falecido (2010). O secretário da redacção era Liberato Oliveira. Surgindo na fase terminal da primeira república (para muitos ela até já teria terminado, com o golpe militar de 28 de Maio de 1926), o projecto “O Transtagano” pode considerar-se como uma sua produção serôdia. A redacção instalou-se na Rua Dr. António José de Almeida, presumimos que no “Paraíso”, então propriedade da família Direitinho. O editorial do primeiro número, titulado “Duas Palavras”, permitenos percepcionar o caminho que a novel publicação irá trilhar: | 1929 | | 1931 | Colaborador de “O Transtagano”, Joaquim Silva Dias era o filho mais velho da numerosa prole do escultor José Albino Dias. Natural de Coimbra, José Albino tinha vindo para Viana nos finais do século XIX, a convite de António Isidoro de Sousa, para leccionar desenho e modulação cerâmica nos projectos de formação que então se iniciavam. Todos os seus filhos cá nasceram. Joaquim Silva Dias, licenciou-se em Direito, em Lisboa. Seduzido pelas ideias integralistas, expandidas em Portugal pelo escritor alentejano António Sardinha, de quem tinha sido amigo, acabou assassinado em Évora, a 12 de Dezembro de 1931, em plena Praça do Geraldo, quando se encontrava ao volante do seu automóvel. Ao seu lado estava Francisco Rolão Preto, um dos fundadores do movimento integralista lusitano, mentor e dirigente dos “camisas azuis”, falange nacional-socialista de raiz fascista. O funeral de Joaquim Silva Dias constituiu, provavelmente, uma das maiores manifestações de pesar a que Viana do Alentejo já assistiu. No momento em que Silva Dias descia à terra encerrava-se localmente, de forma simbólica, o tempo a que convencionámos chamar de Primeira República Portuguesa. “O Transtagano terá um cunho acentuadamente regionalista, nele cabendo, portanto, todos os credos políticos e religiosos, e orientar-se-ha dentro do mais puro nacionalismo, acudindo sempre e prontamente para a luta contra tudo o que possa pôr em perigo a integridade da Pátria que nos serviu de berço, deste abençoado rincão que é um jardim da Europa á beira mar plantado”. 44 REPUBLICA REPUBLICA 45 Largo Bernardino Machado, c.1930. Poucos anos depois seria o Largo 28 de Maio, hoje é o Largo 25 de Abril. Créditos de fotografias e documentos Página 4 – Castelo de Viana do Alentejo. Roque Gameiro, 1922. Aguarela. Reprodução digital feita a partir de cartela editada pela Casa dos Patudos Museu de Alpiarça. Página 5 – Largo da officina de cerâmica, Viana do Alentejo. Bilhete-postal, s.d. Cedido por Iria Cardoso. Página 6– Garrafa de vinho Xarrama. Garrafa cedida por Francisco Cabral, fotografada pelo autor. Página 6– Professor Augusto Alberto Sanches com um grupo de alunos. Autor desconhecido, c.1900. Prova sobre papel, 17 x 12 cm. Espólio de Miguel Figueira, cedida por Maria José Figueira. Página 7 – Fundadores do Núcleo Alcaçovense da Liga Nacional de Instrução. Autor desconhecido, c.1908. Reprodução digital cedida por Nuno Grave. Página 8 – Padre Joaquim Pedro d’Alcântara. Autor desconhecido, s.d. Reprodução digital de original existente na Sociedade União Alcaçovense. Página 9- Pedro Teixeira. Autor desconhecido, s.d. Reprodução digital a partir de: ROSÁRIO, Mário do. A vila de Alcáçovas: sua história, suas belezas, seu comércio e sua indústria. Lisboa: Sociedade Nacional de Tipografia. 1924, p.17. Página 9– Antigo Largo de S. Sebastião, Alcáçovas. Bilhete-postal, início do séc. XX. Cedido por João Ilhéu. Página 10 – José Manuel d’Assumpção. Autor desconhecido, s.d. Reprodução digital de original existente na Sociedade União Alcaçovense. Página 11 – Antiga Praça do Município, Viana do Alentejo. Bilhete-postal, s.d. Colecção do autor. Página 12 – Largo Alexandre Herculano, Alcáçovas. Bilhete-postal, s.d. Colecção do autor. Página 13 – Escola de S. João, Viana do Alentejo. Fotografia de Viriato Campos, s.d. Prova sobre papel 30 x 24cm, colada sobre cartão 37x32cm. Cedida pela Câmara Municipal de Viana do Alentejo. Página 14 – Grupo de senhoras. Autor desconhecido, c.1910. Prova sobre papel 17 x 12cm, colada sobre cartão. Espólio de Miguel Figueira, cedida por Maria 46 REPUBLICA José Figueira. Página 14 – Grupo Escolar. Autor desconhecido, s.d. Reprodução digital cedida por Nuno Grave. Página 16 – Largo da Officina de Olaria. Fotografia de Viriato Campos, s.d. Positivo sobre vidro 9 x 9 cm, colorido manualmente. Cedido por Rui Gusmão. Página 17 – Viana do Alentejo. Autoria desconhecida, provavelmente Viriato Campos. Bilhete-postal, sd. Colecção do autor. Página 18 – Igreja de Nossa Senhora de Aires, Viana do Alentejo. Autor desconhecido, c.1910. Reprodução digital. Arquivo Fotográfico da Câmara Municipal de Évora. Página 19 – Procissão, Viana do Alentejo. Autor desconhecido, provavelmente Viriato Campos, s.d. Prova sobre papel tipo “post card” 14 x 9cm. Cedida por Francisco Cardoso Miguel. Página 20 – Joaquim dos Reis Branco. Autor desconhecido, provavelmente Viriato Campos. Prova sobre papel 18 x 24cm, colada sobre cartão. Cedida por Joaquina Fonseca. Página 21 – José Heliodoro Sezões. Autor desconhecido, c.1917. Prova sobre papel tipo “post card” 13 x 9cm. Cedida por Maria Teresa Salsinha Fonseca. Página 22 – Verso da fotografia anterior. Página 23 – Maria Ludovina Flór. Autor desconhecido, provavelmente Estúdio Ricardo Santos, Évora, c.1918. Prova digital sobre papel 13,8 x 9 cm. Cedida por Maria Teresa Salsinha Fonseca. Páginas 25 e 26 – Procissão à saída da Igreja Matriz de Viana do Alentejo. Fotografia de Viriato Campos, 21 de Janeiro de 1918. Prova sobre papel tipo “post card” 11 x 8cm. Colecção do autor. Página 27 – A família Flór. Autor desconhecido, provavelmente Viriato Campos, 1918. Prova sobre papel 17,5 x 12,3cm, colada sobre cartão 24 x 18,1cm. Cedida por Maria Teresa Salsinha Fonseca. Página 28 – José Albino Dias. Autor desconhecido, provavelmente Viriato Campos, s.d. Reprodução digital cedida por João Dias Carvalho. Página 28 – Fonte da Cruz. Fotografia de Viriato Campos, c.1925. Prova sobre papel 30 x 24cm, colada sobre cartão 37 x 32cm. Cedida pela Câmara Municipal de Viana do Alentejo. Página 29 – Teófilo Duarte. Fotografia de Viriato Campos, c.1925. Prova sobre papel tipo “post card” 14 x 9cm. Cedida por Nuno Duarte, Isolina Duarte e Gabriela Duarte. Página 30 – Debulha mecânica. Autor desconhecido, 1922. Prova sobre papel colada sobre cartão. Cedida por Carlos Marques. Página 32 – Chafariz e fonte do Rocio, Viana do Alentejo. Autor desconhecido, provavelmente Viriato Campos, s.d. Prova sobre papel. Colecção do autor. Página 32 – Paço das Alcáçovas. Fotografia de Vasco Serra Ribeiro, 1924. Bilhete-postal. Cedido por João Ilhéu. Página 33 – António Diogo de Oliveira e família. Autor desconhecido, s.d. Prova sobre papel tipo “post card” 8,7 x 6,8cm. Cedida por Maria Teresa Salsinha Fonseca. Página 34 – Largo de S. Luís, Viana do Alentejo. Bilhete-postal, s.d. Colecção do autor. Página 35 – José António Duarte. Fotografia de Teófilo Duarte, s.d. Prova sobre papel 13 x 8cm, colada sobre cartão 18 x 15cm. Cedida por Nuno Duarte, Isolina Duarte e Gabriela Duarte. Página 36 – Oficina de sapateiros. Autor desconhecido, s.d. Prova sobre papel 12 x 8cm. Cedida por António Pedro Figueira. Página 36 – Estandarte. Fotografia de Manuel Jorge Rafael, s.d. Prova digital. Cedida pelo próprio. Página 37 – A Filarmónica Vianense. Autor desconhecido, c. 1910. Prova sobre papel 11,5 x 9cm, colada sobre papel 22 x 16,5 cm. Espólio de Maria Lúcia Lima, cedida por Iria Cardoso. Página 39 – Banda da Sociedade União Alcaçovense. Autor desconhecido, provavelmente Vasco Serra Ribeiro, s.d. Reprodução digital de original existente na Sociedade União Alcaçovense. Página 39 – Luís Guilherme Bamond. Autor desconhecido, s.d. Reprodução digital de original existente na Sociedade União Alcaçovense. Página 40 – Garraiada na Feira de Aires, Viana do Alentejo. Autor desconhecido, provavelmente Viriato de Campos, s.d. Prova sobre papel tipo “post card” 13,5 x 9cm. Cedida por Maria Luísa da Paz Serpa. Página 40 – Feira de Aires, Viana do Alentejo. Autor desconhecido, s.d. Reprodução digital. Cedida por Rita Massapina. Página 41– Alcáçovas. Fotografias de Vasco Serra Ribeiro, 1924. Bilhetespostais. Cedidos por João Ilhéu. Página 42 – Ilustração Portuguesa, II Série, n.º849, 27 de Maio de 1922, p.506. Fotografias de Viriato Campos. Página 43 – Os aviões de Sarmento Beires. Fotografia de Viriato Campos, 28 de Maio de 1926. Prova sobre papel tipo “post card” 13,5 x 8,5cm. Espólio de Miguel Figueira, cedida por Maria José Figueira. Página 44 – O Transtagano, ano 1, n.º 1, 1 de Maio de 1929, p.1. Espólio de Miguel Figueira, cedido por Maria José Figueira. Página 45 – Largo Bernardino Machado, Viana do Alentejo. Fotografia de Viriato Campos, s.d. Positivo sobre vidro 9 x 9 cm, colorido manualmente. Cedido por Rui Gusmão. Página 47 – Castelo de Viana do Alentejo (pormenor). Roque Gameiro, 1922. Aguarela. Reprodução digital feita a partir de cartela editada pela Casa dos Patudos - Museu de Alpiarça. REPUBLICA 47 Bibliografia Fontes escritas: Actas das Vereações da Câmara Municipal de Viana do Alentejo, existentes no Arquivo Histórico Municipal (anos 1898, 1905 a 1926). Centro Democrático Vianense – livro de actas e documentos avulsos existentes no Arquivo Histórico Municipal. Fontes impressas: AAVV, Grandes Repórteres Portugueses da I República, Lisboa, Edições Foto-Jornal, 1986. AAVV, Viva a Republica 1910 2010, Lisboa, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 2010. AMAR, Pierre-Jean, Historia da Fotografia, Lisboa, Edições 70, 2007. BAPTISTA, Jacinto, Um Jornal na Revolução – “O Mundo” de 5 de Outubro de 1910, Lisboa, Seara Nova, 1966. BARTHES, Roland, A Câmara Clara, Lisboa, Edições 70, 2003. CHOAY, Françoise, A Alegoria do Património, Lisboa, Edições 70, 2000. FERRÃO, Carlos, Em Defesa da República, Lisboa, Editorial Inquérito, 1963. IDEM, História da 1ª Republica, Lisboa, Edições Terra Livre, 1976. MARQUES, A.H. de Oliveira, A Primeira República Portuguesa, Lisboa, Texto Editora, 2010. PEIXOTO, M. Lemos, Homens e Aviões na História da Amadora, Amadora, Edição da Câmara Municipal, 1980. PROENÇA, Raul, Acerca do Integralismo Lusitano, Lisboa, Seara Nova, 1964. RAMOS, Rui, SOUSA, Bernardo Vasconcelos e, MONTEIRO, Nuno Gonçalo, História de Portugal, Lisboa, A Esfera dos Livros, 2009. 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