Product: OGloboEspStd PubDate: 12-05-2013 Zone: Especial1 Edition: 1 Page: PAGINA_A User: Schinaid Time: 05-08-2013 23:57 Color: C K Y M ESPECIAL ABOLIÇÃO 125 ANOS FOTO: GUITO MORETO Bisneto de Vicente, um escravo liberto em 13 de maio de 1888, o doutor em História Robson Machado conta como os descendentes viveram os últimos 125 anos. Do seu avô, que trocou o Espírito Santo pelo Rio para trabalhar na linha férrea, a seu filho, estudante de Geografia na Uerj EU ESCREVO A MINHA HISTÓRIA CAROLINA BENEVIDES [email protected] Aos 14 anos, Vicente valia 1.200 réis. Era o ano de 1871, e ele vivia na senzala da Fazenda Córrego do Ouro, no sul do Espírito Santo. Escravo desde que nasceu, provavelmente em 1857, na Região da Zona da Mata de Minas, foi comprado para trabalhar no plantio e na colheita do café. No ano em que a Lei do Ventre Livre foi aprovada, Vicente dividia a fazenda com outros seis escravos. A mais velha, Jeronyma, de 50 anos, valia 400 réis, quatro vezes o valor de um burro de carga. Dezessete anos depois, em 13 de maio de 1888, Vicente se tornou um homem livre. Mas, para ele e para a maioria dos escravos, a Lei Áurea não significou, de cara, uma mudança de vi- da. Ao ganhar a liberdade, recebeu o sobrenome do dono da propriedade e passou a se chamar Vicente Pereira Machado. E ainda permaneceu por, pelo menos, mais uma década na fazenda. Lá casou e teve os primeiros filhos. Após 125 anos da assinatura da lei pela princesa Isabel, O GLOBO conta a vida de Vicente e de seus descendentes — personagens de um Brasil que redescobre sua História negra e reduz desigualdades, mas ainda convive com o preconceito e os resquícios da escravidão. — Essa ideia de que as pessoas saíram correndo e comemorando, isso é lenda. Depois do 13 de Maio, meu bisavô e a maioria dos escravos continuaram vivendo onde trabalhavam. Registros históricos mostram que alguns receberam um pedaço de terra para plantar o que iam co- mer. Mas poucos passaram a ganhar ordenado, e houve quem recebesse uma porcentagem do café que plantava e colhia — conta Robson Luís Machado Martins, bisneto de Vicente, que desde a década de 1990 pesquisa a história de sua família e, de quebra, a do Brasil. — Toda família tem uma história. A da minha é também a do Brasil nos últimos 150 anos. Foi pesquisando para a graduação em História, o mestrado e o doutorado que Robson descobriu como viveu seu bisavô. Antes de tudo, ouviu os relatos dos seus avós maternos, Paulo Vicente e Ana Cândida, filha de uma portuguesa com um africano. — Cresci com minha avó exaltando mais o lado comunitário e festivo do que as agruras, a violência, os filhos sendo vendidos, os açoites. A parte humana de uma convivência desumana. De haver um sentimento comunitário. Quando fui para a faculdade, resisti bastante a escrever sobre esse período. E até hoje faço assim: quando estou tranquilo, vou adiante. Quando abala, eu paro — diz Robson. Em suas pesquisas, ele descobriu que Vicente era um negro mais alto e mais forte que a maioria. Em 1871, valia mais que o irmão, Marcos, um ano mais velho. Foi esse porte que fez com que fosse escolhido como reprodutor e tivesse relações com as escravas, que gerariam filhos. Depois, apaixonou-se por uma branca e acabou no tronco. Foi ainda capitão do mato, pessoa que devia resgatar os escravos que fugiam. — Ninguém tinha opção. Meu avô contava que o pai teve que aceitar ser capitão do mato, mas que não ficou com reputação ruim — diz. l Product: OGloboEspStd PubDate: 12-05-2013 Zone: Especial1 2 Edition: 1 Page: PAGINA_B User: Schinaid Time: 05-08-2013 l O GLOBO ABOLIÇÃO 125 ANOS 23:57 Color: C K Y M l Especial l Primeiros escravos. Revolta em Palmares. 1559 1694 A Coroa portuguesa permite o ingresso de escravos no Brasil. Cada senhor de engenho poderia importar até 120 negros. Família avança no ritmo do progresso do Brasil REPRODUÇÃO/MUSEU ANTÔNIO PARREIRA Domingo 12 .5 .2013 QUADRO DO PINTOR JOHANN RUGENDAS Pressão sobre o Brasil. 1810 1823 GUITO MORETO Em Salvador, uma outra visão da escravidão Livro retrata negros donos de escravos e vizinhos de brancos BIAGGIO TALENTO* [email protected] Negros e pardos chefes de família, tendo escravos entre suas propriedades, convivendo com brancos em casas vizinhas e até no mesmo prédio. O quadro é descrito pelo geógrafo Pedro Vasconcelos a partir de um estudo feito no Censo de 1775 em duas freguesias de Salvador à época. Professor da Universidade Católica de Salvador, Vasconcelos fez uma análise minuciosa do Censo, em parte obtido na Torre do Tombo de Portugal, publicada no seu livro “Salvador: Transformações e Permanências (1549-1999)”, cuja segunda edição ampliada e revisada está no prelo e deve ser lançada ainda este ano. Pelo Censo de 1775, na freguesia de São Pedro, a primeira fora dos muros da cidadela de Salvador, foram registradas 92 casas com chefes de família pretos, 82 casas com chefes de família cabras (termo da época para classificar mestiços) ou pardos, 348 casas com chefes de família brancos. — Em pleno período da escravidão, essa freguesia contava com um terço (33,3%) de chefes de família “de cor”, que conviviam num mesmo espaço urbano com as demais famílias — observa o autor. Na freguesia da Penha, situada à beira-mar de Salvador, a U proporção de libertos e de livres “de cor” era Números ainda mais elevada: 48%, quase a metade das famílias, sendo 28% delas chefiadas por pretos e 20% por DAS FAMÍLIAS pardos e cabras. O levantamento NEGRAS E mostra inexistência MESTIÇAS eram vizinhas de “segregação espacial” entre os indivíde brancos duos, apesar das difenuma renças social e de cor. freguesia de Exemplo: na casa de Salvador número 156 da freguesia da Penha, residia o capitão-mor do Forte de Itapagipe, Felix Jozé de Barros, branco, casado, com DOS NEGROS 50 anos. Seus vizinhos EM SÃO eram a costureira AnPEDRO na M. Mendes, preta, eram donos viúva, com 30 anos, na de escravos, casa de número 155; e de acordo João Felix, preto, casacom o Censo do, com 30 anos e sem da época profissão definida, na casa de número 157. Mais interessante, diz Vasconcelos, é o caso da existência de casas “mistas”: — Encontramos indivíduos de cores diferentes que residiam nos mesmos endereços, certamente em diferentes andares ou nos fundos e quintais. Na freguesia de São Pedro, oito brancos residiam nos mesmos endereços que quatro pardos e quatro pretos, de níveis sociais diferenciados, como um desembargador branco, um carpinteiro pardo, ou um médico branco e um marceneiro preto. O Censo demonstra ainda a grande quantidade de escravos que as famílias possuíam, independentemente de cor e posição social. Em São Pedro, 26% dos pardos tinham escravos e 25% dos pretos também tinham escravos. O livro destaca, por exemplo, relatos de uma padeira viúva parda (Maria Nunes) que “tinha o enorme contingente de 24 escravos”. (*Da Agência A Tarde, especial para O GLOBO) l -SALVADOR- Com ‘muita peleja’, avô, mãe, irmã e filho de Robson mudam de vida CAROLINA BENEVIDES [email protected] Quando o Brasil fez seu primeiro Censo, em 1872, o levantamento apontou que 15% da população era de escravos, o que correspondia a pouco mais de 1,5 milhão de pessoas. Dezesseis anos mais tarde, em 13 de maio, o país tinha menos de um milhão de escravos. A redução se deu muito por conta da Lei do Ventre Livre e da Lei dos Sexagenários, que em 1885 libertou todos os negros com mais de 65 anos e estabeleceu que os com mais de 60 anos e menos de 65 estariam livres, mas sujeitos à prestação de serviços por três anos. Vicente Pereira Machado, o bisavô de Robson Machado, era um dos escravos que o Censo apontava. Liberto quando a Lei Áurea foi assinada, ele deixou a fazenda por volta de 1898. Estava casado com Marcolina Ribeiro de Jesus, que havia nascido depois da Lei do Ventre Livre. Os dois, os filhos e Marcos, irmão de Vicente, foram para Vala do Souza, hoje Jerônimo Monteiro (ES). Em 1910, já em Alegre (ES), nasceu Paulo Vicente Machado. Avô de Robson, Paulo cresceu ajudando os pais na lavoura. Menino, ele aprendeu sobre jongo, soube das dificuldades enfrentadas por quem vivia nas senzalas e ouviu histórias sobre as negras bonitas. Aos 15 anos, casou com Ana Cândida, 12 anos mais velha. E foi durante a República Velha (18891930), com a expansão ferroviária, que passou a trabalhar na estrada de ferro. Começou capinando a linha. Mais tarde, acabou transferido com a família para Bom Jardim, na Região Serrana do Rio. — A expansão ferroviária era um trabalho braçal e arregimentou muitos negros. Meu avô foi um deles e veio para o Rio trabalhar na Estação Santa Luzia — diz Robson. Foi em Bom Jardim que, em 1947, nasceu Maria Cleusa Vicente Machado, mãe de Robson. Aos 9 anos, ela deixou a família e foi trabalhar como doméstica no Centro do Rio. — Em Bom Jardim, a gente tinha uma vida miserável — recorda Cleusa. — Eu dizia que não queria aquela vida, queria estudar, ter roupa bonita. Então, minha mãe deixou que eu fosse embora. Em 1956, Cleusa desembarcou na Rua Calógeras — “lembro o endereço todo até hoje”. Juscelino Kubitschek já era o presidente. — Fiquei até os 16 anos. A dona da casa enviava dinheiro para minha mãe e deixava que eu falasse ao telefone com ela. O marido foi bom até eu ficar maiorzinha. Daí, passou a dizer que me queria — conta Cleusa, que foi, então, trabalhar em Copacabana. — Fui arrumadeira até casar, em 1967, quando fomos para São Gonçalo. Foi em São Gonçalo, na Região Metropolitana do Rio, quando o governo militar já havia aprovado a Constituição de 1967, que nasceram Ana Verônica, em 1968, e Robson, em 1970. O casamento não deu certo, e Cleusa viu que era hora de “fazer uma profissão”. A neta de Vicente decidiu estudar. — Fiz supletivo. Continuava doméstica, mas ganhava pouco. Algumas vezes a gente tinha um ovo e só. Não foi fácil, mas concluí o primeiro grau — lembra Cleusa. — Uma vizinha viu meu esforço e se ofereceu para me ensinar a costurar. Consegui emprego numa fábrica. Depois, comprei uma máquina à prestação e comecei a costurar em casa. E foi costurando que ela pôde fazer com que Ana Verônica fosse a primeira da família a ter curso superior. Ela se formou em Ciências Contábeis, numa faculdade particular. — Foi uma peleja desde a hora da inscrição. QUADRO DE BENEDITO CALIXTO José Bonifácio apresenta uma representação à Assembleia Legislativa e Constituinte do Império propondo a extinção gradual da escravidão. A Inglaterra declara ilegal o tráfico negreiro. O príncipe regente Dom João VI se compromete a estabelecer a abolição gradual. O quilombo de Palmares (PE) é invadido e destruído. Seu líder, Zumbi, foge, mas é capturado e decapitado no ano seguinte, em 20 de novembro. Abolição gradual. Transformação. Cleusa, o neto Daniel e os filhos Robson (de óculos) e Verônica: educação mudou a vida da família CINCO GERAÇÕES Vicente Pereira Machado ESCRAVO Nasceu provavelmente em 1857, em Minas Gerais. Passou a adotar o sobrenome em 13 de maio de 1888, quando ganhou a liberdade Descendentes ainda vivos Casaram-se na Fazenda Córrego do Ouro, no Espírito Santo Vicente Marcolina Marcolina Ribeiro de Jesus Nasceu livre, depois de setembro de 1871, quando já vigorava a lei do Ventre Livre. Não há informação sobre o local de nascimento FILHOS Pedro Virgínia Paulo Casaram-se em 1925 na Paróquia Nossa Senhora da Penha, em Alegre (ES) Paulo Vicente Machado FERROVIÁRIO Nasceu em 1910, em Alegre (ES) Marcos Ana Vicente 25% Ana Cândida Vicente Machado Nasceu no Norte Fluminense, possivelmente em 1898 FILHOS Haroldo Maria Tereza Roberta Nascidos em Bom Jardim (RJ) Leônis Ferreira Martins Nasceu em 29 de agosto de 1943, em Bom Jardim (RJ) Leônis Casaram-se em 22 de julho de 1967. São divorciados Romilda Reni Rute Nascidos em Alegre (ES) Maria Cleusa Vicente Machado DOMÉSTICA E COSTUREIRA Maria Cleusa Nasceu em 18 de setembro de 1947, em Bom Jardim (RJ) FILHOS Ana Verônica Machado Martins Nasceu em 15 de maio de 1968 Ana Verônica Robson Robson Luís Machado Martins FORMADO EM HISTÓRIA (UFF). MESTRE E DOUTOR PELA UNICAMP Nasceu em 11 de fevereiro de 1970. Separado FILHO Eu não tinha o dinheiro todo, o diretor falava que não podia esperar, e ela chorava. Os vizinhos ajudaram e deu tudo certo — recorda. Com Robson, “a peleja foi igual”: — Ele estudou em Niterói (na UFF) e, depois, foi estudar em Campinas (Unicamp), já tendo um filho pequeno. Hoje, Daniel, filho de Robson, é um rapaz de 18 anos e cursa Geografia na Uerj. — Quero que ele passe adiante a história da família. Que lembre que a vida mudou quando minha Daniel 33% Daniel Robson Peixinho Martins UNIVERSITÁRIO (UERJ, GEOGRAFIA) Nasceu em 15 de dezembro de 1994, em Niterói (RJ) mãe, avó dele, disse que o estudo devia vir em primeiro lugar. Eu vivo em Campinas, tenho situação financeira boa. Minha família continua em São Gonçalo, numa área em que todos os amigos de infância do meu filho se envolveram com o tráfico e estão mortos — diz Robson. — Ficamos para mostrar que é possível mudar. O que temos é esforço nosso. Os escravos, meus avós diziam, viviam coletivamente. A gente também. Ninguém aqui caminha individualmente. Carregamos a marca da escravidão até na identidade. Mas temos prosperado. l Product: OGloboEspStd PubDate: 12-05-2013 Zone: Especial1 Edition: 1 Page: PAGINA_C User: Schinaid Time: 05-08-2013 23:57 Color: C K Y M l Especial l Domingo 12 .5 .2013 QUADRO DE JEAN BAPTISTE DEBRET O GLOBO REPRODUÇÃO Lei dos sexagenários. Uma lei para inglês ver. Livres a partir dos 8 anos. É aprovada a Lei do Ventre Livre, que estabelece que filhos de escravas nascidos a partir daquela data seriam considerados livres a partir dos 8 anos. Deputado por Pernambuco, Joaquim Nabuco apresenta projeto de lei propondo a abolição da escravidão. No mesmo ano, é criado no Rio o jornal “O Abolicionista”. É aprovada a lei que liberta escravos de mais de 65 anos, mediante indenização. Proprietários de escravos alteram os registros para burlar a idade. Pouco antes da abolição da escravatura, estouram revoltas de negros por todo o país, e suas fugas são intensificadas, principalmente no Vale do 1831 1871 1880 1885 1888 Após pressão da Inglaterra, a Lei Feijó, que proíbe o tráfico negreiro, é aprovada, mas descumprida. Em 1850, a Lei Eusébio de Queiroz reforça a proibição. O abolicionista do Império. Enfim, a liberdade. REPRODUÇÃO Paraíba e em Campos dos Goytacazes, no Rio, e em áreas canavieiras de Pernambuco. Finalmente, em 1888, após aprovação pelo Parlamento, a princesa Isabel assina a Lei Áurea. REPRODUÇÃO/LIVRO COLEÇÃO PRINCESA ISABEL l 3 REPRODUÇÃO/ACERVO LABHOI Caricatura. Fazendeiros assediam um liberto U DESTINO DOS LIBERTOS UFF MANTÉM PESQUISAS SOBRE O PÓS-ABOLIÇÃO Corte em festa. Milhares de pessoas se concentram no Centro do Rio após a assinatura da Lei Áurea: o calendário de eventos em comemoração à abolição se estendeu por um mês no país MARCELO REMÍGIO [email protected] SONHO DE LIBERDADE O TRABALHO SILENCIOSO DE ABOLICIONISTAS O trabalho de abolicionistas anônimos foi registrado na História muito antes da Lei Áurea, mas envelheceu desconhecido em arquivos públicos do país. Com a lupa na mão e o desejo de encontrar casos que remontem ao período da abolição no país, pesquisadores do Laboratório de História Oral e Imagem (Labhoi) da UFF têm resgatado esse passado que não entrou para os livros. São trajetórias silenciosas de padeiros, juristas, jornalistas e negros forros que lutaram pelo fim da escravatura. Somente no século XIX, quando o tráfico negreiro foi proibido, desembarcaram no Brasil 2,06 milhões de africanos, a maior parte ilegalmente. Os carregamentos eram formados por homens jovens, pois as mulheres não eram rentáveis na lavoura e tinham baixo valor de venda. O GLOBO foi em busca dessas histórias e traz registros de anônimos que tinham a vida movida pela liberdade. Histórias de heróis anônimos Pesquisadores vasculham arquivos e resgatam brasileiros e africanos que lutaram pela abolição REPRODUÇÃO/ACERVO RESGATE/LABHOI REPRODUÇÃO/ACERVO LABHOI LISTA DE MATTOS PADEIRO ‘FABRICAVA’ CARTAS DE ALFORRIA FALSAS As mãos que davam forma ao pão de seis onças, o mais comum nas padarias do Império, eram as mesmas que alimentavam o sonho da liberdade de muitos negros na cidade paulista de Santos, na segunda metade do século XIX. O padeiro João de Mattos, que todas as madrugadas dividia a arte de fazer pão com negros escravos, à noite trocava de ofício. Ele imprimia cartas de alforria falsas, a serem entregues a escravos fugidos. De posse do documento, os negros tornavam-se libertos. João de Mattos priorizava em sua lista negros que trabalhavam em padarias. O movimento criado pelo padeiro rompeu os limites de Santos e chegou a São Paulo e Rio de Janeiro. A saída para liberdade criada por Mattos também tinha um viés trabalhista. Para ele, enquanto existissem escravos não haveria respeito ao trabalhador e, muito menos, melhores condições de trabalho. MANOEL CONGO LÍDER NEGRO COMANDOU MAIOR FUGA NO ESTADO A Mata Atlântica que hoje separa os municípios de Paty do Alferes, no Sul Fluminense, e Petrópolis, na Região Serrana, guarda memória da maior fuga de escravos no Rio. O ano do levante, 1838. O idealizador da revolta, Manoel Congo. Negro traficado, Manoel Congo chegou à Fazenda Freguesia, em “Eu pisei na pedra, a pedra balanceou. O mundo tava torto, rainha endireitou. Treze de maio a corrente rebentou, o cativeiro já acabou”. Embalados pela canção do jongo, pesquisadores do Laboratório de História Oral e Imagem (Labhoi) da Universidade Federal Fluminense (UFF) desenvolvem há 23 anos trabalhos que buscam resgatar o cotidiano das últimas gerações de escravos no Brasil e o período pós-abolição. — Há um vazio a partir de 1888. Muitas dúvidas permanecem sobre o que aconteceu com os escravos que foram libertados. O ensino nas escolas e a maior parte dos livros didáticos não abordam o pós-abolição — explica Hebe Mattos, que integra o Labhoi. — Parece que após 13 de maio de 1888 os escravos libertos desapareceram do Brasil e os livros embranqueceram — acrescenta a pesquisadora Martha de Abreu. Em 20 anos, o Labhoi produziu 300 horas de gravações com depoimentos de descendentes de escravos; documentários; teses e dissertações sobre a abolição. período que antecedeu a abolição, das quais, pelo menos a metade, foi favorável aos negros. Por trás dos processos, estavam advogados abolicionistas que se debruçavam sobre os processos em busca de soluções para beneficiar escravos. Francisco José Rebello, advogado na região que hoje abriga Florianópolis, em Santa Catarina, escreveu seu nome na lista de abolicionistas anônimos ao brigar pela liberdade da escrava Liberata, mulata que chamava a atenção por sua beleza. Aos dez anos de idade, Liberata foi comprada. Já adolescente, a era violentada sexualmente por seu senhor sob dois pretextos: era de sua propriedade, e os seus serviços poderiam render-lhe a sonhada carta de alforria. Liberata teve dois filhos com seu senhor, sendo o mais velho muito parecido com o pai. A traição de seu dono levou a mulher dele a também perseguir Liberata, vítima de seus castigos. Sob alegação de maus tratos, a escrava levou à frente um processo contra seu senhor. Em 1813, Rebello enviou requerimento à Justiça contando a história de vida de sua cliente, pedindo o direito de liberdade. A ação transcorreu por um ano e foi, posteriormente, arquivada, após Liberata conseguir sua carta de alforria, possivelmente por meio de negociação com seu proprietário. RETORNO À AFRICA Talento negro. Escravos da Fazenda Resgate, que integravam banda de música: alvo de estudo do Labhoi Terreiro de café. Pintura reproduz o trabalho de negros após a abolição: imagem garimpada por pesquisadores Arcozelo, Paty do Alferes, para trabalhar como ferreiro. Em pouco tempo, tornou-se líder regional da luta contra a escravidão. Manoel atuou em silêncio confeccionando armas para a rebelião. Estrategista, ele traçou rotas de fuga e maneiras de armazenar comida para os rebelados. O estopim para a revolta foi uma sessão de tortura a qual um dos escravos da Fazenda Maravilha foi submetido. A propriedade era vizinha à Freguesia, e ambas pertenciam ao capitão-mor Manoel Francisco Xavier, conhecido por aplicar castigos rígidos aos seus escravos. Inconformado com a violência, Manoel Congo reuniu outros líderes negros de Paty — Pedro Dias, Vicente Moçambique, Antônio Magro e Justino Benguela — e, em 5 de novembro, promoveu o levante que libertou cerca de 400 escravos. A fuga esvaziou as senzalas das duas fazendas e atraiu os negros domésticos que trabalhavam na casa grande. Os fugitivos foram divididos em dois grupos e seguiram em direção à Santa Catarina, localidade de Petrópolis. O grupo de Manoel Congo foi pego e o líder, preso. Os demais que conseguiram fugir formaram um quilombo nas matas que hoje formam a Reserva Biológica de Tinguá. Manoel Congo foi enforcado um ano depois, após ser julgado. Os demais líderes presos receberam como castigo chibatadas, enquanto mulheres e crianças foram poupadas. Inúmeras histórias são contadas em Paty sobre Manoel Congo, como a de um possível romance com Marianna Crioula, negra que participou da organização da fuga. A sede da Fazenda Freguesia guarda hoje acervo dedicado ao líder negro. A Fazenda Maravilha também foi preservada. NOS TRIBUNAIS ADVOGADO DEFENDEU A LIBERDADE NA JUSTIÇA Vasculhando documentos do Arquivo Público Nacional, pesquisadores da Unirio descobriram que não era impossível um escravo processar seu dono e ganhar a liberdade. Há registros de 402 ações julgadas na Corte durante o século XIX, no NEGRO LIBERTO E A META DE FUNDAR UMA CIDADE Líder abolicionista entre os muitos anônimos que lutaram contra escravidão, o africano liberto Joaquim Nicolau de Brito tentou levar mais de cem negros forros de volta à África. Em busca de aliados, procurou os ingleses, que reprimiam nas águas do Atlântico o comércio ilegal de negros para o Brasil. A atividade foi proibida por lei em 1831. À época, o Império fazia vista grossa para o tráfico e mantinha uma legislação para “inglês ver”. Apenas em 1850, uma nova lei ampliou os mecanismos de fiscalização e aumentou o poder dos ingleses para interceptar navios negreiros. Em correspondência ao governo inglês, Joaquim Nicolau pediu auxílio para que seu grupo fundasse uma cidade em Cabinda, na África Centro-Oriental. Enquanto aguardava retorno, buscou interessados em alugar uma embarcação por 500 mil contos de réis e levar cerca de 200 ex-escravos de volta às terras africanas. De início, os britânicos encontraram barreiras que poderiam levar o sonho do grupo ao naufrágio, como transporte inseguro, falta de alimentação e terras indisponíveis. Ainda assim, o pedido foi aceito pelos britânicos, que, em setembro de 1851, proporcionaram transporte, armas, munição e proventos necessários à aventura. Documentos sobre o caso estão arquivados em Londres. l Product: OGloboEspStd PubDate: 12-05-2013 Zone: Especial1 4 l O GLOBO ABOLIÇÃO 125 ANOS Edition: 1 Page: PAGINA_D User: Schinaid Time: 05-08-2013 23:57 Color: C K Y M l Especial l Conquista do direito ao voto. REPRODUÇÃO Domingo 12 .5 .2013 Mulher, negra e deputada. REPRODUÇÃO Valorização da cultura. Mesmo após a Abolição, o direito dos negros ao voto só é garantido em 1934. A Constituinte daquele ano também teve, pela primeira vez, uma mulher. A educadora e jornalista Antonieta de Barros se torna a primeira mulher negra eleita para uma Assembleia Legislativa e ocupa vaga em Santa Catarina. Abdias Nascimento (foto) cria o Teatro Experimental do Negro. O projeto revela Ruth de Souza, Jacyra Sampaio, Léa Garcia e Aguinaldo Camargo. 1934 1935 1944 Marcas de um tempo nem tão distante DIVULGAÇÃO Punição contra o racismo. A Lei Afonso Arinos estabelece um ano de prisão ou multa por racismo. Em 1989, a prática passa a ser considerada crime inafiançável pela Lei Caó. 1951 GUSTAVO STEPHAN REPRODUÇÃO Vestígios do Ciclo do Café devem ressurgir em escavações planejadas O bisneto. Maurício Antônio Monteiro de Barros Pinto, guardião atual da Boa Esperança CHICO OTAVIO Enviado especial [email protected] -RIO PRETO (MG)- Falta apenas o sinal verde do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) para as escavações começarem. Sob o piso da senzala da Fazenda Santa Clara, em Santa Rita de Jacutinga, Zona da Mata mineira, os pesquisadores esperam desenterrar História. Pela primeira vez, em 20 anos, eles vão esquadrinhar um sítio arqueológico do Ciclo do Café, no Vale do Paraíba, em busca do que ainda resta contar sobre a passagem dos escravos pela região. Nos primeiros 30 anos do século XIX, o Porto do Rio recebeu cerca de 700 mil africanos, pelos cálculos do historiador e especialista em escravidão Flávio Gomes, da UFRJ. Parte considerável foi levada para as fazendas de café do Paraíba. Diante da grandeza do número, pode parecer inútil abrir a golpes de colher de pedreiro um buraco de 45 metros quadrados e 30 centímetros de profundidade, no máximo. Porém, para o arqueólogo Luís Cláudio Symanski (UFMG), responsável pelo projeto, e para o próprio Gomes, as perspectivas são animadoras. — Como a história dos escravos no Brasil é praticamente toda contada pela elite, as escavações na Santa Clara darão aos africanos a rara oportunidade de se expressarem pelo que deixaram enterrado — explica Symanski. Em processo de tombamento, a fazenda talvez seja a maior propriedade rural do século XIX ainda em pé na região, embora as infiltrações e rachaduras não lhe deem trégua. Seus seis mil metros quadrados de área construída abrigam 46 quartos, 14 salões, uma capela, dois terreiros de café e uma masmorra, com grilhões, viramundos (madeira onde se prendiam os pés e as mãos dos escravos) e outros objetos que conferem ao lugar um aspecto aterrador. Mas o centro das atenções em julho, quando começam as escavações, será a senzala em forma de pavilhão, praticamente intacta com as paredes de pau a pique e 24 falsas janelas. Ao contrário da primeira e única escavação em senzalas do Vale, que pouco encontrou em 1999, a integridade da construção dá aos pesquisadores a confiança de desenterrar aquilo que, há dois séculos, os escravos queriam esconder: vasilhames de cerâmica que reproduziam a memória dos países de origem e vestígios relacionados às práticas espirituais, como talismãs, moedas furadas, cristais de quartzo e garrafas com produtos espirituais. — São vestígios que mostram como os africanos construíam a identidade. Muito do que se sabe sobre os escravos foi extraído de processos-crime, em que eram interrogados sob coação, ou de testamentos deixados por alforriados, ex-escravos que tiveram uma trajetória excepcional. Na área rural, só se consegue uma história sem distorções quando se escava a senzala — sustenta Symanski. A propriedade, construída entre 1824 e 1856 pelo comendador Francisco Teresiano Fortes de Bustamante, amargou a crise do café, foi hiGUSTAVO STEPHAN História. Senzala da Fazenda Santa Clara, em Minas: escavações podem revelar objetos dos escravos O bisavô. Bernardino de Barros, o Barão das Três Ilhas, ou o “Barão Arrogante” potecada ao Banco do Brasil e, desde 1923, pertence à família do coronel João Honório de Paula Motta. Seus herdeiros, que somam 38 pessoas divididas em oito núcleos, não se entendem sobre o destino da fazenda. Cada qual ocupou um pedaço do casarão, que mantém trancado a cadeado, e conspira contra o núcleo rival em situações dignas de um romance rural. Um dos herdeiros, o advogado José Mendes Honório, embora satisfeito com o processo de tombamento no Instituto do Patrimônio Estadual, reconhece que “a maioria esmagadora da família” é contra a medida e trabalha para vender a propriedade: — Uma fazenda assim, quase tombada, não tem valor de mercado. Eles precisam se convencer de que, no rateio, sobrará quase um valor simbólico para cada um. PROPRIEDADE SOBREVIVE ÀS INTEMPÉRIES A poucos quilômetros da Santa Clara, outra propriedade histórica insiste em sobreviver às intempéries. Mas, na Fazenda Boa Esperança, em Belmiro Braga (MG), reina o consenso sobre a preservação da casa, erguida no início dos anos 1870 pelo Barão das Três Ilhas, Bernardino de Barros, e de uma tulha (lugar onde o café era processado e guardado) que oferece a qualquer visitante a estranha sensação de ter saído do túnel do tempo em pleno Brasil Império. O consenso doméstico é fácil porque a imensa construção, com 15 cômodos, cinco salões, cozinha, capela e banheiro (raríssimo nas sedes do período), é habitada por uma única pessoa. Maurício Antônio Monteiro de Barros Pinto, de 76 anos, bisneto de José Bernardino, a quem chama de “Barão Arrogante”, é o guardião solitário da memória da Boa Esperança. Chega a ser quixotesca sua luta contra a debilidade do corpo, agravada por uma diabetes, em capinas, varreduras e limpezas diárias para manter viva a história da família. Tudo parece conspirar contra esse Dom Quixote mineiro. Não se dá com o único dos três filhos que ainda mora no município. A ex-mulher não se interessa pela fazenda. Belmiro Braga encolhe em população a cada ano, e a produção de leite da fazenda, restrita a 40 vacas, mal chega para as despesas de subsistência, reforçada pela aposentadoria no valor de um salário mínimo e a taxa de R$ 15 que cobra de visitantes eventuais. Mas o abandono é, ao mesmo tempo, a fortuna de Maurício. Foi o eterno desinteresse pela fazenda que manteve a Boa Esperança quase igual ao que era há 125 anos. Móveis, documentos, louças, objetos pessoais e até perfumes e bonecas franceses, está tudo lá, intacto. Alguns desses objetos, capazes de encher os olhos de colecionadores de antiguidades, estão cobertos de poeira. Magro, olhos claros, sempre de jaleco, o guardião percorre a casa, com explicações sobre cada coisa, como se obedecesse a um ritual. Para Maurício, o bisavô é o “Barão Arrogante” porque nunca admitiu o declínio financeiro e morreu em 1915 sem saber que estava completamente falido. A fazenda só não foi a leilão porque o irmão, Gabriel Antônio de Barros, o Barão de São José Del Rey (“Barão Humilde”, para o bisneto), pagou a dívida a tempo. Sim, Maurício é bisneto do arrogante e do humilde, herdeiro de uma família que manteve a tradição da elite rural da época de estimular os casamentos consanguíneos para não fracionar as posses. Na fazenda, permanece no ar o clima de opulência e declínio do Brasil escravagista. Maurício desconversa. Pouco diz sobre o local da senzala, que já ruiu, mas garante que a Boa Esperança chegou a ter 715 escravos. Não sabe mais de onde tirou o número, mas não é preciso esforço para encontrar vestígios. Em meio a papéis espalhados pelas mesas, muitos exibindo as marcas da fúria dos cupins, é possível achar, por exemplo, o recibo de venda das escravas Doroteia, Honorata e Cesária. l DIÁLOGO No encontro de bisnetos, passado e futuro de um país Preconceito, memória e História perpassam conversa entre bisnetos de escravo e fazendeiro -RIO PRETO (MG)- Toda a conversa não levou mais de uma hora, mas pareceu durar 125 anos. O desabafo saiu quando a mulher de 44 anos descrevia o esforço tardio de completar os estudos e concluir um curso técnico de saúde bucal: — De nada adiantou, porque a prefeitura não me dá emprego. As pessoas daqui têm a cabeça pequena. Só eu sei o que passo. Nisso, ela foi interrompida pelo visitante em sua casa: — Para conseguir o serviço, é preciso fazer concurso. Está na Constituição. Quem for mais competente fica com a vaga. — Ah, é? Então me explique: por que as duas única brancas de uma turma de oito conseguiram o cargo sem fazer concurso? O problema está aqui — reage a anfitriã, passando o dedo na pele negra. A mulher é Lígia Maria Marçal, moradora de Rio Preto, Zona da Mata mineira. Bisneta de escravo, mora perto da Fazenda Santa Clara, onde começou a saga de sua família no Brasil. Naquela manhã, ela recebia em casa o professor de História João Marcos Honório Carneiro, bisneto do coronel João Honório de Paula Motta e um dos herdeiros da propriedade. Dia após dia, um exército de cupins, morcegos, pássaros e outros pequenos predadores se encarrega de devorar uma fatia do que sobrou das fazendas de café do Vale do Paraíba, um dos principais enclaves escravagistas do Brasil no século XIX. Algo, porém, parece imune à ação do tempo: os vestígios culturais desse passado. Não há festa de 13 de Maio e outras homenagens que apaguem o que um diálogo entre os dois herdeiros é capaz de revelar. Lígia procurou confortar o constrangido visitante. Garantiu nada ter contra a sua família, que só assumiu a fazenda após a libertação dos escravos, ou contra a cidade que a abrigou, depois que deixou a zona rural quando o pai já não tinha GUSTAVO STEPHAN Conversa com o passado. Lígia Marçal, bisneta de escravos, e João Marcos Honório, bisneto de coronel mais forças para trabalhar num laticínio. Ela não sabe o nome do bisavô escravo, mas, até se casar, levava o sobrenome Fortes na carteira de identidade, cedido pelo comendador Francisco Teresiano Fortes de Bustamante, este, sim, o grande proprietário de escravos da Santa Clara. Professor da rede pública e quarta geração dos Honórios, João Marcos é visto pela família como um pesquisador da fazenda. Debruçado sobre os inventários da propriedade, apurou que a Santa Clara chegou a ter 380 escravos. Descreve o Brasil pré-1888 como um “período peculiar” e se diz adepto da “vertente de que a escravidão foi endógena, já existia dentro da África”. Para ele, em vez de danças típicas, o 13 de Maio teria mais proveito se mostrasse o genocídio de Ruanda, quando 800 mil pessoas foram mortas em 1994 durante choques tribais na África. O secretário municipal de Governo de Rio Preto, José Milton Ferreira, negou que a prefeitura discrimine candidatos a cargos públicos. Ele disse que não conhece o caso específico de Lígia, mas supõe que o prefeito Agostinho Paiva já tenha empregado alguém da família dela e não a teria contratado para dar a mesma oportunidade a outras famílias do local, “dividindo o pão”. — Quando acabou a escravidão, a elite passou a sugerir que tudo tinha acontecido num passado distante. Mas a escravidão aconteceu ontem. As feridas estão abertas — disse o historiador da UFRJ Flávio Gomes, especialista no assunto. l Product: OGloboEspStd PubDate: 12-05-2013 Zone: Especial1 Edition: 1 23:57 Color: C K Y M l Especial l Domingo 12 .5 .2013 Pioneiro em telenovelas. Page: PAGINA_E User: Schinaid Time: 05-08-2013 MÔNICA IMBUZEIRO/01.07.2002 O ator Zózimo Bulbul é o primeiro negro a protagonizar uma telenovela. Também é o primeiro negro a ser modelo de uma grife de alta-costura no Brasil. 1969 Direitos para quilombolas. JAMIL BITTAR/05.10.1988 O GLOBO Ações afirmativas. ELIANE MARIA/25.05.2009 A Constituição Federal é promulgada e garante às comunidades remanescentes de quilombos a propriedade das terras ocupadas por elas. A Uerj é a primeira universidade a ter cotas raciais. Dez anos depois, o STF julga a política constitucional, e elas viram lei em instituições federais. O ministro Joaquim Barbosa toma posse na presidência do Supremo Tribunal Federal. É o primeiro negro a ocupar o posto. 1988 2002 2012 Isabel: uma princesa avessa à política DIVULGAÇÃO [email protected] ROBERTA JANSEN Considerada uma das maiores especialistas em Brasil Império, a historiadora Mary del Priore acaba de lançar “O castelo de papel” (editora Rocco), em que disseca a imagem de Isabel de Bragança, a princesa que acabou por assinar a Lei Áurea no Brasil, libertando todos os escravos. O livro revela como Isabel, na verdade, nunca esteve interessada em política, muito menos na causa abolicionista. Só acabou sendo a responsável pela Abolição por puro acaso. FORMAÇÃO DONA DE CASA “Fica bem demonstrado, por meio de vários documentos e frases dela, que detestava a vida política. Havia uma incompatibilidade com o projeto que lhe atribuíam. Não achei nenhuma frase dela que demonstrasse qualquer interesse pelo assunto. Estava mais preocupada com a vida familiar, as gravidezes.” INCENTIVO DO IMPERADOR “Além de todas essas questões, o próprio dom Pedro II não a aproximou da vida política, não a incentivou. Então, ela tinha uma vida social muito privada, ficava muito tempo em Petrópolis, às voltas, primeiro, com as questões da sua esterilidade e, depois, com a criação dos filhos e as viagens para a Europa. Não tem exatamente um círculo de amizades. O casal não tem visibilidade, não vai ao espaço público.” “Foi um casamento arranjado, mas eles se gostaram muito, foram muito amigos. Ninguém queria casar com aquelas princesas pobres, de um império sem projeção. E o Brasil era completamente desconhecido. A única coisa que sabiam sobre os brasileiros era que eram escuros e gostavam de cuspir no cão. Gastão, por sua vez, era hostilizado por outros oficiais por ser primo do rei da Espanha. Ele também, de certa forma, era um príncipe pobre, sem muita oportunidade. Então considerou bom o arranjo. Ela, como toda mulher do século XIX, mostrou-se logo apaixonada. Ele foi muito lúcido, chegou a dizer que ela era muito feia e não tinha sobrancelhas, mas que a situação toda era boa para ele. No fim, ele acaba gostando muito dela. Eles foram muito felizes. Um casal que se queria bem e que ficou junto até o final. Foram muito companheiros até o fim da vida.” Escravidão moderna mira hoje a pobreza ALESSANDRA DUARTE E CAROLINA BENEVIDES [email protected] “Sim, ela teve aquele excesso de aulas, de latim à religião, passando por geografia e tantas outras coisas. Mas, como a própria condessa de Barral escreve, ela raramente termina as aulas, alegava sempre uma dor de dente, uma dor de barriga, mostrando que o aproveitamento de todas essas aulas não era tão grande assim e acabou por não se traduzir em um conhecimento consistente. Quando chega a Pernambuco, ela escreve para o pai: ‘O que foi mesmo que aconteceu em Pernambuco?’ Ela não tinha disposição, e seu preparo era inócuo.” RUY BARON/22.11.2012 Oito em dez libertos, no entanto, ainda são pretos ou pardos Livro de Mary del Priore revela monarca voltada aos afazeres domésticos ATÉ QUE A MORTE OS SEPARE No topo do Judiciário. l 5 Dedicação à família. O conde d’Eu, a princesa Isabel e os três filhos: “Uma mulher mais preocupada com as gravidezes” RELIGIOSIDADE “Preparada por uma mãe piedosa e uma aia (a condessa de Barral) que também vai se tornando piedosa, ela era uma católica praticante, que regularmente organizava festas na igreja. Mas a perda da irmã e a perda da primeira filha são eventos muito dramáticos, que vão empurrá-la cada vez mais para os braços da igreja. Ela espera milagres o tempo todo. Quando engravida, atribui isso a uma visita a um lugar de peregrinação. Sua vida vai se tornando, cada vez mais, a de uma católica beata.” FILANTROPIA “Não vejo muita originalidade. A filantropia, na Europa, era uma prática das elites, voltada, sobretudo para pacificar as chamadas classes perigosas. Naquela época, os sindicatos eram fortes, o Partido Comunista se fortalecia. E havia um movimento grande no sentido de enfraquecer uma eventual tentativa mais forte de luta de classes. Era um modismo, um modismo europeu, e acho que a Abolição entra nesse mesmo pacote.” BEATIFICAÇÃO “Em uma de suas regências, ocorreu a maior seca do Nordeste, um momento dramático. E ela passa por isso como gato por brasa. Menciona numa carta que é um desígnio de Deus, que nada podemos fazer. E ainda teve o episódio dos filhos de Leopoldina (a irmã que morreu), que acabaram esquecidos. Acho que essa ideia da beatificação não se justifica.” ESCRAVOS “Ela tinha escravos, escravos que sequer tinham rosto, que ela registra em seus escritos como ‘negrinha’, ‘escravo de quarto’, ‘negros’ ou ‘pretos’. Não é uma pessoa que tivesse um envolvimento direto com a questão. Não participou dos debates na época da Lei do Ventre Livre. Por isso, digo com todas as letras: é um abolicionismo muito epidérmico. Ela sequer participa dos debates, só assina a lei.” ESCRAVIDÃO NO BRASIL “Havia escravos ainda no Norte Fluminense, no sul de Minas e no Vale do Paraíba. No resto do Brasil, não havia mais escravidão. O Nordeste todo, com a crise da cana-de-açúcar, havia feito com que os senhores de engenho vendessem seus escravos para o Sudeste. Já não havia praticamente escravos no país. Eram, ao todo, uns 600 mil, um número baixo.” ABOLIÇÃO “Eu diria que ela surfou nessa onda, que nasce em 1870; essa onda da formação da imprensa reformista, do partido republicano e da resistência cada vez maior à existência dos escravos. Há ainda o aparecimento de grandes figuras, grandes abolicionistas, todo um movimento que vai empurrando, por assim dizer, a Abolição. Ela teve inúmeras oportunidades de se manifestar. Em Recife, foi recebida por um monte de abolicionistas, inclusive mulheres; era um movimento que poderia ter esposado ou, ao menos, demonstrado simpatia. O primeiro gesto dela em direção ao movimento é de 1878, em Petrópolis. É a batalha de flores que ela organiza. Foi um único passeio, com um carro todo decorado, uma ideia que ela trouxe da França. Sai do palácio, com o carro todo enfeitado. Cai uma chuvarada, os meninos começam a espirrar, e ela volta correndo. Ou seja, um primeiro gesto abortado. Depois disso, ela organiza dois bailes. E só." LEI ÁUREA “É importante que se diga que (a Abolição) foi um processo, que começou por volta de 1870. Foi uma longa luta, que envolveu escravos, descendentes de escravos, a mudança da mentalidade em todo o país. Nada disso se faz da noite para o dia, é um acúmulo de tendências que levou à assinatura de papel. E havia várias correntes. A conservadora, por exemplo, achava que apenas com Lei do Ventre Livre a escravidão se esgotaria, como havia ocorrido em Portugal. Havia os abolicionistas radicais, em sua maioria paulistas, que já trabalhavam com imigrantes nas plantações de café. E ainda outros.” Eles são levados para trabalhar longe da sua terra, chegam lá com dívidas que o salário precário não consegue pagar, endividam-se ainda mais para comer. Alguns apanham. São os escravos contemporâneos. E 81% deles são “não brancos”, aponta pesquisa encomendada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) e realizada por um grupo de pesquisa da UFRJ. Segundo o estudo, que entrevistou trabalhadores em condições análogas à escravidão resgatados por operações de fiscalização do Ministério do Trabalho e do Ministério Público do Trabalho (MPT), um quinto dos resgatados é da cor preta, e 62%, pardos. Em 2012, 2.560 trabalhadores foram encontrados nessa situação no Brasil. — O percentual de não brancos entre os escravizados de hoje é bem maior do que aquele na população brasileira (51%), e maior até do que os de Norte e Nordeste, que têm os percentuais de não brancos mais altos no país — diz o padre e antropólogo Ricardo Rezende, do Grupo de Pesquisa Trabalho Escravo Contemporâneo (Gptec), professor da UFRJ e um dos supervisores da pesquisa, publicada em 2011. Também o percentual de pretos é “2,5 vezes superior ao da população brasileira (6,9%)”, diz o estudo, sendo também maior do que o da Bahia (15,7%), com o maior percentual de U negros no país. — Até o século XIX, o Números recorte para a escravidão era a cor. Agora é a pobreza. Mas dentro dela há o recorte de cor, porque, como os negros são mais preDE PRETOS E sentes na população PARDOS pobre, estão mais vulEntre os neráveis a esse alicia2.560 trabalhadores mento — diz Rezende. Segundo o coordenalibertados do dor nacional de Erraditrabalho cação do Trabalho Esanálogo à cravo do MPT, Jonas escravidão Moreno, mais da metade dos trabalhadores resgatados nas fiscalizações é analfabeta, e sai, principalmente, do Piauí e do Maranhão. DO TOTAL Francisco de Assis FéÉ o percentual lix, negro e analfabeto desses dois — “além do nome, não grupos na sei nada” —, é de Barras população de Maratauã, “maior exbrasileira portadora de escravos do Piauí e uma das maiores do país”, diz o auditor do Trabalho Paulo César Lima, do Piauí. Félix foi escravizado no Pará: — A gente trabalhava das 4h às 19h. Ninguém podia sair da fazenda; um que quis sair, bateram. E, para comer carne, a gente tinha que caçar tatu. — Já encontramos comida em latas de soda cáustica e de tinta, e pessoas vivendo em barracas na floresta — lembra Roberto Ruy Rutowitcz, procurador do MPT no Pará, que defende a aprovação da PEC do Trabalho Escravo. Professora de História da UFF, Ângela de Castro Gomes destaca o termo “trabalho escravo”, usado aqui desde os anos 70: — Não é fortuito. Podia ser “trabalho forçado”, como usa a OIT. Mas falar “trabalho escravo” é uma metáfora que tem força, porque mobiliza a memória nacional. E uma memória ligada ao primeiro grande movimento social do país, o abolicionismo. l 81% 51% Product: OGloboEspStd PubDate: 12-05-2013 Zone: Especial1 6 Edition: 1 Page: PAGINA_F User: Schinaid Time: 05-08-2013 l O GLOBO 23:57 Color: C K Y M l Especial l Domingo 12 .5 .2013 ABOLIÇÃO 125 ANOS GUITO MORETO UMA DÉCADA DE AVANÇOS PROPORÇÃO DE PRETOS E PARDOS NO TOTAL DA POPULAÇÃO 45% 50% 51% 47% 45% 48% 46% 44% 38% 34% PROPORÇÃO DE PRETOS E PARDOS NO ENSINO SUPERIOR 30% 35% 32% 28% A DIVISÃO DA POPULAÇÃO (Em 2011) 25% 22% 19% Pretos (8,2%) e pardos (43,1%) Brancos 23% 47,8% 51,3% 18% Indígenas/ amarelos 1% 19% 1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2011 RECÉM-FORMADOS POR ÁREAS DE TRABALHO PRETOS E PARDOS EM ALGUMAS OCUPAÇÕES DO CENSO 2000 (20 a 29 anos, proporção de pretos e pardos) Enfermeiros de nível superior e afins Formação de professores com especialização em matérias específicas 41% Ciências da educação 38% Enfermagem e atenção primária Desigualdade racial em queda Proporção de pretos e pardos no ensino superior dobra, e maioria dos negros já é de classe média 30% Biologia e bioquímica 26% 13% Médicos gerais 23% Economia Arquitetos 22% Engenharia civil e de construção [email protected] Após 125 anos da abolição da escravatura, o Brasil ainda está longe de ser uma nação livre de desigualdades raciais. Uma análise dos indicadores econômicos e sociais dos últimos 20 anos revela, no entanto, que o país tem avançado. Tabulações feitas pelo GLOBO em pesquisas do IBGE mostram, por exemplo, que a proporção de brasileiros que se autodeclaram pretos ou pardos no ensino superior dobrou em dez anos, saltando de 19% para 38%. Como resultado, cresceu o percentual de negros em quase todas as carreiras universitárias. Ao mesmo tempo, a distância que separa brancos de não brancos no país em termos de renda per capita também diminuiu. Uma das principais razões para o aumento de negros no ensino superior está na expansão do setor, que de 1995 a 2011 viu o número de estudantes quadruplicar, especialmente na rede privada, que concentra 80% das matrículas. Uma análise dos Censos Demográficos de 2000 a 2010 mostra, no entanto, que este crescimento não foi igual em todas as carreiras. Em cursos de formação de professores, por exemplo, o percentual de recém-formados pretos e pardos já chega a 41%, próximo dos 51% registrados no total da população. Em Medicina, porém, são só 17%, apesar de mesmo nesse seleto grupo ter havido aumento de profissionais negros. Professora da UFRJ, a antropóloga Yvonne Maggie afirma que a queda da desigualdade racial no acesso à educação teria sido resultado de um processo vindo nas últimas duas décadas. No entanto, a desigualdade só será de fato combatida, diz Yvonne, com melhoria da rede pública de educação básica. Para ela, com esse investimento na base, haveria menos violência, menos crise de mão de obra, e menos desigualdade. — Está havendo uma mudança de perspectiva: há dez anos, pouca gente da classe trabalhaBB EXPEDIENTE dora almejava o ensino superior. Isso não é de hoje, porque não teria dado tempo para medidas mais recentes, como as cotas, terem tido efeito imediato. Isso é um processo de melhora que tem vindo nos últimos 20 anos, com a estabilização econômica e a melhora da qualidade de vida das pessoas e do próprio sistema educacional no período, com governos passando a enfocar o problema da reprovação, por exemplo — analisa Yvonne. O professor Waldir Quadros, do Instituto de Economia da Unicamp, concorda com Yvonne sobre a necessidade de melhorar a qualidade da educação básica na rede pública, mas discorda na crítica à política de cotas. — Nas carreiras mais bem remuneradas e visadas, as barreiras continuam mais sérias. Com os sistemas de cotas nas universidades e com o ProUni (programa federal de bolsas na rede privada de ensino superior), tem havido maior acesso da população negra ao nível superior. Mas, mesmo assim, em universidades onde não há reserva de vagas e, sim, pontuação maior para a população negra, por exemplo, a alta relação candidato/vaga continua a desfavorecer os negros nas carreiras mais procuradas — diz Quadros. A maior presença de negros no ensino superior e a diminuição da desigualdade racial em termos de renda se correlacionam também com a Crescimento ocorreu em todas as carreiras universitárias, mas foi mais acelerado em cursos de formação de professores e mais lento em áreas como Medicina e Engenharia 18% 15% 10% 15% 9% 14% 13% 13% Juízes PROPORÇÃO DA RENDA PER CAPITA DE PRETOS E PARDOS EM COMPARAÇÃO COM A DOS BRANCOS 22% 2011 Terapia e reabilitação 55% 22% Psicologia 2008 21% 51% Direito 2005 21% ANTÔNIO GOIS E ALESSANDRA DUARTE 19% 9% Jornalismo e reportagem 22% 20% Engenheiros civis e afins Dentistas 2004 Engenharia e profissões de engenharia (cursos gerais) 20% Marketing e publicidade 19% Odontologia 35% 26% 11% 13% 26% Ciência da computação 14% Advogados e juristas Gerenciamento e administração 37% 25% Fisioterapeutas e afins Contabilidade e tributação Sem preconceito. Casais como Rafael Borges e Mara Pereira, que há 50 anos eram apenas 8% do total, hoje são 31% 26% Professores do Ensino Médio Professores de universidades e do Ensino Superior 33% 2010 2002 46% 1992 45% 47% 1993 17% 2001 1995 a 1999 17% 2006 2007 51% 48% 2003 44% Medicina 48% 2009 52% 45% 44% 43% Fonte: Tabulações do GLOBO a partir do Censo e da Pnad/IBGE expansão da nova classe média (cuja renda média per capita varia entre R$ 291 e R$ 1.109), que se beneficiou da valorização do salário mínimo, do crescimento da economia e de programas sociais focalizados nos mais pobres. Como resultado, em 2001, de acordo com um estudo realizado pela Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, 31% da população preta e parda estava na classe média. Dez anos depois, já são 51%. NOVA CLASSE MÉDIA NEGRA AINDA DESIGUAL Mesmo dentro deste segmento, no entanto, ainda há desigualdades, como revela um estudo do Laboratório de Análises Econômicas, Históricas, Sociais e Estatísticas das Relações Raciais (Laeser), da UFRJ. Nos estratos que estão entre os 10% mais pobres dessa nova classe média, o percentual de pretos e pardos é de 62%. No outro extremo, dos 10% mais ricos, o percentual cai para 39%. Apesar dos melhores níveis de escolaridade e renda da população preta nas últimas décadas, a presença de pretos entre ocupações de menor renda persiste. Outro estudo do Laeser revela que, enquanto 20% das pretas e pardas são domésticas, entre brancas, o percentual é de 12%. Pretas e pardas ganham menos nesse serviço, em média, do que as brancas. Claramente marcado pela herança escravista brasileira, só em 2013 o trabalho doméstico passou a dar di- reito a horas extras e FGTS, garantidos a outros trabalhadores. As estatísticas do IBGE também revelam avanços em comportamentos. Um estudo de Kaizô Beltrão (Ebape/FGV), Sonoe Sugahara e Moema De Poli (ambas da Ence/IBGE) mostra que os casamentos interraciais cresceram de 8% em 1960 para 31% em 2010. Entre esses casais estão Rafael Borges, 32 anos, e Mara Pereira, de 35. Eles contam que, quando o filho deles, Nestor, nasceu, há um ano e quatro meses, o enfermeiro do hospital demorou para achar no corredor o pai, mesmo Rafael sendo o único homem lá. — Ficou muito claro que o enfermeiro nem considerou que o pai pudesse ser o Rafael e ficou procurando um homem negro. Até pediu desculpa quando viu que o pai era ele — conta, rindo, Mara. Formada em Produção Cultural, com especialização e mestrado em História da Arte, Mara conheceu o marido, historiador e arqueólogo, no trabalho. Além do episódio na hora do parto, ela lembra de outros “estranhamentos” das pessoas. — A sociedade ainda é assim. Mas não nos afeta porque somos muito tranquilos um com o outro — diz, afirmando que sente mais o preconceito em situações dela com o filho, que tem a pele mais clara e os cabelos mais lisos: — Já perdi a conta das vezes em que me perguntaram se ele era meu filho. l Editora: Fernanda da Escóssia. Subeditores: Antônio Gois, Rodrigo Taves, Mair Pena Neto e Roberto Maltchik. Diagramação: Luciane Costa e Ana Scott. Revisão: José Figueiredo e Karine Rodrigues. Infografia: Alessandro Alvim e Fernando Alvarus