ENTREVISTA A JORGE ZAMBUJO PROPRIETÁRIO DO MONTE DA TORRE "NÃO COMAM A PALHA QUE VOS PÕEM NA FRENTE" Sara Pelicano Jorge Zambujo, proprietário do Monte da Torre, em Arraiolos, defende que “da mesma forma que há animais que não comem a palha que lhe põem na frente, também as pessoas devem ter cuidado, pensar por si, aconselhar-se junto dos técnicos e só depois decidir”. Na agricultura, e mais uma vez em sentido figurado, “devemos olhar para a mão do mágico que não mexe, pois os truques são feitos com essa mão”. Assim, há 20 anos investigou e estudou raças de bovinos e apostou na francesa Blonde d’Aquitaine. Melhorou-a e adaptou-a ao nosso território até que hoje tem os “bovinos Monte da Torre”. Recentemente, aventurou-se na forragem verde hidropónica (FVH), construindo a sua própria estufa. No Alentejo, Jorge Zambujo, inova e procura acompanhar as tendências da agropecuária, como revela em entrevista. Agrotec (AG): É formado em economia e há 20 anos detentor de uma exploração agrícola, o Monte da Torre. O que o fez empreender pelo mundo agrícola, especificamente produção animal? Jorge Zambujo (J.Z.): A minha família já tinha alguma relação com o meio agrícola. O meu avô foi administrador da parte agrícola da empresa Júdice Fialho, no Algarve. Nasci aí e lá passava as férias. Estive sempre familiarizado com as adegas, lagares de azeite e com a produção agrícola em geral. Em 1992, a aposta no Monte da Torre foi também uma diversificação de investimento, uma atividade que juntei a outras que tive, como sejam ligações B.I. Nome Jorge Moniz Barreto Zambujo Idade 67 anos, “de juventude acumulada” Nome da empresa: Monte da Torre Área: 400 hectares Localidade: Arraiolos Início da atividade: 1992 Atividade: Agropecuária e fabrico de estufas de hidroponia para produção de forragem verde hidropónica (FVH) Número de efetivos/espécies: 250 vacas de ventre e 80 novilhas em início de reprodução Blonde d’Aquitaine AGROTEC / SETEMBRO 2013 5 “ É um animal [Blonde d’Aquitaine] com melhor rendimento de carne, além das facilidades de parto e carne tenra. à banca, empresas de extração de areias no rio Tejo, administração hospitalar, etc. AG: Começou por criar raças autóctones, mas percebeu que tinham fraca rentabilidade. O que o fez optar pela Blonde d’Aquitaine, uma raça francesa? J.Z.: Primeiro comprei vacas de cor de café com leite, a vacada nacional. Após as primeiras experiências de engorda de bezerros nascidos dessas vacas, percebi que não eram uma boa aposta. Como sempre lutei contra o “sempre se fez assim”, fui a França estudar as várias raças existentes, ver como é que elas se comportavam na sua origem e apostei na Blonde d’Aquiatine. Por volta de 1994, comecei a comprar tudo o que aparecia em Portugal desta raça e a importar também novilhas francesas e sémen dos melhores touros franceses. É uma raça comprida e alta. Os brasileiros em relação a esta raça de bovinos dizem até que têm mais três costelas que as outras, isto para identificar o tamanho dos bois que são compridos, altos, com estrutura óssea fina, massas musculares desenvolvidas. É um animal com melhor rendimento de carne, além das facilidades de parto e velocidade de crescimento. AG: Qual é o rendimento? J.Z.: Grande parte dos animais que temos em Portugal, o rendimento de estiva de uma carcaça fica entre os 75% a 80%. No Monte da Torre vendemos o animal já desmanchado e a carne conservada em vácuo, por isso sabemos bem que o rendimento de estiva está acima de 86%, chegando muitas vezes a 92 %. É importante lidar com raças de bom rendimento. Vendemos ao nosso cliente a carne que ele vai vender aos seus clientes. Não há perdas como acontece com a comercialização de carcaças. 6 AG: Ao longo do tempo foi melhorando esta raça. Como foi este processo? J.Z.: O Monte da Torre não se limitou a importar e criar animais. Investimos no melhoramento genético, na adaptação às nossas condições climáticas e pastoreio extensivo, melhoria das capacidades maternais e facilidades de parto. Nestes 20 anos temos apostado nisso, e no controlo dos aprumos no sentido de que os nossos animais estejam perfeitamente adaptados ao extensivo alentejano. Comprámos as melhores linhas, investimos na inseminação artificial e na transferência de embriões. Comprámos touros Blonde de várias origens, de várias linhas e importámos sémen dos melhores animais de origem francesa. Hoje podemos dizer que temos uma marca dentro da raça Blonde d’Aquitaine que é a de “Bovinos Monte da Torre”. AG: É assim que chega ao Bovino Monte da Torre, uma raça já adaptada ao nosso território. J.Z.: A raça Blonde d’Aquitaine é criada em França em explorações com dez, 20 vacas. O máximo que vi foram 70 vacas numa vacada. A partir de setembro, os animais são parqueados porque o clima não permite que estejam a campo. E em abril voltam aos campos. Enquanto estão parqueados, são alimentados à mão. É muito fácil ter animais muito bonitos ” e dóceis criados desta forma. Quando vamos a França adquirir animais, compramos animais bonitos que estão na “vitrine”. No entanto, esses animais em Portugal não vão ter a mesma vivência. No extensivo alentejano, vão ter que andar quilómetros no campo atrás das vacas. Procuro que os meus touros sejam animais com muito líbido, e assim, enquanto tenham vacas saídas não têm tempo para comer. Depois, as pastagens que temos nesta altura do ano são restolhos de palmo de altura e, por vezes, não há mais nada. Ora, um animal destes tem de comer mais de 20 quilogramas por dia, isto é, tem de comer 2 a 3% do seu peso vivo. Se não tiver condições corporais, bom desenvolvimento esquelético, aprumos bons está fracassado no nosso país. Um animal muito bonito em França pode ser o melhor deles, mas não tem nada a ver com o animal que aqui precisamos. Deixo, assim, uma mensagem a quem quiser fazer cruzados de carne: comprem a produtores nacionais qualquer que sejam as raças de reprodução que escolherem. Não vale a pena irem buscar à origem animais que não se vão adaptar aos nossos terrenos, ao nosso extensivo e clima. AG: Qual a idade média de abate? J.Z.: A carne destes animais é de qualidade excelente, pelo que os nossos clientes não têm problemas em comercializar connosco um animal com 20 anos. Podemos vender animais com todas as idades, mas a média do abate ronda os 14 meses. Nessa altura têm entre 300 a 400 quilogramas de carcaça. AG: São criados sempre em regime de semi-liberdade ou há um período de engorda intensiva? J.Z.: Temos duas versões. Na primeira fase, ao desmame, e como o nosso objetivo que não é engordar os animais, mas sim desenvolvê-los e selecioná-los para depois irem para reprodutores, todos os animais são alimentados do mesmo modo, isto é 25% de concentrado, de ração, e 75% de FVH. Depois em função do desenvolvimento e após uma primeira seleção de animais para reprodução, passamos os restantes para uma segunda fase, de engorda, dos que se destinam à produção de carne, e estes são alimentados com 50% de ração e 50% de FVH, chegando a ter ganhos diários de dois quilogramas ao longo de dois meses. HIDROPONIA MELHORA BEM-ESTAR ANIMAL AG: Com o tempo adquiriu estufas e apostou na criação em cultura hidropónica. O que são forragens hidropónicas? J.Z.: Note que “anunciado um vendaval, os medrosos constroem tapumes, os audazes, moinhos de vento”. Quando comprei a propriedade há cerca de 20 anos a primeira coisa que fiz foi procurar foi uma estufa de hidroponia, pois estávamos em plena seca, o ano de 1992. O que existia em Portugal era caro e produziam apenas 500 quilogramas por dia. Não era solução para o que pretendia. Apostei em dez furos em malha, com cerca de 25 metros de profundidade e três charcas de reten- ção. Foi passando o tempo até que chegámos a uma fase de aumento do custo dos combustíveis, dos adubos, a cultura das sementes e forragens face ao custo dos fatores de produção tornou-se ainda mais problemática. Para ter alimento para o gado, em situações de seca como a dos últimos anos ou em situações de períodos prolongados de pluviosidade e alagamento de terrenos de pastagens, a produção de FVH é a solução ideal. Como qualquer germinado, a FVH é rica em vitaminas E, C, D e tem muitas enzimas, que são essenciais para um bom funcionamento digestivo do animal. A FVH é um alimento que vai otimizar a matéria seca e os concentrados que se dão aos animais. Não esquecer que estamos em pleno extensivo alentejano. primento, por cinco de largura e 3,5 de altura produzimos quatro mil quilogramas de forragem dia. Temos uma capacidade instalada de 5500 quilos por dia. AG: As estufas do Monte da Torre estão adaptadas a todo o tipo de cultura? J.Z.: A nossa estufa cobre à partida um conjunto de vários processos de produção. Conheço estufas que só trabalham com trigo, cevada e limitadas ao tamanho da forragem. Trabalham aos seis, sete dias e permitem apenas o crescimento de erva com 15 centímetros. Não permitem, por isso, usar outras sementes como milho, sorgo, girassol que precisam de mais tempo dentro da estufa e têm maior desenvolvimento. O milho pode chegar aos 30 centímetros de altura em 14 a 20 dias. A estufa Monte da Torre permite produzir em simultâneo vários tamanhos de erva. No entanto, atualmente estamos a trabalhar com cevada dística porque é um produto mais económico, de maior desenvolvimento em menos tempo. Aos seis dias estamos a multiplicar por 6,5 a sete os quilos a semente que lá colocamos. AG: Quais as quantidades necessárias para alimentar o seu efetivo? J.Z.: Numa situação de escassez, é normal o produtor distribuir aos seus animais cerca de dois quilogramas de ração (tacos) por animal com um custo de 0,60 euros. Utilizando a FVH, com um custo de dois quilogramas de cevada, cerca de 0,52 euros, o produtor pode distribuir a cada animal entre 12 a 14 quilogramas de alimento vivo e natural de FVH a menos de 0,05 Euros o quilograma. Os tapetes são de dez quilogramas. Dou um tapete por animal. Nunca será necessário mais de 15 quilogramas para manter uma vacada a campo alimentada. AG: Qual a dimensão e capacidade de produção das estufas? J.Z.: Trabalhamos nisto a sério há cinco anos. Começámos com uma estufa de mil quilogramas, depois comprámos outra de 500 quilos e adaptámos aos 1500 quilogramas por dia. Fizemos ensaios e partimos para a nossa própria estufa. Tentamos economizar mão-de-obra, água e espaço. Em 20 metros de com- AG: Porque a escolha pelas estufas de hidroponia? J.Z.: Primeiro para resolver situações extremas de clima, mas também para resolver o problema de dimensão da propriedade. A minha, com 400 hectares de terra, se quisesse aumentar o número de animais a solução seria ou comprar mais alimentos fora ou mais terreno para produzir comida, que em situações de seca não seria solução. E estes custos são mais elevados do que a cultura da forragem verde hidropónica. AG: Que diferença há entre animais em regime normal e forragem hidropónica? J.Z.: Redução de cólicas, de problemas digestivos. Diminui assim os custos com veterinários. A FVH é um alimento vivo, que retiramos da estufa em plena função clorofilina, altura em que temos mais enzimas e vitaminas. É um germinado e como tal vai carregado destas vitaminas A, E, C, D que são importantes para a saúde dos animais. A vitamina E, essencial para animais reprodutores, como é o caso. Até a qualidade do pelo é diferente. A FVH vai permitir reduzir o “prémix” (suplemento vitamínico) e notamos melhorias no bem-estar animal. “ A determinada altura, a base da alimentação passou a ser a forragem hidropónica verde que nós próprios produzimos. ” AGROTEC / SETEMBRO 2013 7 EMPRESAS QUE JÁ SÃO FUTURO AG: Qual é o cereal usado? J.Z.: Atualmente produzimos apenas com cevada dística, mas também temos utilizado aveias. A cevada é um produto mais económico, de maior desenvolvimento em menos tempo. Aos seis dias estamos a multiplicar por 6,5 a sete os quilos da semente que lá colocamos. AG: Qual a quantidade de água necessária? J.Z.: A água necessária para produzir quatro mil quilogramas por dia, com lavagens incluídas é de dois mil litros. Um pequeno furo alimenta uma estufa deste género porque não gastamos os dois mil litros de uma só vez. Por rega gastamos perto de 400 litros. Um pivot numa única rega gasta mais agua do que o nosso sistema em dois anos. Embora, não o façamos por agora, a água pode ainda ser reciclada porque não tem qualquer produto nocivo aos animais e pessoas. Não temos produtos fertilizantes, nem promotores de crescimento. Isto é praticamente uma produção biológica. Tudo é produzido com água, semente, controlo de temperatura durante o dia e à noite, que um programador faz de forma automática, sem qualquer intervenção humana. AG: Além de água, há também o consumo de eletricidade. J.Z.: A eletricidade que se gasta numa estufa de hidroponia no nosso clima é apenas para fazer frio. Mesmo no inverno a germinação das sementes gera calor suficiente para que a estufa funcione. O consumo é muito idêntico à de um aquecedor das nossas casas. 8 AG: A estufa tem um sistema de geotermia. Porque? J.Z.: Tentamos economizar a todos os níveis. Com um sistema de geotermia, conseguimos uma poupança considerável de eletricidade. Trabalhamos essencialmente com frio. O ar primário, que temos no exterior da estufa chega a atingir 42ºC e é necessário portanto arrefecer. Utilizamos um sistema de geotermia que permite que o ar entre na estufa com cerca de 26 graus de temperatura. O frio que necessitamos é apenas para baixar de 26 graus até 18 graus. Temos grande poupança no consumo de eletricidade. AG: Qual o custo de investimento? J.Z.: Como economista, prefiro dizer-lhe que quem tiver uma engorda de 200 animais em permanência, com processo normal de engorda o ano inteiro, com animais com peso médio de 400 quilos, o criador vai gastar em média sete quilogramas por dia de ração e cinco quilogramas de palha. Considerando a ração a um preço de 0,31 euros. Na engorda tradicional, o animal custa no mínimo 2,72 euros dia. Utilizando um sistema misto de três quilogramas de ração e 12 quilogramas de hidroponia, a nossa engorda custaria 1,76 euros por dia. Em 200 animais ano, teremos uma redução de cerca de 70 mil euros, isto é, teremos a estufa paga no primeiro ano. AG: Quem monta estes sistemas em Portugal? J.Z.: Para além da minha empresa não conheço mais nenhuma que trabalhe com estufas de produção de forragem verde hidropónica. Há duas empresas, em diferentes regiões do país, que pertencem a jovens agricultores que compram estufas para vender produto acabado a terceiros. Estão em zonas de pequena propriedade, poderão vender 500 a mil quilogramas de forragem. Penso que a Câmara de Ponte de Lima está a apoiar implantação de uma estufa deste género, assim como a Câmara de Cartaxo. AG: Prepara-se para começar a vender forragens hidropónicas. Pode falar-nos desse projecto? J.Z.: Temos contactos nos Açores e Cabo Verde que, por serem ilhas, torna muito difícil a colocação de rações nestes territórios. Temos um cliente português interessado em colocar estas estufas também na zona de roçadas, antiga Sá da Bandeira, em Angola. APOSTA NA TECNOLOGIA AG: Na sua exploração faz uma aposta na tecnologia. Como se alia a tecnologia à produção animal? J.Z.: Não gosto de trabalhar para aquecer, por isso penso muito e estudo muito. Peço ajuda aos técnicos e aposto muito nos jovens. Acredito na tecnologia e o que hoje é um produto acabado amanhã já está ultrapassado. O futuro hoje é tão rápido que já vem atrás de nós. Procuro saber o que há no mercado a nível de equipamentos, como posso combater escassez da água, e de alimento dos animais. Como a minha atividade empresarial não é apenas a produção animal e a agricultura, tenho as minhas filhas, uma advogada e a outra engenheira zootécnica que sempre me deram apoio direto e técnico em várias áreas empresariais. Com o casamento, juntaram-se à família um advogado e um médico veterinário. Como vê, tenho um bom “staff”. Sempre ao meu lado a minha mulher, colega de curso, e com uma experiência profissional invejável, adquirida na Administração Pública e Mu- nicipal, pois foi Diretora Geral do Desenvolvimento Regional, quando Portugal era um bom aluno junto da CEE [antiga União Europeia] e presidente de uma câmara municipal. A passagem por uma multinacional francesa veio completar a sua variada experiência. Facilmente se compreenderá a ajuda que sempre tenho tido. AG: O Monte da Torre é também um espaço que recebe investigadores e proporciona a investigação. J.Z.: Sim, será compreensível que acreditando nós na tecnologia, lutando contra “o sempre se fez assim”, procurando aproveitar “os vendavais” para desenvolver “moinhos” e defendendo que “não devemos comer a palha que nos põem na frente”, e ainda que a agricultura é uma fábrica a céu aberto, e das poucas fábricas que ainda vamos tendo, se procure que o Monte da Torre, seja um espaço aberto a estudantes e investigadores. Nesse sentido, iremos proporcionar um trabalho de investigação científica a um mestrando coordenado por um professor de Veterinária e apoiado pela minha filha Susana Zambujo, de forma a se poder avaliar a contribuição da FVH no crescimento, engorda e qualidade de carne, bem como rentabilidade da carcaça, ou melhor “estiva” da carcaça, tenrura da carne, cor, ph, etc. de animais Blonde d’Aquitaine. Para isso teremos que ter dois a quatro lotes de 20 animais que irão ser alimentados da forma tradicional, e bem como da fórmula Monte da Torre, com 75% e 50% de FVH. Penso que será um dos primeiros estudos do género feito nesta área.