POSSÍVEL INFLUÊNCIA DO BAÇO ESQUISTOSSOMÓTICO EM CAMUNDONGOS MACHOS NA MODULAÇÃO DOS HORMÔNIOS TIREOTRÓFICOS Neves, S.R.S.; Silva, I.M.S.; Pereira, S.S.L.; Neves, E.S.*; Silveira, M.F.G.*; Lima Filho, G.L.; Catanho, M.T.J.A. Universidade Federal de Pernambuco, CCB / DBR / D. Anatomia* Av. Prof. Morais Rego, 1235 Caixa Postal 50670-901, Recife, PE, Brasil RESUMO Com a finalidade de estudar a ação do baço esquistossomótico na regulação dos níveis séricos de TSH, T4 e albumina, baços de camundongos infectados com Schistosoma mansoni foram homogeneizados, centrifugados e cromatografados em coluna de Sephadex G-100, obtendo-se duas frações protéicas (I e II). A atividade biológica foi determinada através da administração das frações por via intraperitonial (IP), em camundongos machos de 27-30 dias de idade pelo período de três dias seguidos. Cinco dias após a última administração os animais foram sacrificados e o sangue coletado para obtenção do soro e determinação dos níveis séricos de TSH, T4 e albumina. Os resultados obtidos mostram que os níveis de albumina não se alteram quando comparados com o controle, e que a fração I de baço infectado altera os níveis de T4 e TSH, porém, a fração II infectada não altera estes níveis. Estes resultados sugerem que o baço de animais infectados com Schistosoma mansoni possui um fator que altera a regulação hormonal em nível hipofisário e na síntese de hormônio tireoideano (T4), alterando o metabolismo basal. I. INTRODUÇÃO A esquistossomose mansonica pode acometer vários setores do organismo humano induzindo disfunções que sugerem alterações em nível de sistema endócrino. As manifestações clínicas variam desde formas assintomáticas, até formas graves com comprometimento esplênico, hepático e grau variável de hipertensão portal. Diversos autores relatam a presença de hipodesenvolvimento somato-sexual em indivíduos esquistossomóticos, com a forma hepato-esplênica da doença [1-3]. Trabalhos relatam a intensificação do desenvolvimento estatural e sexual, em indivíduos esquistossomóticos, após a esplenctomia [2], [4]. Estas observações conduziram a uma série de estudos visando identificar o papel do baço nos distúrbios descritos em pacientes esquistossomóticos. O objetivo deste trabalho foi estudar a influência do baço de animais esquistossomóticos na fase hepatoesplênica, sobre os níveis séricos de TSH, T4 e albumina, de maneira a contribuir para o esclarecimento do quadro de hipodesenvolvimento somático apresentado pelos pacientes portadores de esquistossomose mansonica na forma hepatoesplênica. II. MATERIAIS E MÉTODOS Os baços de animais infectados por Schistosoma mansoni foram cedidos pelo Laboratório de Imunologia Keiso Azami (LIKA). Os animais foram sacrificados e os baços coletados, lavados, dissecados, fragmentados e homogeneizados em solução tampão de Tris-HCl 10 mM, com sacarose a 0,3 M, pH 7,4. O homogeneizado foi centrifugado a 121g por 10min, o precipitado foi desprezado e o sobrenadante foi novamente centrifugado a 1000g por 20min. O precipitado foi então ressuspendido em solução tampão descrita anteriormente, e agitado para completa homogeneização, mantendo-se a proporção de 1ml de tampão para cada baço fragmentado. Todo o processo de homogeneização foi realizado com a temperatura oscilando entre 0º a 4º C. O material obtido denominado de extrato bruto de baço infectado, foi incubado a 37º C e em seguida centrifugado a 200g por 15 min. O sobrenadante recuperado, denominado de extrato pré-incubado, foi direcionado para purificação em coluna de gel Sephadex G-100, anteriormente lavada e equilibrada em Tris-HCl 10 mM, pH 7,4, perfazendo o volume de 100ml. O material eluido foi coletado em amostra de 2,0ml e direcionado para determinação do perfil de purificação em espectrofotômetro através da absorção de luz ultravioleta, no comprimento de onda de 280 nm. A atividade biológica das frações I e II foi determinada in vivo através da administração crônica do produto purificado, por via intraperitonial (IP) em camundongos Swiss machos, de 27 - 30 dias de idade, pesando em torno de 17g, mantidos em gaiolas e alimentados com ração comercial. Os animais foram tratados durante três dias seguidos obedecendo a seguinte distribuição: animais controle tratados com salina a 0,9%; animais tratados com a fração 1 infectada (FI INF) na concentração de 0,26mg/0,1ml/dia/animal e animais tratados com a fração 2 infectada (FII INF), na concentração de 0,10mg/0,1ml/dia/animal. Os animais foram sacrificados com clorofórmio, 5 dias após a última administração e tiveram o sangue coletado em tubo seco, para obtenção de soro e determinação dos níveis séricos de TSH e T4 pelo método de radioimunoensaio (RIE) utilizando-se TSH e T4 marcados com 125I, com atividade específica de 370 e 200 kBq, respectivamente, e albumina pelo método de precipitação (“Salting-out”). resposta em relação a fração I de baço de animais infectados por S. mansoni. A fração I infectada levou a redução dos níveis de T4 de 30,8% (p<0,001) quando comparados ao percentual do grupo controle, enquanto que a fração 2 infectada alterou de maneira não significativa os níveis séricos de T4 . A ação biológica produzida pelo baço de animais infectados pelo Schistosoma mansoni pode alterar também os níveis séricos de TSH, na F1 INF de mais de 42,7 % em relação ao controle, como pode ser observado na tabela 1. Não foram identificadas alterações significativas dos níveis séricos de albumina. TABELA 1 - Determinação dos níveis séricos de TSH, T4 e albumina nos animais tratados. TSH T4 Albumina (µUI/ml) (µg/ml) (g/dl) Controle 11,7 + 0,72 3,9 + 0,27 3,41 + 0,18 F1 INF 16,7 + 0,57 2,5 + 0,17 3,28 + 0,18 F2 INF 10,0 + 0,94 3,7 + 0,25 3,26 + 0,15 III. RESULTADOS Purificação do homogeneizado celular de baço. Após a filtração em Sephadex G-100 do extrato pré-incubado eluido em tampão Tris-HCL 10 mM, pH 7,4, registrou-se um perfil de purificação em densidade óptica a 280 nm, onde 2 frações foram obtidas e denominadas de fração I infectada (FI INF) e fração 2 infectada (FII INF). (Figura 1). 1,4 I II D.O. (280 nm) 1,2 1 0,8 0,6 0,4 0,2 0 1 6 11 16 21 26 31 36 41 46 51 56 61 66 71 Amostras (2,0 ml) Figura 1. Esquema representativo da purificação do homogeneizado celular de baço em Sephadex G-100. Atividade Biológica. A atividade biológica, observada com a administração crônica do produto purificado, apresentou * p < 0,001. m + Erro padrão. IV. DISCUSSÃO Vários autores caracterizaram a relação da esquistossomose mansonica com o sistema imune e a regulação hormonal [5],[6],[9]. Hipóteses foram propostas para tentar explicar a relação entre o baço hipertrofiado e a deficiente atividade hipofisária, como a secreção pelo baço de um “fator” com ação inibitória sobre a hipófise levando a redução da liberação das gonadotrofinas e do hormônio somatotrófico [7], ou que hormônios pituitários normalmente produzidos são inativados pelas células do baço [8]. A resposta imune mediada por células e os hormônios tireoideanos parecem influenciar o desenvolvimento do Schistosoma mansoni, em sua sobrevivência e maturação, podendo esta interação ser fator primordial para intensificar a presença dos vermes [9]. Uma proteína com características inibitórias sobre a captação de 131INa pela membrana tireoideana, foi isolada de baços de animais esquistossomóticos[10]. A tireoidectomia em ratos, considerados como hospedeiros não permissivos ao S. mansoni resultou em significante progresso na sobrevivência e maturação dos vermes, parecendo então que os hormônios tireoideanos contribuem para o estabelecimento de uma meio no qual o parasita não completa seu ciclo de vida. [6]. Camundongos infectados, hipotireoideos e hipertireoideos, ambos permaneceram permissivos, porém nos camundongos hipotireoideos os vermes apresentaram-se menores, enquanto que nos hipertireoideos, foram maiores, maturaram mais cedo e produziram mais ovos.[6], [9]. Nossos resultados mostram que o baço, um dos órgãos responsáveis pelo sistema imune, parece contribuir com a regulação hormonal. De maneira que observa-se níveis séricos de T4 alterados após a administração de F1 INF, assim como os níveis séricos de TSH, sugerindo que o baço pode ativar moléculas de natureza protéica capazes de atuar no sistema hipotálamo-hipofisário, modificando assim a regulação hormonal que por sua vez pode atuar no sistema enzimático modificando o processo metabólico dos hormônios tireoideanos. Estudos sobre o papel do baço na modulação da atividade de estrógenos, levaram a sugerir a provável ação de um “fator” produzido pelo baço, com ação inibitória sobre o estradiol, ou um mecanismo esplênico sobre os órgão receptores estrógenos sensíveis. Foi proposto que em esquistossomóticos a redução da testosterona é devida ao aumento de opióides endógenos que deprimem a secreção de LHRH pelo hipotálamo [5]. A incubação de proteínas totais extraídas de vermes machos e fêmeas infectadas com S. mansoni, com β-estradiol, revelou a ligação de proteínas com o esteróide e que em presença do antagonista estrogênico, tamoxifeno, em camundongos infectados por S. mansoni, os ovos produzidos apresentam morfologia anormal [11]. Sobre a significação biológica e metabólica das alterações encontradas nos pacientes esquistossomóticos, foram sugeridas duas teorias: a não conversão de T4 no metabolismo altamente ativo, na tentativa de proteger os tecidos expostos a uma doença crônica de um excesso de estimulação metabólica; e alterações da conversão de T4 no fígado, como resultado da progressiva deterioração hepatocelular [12]. eportadores de esquistossomose mansônica. Rev. Ass. Med. Brasil - vol. 22, nº 5 - maio, 1976. [4] Ferreira, J.M. Aspectos endócrinos da esquistossomose mansônica hepatoesplênica., Tese Dout., Fac. Medicina da Univ. de S. Paulo, 1957. 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Obtained results showed that the albumin levels no change when compared to control and that fraction I infected change the TSH and T4 levels, but the fraction II infected no change this levels. These results suggest that spleens from mice infected by S. mansoni have a factor that modifies the hormonal regulation in level hypophysial and the synthesis of thyroid hormones (T4), changing the basal metabolism.