TÍTULO: ENDEMIAS E MEIO-AMBIENTE NO LITORAL NORTE-BA AUTORES: Maíra Marinho Freire Costa ; Maria Clara Barreto de Freitas Melro ; Moacir Miranda Paranhos Silva E-mail: ([email protected]) ([email protected]) ([email protected]) INSTITUIÇÃO:Universidade Federal da Bahia ÁREA TEMÁTICA: Saúde Introdução: As comunidades rurais de baixa renda são vítimas de enfermidades determinadas por fatores sócio-ambientais. Nesse contexto merecem destaque as enteroparasitoses por possuírem forte correlação com saneamento básico precário ou inexistente. A ingestão de água não-tratada, a ausência de sistema de esgotamento sanitário, o contato direto e contínuo com o solo, os precários hábitos de higiene e o desconhecimento a respeito das formas de contaminação favorecem uma alta prevalência de parasitoses intestinais. Tais doenças repercutem em graus variáveis no estado de saúde dos indivíduos. Em adultos podem apresentar-se de forma assintomática/oligossintomática ou causar manifestações diversas tais como anemia, e sintomas gastrointestinais. Em crianças a sintomatologia geralmente é mais evidente, principalmente a anemia e as conseqüências são mais graves levando em consideração que estão em fase de crescimento e desenvolvimento. Difícil acesso a serviços médicos é outro fator que favorece para a gravidade da situação. O quadro pode torna-se mais complexo quando a população tem uma nutrição inadequada, o que condiz com a realidade dessas comunidades. Justificativa: O estudo se justifica pela necessidade de dados referentes à saúde da comunidade rural focalizada. Trata-se de uma população cuja assistência médica é insuficiente. A demanda por exames laboratoriais é elevada. Mesmo na atenção básica o acesso é inviabilizado pela distância dos centros urbanos e dificuldades de locomoção. O estudo se faz necessário por abordar a questão das parasitoses intestinais em um contexto não apenas biológico, como também sócio-ambiental. Diversos estudos sugerem a associação entre precárias condições sanitárias e elevada prevalência de enteroparasitoses justificando a realização dessa análise em uma população rural de baixa renda. Nessa ação conjunta com a comunidade pretende-se identificar os problemas, suas causas e possíveis soluções. Objetivos: O presente trabalho objetiva estimar a relevância de determinantes sócioambientais no estado de saúde-doença da comunidade, focalizando parasitoses intestinais. Visa estabelecer a prevalência das mesmas, doenças conhecidamente evitáveis e de grande correlação com precárias condições sanitárias e avaliar a magnitude dos agravos ao estado geral dos indivíduos. Pretende-se através de tais dados, intervir na comunidade, indicando medidas viáveis que impliquem em mudanças no perfil epidemiológico. É também esperado que haja sensibilização das autoridades competentes, uma vez que a alteração da realidade local depende em grande parte de ações governamentais. Entretanto não é desejável que as intervenções adquiram caráter assistencialista. As ações educativas têm como propósito a conscientização a respeito do ciclo de transmissão e medidas de prevenção. Idealmente deve haver participação popular para que, através de uma parceria, sejam apontadas as diretrizes para a transformação da realidade local. Metodologia: O trabalho foi realizado por uma equipe de estudantes de medicina, nutrição e enfermagem da Universidade Federal da Bahia; sob a coordenação do professor-orientador, responsável pelo projeto. A comunidade focalizada é o Assentamento Nova Aliança, localizado na zona rural do Município de Entre Rios, litoral norte da Bahia, há 100 Km de Salvador . Trata-se de um assentamento de semterras, estabelecido há aproximadamente 4 anos. Possui área de 8 hectares, cerca de 35 casas e população estimada em 200 pessoas. Não há calçamento de ruas, luz elétrica, água encanada ou esgotamento sanitário. A água utilizada para consumo e para outros fins vem de nascentes de 2 rios ou de poço tubular existente dentro dos limites do assentamento. A comunidade obtém o sustento através da agricultura de subsistência. Os produtos são vendidos em localidades e praias do litoral norte da Bahia ou utilizados para consumo próprio. Os direcionamentos do trabalho foram estabelecidos através de reuniões prévias com os líderes comunitários e com a população em geral, nas quais foram expostos os objetivos da equipe e as necessidades da comunidade. A partir disso foi determinada a metodologia a ser empregada. Esta pode ser resumidamente descrita como: realização de hemograma e exame parasitológico de fezes de uma amostra por indivíduo, de exames de potabilidade de água das principais fontes utilizadas, aplicação de questionários individuais e por domicilio, entrega dos resultados e concomitante tratamento de indivíduos infectados, palestra direcionada a escolares enfocando prevenção das parasitoses intestinais. Numa primeira etapa, foi aplicado um questionário individual com perguntas referentes a dados pessoais, escolaridade, hábitos alimentares e doenças anteriores. Posteriormente foi colhida amostra de sangue de 3 ml por punção venosa (para indivíduos com mais de 7 anos) e recolhida uma amostra de fezes em coletor estéril previamente distribuído, a qual após recebida era conservada em formalina. A aplicação dos questionários e a coleta das amostras ocorreram no posto de saúde de Porto de Sauípe, centro urbano próximo à comunidade, nos dias 23 de fevereiro, 2 e 9 de março de 2002. A seleção de indivíduos obedeceu à demanda espontânea totalizando 155 pessoas, sendo que nem todos os moradores da referida comunidade participaram, e alguns moradores de áreas próximas, porém fora dos limites do Assentamento Nova Aliança entraram no estudo (aproximadamente 18 pessoas). As amostras de fezes foram analisadas pelo método de sedimentação espontânea por técnico do Laboratório Central do Estado (LACEN). As amostras de sangue foram processadas por método automatizado. As amostras de água recolhidas das três principais fontes utilizadas pela população foram submetidas a análise microbiológica no LACEN. Na segunda etapa realizada durante abril de 2002, houve visitas à comunidade para a distribuição dos resultados dos exames parasitológicos de fezes e de medicamentos específicos para indivíduos parasitados. Foi utilizado Tiabendazol para o tratamento de Strongyloides stercoralis, Oxamniquine para infecção por Schistosoma mansoni, Mebendazol para maiores de 10 anos e Albendazol em menores de 10 anos para os demais helmintos e Secnidazol para Giardia lamblia e Entamoeba histolytica, todos nas doses recomendadas. Paralelamente ocorreu a aplicação do questionário do domicílio com perguntas referentes ao número de habitantes, presença de animais e infraestrutura. Foram aplicados ao total 28 questionários cobrindo todas as residências do Assentamento Nova Aliança cujos moradores participaram da primeira etapa. Os dados de ambos questionários foram processados pelo programa SPSS versão 10.1 para Windows. Resultados: Foram aplicados um total de 155 questionários. Os dados processados encontram-se nas tabelas 1, 2 e 3. A população estudada caracteriza-se por ser jovem (média de idade de 22,4 anos) e por um discreto predomínio de mulheres, representando 52,9% dos indivíduos. 34,2% população nunca estudou, 65% tem o ensino fundamental incompleto e uma pessoa tem nível médio. No questionário aplicado por domicílio observou-se ou seguintes dados contidos nas tabelas 5 e 6: em 71,4% dos domicílios não é feito qualquer tratamento para a água ingerida, em 17,9% utiliza-se a filtragem e apenas 1 domicílio declarou ferver a água; em 75% dos mesmos o local de defecação citado foi o “quintal” (terreno do peridomicílio), em 17,9% há fossa sanitária e em 1 domicílio há privada. 53,6 das casas têm piso de chão batido, contra 46,4% que têm piso de cimento. Quanto às paredes das casas, 85,7% têm paredes de tijolo sem revestimento, 10,7% são de taipa e 1 possui parede com reboco. Realizaram-se 137 exames parasitológicos de fezes pelo método de sedimentação espontânea. Houve 18 perdas. 95,6% da população estudada estava de alguma forma parasitada (mono, bi ou poliparasitismo). Dentre os helmintos a maior prevalência foi da infecção por Ascaris lumbricoides (43,1%), seguida por ancilostomídeo (35,8%), Trichuris trichiura (15,3%) e Schistosoma mansoni (5,8%). Quanto às protozooses obteve-se as seguintes taxas de infecção em ordem descrescente: Endolimax nana 50,4%, Entamoeba coli 48,9%, E. histolytica 43,8%, Iodamoeba butschlii 25,7% e Giardia lamblia 7,3%. Foram observados também 4 casos de infecção por Strongyloides stercoralis, 3 por Chilomastix mesnilii, 2 por Blastocystis hominis, 1 por Hymenolepis nana, 1 por H. diminuta, e 1 por Enterobius vermicularis. A distribuição dos parasitos por faixa etária encontra-se na tabela 4. O laudo da análise microbiológica da água das 4 fontes utilizadas pela população as classificaram como “não atendendo aos padrões microbiológicos de potabilidade”, havendo crescimento de colônias de coliformes fecais em todas as amostras. Quanto aos hemogramas, observou-se a concentração de hemoglobina, sendo aquelas abaixo de 11 g/dL consideradas diagnósticas de anemia para efeito do estudo. Os valores da concentração de hemoglobina variaram entre 9,6 g/dL e 16,3 g/dL, uma média de 12,9 g/dL e desvio-padrão de 1,25. Cinco resultados (4,4%) demonstraram concentração de hemoglobina inferior a 11 g/dL. Outro aspecto analisado foi a porcentagem de eosinófilos, sendo considerada eosinofilia quando a mesma fosse superior a 8%. A porcentagem de eosinófilos variou entre 2,4% e 34,6%, com média de 14,697% e desvio-padrão de 7,266. 72,9% dos indivíduos tinham eosinofilia. Discussão/ conclusão: A análise dos questionários individual e domiciliar permite caracterizar o baixo nível sócio-econômico da população. Esse fato pode ser comprovado pela escolaridade (34,2% sem escolaridade alguma e 65,2% com ensino fundamental incompleto) e pela renda familiar (100% das famílias com renda familiar inferior a 1 salário mínimo). A infra-estrutura da comunidade está muito aquém da necessária para uma qualidade de vida razoável. Isso é facilmente demonstrado pela estrutura das casas, sendo que quase a totalidade delas tem paredes de tijolo sem reboco ou são de taipa e 53,6% tem piso de chão batido. Não há água tratada e as fontes utilizadas foram classificadas fora dos padrões bacteriológicos de potabilidade, demonstrando a inadequação ao consumo e seu potencial de contaminação por material fecal. Vale ressaltar que em 71,4% dos domicílios não era utilizado qualquer tipo de tratamento para água ingerida. Em relação ao destino dos dejetos, 17,9% dos domicílios tem fossa, que mesmo não sendo o método ideal de destinação das fezes, diminui consideravelmente a contaminação do solo. Em 75% foi identificado o “quintal” como local de defecação, sendo este caracterizado como o terreno do peridomicílio. Este hábito da comunidade certamente contribui para a contaminação do solo, fechando o ciclo do parasito. Diante desse contexto sócio-ambiental, a elevada prevalência de enteroparasitoses (95,6%) sugere fortemente a associação entre ambos, fato já demonstrado em diversos estudos. As helmintíases e as protozooses são doenças transmitidas através da água e do solo contaminados. Mesmo sem testes parasitológicos da água e do solo, que seriam padrão-ouro, os dados já citados sugerem um alto nível de contaminação. O método de sedimentação espontânea não é específico para S. stercoralis, E. vermicularis nem para o gênero Taenia, sendo os achados dos mesmos considerados ocasionais. A utilização concomitante de métodos específicos tais como o de Baermann, o de Graham (exame da fita adesiva) ou tamização das fezes poderiam aumentar a prevalência desses parasitos. Analisando os valores de hemoglobina da população, não se observou correlação de anemia com a elevada prevalência de parasitos. Isto pode ser devido a baixa carga parasitária ou a uma alimentação adequada. No trabalho não foi realizado hemograma na faixa etária abaixo de 7 anos, grupo mais susceptível à anemia parasitária. A presença de eosinofilia na população estudada pode estar relacionada ao parasitismo intestinal. Todos esse dados levam à sugestão da hipótese inicial. Uma vez que observouse uma alta freqüência de indivíduos poliparasitados, depreende-se que há contaminação ambiental e que as condições de saneamento são deficientes. Isto implica que o controle dessas endemias necessita de ações, que vão além do simples tratamento com medicações especificas, porém que modifiquem de forma sustentada o ambiente da comunidade. Tabela 1 Sexo Homens Mulheres Número 73 82 % 47,1% 52,9% Tabela 2 Idade 0-10 11-20 21-30 31-40 41-50 >50 Número 57 39 7 17 21 14 % 36,8% 25,2% 4,5% 11% 13,5% 9% Idade mínima: 10 meses Idade máxima: 87 anos Média: 22,4 Tabela 3 Escolaridade Sem escolaridade Ensino fundamental Ensino médio incompleto Número 53 101 1 % 34,2% 65,2% 0,6% Tabela 4 Protozoários Idade Entamoeba Entamoeba Endolimax Giardia Iodamoeba coli histolytica nana lamblia butschlii 0 a 10 50% 42% 50% 8% 22,4% 11 a 20 48,6% 40,5% 43,2% 16,2% 29,7% 21 a 30 50% 16,7% 33,3% 0% 33,3% 31 a 40 57,1% 57,1% 64,3% 0% 28,6% 41 a 50 35,3% 52,9% 52,9% 0% 17,6% 51 em 53,8% 46,2% 61,5% 0% 38,8% 48,9% 43,8% 50,4% 7,3% 25,7% diante Total Helmintos Idade Ancilostomídeo Ascaris Trichuris lumbricoides trichiura 0 a 10 52% 16% 30% 2% 11 a 20 35,1% 18,9% 51,4% 5,4% 21 a 30 66,7% 16,7% 33,3% 16,7% 31 a 40 21,4% 7,1% 35,7% 14,3% 41 a 50 35,3% 5,9% 23,5% 11,8% 51 em diante 53,8% 23,1% 30,8% 0% Toatal 43,1% 15,3% 35,8% 5,8% Schistosoma mansoni Tabela 5 Tratamento da Nenhum Filtragem Fervura Outros Número 20 5 1 2 % 71,4% 17,9% 3,6% 7,1% quintal fossa privada Outros Número 21 5 1 1 % 75% 17,9% 3,6% 3,6% água Tabela 6 Local de defecação Bibliografia: 1. 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