A uƟlização de folha-de-Flandres como suporte em pinturas
de Francisco José Resende
Figura 1a – Auto-retrato de Francisco José Resende.
Óleo sobre folha-de-Flandres, 1890. 49,2m x 42,7cm.
Câmara Municipal do Porto. Fotografia do reverso da
pintura
Figura 1b – Auto-retrato, fotografia digital de infravermelhos da inscrição no reverso
Resumo
A pintura a óleo sobre suportes metálicos tem sido alvo de um estudo sumário quando
comparada com a pintura sobre tela e madeira. No entanto, a especificidade do suporte
determina diferenças rela vas aos materiais das obras, técnicas de execução, efeito visual e
processos de degradação.
O presente caso de estudo incide em três pinturas a óleo sobre um suporte metálico, da autoria
de Francisco José Resende (1825-1893). Os objec vos foram a iden ficação do metal ou liga
u lizado, a caracterização da sua metodologia de produção e do processo de degradação. As
pinturas seleccionadas são Auto-retrato, Busto de António Soller e Camponesa da Murtosa e
datam da segunda metade do século XIX.
O estudo do suporte processou-se através da análise por microscopia óp ca e por microscopia
electrónica de varrimento com espectrometria de dispersão de energia de raios-X, de uma
amostra metálica re rada de cada uma das pinturas. As análises revelaram ter sido u lizada
folha-de-Flandres nas três obras, que é uma liga de aço (ferro e carbono) reves da a estanho
de ambos os lados. A metodologia de produção e o processo de corrosão deste suporte são
também abordados.
Materiais e Técnicas de Pintores do Norte de Portugal – Processo nº 3-6-15-6-1199 (QREN)
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A u lização de folha-de-Flandres como suporte em pinturas de Francisco José Resende | Rita Veiga
A prá ca recorrente de Francisco José Resende de executar inscrições nas suas pinturas,
nomeadamente sobre o reverso do suporte metálico, é igualmente posta em evidência.
A escolha de um suporte metálico
A pintura a óleo sobre metal foi desenvolvida na arte ocidental a par r da segunda metade
do século XVI, tendo para tal contribuído diversos factores de ordem tecnológica, comercial
e ar s ca1. As ligas de cobre foram o suporte u lizado por excelência, embora ao longo dos
séculos outros metais tenham sido igualmente escolhidos, como ligas de estanho, chumbo,
ferro e zinco.
O apogeu deste po de pintura é geralmente situado entre a segunda metade do século
XVI e meados do século XVII, embora ar stas enquadrados em épocas posteriores tenham
também escolhido pintar sobre metal. Esta escolha é consideravelmente menos recorrente
ao longo da História de Arte, quando comparada com a u lização preferencial de suportes
têxteis e lenhosos. Provavelmente por essa razão, a pintura sobre metal tem igualmente sido
objecto de um estudo mais reduzido. Ainda que os materiais u lizados na camada pictórica
sejam fundamentalmente os mesmos, o facto de o suporte ser diferente tem uma influência
directa nos métodos de preparação, nas técnicas de execução e nos processos de degradação,
que importa destacar. Neste sen do, a publicação de casos de estudo pode desempenhar
um importante papel para a divulgação deste género de pintura e para o conhecimento dos
materiais e problemas de conservação que lhe são mais caracterís cos.
Em Portugal, as pinturas sobre metal têm sido alvo de um estudo reduzido, sem prejuízo da
existência de algumas referências pontuais2, pelo que subsiste uma lacuna no conhecimento
de ar stas portugueses que a pra caram. É de realçar que existe um número significa vo
de obras em suporte metálico em museus nacionais, nomeadamente da escola flamenga,
holandesa e italiana.
Sobre Francisco José Resende em par cular, podemos referir que este ar sta pintou sobre
suportes metálicos em diversas ocasiões, mas u lizou também a tela, o cartão e a madeira.
Dado que a opção pelo metal não era muito comum no século XIX, podemos ques onar-nos
sobre a intenção do ar sta em recorrer a este material. Esta adopção pode ter sido intencional
como forma de obter efeitos esté cos dis ntos dos que poderia alcançar através da u lização
de um suporte têx l ou lenhoso3; ou mo vada por outros factores, como o preço, a facilidade
1 Para uma breve contextualização da pintura a óleo sobre suportes metálicos, ver VEIGA, Ana Rita - Francisco José Resende:
contextualização do autor e da execução de pintura a óleo sobre suportes metálicos. [Em linha] Materiais e Técnicas de
Pintores do Norte de Portugal. [Consult. 3 Set. 2010]. Disponível em h p://citar.artes.ucp.pt/mtpnp/estudos/materiais_sec_
XIX_02_contexto_historico_francisco_jose_resende.pdf
2 Destaque-se, neste caso, o seguinte ar go: SANTOS, Paula M. M. Leite – F. Francken II, Peeter Neefs e Simon de Vos: pintura
em cobre nos museus do Porto e Beja. II CONGRESSO INTERNACIONAL DE HISTÓRIA DA ARTE. 2001 - Portugal: Encruzilhada
de culturas, das artes e das sensibilidades: Actas. Coimbra: Almedina, 2004, pp. 792-815.
3 Em algumas zonas de camada pictórica fina das pinturas Auto-retrato e Busto de António Soller pode observar-se um brilho,
ainda que ligeiro, proveniente da reflexão do estanho, que não pode ser ob do numa pintura sobre outro suporte. Ver VEIGA,
Ana Rita – Francisco José Resende: materiais da camada pictórica e técnicas de execução. [Em linha] Materiais e Técnicas de
Pintores do Norte de Portugal. [Consult. 3 Set. 2010]. Disponível em h p://citar.artes.ucp.pt/mtpnp/estudos/materiais_sec_
XIX_04_estudo_tecnico_e_material.pdf
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A u lização de folha-de-Flandres como suporte em pinturas de Francisco José Resende | Rita Veiga
de obtenção e preparação, ou o gosto de pintar sobre um suporte rígido e liso.
Embora se tenha procedido, durante o século XIX, a um intenso desenvolvimento e comércio
de material de pintura, é provável que os suportes metálicos u lizados por Francisco José
Resende fossem vendidos para uso genérico e não específico como material de Belas-Artes4.
No entanto, não deixa de ser interessante constatar que existe alguma semelhança entre as
medidas de várias das suas obras5, o que suscita a hipótese de os suportes terem sido cortados
à medida ou vendidos com tamanhos estandardizados.
Figura 2a – Busto de António Soller de Francisco José
Resende. Óleo sobre folha-de-Flandres, 1882. 43,1cm
x 31,8cm. Casa Museu Fernando de Castro. Fotografia
do reverso da pintura
Figura 2b – Busto de António Soller, microfotografia
da letra P (de “Porto”) da inscrição gravada no
suporte metálico
Análise do suporte de três pinturas de Francisco José Resende
Métodos de análise
Com o objec vo de caracterizar o po de metal ou liga u lizado como suporte nas três pinturas
4 No entanto, a Winsor & Newton, uma conhecida marca de material de Belas-Artes, comercializou painéis de zinco
preparados, como é referido nos catálogos de cerca de 1840 e de 1842. Ver CARLYLE, L., The ar st’s assistant: oil pain ng
instruc on manuals and handbooks in Britain 1800-1900 with reference to selected eighteenth-century sources, London,
Archetype, 2001, pp. 192, 449.
5 Entre as doze pinturas sobre metal da autoria de Francisco José Resende que foram observadas, a mais pequena mede
22x17cm, e a maior mede 74,3x63,2 cm. Encontram-se várias dimensões similares: três obras medem cerca de 43,3x31,8 cm,
e outras quatro pinturas medem cerca de 35,5x25,5 cm.
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em estudo – Auto-retrato, Busto de António Soller e Camponesa da Murtosa –, iden ficar
marcas dos processos de trabalho e caracterizar a corrosão da super cie, foi recolhida uma
amostra de metal de cada uma destas obras. As amostras foram re radas de um canto das
pinturas com um objecto cortante, atravessando toda a espessura do metal. De seguida foram
montadas em resina epóxida Epofix Struens® e polidas com uma suspensão de pó de diamante.
Recorreu-se à técnica de microscopia electrónica de varrimento com espectrometria de
dispersão de energia de raios-X (SEM-EDX) para a observação e análise elementar das três
amostras metálicas6.
Cada amostra foi posteriormente sujeita a um ataque químico com nitral a 4%, com o objec vo
de observar a sua microestrutura com luz reflec da por microscopia óp ca (MO).
Figura 3a – Amostra metálica de Camponesa da Murtosa. Observação por microscopia óp ca
Resultados comparaƟvos da análise dos três suportes
A análise por SEM-EDX às amostras de metal revelaram tratar-se do mesmo suporte nas três
pinturas: uma liga de aço (ferro e carbono) reves da de estanho de ambos os lados, que se
designa habitualmente como folha-de-Flandres (fig. 2c, 2d)7. A chapa de aço foi laminada
6 O equipamento u lizado foi o microscópio electrónico de varrimento da marca JEOL JSM 35C, equipado com um
espectrómetro Noran Voyager. Os espectros foram ob dos para uma tensão de aceleração de 15 kV e um tempo de aquisição
de 50 segundos. As análises em SEM-EDX foram realizadas no CEMUP – Centro de Materiais da Universidade do Porto.
Agradeço ao Prof. Doutor Luís Malheiros (FEUP-DEMM) os contactos estabelecidos que possibilitaram a u lização desta
técnica e todo o apoio prestado na interpretação dos dados.
7 Data da Idade do Ferro a u lização de estanho como forma de reves mento de uma matriz metálica, tendo esta aplicação
se tornado mais comum no período romano, como atestam alguns registos documentais: Plínio (século I) referiu a colocação
de estanho sobre objectos de bronze que serviriam de recipientes de comida; e Teófilo (século XII) relatou a aplicação de
estanho sobre ferro. A produção de ferro reves do de estanho foi con nuada durante a Idade Média e Moderna, destacandose o papel da Alemanha, onde floresceu uma indústria de produção, na Saxónia, no século XVII. De seguida foi introduzida em
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e depois imersa numa na com estanho fundido para adquirir o reves mento metálico,
conforme a prá ca habitual no século XIX8. Este reves mento de estanho tem como função
proporcionar uma protecção sica contra a corrosão da liga de aço sendo que esta, por sua
vez, fornece rigidez ao suporte9. Nas três amostras, o reves mento revelou uma espessura
irregular e várias fissuras10.
A microestrutura dos metais caracteriza-se pela presença de grãos equiaxiais de ferrite, uma
solução sólida de carbono em ferro, apresentando-se o carbono em baixo teor (fig. 3a).
Dado que, à época, o processo de desoxigenação dos banhos metálicos era ainda algo
deficiente, permaneciam bolhas de gás no interior do metal, tal como se observa por MO.
Estes espaços vazios correspondem aos pequenos pontos de cor negra, de forma definida e
arredondada no interior das amostras (fig. 3a).
Foram detectadas algumas impurezas por SEM-EDX no núcleo metálico, como óxidos de silício
e fósforo, que se encontram alongados devido ao processo de laminagem11.
Na periferia dos suportes encontram-se ves gios de camada pictórica e produtos de alteração
do ferro e do estanho. Apresentam uma cor negra por MO visto não reflec rem a luz, em
contraste com a super cie reflectora correspondente à matriz metálica (fig. 3a).
Inglaterra, tornando-se, este país, o principal produtor durante o século XIX. A par r de cerca de 1930, a maioria da folha-deFlandres foi ob da através de um processo de deposição electrolí ca do estanho. Vd. CORFIELD, Michael – Tin and nplate,
technology and conserva on. In CHILD, Robert; TOWNSEND, Joice, ed. lit. – Modern metals in museums. Londres: Ins tute of
Archaeology Publica ons,1988, pp. 33-36.
8 Por laminagem do metal entende-se um método de conformação plás ca cons tuído por um sistema de rolos através dos
quais é reduzida a espessura do metal. A laminagem da chapa e imersão em estanho fundido segue a metodologia tradicional
de produção do século XIX. No entanto, em suportes mais an gos, a chapa de aço ou ferro poderá ter sido ob da através de
um processo de martelagem, antecedente da laminagem.
Segundo uma descrição publicada em 1883 por Ernest Trubshaw, a matriz de ferro era imersa primeiramente em óleo de
palma e só depois em nas com estanho, seguindo-se uma escovagem da super cie e nova imersão em estanho. De seguida,
a lâmina seguia para um pote com gordura, sendo a espessura da camada de estanho regulada através da passagem por rolos.
Mais tarde o processo foi simplificado pela introdução de máquinas – a folha de ferro era introduzida no estanho fundido
através de um fundente de cloreto de zinco. Vd. SINGER, Charles [et al.] – A History of Technology: The late nineteenth century
c. 1850 to c. 1900. 6ª ed. Oxford: Oxford University Press, 1982, pp. 616.
9 A tulo compara vo, podemos referir que ao longo do tempo foram ainda aplicados reves mentos metálicos de estanho
ou chumbo sobre outros metais, como ligas de cobre. Este reves mento poderia desempenhar uma função protectora,
evitando a corrosão do cobre, ou ter um efeito esté co. Como o estanho e o chumbo são metais brilhantes e de cor cinzenta,
dis nta da cor avermelhada das ligas de cobre, poderiam conceder um maior brilho e luminosidade à pintura, especialmente
com a aplicação de camadas pictóricas transparentes. Esta u lização foi descoberta, a tulo de exemplo, em pinturas de
Domenichino (1581 – 1641) e de Nicolas Lancret (1690-1743). Nas pinturas deste úl mo ar sta, o reves mento da liga de
estanho e chumbo foi aplicado apenas no lado que recebeu a camada pictórica. Vd. SCOTT, David – Copper as a substrate for
pain ngs. In SCOTT, David – Copper and Bronze in Art: Corrosion, Colorants, Conserva on. Los Angeles: Ge y Conserva on
Ins tute, 2002, pp. 317-321. Sobre as pinturas de Domenichino, ver MALTESE, Corrado, coord. – I suppor nelle ar pi oriche.
Storia, técnica, restauro. Parte prima. Milano: Ugo Mursia Editore, pp. 286, 287. Vd. ainda ACKROYD, Paul; ROY, Ashok; WINE,
Humphrey - Nicolas Lancret’s The Four Times of Day. Na onal Gallery Technical Bulle n. Londres: Na onal Gallery Company.
25 (2004), pp. 53, 54.
10 Ainda que no caso das pinturas analisadas o substrato metálico seja o mesmo, parece plausível que o ar sta tenha u lizado
outros metais, como na pintura Vendedeiras (MNSR), cuja análise por EDXRF determinou apenas a presença de zinco no
reverso. A análise à referida pintura foi feita no âmbito da tese de doutoramento em curso da Dra. Sónia Barros, sobre a
introdução e circulação de materiais de Belas-Artes no século XIX, a quem agradeço a disponibilização desta informação.
11 Estes óxidos, como sendo os de silício, magnésio e fósforo, são pertencentes aqueles elementos que não sofreram
completamente um processo de redução aquando da fusão dos minérios de ferro.
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A u lização de folha-de-Flandres como suporte em pinturas de Francisco José Resende | Rita Veiga
Figura 2c – Amostra metálica de Busto de António
Soller. Fotomicrografia de SEM, ampliação de 200×
Figura 2d – Amostra metálica de Busto de António
Soller. Fotomicrografia de SEM, ampliação de 1500×.
Z1 – Núcleo de ferro e carbono; Z2 – Impurezas de
óxidos de silício, fósforo e alumina; Z3 – Óxidos de
ferro; Z4 – Reves mento de estanho; Z5 – Óxidos de
ferro.
Processo de degradação da folha-de-Flandres
Os suportes metálicos das três pinturas em estudo apresentam deformações mecânicas e,
no caso de Busto de António Soller e Camponesa da Murtosa, um processo de corrosão12. As
deformações são influenciadas pela espessura fina do suporte e pelo facto de se tratar de uma
liga de aço com baixo teor em carbono, que é menos rígido do que um aço com uma maior
percentagem daquele elemento. Dada a duc lidade do estanho, o reves mento metálico não
proporciona nenhum acréscimo de dureza.
Para que se possa compreender os dis ntos estados de degradação que os suportes das três
pinturas apresentam, é necessário perceber o processo de corrosão atmosférica do estanho,
do ferro e da folha-de-Flandres. O estanho é um metal brilhante e de cor acinzentada, que
forma uma camada de óxidos estáveis quando exposto ao ar sem poluentes e sem humidade
elevada, mantendo o aspecto prateado claro. Com a presença de humidade, os óxidos da
super cie hidratam-se e aumentam de espessura, perdendo o brilho e adquirindo um aspecto
baço, como se observa em Busto de António Soller e Camponesa da Murtosa (fig. 2a, 2b). Se
exposto a agentes poluentes, nomeadamente dióxido de enxofre e sulfureto de hidrogénio, o
estanho pode também escurecer. O ferro, quando exposto a uma atmosfera sem poluentes,
forma uma complexa camada de óxidos, de estado de oxidação +2 ou +3. Com a presença
de oxigénio, exposição a certos valores de H. R. (acima dos 20%) e poluentes, pode formar
diversos produtos de alteração.
12 Para uma descrição mais detalhada dos problemas de deterioração das pinturas, ver VEIGA, Ana Rita – Estado de
conservação de Auto-retrato, Busto de António Soller e Camponesa da Murtosa. [Em linha] Materiais e Técnicas de Pintores
do Norte de Portugal. [Consult. 3 Set. 2010]. Disponível emh p://citar.artes.ucp.pt/mtpnp/estudos/materiais_sec_XIX_03_
estado_de_conservacao.pdf.
Agradeço à mestre Isabel Tissot todo o apoio na compreensão dos problemas de degradação dos suportes metálicos das
pinturas.
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Na folha-de-Flandres, o estanho é aplicado como um reves mento metálico, actuando como
uma barreira sica ao contacto da matriz de aço com os agentes externos. Quando este
reves mento de estanho se encontra fissurado, como revelado por SEM (fig. 2d), pode dar-se
a exposição do aço a um ambiente com oxigénio e humidade, iniciando-se um processo de
corrosão atmosférica. Na presença de um electrólito, como a água, poderá estabelecer-se uma
célula electroquímica entre o ferro e o estanho. O ferro actua como ânodo, o pólo posi vo
no qual ocorre perda de electrões – oxidação –, e o estanho como cátodo, sucedendo um
processo de redução13.
Uma situação exemplifica va deste processo é visível no reverso de Busto de António Soller,
no qual a inscrição feita pelo ar sta com um objecto pon agudo sobre o suporte fissurou o
reves mento de estanho, expondo a liga de aço. Por essa razão, observam-se produtos de
alteração do ferro, de cor alaranjada, apenas no local onde a inscrição foi executada (fig. 2b).
Numa pintura sobre um suporte metálico, a corrosão pode ocorrer no reverso (fig. 3b) ou
na parte frontal. Neste caso, acontece na zona de interface pintura/metal, após migração de
humidade e oxigénio através dos estratos pictóricos, a par r de fissuras, lacunas ou zonas
de maior permeabilidade da pintura. A corrosão do suporte tem implicações directas na
conservação da camada pictórica, já que a formação e aumento de volume de produtos de
alteração dos metais, nomeadamente do ferro, podem propiciar destacamentos da camada
pictórica, como se observa em Camponesa da Murtosa. Em várias áreas de cor clara,
especialmente no céu, é evidente um tom alaranjado/acastanhado, resultante da formação e
migração de produtos de alteração do ferro (fig. 3c).
Figura 3b – Camponesa da Murtosa de Francisco José
Resende. Óleo sobre folha-de-Flandres, 1879. 43,7cm
x 31,8cm. Casa Museu Fernando de Castro. Fotografia
do reverso da pintura.
Figura 3c – Camponesa da Murtosa,
pormenor do céu.
13 Através da tabela de séries electroquímicas é possível conhecer o potencial de cada metal para ganhar ou ceder electrões,
actuando como ânodo ou cátodo. O estanho pode ser mais, ou menos ac vo do que o ferro segundo o ambiente em que se
encontra – em ambientes abertos, o estanho comporta-se como cátodo, mas no caso do interior de recipientes fechados, é o
estanho que actua como ânodo. Ver SELWYN, Lyndsie – Metals and Corrosion, a handbook for the Conserva on Professional.
Canada: Ins tut Canadien de Conserva on, 2004, pp. 29, 30, 148.
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A u lização de folha-de-Flandres como suporte em pinturas de Francisco José Resende | Rita Veiga
A realização de inscrições no reverso do suporte metálico
É recorrente, por parte de Francisco José Resende, a realização de inscrições nas suas pinturas,
quer pela parte frontal quer pelo reverso. As mesmas podem conter dados sobre a execução
da obra, como a data, local, tulo e/ou menções biográficas. Esta prá ca é de igual forma
notória nas pinturas sobre tela e cartão da sua autoria.
No caso das inscrições executadas no reverso, é interessante perceber como o ar sta as
executava de variadas formas. Entre as obras que foram observadas destacam-se quatro
situações dis ntas: 1. o metal é deixado exposto, sem inscrição; 2. é aplicada uma camada
pictórica monocromá ca em todo o reverso, sem realizar nenhuma inscrição; 3. é aplicada
uma camada pictórica (que pode ou não cobrir todo o suporte) e executada a inscrição por
cima, pintada ou raspada; 4. a inscrição é efectuada directamente sobre o suporte, com um
objecto incisivo, sem aplicar nenhuma camada de nta.
Rela vamente às inscrições executadas na parte frontal, podem ser pintadas por cima da
camada pictórica ou raspadas sobre a nta ainda fresca.
Entre as pinturas seleccionadas para este estudo, destaca-se a inscrição patente no reverso
de Auto-retrato, na qual o autor escreveu uma súmula da sua biografia, assim como o tempo,
“3/4 d’ora”, que demorou a finalizar a obra. Primeiramente aplicou a camada monocromá ca
através da sobreposição de quatro estratos de cor, como revelou a amostra estra gráfica
recolhida do reverso (fig. 1c). Por cima desta pintou, com nta preta e a pincel, a seguinte
inscrição: Fran. co Joze Rezende, nascido n’esta cidade do Porto, a 9 de Dezembro de 1825,
nomeado Cavalleiro de S. Mauricio e S. Lazaro, d’Italia, pelo finado rei Victor Manoel, e lente
(?) jubilado de pintura historica da Academia Portuense de Bellas-Artes, esboçou este seu
retrato (em 1890) na sua caza da esquina do Bomjardim e Gonsalo Cristovam (cujos prédios
an gos subs tuídos hoje por outros, foram seus antepassados, occupando todo o largo de S.to
Antonio do Bomjardim, onde nascera o auctor.)/ É este um estudo de ¾ d’ora.
Outro método ao qual o ar sta recorreu para realizar inscrições foi a gravação da mesma com
um objecto incisivo e fino directamente no suporte metálico. Esta situação é visível no reverso
de Busto de António Soller, onde se pode ler a seguinte dedicação: Ao seu dedicado amigo e
(?) Antonio Soller offerece esta lembrança./ O seu affeiçoado adm.or / Fran.co J. Rezende/ Porto
1.º de Janeiro 1882.
Em Camponesa da Murtosa o pintor aplicou, em todo o reverso, uma camada pictórica verde
opaca, de fina espessura, provavelmente para poder seguidamente executar a seguinte
inscrição (fig. 3b), com nta branca e a pincel: 11.-1/ Portugal. Camponesa da Mortosa/ (?)/ F.
J. Rezende/ Porto. 1879.
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Figura 1c – Microfotografia do corte transversal da amostra estra gráfica do reverso de Auto-retrato, por MO.
Ampliação de 200×. 1 a 4: estratos pictóricos; 5 – camada de protecção.
Conclusão
O suporte das três pinturas a óleo em estudo, da autoria de Francisco José Resende, foi
iden ficado como folha-de-Flandres. Este suporte é cons tuído por uma matriz de aço
laminado (liga de ferro e carbono) reves do de estanho de ambos os lados. O processo de
corrosão deste material tem uma implicação directa no estado de conservação da camada
pictórica, podendo ocasionar destacamentos e empolamentos. Para tal são determinantes o
estado do reves mento do estanho – con nuo ou com fissuras -, assim como as condições
ambientais a que as pinturas foram expostas.
A publicação de casos de estudo permite divulgar a prá ca deste po de pintura, nomeadamente
entre ar stas portugueses, e dar a conhecer os materiais e problemas de conservação que lhe
são mais caracterís cos.
Referências
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VEIGA, Ana Rita – Francisco José Resende: materiais da camada pictórica e técnicas de
execução. [Em linha] Materiais e Técnicas de Pintores do Norte de Portugal. [Consult. 3 Set.
2010]. Disponível em h p://citar.artes.ucp.pt/mtpnp/estudos/materiais_sec_XIX_04_estudo_
tecnico_e_material.pdf.
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