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Considerações finais : revendo as hipóteses
Esta pesquisa construiu uma interpretação sócio-histórica do movimento estudantil
da Rural nas últimas décadas, destacando as formas de inserção e atuação no movimento
estudantil, o significado atribuído ao movimento como instância de formação política, sua
influência no processo de construção das representações e modos de vida dos militantes
entrevistados. Efetuou-se, assim, uma tentativa de cotejar e recompor várias leituras do
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mesmo objeto – o movimento estudantil.
Essa reconstrução da memória do movimento estudantil focalizou representações
acerca da experiência política e universitária, inserida de forma relacional nas demais
instâncias e espaços sócio-culturais vivenciados pelos sujeitos da pesquisa. O recorte
utilizado – objeto, período, sujeitos – permitiu a análise das gestões do DCE, a partir da
memória dos militantes, abordando o relacionamento com a reitoria, o embate das várias
tendências políticas, a construção da participação política dos sujeitos, entre tantos outros
aspectos. Esses aspectos propiciaram a formação de uma estrutura e volume de capitais
que, segundo os depoimentos dos sujeitos, repercutem sobre as suas trajetórias sócioprofissionais. Esses capitais são evidentes na capacidade de negociação, no trato ‘em pé de
igualdade’ com autoridades acadêmicas e políticas, na liderança e no trabalho de equipe,
demonstrando a aquisição de um habitus universitário específico e de um ‘senso de jogo’
mais apurado.
Tive como premissa inicial que o movimento estudantil seria uma instância
formativa importante para os estudantes universitários que desenvolvem essa modalidade
de participação política. A análise do material empírico comprovou que persiste uma
representação positiva dessa atuação entre os ex-militantes, que atribuem um significado
central ao movimento estudantil no que tange à aquisição de capitais e à própria formação
moral, profissional e política inserida no processo mais amplo de construção da sua
identidade social.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS: revendo as hipóteses
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Entretanto, deparei com algumas surpresas ao longo da investigação. Uma das
quais refere-se à constatação de que as influências sócio-culturais-familiares se diluem na
intensa experiência comunitária propiciada pela Universidade Rural. A peculiaridade da
instituição, que assemelha-se quase a uma instituição total, confere uma densidade ao
ambiente que tende a homogeneizar os estudantes e os predispõe a certas práticas e
características produzidas por uma experiência comum de socialização. Participar do
movimento estudantil em uma instituição peculiar como a Rural adensa as possibilidades de
acumular capital político, social e cultural, com reflexos na atuação profissional. O impacto
da intensa convivência propiciada pela instituição, mais especificamente sobre os
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estudantes residentes, foi destacada como favorável a uma participação mais marcante no
movimento estudantil, exercida no cotidiano da sociabilidade no campus.
A militância estudantil, numa Universidade como a Rural, torna-se uma experiência
muito forte que permite a homogeneização das múltiplas e desiguais experiências pessoais
anteriores. No período da graduação, diferentes trajetórias se encontram e se vinculam,
mediante uma intensa e próxima convivência no campus, favorecendo a constituição de
uma disposição social comum, marcada pelo mesmo habitus universitário e potencializada,
em nosso caso específico, pela participação no movimento estudantil. Essa experiência
comum aos vários militantes sujeitos da pesquisa confirma o caráter formativo do
movimento estudantil intensificado pelo efeito padronizador da Rural.
Outra surpresa referiu-se à premissa inicial sobre a influência capital da origem
familiar e da trajetória escolar na formação de uma sociabilidade militante, posteriormente
relativizada – sem descartar o peso desses diferenciais – diante da importância maior da
Universidade e do movimento estudantil na experiência social dos sujeitos da pesquisa. O
material empírico analisado também não permitiu sustentar a hipótese de uma relação mais
direta entre a ocupação de funções de liderança no movimento estudantil e a origem sócioeconômica dos estudantes, visto que as lideranças estudantis emergiram dos mais diversos
estratos sociais, não sendo possível apontar para um processo de ‘reprodução’ das
hierarquias sociais.
Entretanto, a enorme heterogeneidade detectada – quanto à origem social dos sujeitos
da pesquisa – apresentou como aspecto comum uma intensa mobilidade social ascendente,
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característica do período, marcado pela expansão das oportunidades de escolarização em
todos os níveis, e que permitiu a inserção no ensino superior de estratos sociais
anteriormente excluídos. Os sujeitos pesquisados empreenderam trajetórias de sucesso
escolar, mediante estratégias específicas, familiares e escolares, que permitiram seu
ingresso na Universidade.
Mas como já apontado, a herança cultural familiar dos estudantes entrevistados,
ressaltada sua importância e diversidade, não representou um elemento distintivo entre eles
pois foi neutralizada pelo ambiente de intensa convivência propiciado pela vida no campus,
deixando marcas duradouras nesses sujeitos, segundo suas próprias representações. Dessa
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forma, mesmo os estudantes com menor bagagem – e aqui nos referimos ao volume e
estrutura de capitais – puderam acumular capital político, social, cultural, mediante a
convivência no campus e a inserção no movimento estudantil.
Assim, o movimento
estudantil, de forma declarada ou subterrânea, propiciou um patamar de distinção para os
militantes, em relação à maioria dos estudantes da Universidade.
Os estudantes que exerceram funções de liderança no movimento estudantil
aparentam possuir um senso do jogo mais apurado, além de habilidades e competências não
disponíveis a todos, distinguindo-se assim da massa estudantil pela visibilidade que a
atuação política propicia. Decorre daí, na maioria dos casos, a ampliação da estrutura e do
volume de capitais social e simbólico de grande impacto nos processos de trânsito pelos
diferentes campos que compõem o espaço social. O acúmulo de certo capital social,
mediante a inserção no movimento estudantil, já havia favorecido, com maior ou menor
intensidade, o percurso na comunidade universitária, rendendo ou não dividendos
simbólicos, de acordo com o status do grupo ou a posição nele ocupada pelo estudante.
A investigação identificou que, não somente o movimento estudantil, mas também
as demais experiências associativas produziram um sentimento de pertença à Universidade
ou ao grupo, funcionando como apoio sócio-afetivo no período de graduação. Entre os
estudantes entrevistados, os ‘camarões’ se destacaram como ‘grupo exemplar’, devido a
esse forte sentimento de pertencimento, ao acúmulo de capital social e à manutenção de um
vínculo duradouro que personifica a experiência de ser aluno da Rural. Os ‘camarões’
apontam para uma nova sociabilidade militante, pois anteciparam uma prática mais
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consistente de mobilização estudantil que respondia, mais adequadamente, as mudanças
que vinham ocorrendo no movimento estudantil, superando a tradicional partidarização.
Os ‘camarões’ representam a emergência de um segmento estudantil que inserindose em movimentos sociais, novos ou tradicionais, desenvolveu uma participação política, a
que se atribui um maior grau de consciência e autonomia, pois menos atrelada a instâncias
políticas que se impõem, do alto e de fora, ao meio estudantil. Esse diferencial em relação
às gerações anteriores se manifesta também em formas organizativas mais descontraídas e
diversificadas induzindo à participação um contingente mais amplo e variado de estudantes.
O movimento estudantil hoje apresenta uma polarização entre dois tipos ideais de
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militantes, os ‘partidarizados’ e os ‘independentes’, apontando para o embate ideológico
em torno do ‘aparelhamento’ das entidades estudantis e o surgimento de uma nova
subjetividade militante que propõe outras formas organizativas. Entre os sujeitos
entrevistados detectamos essa polarização mediada pela influência da conjuntura política
nacional, das mudanças no mundo do trabalho e dos impactos sócio-econômico-culturais da
globalização. O movimento estudantil da Rural, mesmo com as especificidades da
instituição, reflete essas transformações e influências, comprovando a vocação estudantil de
instituir uma “república ruralina aberta para o mundo”.
Dentro dos limites deste estudo, acredito ter chamado a atenção para a importância
do movimento estudantil, bem como de outras experiências associativas juvenis, na
socialização política, na construção de um habitus universitário distinto, no acúmulo de
capitais que favorecem trajetórias acadêmicas e profissionais bem sucedidas. Concluo
evidenciando a influência do movimento estudantil como diferencial na formação
universitária e na trajetória profissional dos sujeitos da pesquisa. A Universidade Rural, por
sua vez, em virtude das suas peculiaridades favoreceu o estabelecimento de vínculos
duradouros, seja com a instituição seja com os pares, constituindo um capital social
diferenciado das demais instituições de ensino superior, no que se refere à formação dos
estudantes, segundo a percepção dos entrevistados.
Esta pesquisa focalizou diversos aspectos da formação do jovem universitário – a
construção de sua visão de mundo, valores, habitus e competências sociais – decorrentes de
experiências vivenciadas fora do currículo oficial. Cabe destacar a importância da
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convivência entre os pares, da multiplicidade cultural, do contato com experiências
políticas e associativas diferenciadas que constituem um acessório adicional distintivo na
bagagem de uma parcela reduzida do estudantado, com inferências sobre seu futuro
profissional. Estas experiências diferenciadas teriam favorecido a aquisição de disposições
específicas, fornecendo opções, expectativas, percepções e comportamentos também
diferenciados que marcariam sua trajetória futura.
Entretanto, a investigação indicou como um aspecto que mereceria um
aprofundamento posterior a multiplicidade das organizações estudantis que emergem no
panorama da Universidade e da sociedade mais ampla e que apontam para mudanças
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significativas na participação social desse segmento juvenil. Outra questão que se apresenta
a partir da percepção dessa heterogeneidade refere-se à desmobilização apontada como
crescente no movimento estudantil, que poderia estar refletindo a presença de um maior
leque de oportunidades de inserção dos jovens, em diferentes movimentos sociais. Essa
pulverização poderia representar uma ampliação nas condições de atuação social juvenil,
consistente com o panorama de pluralidade interpretativa em todas as áreas (cultural,
política, religiosa etc.) .
Aponto ainda para a necessidade da realização de mais estudos no ambiente
universitário, aprofundando e comparando algumas das análises, principalmente as que
apontam para a desigualdade nas condições de acesso e permanência no nível superior.
Essa investigação permitiu identificar que as características da Rural – próximas as das
instituições totais analisadas por Goffmann (1987) – parecem viabilizar o acesso e a
permanência no ensino superior aos estudantes de origem popular e rural. O estudo das
condições institucionais da experiência universitária reveste-se de importância pontual
devido a questão das cotas, que apontam para um diferenciado e desigual uso estratégico
das possibilidades oferecidas na Universidade, sua incidência sobre o desempenho
acadêmico e a manutenção de práticas discriminatórias no Ensino Superior evidenciando as
diferentes oportunidades de acesso à cultura acadêmica.
Encerro, afirmando que este esforço investigativo permanece aberto a posteriores
contribuições, que abordem aspectos do tema apenas antevistos. Entre o muito que foi dito,
observado, discutido resta uma convicção: frente à complexidade da realidade social, não
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cabe nenhuma certeza mas multiplicam-se as indagações sobre as relações estabelecidas
entre os jovens universitários e os movimentos sociais em seu processo de formação
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acadêmica.
Me Gustan Los Estudiantes
Violeta Parra
Que vivan los estudiantes, jardín de nuestra alegría,
son aves que no se asustan de animal ni policía.
Y no le asustan las balas ni el ladrar de la jauría.
Caramba y zamba la cosa, qué viva la astronomía!
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Me gustan los estudiantes que rugen como los vientos
cuando les meten al oído sotanas y regimientos.
Pajarillos libertarios igual que los elementos.
Caramba y zamba la cosa, qué vivan los experimentos!
Me gustan los estudiantes porque levantan el pecho
cuando les dicen harina sabiéndose que es afrecho.
Y no hacen el sordomudo cuando se presente el hecho.
Caramba y zamba la cosa, el código del derecho!
Me gustan los estudiantes porque son la levadura
del pan que saldrá del horno con toda su sabrosura.
Para la boca del pobre que come con amargura.
Caramba y zamba la cosa, viva la literatura!
Me gustan los estudiantes que marchan sobre las ruinas,
con las banderas en alto pa’ toda la estudiantina.
Son químicos y doctores, cirujanos y dentistas.
Caramba y zamba la cosa, vivan los especialistas!
Me gustan los estudiantes que con muy clara elocuencia
a la bolsa negra sacra le bajó las indulgencias.
Porque, hasta cuándo nos dura señores, la penitencia.
Caramba y zamba la cosa, qué viva toda la ciencia!
Caramba y zamba la cosa, qué viva toda la ciencia!
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Capítulo 06