Sérgio Ricardo da Mata, Helena Miranda Mollo & Flávia Florentino Varella (org.). Caderno de resumos & Anais do 2º. Seminário Nacional de História da Historiografia. A dinâmica do historicismo: tradições historiográficas modernas. Ouro Preto: EdUFOP, 2008. (ISBN: 978-85-288-0057-9) O movimento republicano do interior na obra de Oscar Leal Aline da Costa Luz1 O olhar dos viajantes que percorreram o Brasil durante o século XIX e seus relatórios beneficiaram a historiografia regional do país. Os viajantes que aqui estiveram tinham o intuito de fazer novas descobertas. Em suas experiências nas diversas regiões brasileiras, principalmente dos emissários de instituições científicas, foram produzidos mapas e roteiros, analisadas a flora, a fauna, a geografia, e as notas de viagem foram fundamentais para se conhecer algumas características sócio-econômicas e políticas do interior do país. Tais análises começam no século XVIII com pesquisadores portugueses enviados pela Coroa. Eram naturalistas que tinham a ordem “de que saíssem em campo para pesquisar cada palmo da Colônia em busca de espécies que pudessem animar a curiosidade dos homens daquela época” (HEYNEMANN, 2004 : 46). Mais tarde com a transferência da corte portuguesa para o Brasil e a conseqüente abertura dos portos, foi possível realizar as expedições de estudo dos viajantes estrangeiros. Para Márcia Regina Capelari Naxara, o conhecimento produzido por esses viajantes nos séculos XVIII e XIX partiu da ambição humana em alcançar uma inteligibilidade do mundo tanto natural como social. “os viajantes estrangeiros eram atraídos pela curiosidade de conhecer e ver de perto as maravilhas e/ou exotismo do mundo colonial descritos por aqueles que retornavam, pelo crescimento da imaginação a respeito do novo mundo e da sua população selvagem, alimentados desde o século XVI; pelas possibilidades vinculadas à colonização e à exploração de riquezas; e importante, pelo interesse científico, parte desse amplo movimento de conhecimento do mundo, pautado pelas concepções da história natural e voltado para a observação e sistematização dos dados que pudessem ser observados na natureza e nas sociedades dos mais diversos lugares do mundo” 2 Saint-Hilaire, Gardner, Castelnau, Kidder, Coudreau, Pohl foram importantes viajantes que andaram por Goiás e seus relatos se baseiam em sua experiência na região. Ao final do século XIX, um dos últimos viajantes a percorrer o estado foi Oscar Leal. 1 4º Período de Licenciatura em História na Universidade Federal de Goiás – Campus Jataí NAXARA, Márcia Regina Capelari. Cientificismo e Sensibilidade Romântica: Em busca de um sentido explicativo para o Brasil no século XIX. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2004. Pág. 141 2 1 Nascido no Rio de Janeiro em 1862, filho de portugueses (grande parte das fontes relativas às suas viagens estão nos arquivos lusos), Leal faz sua primeira viagem a Goiás em 1882. Este trabalho pretende analisar dentro do livro “Viagem às terras goyanas”, que relata a viagem iniciada no dia 5 de março de 1889 rumo ao interior do Brasil, os movimentos republicanos que existiam, e que ele participava, ao longo de seu percurso e fora do Rio de Janeiro e as reações à proclamação da república no dia 15 de novembro de 1889. De acordo com Ático Vilas Boas da Mota, o livro de Oscar Leal relata uma cadeia de vivências na qual se destaca a figura do viajante e se apóia na maneira de enxergar o mundo pelo lado otimista, engraçado e irônico. No dia 13 de março de 1889, Oscar parte de São Paulo a Campinas com o intuito de viajar de trem até Uberaba. Já em Campinas, ao embarcar, o viajante julga ser digno de nota o fato de duas moças que viajaram em acomodações próximas a dele e uma delas lhe perguntar se ele era republicano. Oscar lhe responde que os homens que são independentes e patriotas são republicanos e querem “a verdadeira independência do seu paiz” (LEAL, 1892: 3). A menina concorda e vai além, apenas a promulgação da república não bastava. Era necessária a independência de seu sexo. José Murilo de Carvalho, em seus estudos sobre a proclamação da república e a legitimidade do novo regime, coloca que o momento de transição do regime monárquico para o republicano propunha um sistema de governo que traria o povo para a atividade política. Com o Poder Moderador, a monarquia se tornava incompatível com a soberania e emancipação nacional que, no manifesto republicano de 1870, só poderia ser baseada na vontade popular (CARVALHO, 1987 : 11). Oscar chegou em Uberaba no dia 17 de março. Três dias depois, o conde D’Eu visitou a cidade. Isso fez com que os adeptos às idéias democráticas fundassem nesse mesmo dia o Clube Republicano 20 de Março, ao qual se associaram imediatamente 30 eleitores. Em maio, o viajante chega a Monte Alegre, cidade mineira próxima à divisa com o estado de Goiás. Sobre as influências políticas da cidade Leal diz: 2 “(...) ao Coronel Vilella de Andrade, o homem com mais influência política que alli existe, o qual conta no município quasi todo o eleitorado. Escusado é dizer que esse bom velho, é homem adiantado e patriota, republicano e como elle todos os que o acompanham”3 Sempre que o viajante encontrava alguma pessoa adepta ao movimento republicano, fazia questão de tecer diversos elogios a ela e, caso ela participasse da administração da cidade ou vilarejo, citava suas melhorias e qualidades. É o caso de Monte Alegre, que é descrita como uma cidade próspera com estabelecimentos raros nas proximidades, como hotel, salão de bilhar e tipografia. Por volta do dia 14 de maio Oscar Leal chega a Goiás na cidade de Santa Rita. No porto da cidade encontra-se com Carlos Marquez, rapaz que descreve como um fino adepto às idéias modernas, filiado ao partido republicano e sempre levado pelas idéias de liberdade. Juntos se reúnem com mais de vinte outras pessoas na casa de Augusto de Freitas. Durante a reunião, entre os brindes que ocorreram, Carlos Marquez saúda a futura república do Brasil sendo seguido por um discurso de Leal em nome da causa republicana provocando o ânimo dos ouvintes. A conseqüência da reunião foi a redação de um manifesto republicano assinado por quinze pessoas, das quais doze eram eleitoras. Eis o manifesto: “Nós abaixo assignados declaramos que d’ora avante adherimos às idêas republicanas, visto conhecermos que só a república trará a felicidade para a nossa pátria.”4 Após cada assinatura havia muita comemoração. No dia seguinte, o professor público ao qual Leal se refere como “Sr. B.” pede para que risque seu nome do manifesto por ter se arrependido de assiná-lo. Meses depois perderia o emprego em plena monarquia, fato que enfatizara o ideal republicano do viajante. Como Leal destaca, o manifesto foi assinado no dia 15 de maio de 1889, ou seja, seis meses antes da proclamação da República pelo Marechal Deodoro da Fonseca no Rio de Janeiro. Entretanto, José Murilo de Carvalho minimiza os movimentos do interior ao colocar a capital como centro da vida política nacional. “O comportamento político de sua população tinha reflexos imediatos no resto do país. A proclamação da república é a melhor demonstração desta afirmação. Campos Sales já percebia, como propagandista, que a falta de coesão do Partido Republicano na corte era o principal 3 4 LEAL, Oscar. Viagem às Terras Goyanas (Brazil Central). Goiânia, GO: Editora UFG. 1980. p. 24 Idem, p. 32 3 obstáculo ao desenvolvimento da idéia republicana. E a proclamação afinal, resultou de um motim de soldados com o apoio de grupos políticos da capital.”5 Percebe-se em toda a obra de Oscar Leal que fora da capital existiam movimentos republicanos e com relevância na região em que atuavam. Essas constatações acabam contrapondo o pensamento acima descrito de José Murilo de Carvalho. No dia 5 de dezembro de 1889, na cidade de Corumbá, Leal teve notícias do acontecimento do dia 15 de novembro. Descreveu sua reação como cheia de alegria por ver a pátria livre dirigindo-se em seguida para Pirinópolis, cidade na qual ocorriam várias comemorações e onde proferiu um discurso terminado por três vivas da multidão. Para Leal, o povo da cidade mostrou-se patriota e orgulhoso de ver o país caminhar progressivamente. Para Maria de Lourdes Mônaco Janotti, os historiadores contemporâneos à proclamação da República viram seu advento como uma fatalidade histórica. O mundo havia modernizado e o regime monárquico estava fadado a ser substituído pelo republicano para então alcançar maior progresso.6 Já no ano de 1890, Oscar Leal se encontrava na região sul de Goiás, onde faz suas últimas referências ao republicanismo. No primeiro aniversário da proclamação, organiza uma comemoração na cidade de Rio Verde com variados discursos , não passando a data despercebida “até mesmo nos sertões do Brazil, porque mais vale a boa vontade e o patriotismo de uns, do que a indifferença e falta de patriotismo de centenas de ignorantes que por toda parte pullulam” (LEAL, 1892 : 181). É interessante ressaltar que durante a passeata da alvorada na qual conduziam o estandarte da república, grande quantidade de pessoas negras e caboclas se aproximava para beijar a bandeira que julgavam ser a bandeira do Divino. A república procurou elaborar um imaginário através de símbolos que fazem parte da legitimação de qualquer regime político7. O episódio descrito por Leal demonstra a não associação desses símbolos pela população mais carente do interior. O último povoado a ser visitado pelo viajante é o de Jataí. Leal elogia muito a região por sua população com pensamentos modernos tendo como conseqüência um 5 CARVALHO, José Murilo de. Os Bestializados: O Rio de Janeiro e a república que não foi. São Paulo, SP: Companhia da Letras. 1987. p.13 6 Sobre o assunto ver JANOTTI, Maria de Lourdes Mônaco Janotti. O diálogo convergente: Políticos e historiaores no início da república. In: FREITAS, Marcos Cezar Freitas de. (org.) São Paulo, SP: Editora Contexto, 2000. 7 Sobre este assunto ver CARVALHO, José Murilo de. A Formação das Almas: O imaginário da República no Brasil. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 1990. 4 progresso sensível. Os homens mais ricos de Jataí eram os mais patriotas8 e compreendiam melhor o alcance das coisas. Ao sair de Jataí Leal se dirige ao Mato Grosso para de lá chegar à Argentina, conseguido melhores condições para voltar ao Rio de Janeiro. A obra de Oscar Leal mostra aspectos culturais, naturais e políticos das regiões em que o viajante percorre. A existência do movimento republicano fora do Rio de Janeiro fica evidente nas anotações feitas ao longo da viagem pelo estado de Goiás. Em diferentes áreas são defendidas as idéias republicanas tendo como conseqüência a criação de clubes ou de manifestos. Em geral, as pessoas que participavam de tais ações pertenciam às elites desses lugares e não viram muitas mudanças ao longo do primeiro ano, descrito por Leal, de República recém proclamada. O trabalho de Leal acrescenta aspectos importantes à historiografia goiana, assim como a historiografia brasileira relativa aos estudos sobre os movimentos republicanos do interior. 8 Em geral, quando Oscar Leal chamava alguém de patriota, referia-se aos adeptos, ou simpatizantes, do republicanismo. 5 BIBLIOGRAFIA CARVALHO, José Murilo de. Os bestializados: O Rio de Janeiro e a República que não foi. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 1987. _________________________ A formação das almas: O imaginário da república no Brasil. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 1990. FREITAS, Marcos Cezar de Freitas (org.). Historiografia Brasileira em Perspectiva. São Paulo, SP: Editora Contexto, 2000. HEYNEMANN, Cláudia Beatriz. O Teatro da Natureza. Revista Nossa História, Rio de Janeiro, nº 12, p. 46-51. Outubro, 2004 LEAL, Oscar. Viagem às Terras Goyanas (Brazil Central). Goiânia, GO: Editora UFG, 1980. NAXARA, Márcia Regina Capelari. Cientificismo e Sensibilidade Romântica: Em busca de um sentido explicativo para o Brasil no século XIX. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2004. 6