Revista Brasileira de Zootecnia
© 2011 Sociedade Brasileira de Zootecnia
ISSN 1806-9290
www.sbz.org.br
R. Bras. Zootec., v.40, p.317-324, 2011 (supl. especial)
Aspectos gerais do melhoramento genético em peixes no Brasil
Alexandre Wagner Silva Hilsdorf1, Laura Helena Orfão1
1
Universidade de Mogi das Cruzes, Laboratório de Genética de Organismos Aquáticos e Aquicultura (LAGOAA) - Rua Cândido Xavier de
Almeida Souza, 200, Mogi das Cruzes, São Paulo, 08780-911.
RESUMO - A maior demanda mundial por carne de peixe implica em melhoramento de novas espécies para atender ao
crescente mercado. Embora a ictiodiversidade brasileira seja grande, a escolha por algumas espécies para aplicação de programas
de melhoramento genéticos é necessária. Algumas características zootécnicas, como rápido crescimento e informações sobre
reprodução e larvicultura, além de características de mercado (formas de processamento e competitividade com outras espécies),
são necessárias para a escolha da espécie. Um programa de melhoramento genético baseia-se na diversidade genética intra e
interpopulacional, que resultará em novos fenótipos produzidos. Para a identificação dessa diversidade genética e o
acompanhamento dos resultados obtidos, algumas técnicas de biologia molecular têm sido utilizadas. A produção de híbridos
no Brasil tornou-se nas últimas décadas a forma mais usual de se obter material genético mais produtivo. A presença de híbridos
na estatística de produção comprova o bom resultado zootécnico do processo de hibridização entre espécies nativas, porém
a grande dificuldade de conter estes híbridos em cativeiro e a fertilidade podem constituir ameaça, a longo prazo, da integridade
dos recursos genéticos das populações selvagens, fonte de variabilidade para os programas de melhoramento. O desenvolvimento
de piscicultura de espécies nativas no Brasil e a transformação de algumas destas espécies em commodities agrícolas dependem
de uma série de ações coordenadas entre instituições de pesquisas e setor produtivo e de investimento, que muitas vezes não
atraem o setor privado, em razão da ausência de leis que protejam os direitos de uso de material genético melhorado por empresas.
Palavras-chave: aquicultura, DNA, espécies nativas, híbridos, piscicultura, variabilidade genética
General aspects of genetic improvement of fish in Brazil
ABSTRACT - The higher world demand for fish meat results in improvement of new species to attend the growing market.
Although the Brazilian ichthyodiversity is great, the choice of some species for application of genetic improvement programs
is necessary. Some characteristics of species such as rapid growth and information on breeding and larval rearing, and market
characteristics such as processing forms and competitiveness with other species, are necessary for the choice. A breeding
program is based on the genetic diversity within and between populations, which will produce new phenotypes. For the
identification of the genetic diversity and monitoring the outcomes, some molecular biology techniques have been used. The
production of hybrids in Brazil in the last decades has become the most common methodology to increase yield of fish native
species. The presence of hybrids in the Brazilian aquaculture statistical production shows the importance of interspecific
hybridization in the fish farming breeding programs in Brazil, but the problems to avoid escaping these hybrids into the
environment and the presence of fertile individuals may somehow jeopardize cause a the long-term integrity of genetic
resources of wild populations, the source of variability for breeding programs. The development of breeding programs of native
fish species in Brazil, and, consequently their transformation into agricultural commodities depend on a series of coordinated
actions between research institutions and productive sector as well as legal rights protection of improvement genetic material
developed by the private sector.
Key Words: aquaculture, DNA, fish production, genetic variability, hybrids, native species
Introdução
O melhoramento genético de peixes no mundo
A importância da carne de peixe para alimentação
humana tem transformado a piscicultura em uma fonte
essencial de alimento, além de aliviar a pressão de captura
sobre os estoques naturais de algumas espécies.
Correspondências devem ser enviadas para: [email protected]
Quando os peixes selvagens são transferidos para o
ambiente de cativeiro, um conjunto de pressões seletivas
passa a ter influência sobre a frequência dos genes. Este
processo, denominado domesticação, produz efeitos sobre
os indivíduos que podem ser observados dentro de poucas
gerações após a transferência. Como exemplo, a
domesticação do catfish do canal (Ictalurus punctatus),
318
Hilsdorf & Orfão
que aumentou a taxa de crescimento de 3 a 6% por geração.
A mais velha variedade domesticada (89 anos), denominada
variedade do Kansas, tem a mais rápida taxa de crescimento
de todas as variedades de catfish do canal (Dunham, 1996).
Por outro lado, a domesticação pode levar à endogamia e,
assim, promover alterações genéticas que darão origem a
fenótipos menos produtivos.
Assim como para outros animais terrestres de interesse
econômico, o melhoramento genético de peixes tem obtido,
ao longo dos anos, consideráveis resultados na produção
de fenótipos mais produtivos. Em espécies de peixes como
tilápias, carpas e salmonídeos, algum sucesso tem sido
alcançado (Hulata, 2001).
Com salmonídeos, um dos exemplos, destaca-se o
Programa de Desenvolvimento de Reprodutores de Salmão
do Atlântico, sigla em inglês ASBDP, uma parceria entre
pesquisadores e produtores comerciais, em Saint Andrew´s,
New Brunswick, no Canadá. O objetivo deste programa de
melhoramento é desenvolver uma variedade com uma
combinação ótima de taxa de crescimento rápido, boa
qualidade de carcaça e baixa incidência de maturidade
sexual precoce (Quinton, 2005). Uma particularidade deste
programa é que as leis ambientais de New Brunswick
regulamentam que somente o salmão-do-atlântico
descendente da população selvagem do rio Saint John pode
ser criado em cativeiro. Portanto, o melhoramento genético
depende da seleção e reprodução somente desta variedade.
Os parâmetros genéticos das características dessa
população e especificamente para o estoque ASBDP devem,
portanto, ser estimados para predizer como o estoque
fundador ASBDP irá responder a várias seleções e técnicas
de reprodução.
De origem natural da Ásia Central, a espécie Ciprinus
carpio se espalhou primeiro para a Ásia e Europa e depois,
mais recentemente, foi introduzida em quase todo o mundo,
onde as condições climáticas e o habitat são favoráveis à
espécie (FAO, 1999). Durante a longa história de
domesticação da carpa (Balon, 1995; Hulata, 1995), surgiram
estoques com grande variedade de características, como
diferenças nos padrões de coloração, formato de corpo,
assim como variação na taxa de crescimento e outras
características quantitativas. A mais notável variação
morfológica é observada entre as variedades ornamentais
(koi). Países como China, Indonésia e Vietnã, onde a
aquicultura de carpa é importante, mantêm planteis com
diferenças genéticas para características de interesse
econômico (Li & Wang, 2001; Thien & Trong, 1995;
Penmam et al., 2005).
Um exemplo recente de melhoramento genético com
base em metodologias cientificamente definidas foi realizado
com o desenvolvimento da variedade de tilápia
(Oreochromis niloticus) GIFT. Em 1988, iniciou-se, um
projeto de colaboração entre vários órgãos, chamado
Melhoramento Genético de Tilápias Criadas em Cativeiro,
sigla em inglês GIFT. Em uma das etapas, foi feita a
comparação do crescimento em várias condições ambientais
da progênie oriunda de 64 cruzamentos dialélicos feitos
entre oito variedades de tilápias, sendo quatro asiáticas
criadas em cativeiro e quatro africanas selvagens (Bentsen
et al., 1998). Após a obtenção de uma variedade melhorada,
a tilápia GIFT foi distribuída para quase todo o mundo,
sendo criada em diferentes condições climáticas,
mostrando a plasticidade do seu fenótipo.
Gjedrem (1997) afirmou que “atualmente, uma pequena
percentagem da produção aquícola vem de espécies
melhoradas, isto é, de animais que foram melhorados
geneticamente e não simplesmente domesticados”. A
situação descrita em 1997 permanece inalterada até o
presente.
O estado atual da piscicultura no Brasil
A produção de peixes e outros organismos aquáticos
em cativeiro é uma atividade em crescente expansão no
Brasil. Em 2004, essa produção foi de 179.737,50 t, sendo
que em 2007 o total de peixes proveniente de criação subiu
para 209.812,0 t, um acréscimo de aproximadamente 16%
(IBAMA, 2005, 2007).
As estimativas de produção de 2007 mostraram que,
apesar da relevante ictiodiversidade presente no Brasil, as
principais espécies utilizadas nos diferentes sistemas de
criação são as introduzidas de outros países, como tilápia
(45% da produção nacional), carpa (17% da produção
nacional), trutas (1% da produção nacional) e bagres (1%
da produção nacional). Das espécies nativas das bacias
hidrográficas brasileiras, o tambaqui é a espécie de maior
produção (30.598,50 t), que está concentrada principalmente
na região norte e nordeste (IBAMA, 2007).
Ao contrário das espécies introduzidas, como a tilápia
e a carpa, as espécies nativas reofílicas com potencial para
a piscicultura não se reproduzem em cativeiro, o que de
certa forma era um entrave técnico para obtenção de alevinos
e aumento dos produtos oriundos da aquicultura nacional.
Isto foi mudado com o desenvolvimento da reprodução por
indução hormonal em 1935 pelo Dr. Rodolpho T. W. G. von
Ihering (von Ihering, 1935, 1937). A técnica de hipofisação
permitiu que a piscicultura de espécies nativas no Brasil,
como pacu (Piaractus mesopotamicus), tambaqui
(Colossoma macropomum), pintado (Pseudoplatystoma
corruscans), entre outras, pudesse se desenvolver com a
produção massal de alevinos em cativeiro.
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Aspectos gerais do melhoramento genético em peixes no Brasil
Variáveis a serem consideradas em melhoramento genético
de peixes
Quando se pensa em melhoramento genético clássico,
isto é, a utilização de metodologias de cruzamentos e
seleção, são exemplos de sucesso de animais terrestre os
bovinos, suínos e aves. Algumas terminologias utilizadas
para animais terrestres não são usuais para aquicultura.
Raramente se verifica que foi desenvolvida uma raça de
peixe com padrões fenotípicos definidos. A utilização de
termos como linhagem genética tem sido muito usada para
determinada espécie que tenha passado por algum tipo de
programa de seleção. Contudo, em genética esta
terminologia não está correta, visto que o termo linhagem
deve ser entendido como “grupo de indivíduos idênticos
(homozigóticos) obtidos por sucessivas autofecundações
(vegetais), acasalamento entre indivíduos aparentados
(animais isogênicos) ou mesmo por ginogênese (peixes)”.
Na produção animal a utilização do termo raça é mais usual,
pois define um “grupo de animais de uma mesma espécie
com características comuns e, em alguma medida,
diferentes de outros indivíduos da mesma espécie e que
são capazes de transmitir essas mesmas características
aos seus descendentes. Já na agricultura, o termo
variedade é utilizado como “taxonomicamente uma
subdivisão de espécie, normalmente o termo é empregado
para populações melhoradas que diferem entre si em
caracteres de importância econômica” (Ramalho et al.,
2004). Este último termo já tem sido usado em trabalhos de
melhoramento de carpas que registra a utilização do termo
variedade para diferentes tipos de carpa (C. carpio var.
specularis, C. carpio var. nudus; C. carpio var. communis)
(Graeff & Pruner, 2000; Yan-Ou et al., 2005). A pergunta
que dever ser respondida no melhoramento de organismos
aquáticos, como peixes, é: qual o termo deverá ser
padronizado para indicar uma espécie submetida a um
programa de melhoramento: raça ou variedade? Por definição,
linhagem não é o termo geneticamente mais adequado.
A grande ictiodiversidade, de certa forma, é uma barreira
para o desenvolvimento de programas de melhoramento
genético em peixes no Brasil. A ictiofauna brasileira de água
doce compreende 2.300 espécies (Reis et al., 2003). Quais
espécies provenientes desta diversidade são aptas à
domesticação e possuem desempenho zootécnico para se
tornar uma espécie economicamente viável na cadeia
produtiva da piscicultura?
Para a escolha de uma espécie de peixe para piscicultura
e, consequentemente para um programa de melhoramento
genético, alguns critérios devem ser inicialmente propostos:
(i) A espécie possui potencial natural de crescimento?
319
(ii) Há informações sobre reprodução e larvicultura
da espécie?
(iii) Há conhecimento sobre a distribuição da
variabilidade genética da espécie na natureza?
(iv) Há variabilidade genética suficiente para se compor
um plantel inicial sobre o qual se processará a seleção?
(v) A espécie apresenta rendimento de filé, sem a
presença de espinhos em forma de “Y” (mioceptos), ou é
adequada para outra forma de processamento?
(vi) A espécie possui aceitação no mercado para
competir com outras espécies já estabelecidas
comercialmente?
(vii) A produção da espécie é economicamente
vantajosa?
Todas essas questões devem ser consideradas para
que uma espécie de peixe possa se tornar um produto
agrícola de valor agregado, isto é, uma commodity. Portanto,
mesmo com toda a ictiodiversidade, a piscicultura com
espécies nativas deve estar concentrada em algumas
espécies potenciais. Isto facilitará a aplicação de recursos
para o desenvolvimento de programas de melhoramento
genético de modo que, juntamente com o aprimoramento de
práticas de manejo, nutrição e marketing, produza raças ou
variedades de peixes. Assim, da mesma forma que na cadeia
produtiva de aves e suínos, os produtores de peixes teriam
acesso a um material genético superior que reflita nos
índices de produtividade.
A EMBRAPA coordena o projeto AQUABRASIL, que
objetiva contribuir para a modernização das cadeias
produtivas da aquicultura no Brasil (www.macroprograma1.
cnptia.embrapa.br/aquabrasil). Uma das metas deste projeto,
que envolve universidades, iniciativa privada e empresas
estaduais de pesquisas, é estabelecer programas de
melhoramento genético para o desenvolvimento de quatro
espécies de interesse para aquicultura: tilápia (O. niloticus),
tambaqui (C. macropomum), pintado (P. corruscan) e
camarão marinho (Litopenaues vannamei) (Resende, 2009).
A metodologia proposta para o melhoramento genético
pressupõe um ganho na taxa de crescimento de 15% a cada
geração melhorada e a transferência imediata dessas
gerações melhoradas para a produção de alevinos por parte
dos produtores.
A liderança da EMBRAPA no melhoramento genético
de outras espécies animais e vegetais pode, de forma
significativa, contribuir para a produção de raças ou
variedades melhoradas de peixes, fazendo com que o produtor
não busque mais seus planteis na natureza ou produza
híbridos interespecíficos como uma forma mais rápida de se
promover melhoramento genético.
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Hilsdorf & Orfão
A produção de híbridos no Brasil se tornou nas últimas
décadas a forma mais usual de se obter material genético
mais produtivo. O objetivo desta técnica de melhoramento
é encontrar combinações genéticas, no caso, entre diferentes
espécies que produzam descendentes fenotipicamente
superiores aos parentais, isto é, descendentes que exibam
vigor de híbrido.
A hibridização interespecífica tem sido usada em tilápias
como um método de melhoramento, por exemplo, para
produção de monosexo (O. niloticus x Oreochromis
hornorum) (Wohlfarth & Hulata, 1983) ou para produção de
variedades mais resistentes a águas salobras (O. niloticus
x Oreochromis mossambicus) (Macaranas et al., 1986). No
Brasil, um dos primeiros híbridos a ser produzido e
estabelecido nas pisciculturas brasileiras foi o tambacu,
cruzamento da fêmea do tambaqui (C. macropomum) com o
macho do pacu (P. messopotamicus). Hoje ambos tambacu
e tambatinga, resultado do cruzamento da fêmea do tambaqui
com o macho da pirapitinga amazônica (Piaractus
brachypomum), já são registrados nos levantamentos de
produção aquícola brasileira, com produção de 10.854,00 t
(5% do total) e 2.028,00 t (1% do total), respectivamente.
Nas pisciculturas brasileiras já podem ser encontrados
diversos híbridos, como cruzamento entre o pintado
P. corruscans e a cachara Pseudoplatystoma reticulatum
(Carvalho et al., 2008; Prado et al., 2011) e as hibridizações
entre espécies do mesmo gênero. Mais recentemente
têm-se produzido também híbridos intergenéricos, como o
pintado-da-amazônia, que é o cruzamento entre o cachara
(P. corrucans) e o jundiá amazônico (Leiaurios
marmoratus), que apresenta características zootécnicas
superiores — rápido crescimento, cabeça pequena, aceitação
de ração de baixo teor de proteínas (ração mais barata) e
carne saborosa.
A presença de híbridos na estatística de produção,
apesar de apresentar o bom resultado zootécnico do
processo de hibridização como método de melhoramento
genético entre espécies nativas, levanta sérias
preocupações sobre o escape destes híbridos e sua
introgressão genética com as populações selvagens
(Hashimoto et al., 2010). A grande dificuldade de se conterem
estes híbridos em cativeiro e a fertilidade de alguns podem
de certa forma acarretar ameaça a longo prazo da integridade
dos recursos genéticos das populações selvagens, fonte
de variabilidade para os programas de melhoramento.
Desta forma, para não apostar em uma possível depleção
futura destes recursos genéticos, a opção sustentável com
menor impacto sobre as populações selvagens é a aplicação
de metodologias da genética quantitativa por meio de
processos de melhoramento intra-específico, utilizando-se
a variabilidade genética presente nestas populações para
produção de planteis zootecnicamente superiores. Embora
os peixes melhorados apresentem diferenças genéticas em
relação a populações selvagens, caso ocorra escape destes
animais, o impacto sob as populações selvagens será menor.
Como começar um programa de melhoramento genético
A implantação de um programa de melhoramento deve
ter como base a formação de um plantel de reprodutores que
apresentem o máximo de variabilidade genética que se
possa manter em cativeiro. Esta variabilidade é o ponto de
partida para mensurar as diferenças genéticas entre
populações e iniciar um programa de seleção. Para adoção
de programas de melhoramento genético, deve-se considerar
a capacidade do produtor de adotar sistemas de controle
que permitam usar os registros de seleção para um
planejamento a longo prazo, cujos resultados possam ser
observados nos alevinos produzidos. Uma vez iniciado o
processo de seleção no plantel, estoques selvagens não
devem mais ser introduzidos no programa, pelo risco de se
perder o material selecionado ao longo das gerações. É
importante salientar que a resposta a programas de seleção
muitas vezes é local, devido às interações dos genótipos
selecionados com o meio ambiente.
O efeito de um programa de melhoramento genético na
produtividade de uma espécie é apresentado na Figura 1.
A manutenção de um número efetivo de reprodutores
é importante, pois a composição de um plantel leva
inevitavelmente ao “efeito fundador”, no qual se perde boa
parte da variação genética do estoque, antes mesmo da
geração F1. Quando o numero efetivo é pequeno, baixa
variação genética e futuros cruzamentos endogâmicos
levarão à diminuição de produtividade (depressão por
consanguinidade). É importante salientar que, em um
programa de melhoramento, 100 a 200 reprodutores devem
Seleção seguida por hibridização
intra-específica
Seleção
Produção (kg/ha)
320
Hibrído inter ou intra especifico
Melhor variedade por testes de
produtividade
Sem melhoramento; sem depressão
por consangüinidade ou deriva genética.
Efeito fundador; depressão
por consangüinidade ou deriva genética.
Gerações
Fonte: Adaptado de Tave (1992).
Figura 1 - Diagrama esquemático da produção através das gerações
usando vários programas de melhoramento.
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Aspectos gerais do melhoramento genético em peixes no Brasil
ser selecionados a cada geração. Isto permitirá ao melhorista
utilizar 25 fêmeas e 25 machos para reprodução a cada
geração, assim, os problemas com depressão por endogamia
poderão ser minimizados por pelo menos 5 gerações (Tave,
1999). Esse número efetivo deve considerar também algumas
características biológicas das espécies, como mortalidade
antes da maturidade sexual e sucesso da desova. A
representação da totalidade da variação genética nos
reprodutores escolhidos é fundamental para se estabelecer
um programa de melhoramento genético em que se aplique
a metodologia de genética quantitativa.
A caracterização genética e a marcação individual dos
reprodutores são fundamentais para o sucesso do
melhoramento de maneira, com vistas à prevenção dos
endocruzamentos. As técnicas de reprodução artificial
podem também ser uma alternativa para melhorar o número
efetivo. Se, por exemplo, após a extrusão, os ovócitos
forem divididos em lotes e fertilizados cada lote com sêmen
de machos diferentes, pode-se maximizar o número efetivo
de reprodutores. Ainda sob este aspecto, as tecnologias
de conservação do sêmen podem ser úteis durante a
reprodução artificial.
A conservação de sêmen tem como vantagens a redução
de custos na manutenção de estoques de reprodutores, a
maior praticidade no momento da reprodução artificial, uma
vez que somente a fêmea é manipulada, a eliminação de
problemas de assincronia da maturidade gonadal entre
machos e fêmeas, o armazenamento de material de estoques
silvestres e a facilidade de troca de material genético entre
laboratórios de reprodução, sem risco de transmitir doenças.
Além dessas vantagens, é possível assegurar a variabilidade
para futuros programas de melhoramento genético e
igualmente, considerando os riscos potenciais de redução
da diversidade genética por degradação ambiental e
sobrepesca, propiciar o armazenamento de sêmen de peixes
para a conservação de sua diversidade genética.
A medida das diferenças genética: a contribuição da
biologia molecular
A adaptabilidade relativa ou valor adaptativo (fitness)
é uma medida importante da plasticidade fenotípica. Este
conceito é o resultado das relações entre os genótipos e os
fatores ambientais que produzem fenótipos mais ou menos
adaptados. Assim, diversidade genética intra e
interpopulacional é um fator chave para que novos fenótipos
sejam produzidos. Neste ponto, a heterozigosidade e o
valor adaptativo de uma população se encontram. A
existência da relação entre heterozigosidade e valor
adaptativo foi demonstrada por uma meta-análise, que
mostrou uma relação altamente significativa que explica
321
19% da variação genética ao valor adaptativo (Reed &
Frankham, 2003).
Características genéticas quantitativas, isto é,
controladas por vários genes relacionados à adaptabilidade,
cuja expressão do fenótipo apresenta pronunciada
influência ambiental, estão geralmente correlacionadas ao
número de loci em heterozigose de um indivíduo
(Mitton & Grant, 1984; Allendorf & Leary, 1986). A
relação entre heterozigose para loci aloenzimáticos e
valor adaptativo de características como viabilidade,
resistência a doenças, taxa de crescimento, fecundidade e
eficiência fisiológica foi revisada para peixes do grupo dos
salmonídeos (Wang et al., 2002). Este estudo mostrou que
as correlações entre heterozigosidade e valor adaptativo
variam, e apesar de geralmente esta correlação ser tênue,
existem características sobre as quais correlações positivas
foram encontradas. Esta abordagem não tem sido muito
explorada para espécies de peixes neotropicais, que, por
estarem sujeitos a ambientes de variações extremas, podem
ser um modelo adequado para melhor entendimento entre
heterozigosidade e valor adaptativo.
O conhecimento das diferenças inatas entre peixes de
diferentes populações genéticas, como resultado dos
processos evolutivos, é uma etapa importante em
programas de conservação de populações selvagens e em
melhoramento genético. Respostas a fatores de estresse
em peixes — assimilação de oxigênio dissolvido,
mobilização de energia para os processos fisiológicos,
supressão de fatores imunológicos entre outros — são
bem conhecidas, principalmente em peixes que vivem em
ambientes naturais desfavoráveis ou em ambientes de
cultivo (Bonga, 1997; Vandeputte & Prunet, 2002). Padrões
de expressão de genes relacionados às respostas a
condições de estresse podem diferir em peixes de
populações geneticamente diferentes (Iwama et al., 1992;
Pottinger & Carrick, 1999; Picard & Schulte, 2004).
A base de qualquer programa de melhoramento genético
reside nas diferenças de caracteres herdáveis encontradas
principalmente entre populações. A conservação da
integridade genética destas populações é, então, um objetivo
a ser alcançado para o sucesso de um programa de
melhoramento genético. Logo, a caracterização das
populações selvagens de uma espécie de peixe alvo para um
programa de melhoramento é uma etapa fundamental para
verificar se as diferenças genéticas encontradas por meio
de marcadores bioquímicos ou moleculares são encontradas
também nos processos fisiológicos adaptativos (Holtsmark
et al., 2008). Além disso, esta caracterização tem um caráter
estratégico, pois, de acordo com a Convenção Internacional
de Direitos de Recursos Genéticos (Jaramillo & Baena,
R. Bras. Zootec., v.40, p.317-324, 2011 (supl. especial)
322
Hilsdorf & Orfão
2000), os direitos sobre os recursos genéticos de um país
passam pela devida avaliação e caracterização destes
recursos.
As variações genéticas existentes entre populações
que podem indicar níveis de isolamento genético são
evidenciadas por marcas presentes no longo do genoma
mitocondrial e nuclear. O isolamento leva a mudanças nas
frequências gênicas de populações e ao acúmulo de novas
mutações que não são compartilhadas pelo processo de
fluxo gênico. Ao se medir o grau de diferenciação genética
entre populações, na verdade trata-se indiretamente da
possível variabilidade genética em loci que estejam
envolvidos em fenótipos relacionados a processos
adaptativos.
A quantificação mais precisa das diferenças genéticas
entre indivíduos e populações avançou significativamente
com o desenvolvimento de tecnologias moleculares que
possibilitaram identificar as regiões do genoma que
continham essas diferenças. Estas marcas ao longo do
genoma são conhecidas como marcadores genéticos, que
podem ser desde o polimorfismo de proteínas a variações
nucleotídicas de sítio único, conhecidas como SNP (Single
Nucleotide Polymorphism). Atualmente, mesmo com maior
acessibilidade aos processos de sequenciamento total de
um genoma em vários laboratórios do mundo (Goetz &
Mackenzie, 2008), o uso de marcadores moleculares em
estudos populacionais ainda é o método mais usado.
O uso de marcadores baseados no DNA permite uma
avaliação das relações filogenéticas entre espécies,
gêneros e famílias, bem como entre populações. A
vantagem é que as diferenças encontradas nas sequências
de DNA não são modificadas pela ação do ambiente, como
nos marcadores morfológicos ou mesmo nos marcadores
proteicos (aloenzimas e isoenzimas), pois são fixadas no
momento da fertilização. No desenvolvimento de
marcadores moleculares, procura-se escolher regiões nãocodificadoras de proteínas e, assim, tais regiões são
consideradas neutras em relação aos potenciais efeitos da
seleção natural. Desta forma, ao se medir a diferença
genética entre duas regiões homólogas de DNA entre dois
indivíduos, busca-se estimar quantitativamente o tempo
em que estes dois indivíduos compartilhavam um ancestral
em comum. Ao se avaliarem as diferenças genéticas com
marcadores neutros, trata-se da estimativa indireta da
variabilidade genética subjacente em genes envolvidos
nos processos de adaptabilidade e evolução de uma
população (Nguyen et al., 2006).
Diversos marcadores genéticos têm sido desenvolvidos
com base na sua herança e padrão de evolução (Park &
Moran, 1994). Um marco no aprimoramento e na
universalização do uso de marcadores moleculares foi o
desenvolvimento da técnica da reação em cadeia da
polimerase - PCR (Saiki et al., 1988). O sequenciamento
automático do DNA veio como consequência da técnica da
PCR, tornando a publicação de sequências do DNA uma
atividade rotineira. Isto pode ser constatado pela quantidade
de sequências disponibilizadas no GeneBank (National
Center for Biotechnology Information - http://
www.ncbi.nlm.nih.gov/), que de certa forma tem facilitado
o uso da técnica da PCR em diversos táxons.
Estudos genéticos em populações de peixes têm sido
realizados utilizando-se marcadores bioquímicos e
moleculares como aloenzimas/isoenzimas, RAPD (Randomly
Amplified Polymorphic DNA - polimorfismo de DNA
amplificado ao acaso), SPAR (Single Primer Amplification
Reaction – reação de amplificação com primer único), RFLP
(Restriction Fragment Lenght Polimorphism - polimorfismo
de comprimento de fragmentos de restrição), AFLP
(Amplified Fragment Length Polymorphism - polimorfismo
de comprimento de fragmentos amplificados), VNTR
(Variable Number Of Tandem Repeats - número variável de
repetições em tandem – minissatélites) e STR (Short Tandem
Repeats – repetições curtas em tandem) (Marques, 2002;
Oliveira et al., 2009). As técnicas citadas geralmente utilizam
as informações contidas no genoma nuclear. Contudo, o
polimorfismo encontrado no DNA mitocondrial, bem como
suas características genéticas — herança materna, genoma
haploide, ausência de recombinação, sensibilidade aos
efeitos da deriva genética e alta taxa evolutiva (Brown,
1985) — fizeram deste genoma uma excelente fonte de
informações genéticas para estudos taxonômicos e
populacionais (Kocher et al., 1989; Palumbi et al., 1991). Um
detalhamento técnico do uso dos marcadores moleculares,
suas aplicações em estudos genéticos e os protocolos
laboratoriais utilizados estão amplamente discutidos e podem
ser encontrados em Ferreira & Grattapaglia (1998). As
vantagens e desvantagens do uso dos marcadores
moleculares em estudos genéticos têm sido amplamente
discutidas, bem como sua contribuição para questões que
envolvem a conservação e manejo de estoques pesqueiros
e aquicultura (Allendorf et al., 1987; Ward & Grewe, 1994;
Carvalho & Pitcher, 1994; Liu & Cordes, 2004). Silva &
Russo (2000), em levantamento bibliográfico, evidenciaram
1.291 artigos que utilizaram marcadores moleculares para
abordar as seguintes questões: (i) análise da variação
genética e identificação de indivíduos, (ii) análise da variação
genética dentro de populações, (iii) análise da variação
genética entre populações e (iv) análise da variação genética
acima do nível de espécie. Constatou-se que a maioria dos
artigos utilizou a técnica do RFLP (44%), seguida do RAPD
R. Bras. Zootec., v.40, p.317-324, 2011 (supl. especial)
323
Aspectos gerais do melhoramento genético em peixes no Brasil
(14%), STR (8%) e do VNTR (5%). O sequenciamento foi
utilizado por 18%, principalmente para questões de
sistemática molecular. No período analisado, a maioria dos
artigos (54%) utilizou o DNA mitocondrial como fonte de
variação genética para os estudos.
A produção de um mapa de ligação saturado de marcas
genômicas pode servir de ancoragem para se identificar
regiões responsáveis por uma proporção significante de
variação em uma característica quantitativa, também
conhecido como locus de um caráter quantitativo, sigla em
inglês para QTL (Almeida et al., 2009). QTLs têm sido
identificados para o desenvolvimento da seleção assistida
por marcadores (MAS) considerados de extrema utilidade
em programas de melhoramento genético, como
complementos da estimativa de valores genéticos (Davis &
Denise, 1998). De acordo com Davis & Hetzel (2000), a
identificação de marcadores ligados a QTL é uma técnica
dispendiosa, porém pode produzir benefícios para uma
característica específica.
Alguns estudos têm indicado que a seleção assistida
pode aumentar a resposta de seleção. Em particular, para
características medidas após a seleção, a taxa de
melhoramento genético pode ser aumentada
significativamente.
Considerações Finais
O desenvolvimento da piscicultura de espécies nativas
no Brasil e a transformação de algumas destas espécies em
commodities agrícolas dependem de uma série de ações
coordenadas entre instituições de pesquisas e o setor
produtivo, que ao longo dos anos alcançou níveis de
produtividade extraordinários em setores como avicultura,
bovinocultura e agricultura. Programas de melhoramento
dependem de investimentos que muitas vezes não atraem
o setor privado, em razão da ausência de leis que protejam
os direitos de uso de material genético animal melhorado
por empresas. Não obstante, devido às diferenças
regionais, programas de melhoramento relativamente
baratos e com a aplicação de técnicas simples de seleção
podem ser implantados para pequenos produtores rurais
em espécies com importância regional. Um programa de
seleção aliado à melhor prática de manejo pode ser
integrado de maneira a encorajar o pequeno produtor a
enxergar no aumento da produtividade os bons resultados
desta integração.
As técnicas de biologia molecular atualmente utilizadas
em diversas áreas da produção animal, inclusive em espécies
como o salmão e a tilápia para a geração de QTLs e o
sequenciamento total de genomas, têm sido utilizadas
timidamente em espécies de interesse para a piscicultura
de espécies nativas. A massa crítica e a infraestrutura
estão espalhadas nos diversos laboratórios de
universidades e centros de pesquisa nacional. Os
resultados gerados da genômica, somados à genética
quantitativa, podem gerar conhecimento suficiente para o
aumento da produtividade de peixes e outros organismos
aquáticos da aquicultura nacional.
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